Cunha e
Silva Filho
1.
O edifício era o da Casa d'Italia, na Av. Presidente Antonio Carlos, Centro do Rio de Janeiro. Estávamos eu e algumas
colegas conversando sobre o nosso futuro, o nosso curso, mal iniciado, nas suas primeiras aulas. A
maioria daquele grupo de estudantes de
Letras era composta de garotas.O grupo compreendia uns vinte e três alunos, seis, incluindo quem
assina este texto, eram rapazes. De repente, da sacada do terceiro ou
quarto andar, a minha colega Glória, com
quem tinha mais proximidade, soltara
esta: “Meus Deus! Faltam quatro anos
para nos formarmos. É muito tempo, Francisco.” Eu mesmo, naquele momento, devo ter sentido o mesmo
que ela. Sim, quatro anos (mal sabia eu
que, ao contrário de meus colegas,
ainda iria prolongar por três anos o final de minha graduação) para percorrermos
os estudos. Era o início do ano de 1966. Já se passaram quase cinco décadas.
E aquela queixa de Glória (Onde andará a minha colega Glória, de português-inglês?) é, hoje,
um ponto de tempo minúsculo, um minúsculo lapso de
tempo.Não sabia eu que o tempo às vezes não passa de uma subjetividade. O tempo é um pulo, um virar de
página, ou uma sensação proustiana de um
romance, o Dom Casmurro ( 1899), de Machado de Assis (1839-1908). Na obra
do escritor, é aquele que
mais me dá a impressão da finitude
do ser humano, da certeza de nossas fragilidades físicas e nossas dores morais. O fluir do tempo
nesse romance é a
passagem dos dias e da sucessão de mortes, muitas mortes, ao longo da narrativa, índice, na obra, de que
o tempo carnal acaba mesmo e sobre isso devemos
levantar boas reflexões
metafísicas.
2.
Estava passando pelo lado esquerdo da Igreja
Santa Luzia, Centro do Rio, e me encaminhando para a Faculdade quando, de
repente, vi a figura esbelta, alta, morena, ainda moço, e
com uniforme de militar da
Aeronáutica. Era o Pandiá Pându, um poliglota, tradutor e professor de línguas,
especialista em inglês e em esperanto, autor de vários livros
práticos para o ensino
de línguas, sobretudo do inglês.
Fui eu mesmo que me dirigi a ele, pois já o conhecia de vista. Vendo meu
interesse pelo inglês, me
perguntou: Você sabe mesmo
falar inglês? É que vêm muitos alunos até a mim dizendo que
sabem falar e, na verdade, não
falam nada.Vamos ver você.” Trocamos algumas frases em inglês e, ele,
vendo que tinha numa das mãos uma
obra de Shakespeare, me fez esta observação? “Meu jovem, agora,
vejo que você
está bem adiantado. Então, lhe
confessei que era estudante da
Faculdade Nacional de Filosofia,
cursando português-inglês. Uma
vez, me levou a uma livraria que ficava na
Rua Treze de Maio, também no Centro, onde se
vendiam muitos livros
para o ensino do esperanto. Pandiá
me mostrou um grosso volume escrito
por ele sobre o ensino
do esperanto. Soube, mais tarde, que
Pandiá, pseudônimo que usava nos livros dele, tivera uma
polêmica com o grande tradutor e poliglota,
além de brilhante ensaísta, Paulo Rónai.
Pandiá era o exemplo de um autêntico
autodidata. Era da Bahia e, anos depois, soubera que falecera de repente. No prefácio a uma livrinho
dele, Basic English, um amigo confidencia que Pandiá Pându falava “... com relativa facilidade pelo menos 8 idiomas.” Um dado curioso é que, sempre
que o via nas ruas do Centro do Rio, ele andava acompanhado de senhoras que,
tudo indicava,eram
estrangeiras. Foi uma grande
admiração minha naquela época.
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