domingo, 28 de setembro de 2014

2 fragmentos : memórias

                                  
                                        Cunha e Silva Filho


1. O edifício era o da Casa d'Italia, na Av. Presidente Antonio Carlos, Centro do Rio de Janeiro. Estávamos eu e algumas colegas conversando sobre o nosso futuro, o nosso curso, mal iniciado, nas suas primeiras aulas. A maioria daquele grupo de  estudantes de Letras era composta de garotas.O grupo compreendia uns  vinte e três alunos, seis, incluindo  quem   assina  este texto, eram  rapazes. De repente, da sacada do terceiro ou quarto andar,  a minha colega Glória, com quem tinha mais  proximidade, soltara esta: “Meus Deus! Faltam  quatro anos para nos formarmos. É muito tempo, Francisco.” Eu mesmo,   naquele momento, devo ter sentido o mesmo que ela.  Sim, quatro anos (mal sabia eu  que, ao contrário de meus colegas,  ainda  iria  prolongar por três anos  o final de minha graduação) para  percorrermos   os  estudos. Era o início do  ano de 1966. Já se passaram quase cinco décadas. E aquela queixa de Glória (Onde andará a minha colega  Glória, de português-inglês?)  é, hoje,  um  ponto   de tempo minúsculo, um minúsculo lapso de tempo.Não sabia eu que o tempo às vezes não passa de uma  subjetividade. O tempo é um pulo, um virar de página, ou  uma sensação  proustiana   de um  romance,  o Dom Casmurro ( 1899), de Machado de Assis (1839-1908).   Na obra  do  escritor, é aquele que mais  me dá a  impressão   da finitude  do ser humano,   da  certeza de nossas  fragilidades físicas  e nossas dores   morais. O fluir  do tempo  nesse  romance  é  a passagem dos dias  e  da sucessão de mortes,  muitas mortes, ao longo da narrativa,  índice, na obra,  de que  o tempo  carnal   acaba mesmo e sobre isso   devemos   levantar boas reflexões  metafísicas.

2. Estava  passando  pelo lado esquerdo da  Igreja  Santa Luzia, Centro do Rio, e me encaminhando para a Faculdade quando, de repente,  vi a figura esbelta, alta, morena,  ainda moço, e  com uniforme de  militar da Aeronáutica. Era o Pandiá Pându, um poliglota, tradutor e professor de línguas, especialista em inglês e em esperanto, autor de vários  livros  práticos  para  o ensino  de línguas,  sobretudo do inglês. Fui eu mesmo que me dirigi a ele, pois já o conhecia de vista. Vendo meu interesse pelo  inglês,  me  perguntou: Você sabe mesmo  falar  inglês?  É que vêm muitos alunos até a mim   dizendo  que  sabem  falar  e, na verdade,  não  falam nada.Vamos ver você.” Trocamos algumas frases em inglês e, ele, vendo que  tinha numa das mãos  uma  obra de Shakespeare,  me fez esta observação? “Meu jovem,   agora,  vejo  que  você  está  bem adiantado. Então,  lhe   confessei que  era estudante  da  Faculdade Nacional de Filosofia,  cursando  português-inglês. Uma vez, me levou a uma livraria que ficava na  Rua Treze de Maio,  também no Centro, onde   se vendiam  muitos  livros  para o ensino do  esperanto. Pandiá me mostrou um  grosso volume  escrito  por ele  sobre  o ensino  do  esperanto. Soube, mais tarde, que Pandiá, pseudônimo  que  usava nos livros dele, tivera  uma  polêmica com  o grande tradutor e poliglota, além de  brilhante ensaísta, Paulo Rónai. Pandiá era o exemplo de um autêntico  autodidata. Era da Bahia e, anos depois, soubera que  falecera de repente. No prefácio a uma livrinho dele, Basic English,  um amigo confidencia que Pandiá  Pându  falava “... com relativa facilidade pelo menos 8  idiomas.”  Um dado curioso é que, sempre que o via nas ruas do Centro do Rio, ele andava acompanhado de senhoras que, tudo indicava,eram  estrangeiras.  Foi uma grande admiração minha naquela  época.






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