sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Governador e Prefeito de São Paulo: como explicar o assassinato do camelô?




                                                                       Cunha e Silva  Filho


                  Era de se esperar o dia fatídico. Numa ação delegada à  Polícia de São Paulo, na capital,  ontem,   ocorreu  uma  tragédia  com   traços   de tragédia  grega: camelôs  considerados   praticantes de  pirataria de  produtos entraram em  confronto com a polícia resultando,  no final  da ação,  na morte  de um  jovem  camelô piauiense  que procurava, junto com  outros companheiros,    impedir que  policiais, dois,   algemassem  outro  camelô,   numa luta desesperada para conseguir conter o jovem que  reunia todas as energias para não se deixar  algemar.  O jovem, antes de ser   assassinado, tinha  discutido   duramente  com os policiais que, no chão,   tentavam   imobilizar  o camelô.
                  Contudo, um terceiro  policial,  um homem  baixo e calvo, de cara  redonda,  dava cobertura bem junto   aos dois  colegas de farda a fim de que alguns  outros  camelôs  presentes não se aproximassem e tentassem ajudar  o jovem que estava sendo algemado. O camelô, entre outros,  que tomou as dores do colega    caído ao chão, sempre  reclamando  firmemente contra   ação brutal  dos dois  policiais, aproveitou-se de um  instante em que o  policial  que protegia  os outros dois  da suposta  sanha dos populares (camelôs,  melhor dizendo), tentou agarrar o spray de pimenta de uma   das mãos do policial. Não o conseguindo, numa fração de segundos,  o  policial  baixo e de rosto  redondo, com  a outra mão empunhando  uma arma de fogo, e possivelmente com um  dedo próximo do gatilho, sentindo-se acuado e já perdendo  o equilíbrio  que deveria ter  na sua função de militar,  disparou  um tiro à queima-roupa no rosto  do jovem camelô, que  trajava uma camisa  xadrez de mangas compridas abotoadas. O disparo   se deu  simultaneamente no  instante em que  o spray   foi utilizado contra o rosto do camelô. O mais  agravante é que, após o tiro  mortal,  o soldado  baixo, com  arma em punho, a apontava para todos os lados,  com se desejasse  ameaçar os populares. Estava visivelmente desequilibrado e receoso  da reação  dos outros  camelôs que,  felizmente, não ocorreu para não tornar a tragédia ainda mais  sangrenta.
O jovem  de camisa  xadrez deu uma volta e encaminhou-se, cambaleando,   a poucos   passos  dali, não suportando   os efeitos letais do tiro. Estava morto. A imagem desse jovem  - não sei como  explicar  a analogia -  camelô estirado na rua, me lembrou não uma cena  da realidade,  mas  a tragédia que  se deu no filme  o “Pagador de Promessas”(1962), de  Anselmo  Duarte. Narro  isso tudo a partir das imagens vistas na televisão, que confesso  serem  uma das cenas mais  tristes, entre tantas,  que mancham  o cotidiano  da sociedade  brasileira.
Havia bem pouco  o camelô de camisa de xadrez  estava  discutindo  asperamente com  os policiais e, agora,   seu corpo  jazia  no cemitério de uma  rua   paulistana. A guerra, se assim posso  designar  melhor,  entre  o poder publico  e  o indivíduo na sua condição de   cidadão pobre  e lutador  da vida se me afigura como  um   dos  traços mais  dramáticos e trágicos    do crime da força    legalizada  contra  a fraqueza dos  desfavorecidos, ainda que sejam estes   rotulados  de vendedores piratas. Se eu comparar   o crime  praticado  por eles com  os crimes   abomináveis  do  Estado  Brasileiro  contra a sociedade  civil,  aquelas quinquilharias  vendidas  sob ameaça  doa rapa e, agora, de policiais  ou  guardas  municipais  armados, são uma insignificância.
 Os crimes de improbidades  de nossos governantes  comparados  com essas  ilicitudes   de somenos  importância  só me  trazem  indignação  e  desprezo  pelas   nossas autoridades. E diria mais: em plena campanha política,  um fato  escabroso como esse ainda agrava mais   a situação   incômoda das autoridades  constituídas.  Já tenho  defendido  em artigos  anteriores  que a Polícia Militar  não está  preparada  para  lidar com   esse tipo de situação. A Polícia, em qualquer  situação,   foi  uma instituição organizada para salvar  pessoas,   não para  fuzilá-las  diante dos olhos  dos transeuntes  que tudo viram e tudo  filmaram  em  seus celulares.
Matar alguém  que nada fez  assim de  nada grave se falarmos  de   uma atitude   de violência extrema,  é demonstração cabal de que  nossa  Polícia  não tem o  preparo e a logística  adequados para  lidar  com  um cidadão  brasileiro. Visivelmente,   percebi  pelas imagens  repetidas na televisão,que o soldado  que  cometeu o homicídio  estava   amedrontado, como que vendo em todos os lados  um inimigo  em potencial   que  o queria  exterminar. Não era um comportamento de alguém  treinado  para  suportar situações  extremas.  Mais um grave erro tático  dos repressores  dos camelôs pude constatar: por que,  sendo apenas três,  não chamaram  mais reforço  policial a fim de  afastar  a presença  de outros  camelôs  que se aproximavam  indignados contra que estavam vendo  o jovens e camelô  sendo algemado.  
Numa  repressão contra pirataria,  o que a  Polícia deveria  fazer  é agir com cautela,  com  até o  recurso do diálogo, mas  não da  brutalidade. Afinal, se  os camelôs  estavam  vendendo  artigos  piratas,   isso  não tem  a gravidade  de facínoras, de bandidos,  de  assaltantes,   de homicidas. Tratar um camelô  ,  ainda que  pirata,   como se fosse um  bandido de alta  periculosidade  é uma  ação arbitrária,  humanamente ilegal  e injusta. O que seria  pior,  um camelô  pirata ou  um  sequestrador  ou assaltante de banco? As diferenças são extremas.
Tenho observado que, no Brasil, sobretudo nas grandes cidades,  a brutalidade de policiais  é cada vez mais    indesejável.  O que  policiais  cometem  de   atrocidades em alguns casos, ou  mesmo de atos  de  incompetência  como  o do crime  que estou analisando são componentes  negativos  que se vão  agregando  no  inconsciente coletivo   sobre uma imagem cada vez mais hostil  contra  a instituição da Polícia Militar.
O governador de São Paulo, assim como o Prefeito atual, estão falhando   enormemente  nas questões  de combate à violência  e  à criminalidade   tentacular de que são exemplos  tanto  o estado de São Paulo quanto o do Rio de Janeiro, os dois maiores  pólos  de  violência  indiscriminada. Como podem  políticos  que  administram  suas funções  pensarem em se  reeleger?  A sociedade, que paga  tributos  pesados  aos governos,   não  tem  sido atendida nas suas  reivindicações  contra  o descaso  e a negligência de governantes  que parecem  - é o que se comprova  na prática -    estar anestesiados   diante  de flagrantes    atos de selvageria diuturnamente   noticiados  nos canais  de televisão e, nas rádios e redes sociais.
Não tenho visto candidato algum nesse período de campanha política priorizar  esse cancro que está  dizimando nossas famílias,  nosso filhos,  nossos  vizinhos, nossos compatriotas, em lares dilacerados   por  assaltos,   estupros,  crimes  praticados  por menores  acobertados pela “Lei” da  menoridade  criminal e  pela  abominável  impunidade geral  que  grassa não somente  no seio   da política,  do crime organizado,  das milícias,   dos esquadrões da morte, do mundo das drogas fartamente   compradas sobretudo  pelos endinheirados da nossa  vida  social, num   patamar  em que  os limites de tolerância  das pessoas decentes  já de longe  chegaram   ao fim.  
Os governantes, em todos os níveis, devem sair de seus casulos bem protegidos  por  guardas pretorianas, e, com qualquer  cidadão  mortal,    sair às ruas  para sentirem  o peso  de nossas misérias,  de nossas desgraças sociais e da ameaça iminente de  criminosos   que  nos surgem  em cada  canto  de uma  esquina vitimando  famílias  e mais  famílias  desprotegidas   de segurança, obrigação   precípua de um  estado democrático.
O assassínio do pobre piauiense usando  camisa  xadrez se torna,  assim, mais um  crime hediondo   contra a dignidade  de uma Nação que  clama  por Justiça. 

  

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