Cunha e
Silva Filho
Havia aquela merenda deliciosa
composta mais de frutas (a melancia que
gostosura, doce e fresca!) enviada por mamãe toda manhã à hora do recreio, ansiosamente esperada
todos os dias de aula. Era uma empregada de mamãe que ia levá-la.
Da aula em si, da professora, do
colegas, pouco me
lembro. Creio que nunca era boa a aula em si, e a criança
ficava ansiosa por voltar pra casa,
que ficava no Centro de
Teresina, pertinho da Praça João Luiz Ferreira, aquela onde
ficava o único prédio mais alto
na época, em Teresina, conhecido geralmente
como o
Instituto. Suava pra
passar o tempo do turno da manhã na escola primária Demóstenes
Avelino, do professor Felismino
Weser.O sobrenome do diretor sempre
me dava a sensação de que era um estrangeiro.
A parte do primário ficava numa ala de lado que dava pra rua em subida.Quando vinha de casa com meus
irmãos Sonia e Winston, tinha que subir aquela rua
meio íngreme. O professor
Felismino Weser teve um filho com grande
vocação poética, mas que faleceu
precocemente. Nem mesmo me
lembro se eu já estava sabendo ler.Vem-me à lembrança
o problema enfrentado
pelo grande sociólogo Gilberto Freyre um caso quase perdido nos
primeiros tempos de vida escolar.
Ao contrário do meu tempo
de ginásio, nunca fui um estudante feliz nos primeiros anos escolares. Era curioso como eu e meus
irmãos trocávamos de escola, até parecendo uma daquelas advertências que constavam no preâmbulo da minha
primeira versão da Carteira Profissional, com data
de fevereiro de 1964, tirada justamente
no prédio do Instituto e que, à falta de outra palavra,
me dava como profissão a de comerciário, coisa que jamais entrou nos meus planos
de ter como atividade profissional, visto
que queria mesmo era ver preenchida à mão, no espaço de “profissão,” a de "jornalista” (imagine, a
ousadia de um jovem
que mal completara dezoito anos
e só porque já tinha publicado, em
jornais de Teresina, alguns
artigos juvenis sobre literatura).
Um escritor
piauiense, J. Miguel de Matos, autor
de um romance que, à época,
havia lido chamado Brás da Santina, por sinal, se encontrava no Instituto e, vendo a minha pretensão
de que, na carteira, fosse
colocado “jornalista,” chegou a
falar sem muita energia: “Ele merece.”
A insinuada advertência fala de dois perfis de profissional, alguém que, na carteira assinada, demonstra ter sido constante
num determinado emprego e outro
que se compararia a uma “abelha,” i.e., alguém
que não parava
nas fábricas por onde andou trabalhando, daí a metáfora da “abelha” Veja-se a conotação
que imprime o autor do texto, de nome Alexandre Marcondes Filho, a qual está intimamente
ligada à atividade do operário. O
tom burocrático do
texto é bem explícito na sua intenção de ser a Carteira Profissional um
instrumento de identidade e
de recomendação, boa ou
negativa, a um eventual patrão
ou empregador privado ou
público. Tanto é que, a nova
Carteira Profissional que tirei no Rio de Janeiro, em 1971, ainda
repete aquele texto de advertência de Alexandre Marcondes
Filho.
Retomando o núcleo
deste artigo, devo
reafirmar que o meu período
de estudos primários
foi bem confuso, bem
mutável. Não gostava de nenhum lugar por onde
transitei como nômade acompanhado de meus irmãos
já mencionados.
Tampouco sei por
que houve tantas mudanças. Tempos
depois, já no ginásio e muito feliz, por sinal, jamais levantei esse assunto
com meu pai, com quem confidenciava
com muita frequência em seu quarto-biblioteca – quarto que teve
um relevo especial pra minha
formação de adolescente chegado
a leituras e aos estudos
das minhas áreas preferidas, de resto passagem de minha vida já narrada tendo como cenário doméstico meu
pai sentado na rede e eu, ao pé
dele, com um pente passando-lhe
pela parte superior da cabeça
que começava a ficar grisalha.
Nas minhas reminiscências da infância, há esse gap de entendimento e percepção sobre
como se processou a minha formação de leitura, de domínio
dessa competência. Creio, por outro lado, que ela está
muito conexionda ao aprendizagem da leitura, a qual pode ser por deficiências
minhas como provavelmente pode ter origem na timidez que,
em assuntos de
estudos, tanto me atrapalhou.
Infiro que talvez tenha sido ainda
por falta de tato
pedagógico-didático de
professoras que cuidaram de mim, das quais não tenho
boas lembranças do tipo que a
maioria das pessoas definem, com
justiça, com muito carinho e afeto: “Oh, minha querida!
professora primária!” de nome tal.
Comigo não houve isso, o que me sobrou
de relembrança me remete a certas passagens de Graciliano Ramos
com
respeito aos seus pais e, assim, não
diretamente relacionadas aos
estudos.
Em compensação,
quando fui estudar no Domício(nome famoso e popular pelo qual ficou conhecido o Ginásio "Des. Antonio Costa," em Teresina, Piauí),
acompanhado ainda pelos
meus dois irmãos,
Sonia e Winston, e ainda cursando
o primário, houve uma repentina
mudança de minha visão da escola. Ainda não
era aquela que experimentei ao
cursar o período preparatório do admissão ao ginásio, cujos
exames me proporcionaram momentos profundas de contentamento e de alegria
de estar de bem com os
estudos e com a vontade incoercível e prosseguir meus estudos ginasianos.
Portanto, foi no ginásio que me encontrei com a
magia dos estudos, das leituras, da
vontade de abrir tantos
caminhos do meu universo
mental. E tudo isso, como
já relatei em
outros textos meus, graças ao período de quatro anos do
Domício. Lá aprendi a amar
todas as disciplinas, especialmente,
a leitura de autores brasileiros e
portugueses, a gramática da minha língua, o estudo da sintaxe portuguesa, de me
aplicar ao estudos do inglês, do francês, do latim.
Aprendi, sim, no ginásio, a ser
aluno exemplar, a amar meus mestres
queridos, a sentir o prazer inefável de estar
na escola, de conviver com alguns tão bons companheiros de classe, muitos dos quais
devem estar ainda vivos por lugares
do Piauí ou em terras diversas. Descobri, um dia, que estava lendo em inglês e francês naquela
sempre lembrada biblioteca-quarto de meu
pai, onde me escondia solitariamente longe
do “burburinho das ruas.” Foi no
ginásio, que para Olavo Bilac, era o período mais importante da aprendizagem
do adolescente, que me
preparei para os complexos e longos estudos, de leitura e do exercício
da escrita literária, de levar os estudos a sério como
se fosse ainda um adolescente.
No entanto, a dúvida sobre o período
obscuro e infeliz do primário continua a me martelar
a cabeça, procurado as razões
primeiras, os motivos fundos, dos quais, quiçá, só a psicanálise me possa indicar alguns
caminhos de entendimento daquela quadra de deambulações passageiras (até em grupo
escolar) por escolas, do medo
de professoras, de ausência de
alegrias e de
sentimento de prazer
em lidar com os meus primeiros anos de vida escolar. Esses fantasmas ainda
retomarei em textos
futuros de natureza memorialística.
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