Cunha e Silva Filho
O Rio de Janeiro vive, agora, dias difíceis e, apesar disso, a cidade resiste aos solavancos que recebe de
todos os lados: violência altíssima, arrastões, desemprego, estupros a cada duas horas, tráfico, quadrilhas com facínoras armados até os dentes e com poderio
de armamentos muito acima do arsenal dos policiais, greves de professores estaduais e de outras
categorias. Isso tudo acontecendo às
portas de um dos mais importantes, senão o mais importante evento
desportista do mundo, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, com sede na Cidade
Maravilhosa.
Ora,
o quadro é multifacetado, um
verdadeiro caleidoscópio, no qual se podem vislumbrar o lado perverso e
o lado ainda festivo da cidade. Esses
contrastes e confrontos tornam a cidade
um espaço complicado, um esfinge a ser decifrada.
A superposição de realidades enfrentadas pelo Rio de Janeiro, essa
desordem urbana polimorfa, mistura do bom e do péssimo, da beleza e da fealdade, do antigo e do contemporâneo, talvez seja a melhor resposta para a questão que nos desafia a toda a hora: Como pode a
cidade sobreviver a tantos ataques sem
jamais deixar de continuar sua
vida tumultuada com um povo se
divertindo? É bem provável que essa dimensão entre o céu e o inferno, entre o antigo e o moderníssimo, en ter a fé
e a aparente ausência desse sentimento, entre o ruído e o silêncio de seus
mosteiros, a torne uma cidade exemplarmente barroca.
Sabe-se que seu povo
continua a comparecer aos lugares de sempre, os seus restaurantes, sobretudo
nos fins de semana, as suas igrejas
católicas, lindas, no geral, os seus templos
evangélicos, a sua multiplicidade de
crenças religiosas, os seus lugares turísticos, os seus botecos conhecidos, o seu Centro com todas as suas mazelas e riscos, o seu
trânsito completamente mudado com a modernização da zona
portuária, com o transporte sobre trilhos, o VLT, com o seus engarrafamentos (mesmo há muito tempo, o Rio teve sempre
engarrafamentos, posto que em nível menor)
por toda a parte, com os seus teatros e casas de shows, as suas praias magníficas, com o seus habitantes e seu sotaque
chiado e alguns traços da
antiga malandragem de certos lugares da Lapa.
O Rio, a despeito de todas as pressões
adversas, continua com o seu subúrbio de vida mais vagarosa e descontraída, bastante diferente
dos bairros da Zona Sul, parecendo termos dois Rio de Janeiro, além
dos majestosos bairros da Barra e do
Recreio dos Bandeirantes, da Zona Oeste
mais pobre e algo
esquecida, da Zona Norte em que o bairro da Tijuca se
destaca anda por sua antiga majestade do tempo do Império (no bairro
morou, se não me engano, José de Alencar (1829-1877), grande romancista do
Romantismo, morou, por pouco tempo também, o poeta condoreiro Castro Alves, 1847-1871)), de um outro bairro da Zona Norte, o Méier,
lugar bem adiantado e que guarda algumas semelhanças com os bairros mais ricos.
É essa paisagem diversificada que
torna talvez o Rio uma cidade singular e
fascinante ainda aos olhos de outras
regiões do país. Um amigo meu da Bahia me disse uma vez que prefere esse
frenesi carioca a qualquer outra cidade brasileira. Por que o Rio de Janeiro
é impregnada dessa magia, desse canto de sereia que, uma vez vindo para cá, por mais árdua que se torne a nossa
vida, não temos com explicar por
que não deixamos a cidade de São Sebastião?
Essa pergunta, muitas vezes, já me fez
e não consigo dar a ela um resposta, como
também não sei como responder a alguém que me perguntou o motivo de eu não ter voltado para da minha terra nos dias mais espinhos
da minha vida. Uma
professora minha, uma das melhores que
tive e que me deu aulas de conversação
inglesa e um
curso sobre a obra de William Shakespeare (1564-1616) uma vez, há
muitos anos, me fez um comentário, ou
melhor, me fez uma sugestão: “Por que,
Francisco, não volta, depois de formado, para o seu Estado natal e lá inicia sua vida
profissional no magistério?”
Não me lembro de que lhe tenha respondido. Talvez não lhe tivesse dito nada,
mas apenas lhe sorrido. Minha professora, há longos anos, vive nos EUA,
onde foi uma vitoriosa, lecionando em universidades aquilo de que mais gostava:o teatro shakespeariano, sobretudo com uma abordagem
de dar aula sobre o bardo inglês através
dos recursos da encenação.
Penso que o Rio de Janeiro, tal como
Paris, ainda, em alguns traços, constitui uma espécie de
“vitrine cultural” do Brasil, tal
como Paris o é para a França.
Se São Paulo tem mais variedades de
seu espaço cultural, de centros de
pesquisas, o Rio de Janeiro mantém ainda um halo da cultura literária, dos tempos idos, dos tempos, por exemplo, da
vida na Rua do Ouvido (abordada no livro Memórias da Rua do Ouvidor, livro de Joaquim Manuel de Macedo
(1820-1882), das suas livrarias, com a presença de escritores vindos de toda a
parte do país a buscar fama e notoriedade
nacional, da Livraria Garnier, da
Livraria São José, dos encontros de intelectuais da Belle Époque na tradicional Confeitaria Colombo da atual Rua Gonçalves Dias (há
ainda uma outra em Copacabana) dos passeios de senhoras vestidas na última moda, de senhores encasacados elegantemente vestidos, com bengala e chapéu da moda pela
Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco), fazendo o seu footing, ou, parados nas calçadas, palestrando
alegremente sobre os assuntos do momento. Na rua, a presença de alguns
veículos da época, como tílburis,
cabriolés, carroças puxadas pelas mãos
de pessoas humildes levando quinquilharias
para algum lugar afastado do Centro.
Incrivelmente, o Rio de Janeiro é
assim, contraditoriamente barroco e
pós-moderno, ora alegria, festa, ora
tragédia, ora ainda um prazer inesquecível ao olhar de quem sabe e quer por ele se apaixonar.
Nada como um belo passeio pela cidade maravilhosa, com idas e voltas, e alguns detalhes a mais, amigo! Belo texto! Parabéns!
ResponderExcluirEstimado Givaldo Quinzeiro:
ExcluirImitando um amigo, diria: "É bom ouvir isso de V". Vamos mnanter contatos.
Um forte abraço
Cunha e Silva Filho