Cunha e Silva Filho
Ontem, como
estava previsto, houve o último debate
dos candidatos à Presidência da República
realizado pela TV Globo. O esquema do formato dos debates conduzido pelo
apresentador e jornalista William Bonner, deixou
um pouco a desejar, pois ele se atrapalhou uma ou duas vezes
na condução da sequência de blocos e na vez correta
que caberia a cada um dos candidatos. As discussões tiveram
momentos de acirramento e de exaltação, dependendo do
tipo de pergunta temática
dos debatedores.
No geral,
foi razoável o desempenho dos presidenciáveis. Pode-se até afirmar que houve
instantes de emoção da parte
de alguns candidatos. Só
lamentei que o tema
da “segurança pública” não
tivesse tido mais prioridade. Propostas sobre ele
não vi nenhuma solidamente convincente
e original, principalmente tendo
em vista a realidade da
violência espantosa nas cidades e as perdas humanas e
materiais que têm
sido por ela produzidas
Resta, agora,
ao eleitor pesar
bem o que ouviu sobre questões que de
perto interessam ao bem-estar da sociedade brasileiro,
do cidadão comum, sobretudo. Os
pobres e a classe média são dois pontos sensíveis, espécies de termômetros de como
vai a vida dos brasileiros. Os muito ricos estão já
protegidos dos temporais e borrascas
e, como no Brasil, são
poucos; nas emergências, têm a seu favor a força
do dinheiro e das benesses com as quais sempre foram regiamente
aquinhoados. Costumo dizer que os
ricos são iguais, tanto vivendo no
interior, quanto nas metrópoles ou ainda no exterior. Eles falam a
linguagem das mordomias e do
bem-bom, além de linguisticamente muitas
vezes não necessitarem de aprender idiomas porque, neste caso, basta
ter dinheiro, que todos os caminhos levam
a Roma. Eles se entendem, gostam
de festas e da vida boa,
das viagens e dos cartões
de crédito a perder de vista. Estão
com frequência em Nova Iorque ou na Europa.
Vivem o paraíso na Terra.
Os mortais assalariados,
não, têm que pensar em que condições podem
gastar seu dinheiro
limitado, em quanto montará o
total dos remédios que terá que
adquirir mensalmente nas farmácias, isso quando estão
na “melhor idade,” expressão
um tanto ambígua, eufêmica
mas que oculta muitos sentidos, inclusive os desagradáveis
e não aceitos.
Tempo de votar
e de voto obrigatório, exceção feita
para os que já passam da idade de exercer
sua cidadania com prazer
e gosto. Há destes que não abrem mão do voto. Querem reafirmar
seu direito de cidadão que escolhe
seus preferidos.
Uma vez, um
padre dizendo a missa pela
televisão e, vindo à baila o direito de
votar, conclamou aos fiéis: “Votem no
melhor.” Minha esposa, espirituosa
como é, respondeu-lhe: “E quem é o melhor?” Boa
e inteligente pergunta, além de ter um
fundo de uma passagem bíblica.
A sabedoria
popular ensina que, em questões de
time de futebol, de religião e
de política, a “lógica do voto” não funciona e, ao contrário, só dá confusão e briga. Do mais sábio, ao mais ignorante, é a mesma coisa. Cada argumento encontra um contra-argumento. O assunto vira uma babel e ninguém se entende. O
melhor é
evitar as discussões que, por terem por si mesmas um componente deletério de fanatismo, não
chegarão a uma conclusão
amigável.
Filiar-se a uma partido equivale,
de alguma forma,
a comungar com os
mesmos conceitos e visões. Não há como
escapar à contingência de que visões diferentes de partidos políticos, especialmente no Brasil, onde
há partidos para todos os gostos, resultam numa barafunda difícil de ser entendida por um estrangeiro, ou
mesmo por nós mesmos, povo parcamente
civilizado em questões de política,
seja por não gostar de política,
seja porque lhe falta
conhecimento no assunto.
Dos meus parcos
conhecimentos de política, aprendi uma lição do comportamento geral
do brasileiro que, me perdoe o
leitor se lhe serei grosseiro, injusto
mas não insincero no meu juízo: o
povão, ou até mesmo parte da elite intelectual, não quer saber se o governo tem um vergonhoso
recorde de escândalos financeiros. Ele, o povo, rico, pobre, classe média baixa, média-média, média alta, pobre, miserável reelege um Presidente
por um ou outro motivo, desde que estejam funcionando
regularmente as instituições do
Estado, desde que para alguns o
governo seja visto como regular, bom ou mesmo ótimo. Ou seja, impera
aquilo a que inapelavelmente associo, embora num plano da ficcionalidade, à rapsódia de “O herói sem nenhum caráter,” o Macunaíma (1928), de Mário de Andrade ((1893-1945). Somos um povo
separado por um individualismo ambivalente,
imprevisível, mutável, que mescla
bondade e maldade,
sinceridade e hipocrisia, solidariedade e desprezo. Somos, talvez, “abarrocados,”
sofremos do defeito do contraste
entre o bem e o mal. Não somos
unidos, não brigamos juntos,
somos irremediavelmente divididos como nação e como indivíduos.
Não há também
como negar outros tipos de uso do voto: votamos
em pessoas, por interesse, por necessidade, por influência de grupo,
por ideologias nem sempre autênticas, não faltando os ilusionismos subliminares
da mídia, dos marqueteiros, dos eleitores irresponsáveis, alienados,
dos fanáticos e até dos loucos
que se passam por normais. Quem pensa que Pelé, um jogador
genial e inteligente, falou
besteira quando há tempos asseverou
que o brasileiro não sabe
votar, está errado, porquanto o grande craque não fora leviano. Apenas fora mal interpretado. Somos
carnavalizados, pândegos. Levamos
a vida na picardia, até na destinação de
nosso voto. Estamos longe da maioridade cultural. "Ah, que preguiça!"
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