Cunha e Silva Filho
“Não me
lembro de nenhum presidente que, após ser eleito, desapareça da vista da nação, como fez Dilma” (Ferreira Gullar, Ilustrada,
Folha de São Paulo, 8/02/2015).
Aquela velhinha macérrima que, com gestos
rápidos, entrou no banco, pegou
a senha depois de esperar uns
dois ou três minutos, foi sentar-se numa das cadeiras enfileiradas
formando um conjunto de assentos para
serem usados à espera da ordem
mostrada na tela daquela espécie
de quadro eletrônico com números e prefixos referentes
à ordem geral das chamadas.
Da
minha parte, já me encontrava sentado na primeira fileira; a velhinha ficara atrás
de mim. Foi assim que pude escutar
alguns comentários que ela fazia
a uma jovem senhora
sentada ao seu lado. A velhinha
era elétrica, falava muito
e depressa, mas de forma
clara e audível. A sua conversa girava em torno das dificuldades da
vida moderna, fazendo
questão de acentuar
os caros valores do passado que,
praticamente, já se sepultaram na contemporaneidade de um bairro, no caso, o da Tijuca:
“Outrora, sabe,
tudo era melhor em todo o sentido: não havia esta
maldita violência , esta correria, o medo de ser
assaltada. Certa vez, não faz muito tempo, me
roubaram umas notas de
reais que deixara numa
parte dessa bolsa.” Aí a velhinha apontava
exatamente o lugar da bolsa
onde o dinheiro fora
surrupiado por uma
batedor de carteira.
Continuava
a velhinha: “Não aguentava mais
tanta dificuldade para se receber
um pensão. O pior é que todo mundo sabe a respeito de nossos dados
pessoais de tal sorte que, se o
gerente não for honesto,
é até possível nos
enganar, ainda mais sabendo
que está lidando com uma pessoa de
setenta e três anos.”
Foi, então, que
olhei atentamente pra ela e verifiquei
que a idade mencionada não corresponderia à verdadeira
idade dela. Pra mim, já entrava
na casa dos oitenta.Estava engelhadinha, com aqueles lindos
olhos azuis circundados
pela pele flácida. Além disso, falava que
seu filho mais novo
tinha vinte e cinco anos (sic!) e, sendo
inteligente, segundo alegava, já andava
fazendo o segundo curso
superior, desta vez de medicina.
“Você já viu,
hoje em dia, quando um
jovem até bem vestido olha
com atenção pra gente, não é com a ideia
de dirigir um elogio à nossa beleza, mas sim pra assaltar-nos. Ninguém hoje
confia em ninguém e, em assuntos de banco, algumas gerentes
se atrapalham com o próprio
desempenho do que fazem. Aqui nesta
agência, havia uma gerente, uma
doce criatura, amável, prestativa,
resolvia tudo pra mim, até por telefone”
A velhota
magrinha voltava ao tema do passado,
expondo, em
tom nostálgico, o quanto
a cidade do Rio de Janeiro era melhor:
“Podia-se voltar pra casa
bem tarde, não havia trombadinha,
assalto à mão armada,
enfim, todas essas
mazelas atuais. Tempos bons, tempos felizes, quando se podia
ficar à vontade na rua, na condução,
em tudo.” Mostrei
com o meu olhar que aprovava tudo que me dizia. A jovem senhora ao lado
dela igualmente concordava
com a visão da velhinha.
De repente, ela, mudando de assunto, falou que o país
estava todo sucateado, contudo nesta
palavra podia conter
todos os problemas graves que o
Brasil atravessa: corrupção, violência
sem precedentes, falta de
respeito aos velhos, desconfiança de tudo que os
políticos afirmam nas campanhas. “Não posso
acreditar em nenhum
governante. Todos são a mesma coisa. Prometem tudo e
nada cumprem. Não viu o que a Dilma anda fazendo em seu governo, e logo no início do seu segundo mandato ?
Antes da campanha,
enumerou um série de
mudanças que só melhorariam
a condição do cidadão brasileiro. E veja agora, descumpriu
tudo e sobretudo a direção da economia.
Mudou o ministro
desta Pasta que, segundo
dizem, fica doidinho pra cortar
despesas e aumentar
os impostos. O custo de vida está
subindo, os juros, idem. Estão
desvalorizando todo o nosso dinheiro de
pensionista federal. Estamos encalacrados.
A Dilma, aonde vai,
é vaiada. É sinal de que parte do povo, ou melhor, uma expressiva parte, não
aprova o que anda fazendo. Se fosse mais jovem, iria, no dia 15, tomar parte nas
manifestações contra o
governo Dilma lá na Zona Sul. É
mesmo na Zona Sul?” Não
confirmei. Entretanto, o
que aquela velhinha de olhos azuis
reclamava ninguém, em sã consciência,
pode negar que contrariasse a realidade brasileira atual.
De repente, o
quadro eletrônico indicava o número da
minha senha, ou seja, a minha vez de ser atendido. Tive que me desculpar
do curso da conversa e a deixei
falando com a senhora ao seu lado. Imagino que falava ainda
das misérias de nossa política.
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