Cunha e Silva Filho
Não julgue precipitadamente, amável leitor, que
eu tenha a pretensão de radiografar o “vasto mundo” do que se produz hodiernamente no país. O esforço é
sobejamente impossível e o trabalho
nessa direção, se realizado individualmente, tende
ao insucesso. A paisagem nacional
literária, segundo acentuei,
é muito ampla, muito tortuosa e,
se tentasse mapear autores e obras editados na contemporaneidade, já poderia antecipar que o
papel da crítica literária se defrontaria com um monumental embaraço.
Mesmo se quiséssemos inventariar, diga-se – uma “síntese” – estaríamos fadados a um
estrondoso insucesso, sendo o
pior deles a injustiça que cometeríamos não
incluindo alguns nomes de qualidade
nos vários gêneros literários.
O grande desafio da crítica é que ela
já perdeu a dimensão de poder de militância que tinha no
século passado através dos jornais
que mantinham a crítica de rodapé nos áureos tempos de um Agripino Grieco, Tristão de Athayde, Álvaro Lins,
Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido, Olívio Montenegro, só para fazer essa breve citação
nominal de autores.
Com o surgimento incalculável de
novos autores de que tomo conhecimento
toda vez quase que abro a folha de um
caderno cultural, me espanta qualquer
veleidade de se falar
em militância crítica,
inclusive porque ela
praticamente sumiu dos jornais,
só restando uns poucos críticos
que ainda dispõem de um cantinho
do jornal para discutir
livros recém-saídos.
Ao falar com
justiça das mazelas e das
imposturas da vida literária
brasileira, sobretudo no grande centro representado pela vida
literária carioca, lembro-me do historiador e crítico Afrânio Coutinho (1911-2000), na pequena
obra, No hospital das letras(1963) que traça, com veia crítica, numa reunião de artigos antes publicados em
jornais das décadas de 1940 e 1950, a situação interna, os bastidores, o compadrio, as “igrejinhas,” o que chamara “a comédia da vida literária,”
enfim, as deturpações que presenciara no meio literário
do Rio de Janeiro.
Fico a imaginar
que, mutadis mutandi, o
universo em que transita
o escritor brasileiro hoje não é tão diferente
de antigamente. As
igrejinhas ainda persistem, os
apadrinhados idem, as dificuldades que arrostam os escritores para penetrar nos meios editoriais, verdadeiro cipoal
de grupos fechados, que deitam normas
de avaliação para um escritor, novo ou velho e desconhecido, adentrar
essa floresta de desencanto e de insulamento
em que vive o autor
nacional, desprestigiado e desiludido da vida literária por se sentirem injustiçados. Muitos deles desistem por lhes faltarem estímulos.
O escritor de
nosso país é um isolado, como disse, alguém ilhado
nos seus próprios espaços de “emparedado,”seja
para poder lançar
um livro, seja para ter um
lugar em que possa
demonstrar sua capacidade no exercício da palavra escrita. Não empreendi nenhum estudo ou pesquisa
para ir a fundo nessas questões afetas
à vida editorial brasileira, contudo suspeito
que semelhante situação ocorra em outros estados
brasileiros.
Na questão da crítica literária, tanto
na sua produção quanto na
sua procura de espaço disponível
a algum pretendente, o fato é que
a sua atuação ficou mesmo
relegada aos limites do que se costuma chamar crítica
universitária, exercida, a meu ver,
na sala de aula, nas revistas especializadas das universidades e eventualmente nos
livros editados, sobretudo por algumas universidades.
A multiplicidade de autores que editam suas obras
não pode ser atendida
pelo trabalho da crítica,
mesmo da crítica universitária, por lhe faltar tempo e fôlego. Desta
forma, cria-se uma outra realidade no
universo da cultura literária, ou seja,
a crítica literária, não deixando
de ser uma atividade de alta relevância ao aprimoramento da
literatura e dos leitores, se apequena pela impossibilidade de dar conta
da mencionada multiplicidade de autores. O papel do crítico fica, pois, agora, numa quase
absoluta desproporção de julgar
obras de novos autores, com a agravante
de que ainda há a circunstância de que
o crítico não poderá deixar de
estar ao corrente dos autores
estrangeiros, também revelando
um número gigantesco.
O que tenho
observado, no entanto, vale como
uma saída à solução
do problema: a busca da especialização, seja de autores, seja
de gêneros, seja da “periodologia estética” nos moldes concebidos por Afrânio Coutinho. Ora, o abarcar-se de
forma pessoal um conjunto
gigantesco de autores que continuam a surgir no panorama da literatura brasileira forçou uma seleção
limitadora do trabalho do crítico. O crítico passou
a estudar, por exemplo, certos
temas, e obras, aprofundando o conhecimento de sua área de atuação.A crítica é uma atividade com tempo datado para seus cultores justamente por exigir muita leitura, muita pesquisa, muito suor e paciência.
Enfim, queremos
significar que o papel
atual do crítico torna-se cada vez
mais restrito e lacunoso e, de certa
forma, nisso ele perde
a noção geral do conjunto
do sistema literário. Essa é a condição
do ônus que tem a pagar a crítica literária contemporânea. Seu raio de ação tornou-se, na pós-modernidade, de curto
alcance, fragmentário, espaçado, fortuito. O individualismo
crítico é, agora, um dado do passado e a sobrevivência da crítica
literária, para não perder seu campo
de ação, deve, como já tem
sido feito, sempre constituir um
trabalho coletivo, de conjunto, i.e., quando seu
objetivo for mapear, historiar, discutir e analisar as obras literárias de um povo.
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