domingo, 19 de junho de 2016

UM RIO DE JANEIRO BARROCO E PÓS-MODERNO.

     



                                                         Cunha e Silva Filho



         O Rio de Janeiro vive, agora,  dias difíceis e, apesar disso,  a cidade resiste aos solavancos que recebe de todos os lados: violência altíssima, arrastões, desemprego, estupros a cada  duas horas,  tráfico, quadrilhas com facínoras  armados até os dentes  e com  poderio  de armamentos muito acima do  arsenal dos policiais,  greves de professores estaduais e de outras categorias. Isso tudo acontecendo  às portas de um dos mais  importantes,  senão o mais importante  evento  desportista do mundo, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, com sede na Cidade Maravilhosa.
        Ora,  o quadro  é multifacetado,  um  verdadeiro caleidoscópio, no qual se podem vislumbrar o lado perverso e o lado ainda  festivo da cidade. Esses contrastes e confrontos  tornam a cidade um espaço  complicado, um  esfinge a ser decifrada.
      A superposição de realidades  enfrentadas pelo Rio de Janeiro, essa desordem urbana polimorfa, mistura do bom e do péssimo,  da beleza e da fealdade,   do antigo e do contemporâneo,   talvez seja a melhor  resposta para a questão   que nos desafia a toda a hora: Como pode a cidade  sobreviver a tantos ataques  sem  jamais  deixar de continuar sua vida  tumultuada com um povo se divertindo? É bem provável que essa dimensão entre o céu e o inferno,  entre o antigo e o moderníssimo, en ter a fé e a aparente ausência desse sentimento, entre o ruído e o silêncio de seus mosteiros, a torne uma cidade exemplarmente barroca.
       Sabe-se que seu  povo  continua a comparecer   aos lugares  de sempre, os seus restaurantes, sobretudo nos fins de semana,  as suas igrejas católicas, lindas, no geral, os seus templos  evangélicos, a sua multiplicidade de   crenças  religiosas,  os seus lugares turísticos,  os seus botecos   conhecidos, o seu Centro   com todas as suas mazelas e riscos, o seu trânsito  completamente  mudado com a modernização  da zona  portuária, com  o transporte sobre  trilhos, o  VLT,  com o seus engarrafamentos (mesmo  há muito tempo, o Rio teve sempre engarrafamentos, posto que em nível menor)  por toda a parte, com os seus teatros e casas de shows, as suas praias  magníficas, com o seus habitantes  e seu sotaque  chiado e alguns traços  da antiga  malandragem  de certos lugares  da Lapa.
        O Rio, a despeito de todas as pressões adversas, continua com o seu subúrbio de vida mais  vagarosa e descontraída, bastante  diferente  dos bairros da Zona Sul, parecendo termos dois Rio de Janeiro, além dos  majestosos bairros da Barra e do Recreio dos Bandeirantes, da Zona  Oeste mais  pobre  e  algo esquecida, da Zona Norte em que o bairro da Tijuca  se  destaca  anda por sua antiga  majestade do tempo do Império (no bairro morou,  se não me engano, José de Alencar (1829-1877), grande romancista  do Romantismo,  morou, por  pouco tempo também, o poeta condoreiro  Castro Alves, 1847-1871)),  de um outro bairro da Zona Norte, o Méier, lugar bem adiantado e que guarda algumas semelhanças com os bairros mais  ricos.
   É essa paisagem diversificada que torna talvez o Rio uma cidade  singular e fascinante  ainda aos olhos  de outras  regiões do país. Um amigo meu da Bahia me disse uma vez que prefere esse frenesi carioca a qualquer outra cidade brasileira. Por que o Rio de Janeiro é  impregnada dessa magia,  desse canto de sereia que, uma vez vindo para cá,  por mais árdua que se torne a nossa vida,  não temos com explicar por que  não deixamos  a cidade de São Sebastião?  
     Essa pergunta, muitas vezes, já me fez e não consigo  dar a ela um resposta, como também não sei como responder a alguém que me perguntou  o motivo de eu não ter voltado  para da minha terra nos dias mais  espinhos  da minha vida.  Uma professora  minha, uma das melhores que tive e que me deu  aulas de conversação inglesa   e  um curso  sobre a obra de  William Shakespeare (1564-1616) uma vez, há muitos anos,  me fez um comentário, ou melhor,   me fez uma sugestão: “Por que, Francisco,  não volta,  depois de formado, para  o seu Estado natal e lá inicia sua vida profissional  no magistério?”
      Não me lembro de que lhe tenha  respondido. Talvez não lhe tivesse dito nada, mas apenas lhe sorrido. Minha professora, há longos anos,  vive nos EUA,  onde foi uma vitoriosa, lecionando em universidades  aquilo de que mais gostava:o teatro  shakespeariano, sobretudo com uma abordagem de dar aula sobre o bardo inglês  através dos recursos  da encenação.
     Penso que o Rio de Janeiro, tal como Paris,  ainda, em alguns  traços, constitui  uma espécie de  “vitrine cultural” do  Brasil, tal como Paris o é para a França.
    Se São Paulo tem mais variedades de seu espaço cultural,  de centros de pesquisas,   o Rio de Janeiro mantém  ainda um halo da cultura  literária, dos tempos idos,  dos tempos, por exemplo,  da  vida na Rua do Ouvido (abordada no livro Memórias da Rua do Ouvidor, livro de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882),  das suas livrarias,  com a presença de escritores vindos de toda a parte do  país a buscar fama e notoriedade nacional, da Livraria  Garnier, da Livraria São José, dos encontros de intelectuais da Belle Époque na tradicional Confeitaria  Colombo da atual Rua Gonçalves Dias (há ainda  uma outra em Copacabana)  dos passeios de senhoras  vestidas  na última moda, de  senhores encasacados elegantemente  vestidos, com bengala e chapéu da moda   pela  Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco), fazendo o seu footing, ou, parados nas calçadas,  palestrando  alegremente sobre os assuntos do momento. Na rua, a presença de  alguns  veículos da época, como  tílburis, cabriolés, carroças puxadas pelas mãos  de pessoas  humildes levando quinquilharias para algum lugar  afastado do Centro.  
     Incrivelmente, o Rio de Janeiro é assim, contraditoriamente  barroco e pós-moderno, ora alegria,  festa, ora tragédia, ora ainda um prazer inesquecível ao olhar  de quem sabe e quer  por ele se apaixonar.
         
   
       

         

2 comentários:

  1. Nada como um belo passeio pela cidade maravilhosa, com idas e voltas, e alguns detalhes a mais, amigo! Belo texto! Parabéns!

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    1. Estimado Givaldo Quinzeiro:

      Imitando um amigo, diria: "É bom ouvir isso de V". Vamos mnanter contatos.
      Um forte abraço
      Cunha e Silva Filho

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