terça-feira, 23 de setembro de 2014

A querela entre Álvaro Lins e Afrânio Coutinho

           

                                                            You are never too old to set another goal or
                                                             to dream a new dream.
                                                               C.S.Lewis                                
                                                                          
                                                                                                      Cunha e Silva Filho

              Em 1940, o  então jovem  intelectual  baiano Afrânio Coutinho publicou no Rio de Janeiro o ensaio  A filosofia  de Machado de Assis,  obra  que, na  opinião  de Tristão de Athayde, o grande  crítico do Modernismo da sua  primeira fase (1920-1945), o “consagrou.” [1]
            Coutinho, antes, só era mais conhecido na sua  província natal, onde exerceu o magistério secundário nas disciplinas de literatura e história, e, ao mesmo tempo,  desenvolvia  atividade na imprensa. Já dera a lume três ensaios, Daniel Rops e a ânsia do sentido novo da existência, publicado na Bahia em 1935, O humanismo, ideal de vida (1938), e L’Exemple du métissage,  editado  em Paris, em 1939. O segundo destes ensaios,   todavia,  não aparece na relação  do conjunto de suas obras completas no espaço  reservado  às edições   de sua produção  intelectual
               Como seria natural a qualquer  moço estudioso de literatura,  história, e filosofia,  Coutinho, no ano  em que saiu  publicado  seu  ensaio  sobre  Machado de Assis,   enviou exemplares a vários críticos  que militavam nos rodapés da imprensa  do Rio de Janeiro e   certamente de outros  estados, alguns  já firmados na vida literária brasileira, entre  eles, Sérgio Buarque de Holanda e Álvaro Lins. Este último atuava intensamente  como crítico literário numa coluna do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro;  o primeiro, nos anos 1940 e 1941, fora  convidado  para exercer a crítica  literária no Diário de Notícias do Rio de Janeiro.
             Por  obrigação do ofício, as obras  recém-lançadas tinham que ser lidas com  certa  rapidez e simultaneamente serem apreciadas com a necessária seriedade, pelo menos   é o que se esperava  de um  crítico  de rodapé  consciente  e competente. Ao críticos  incumbidos de  ler, opinar e julgar um novo  livro, caberia  uma tarefa  espinhosa para a qual  era  de se  esperar    que fossem  eles  indivíduos  de reconhecido  preparo intelectual, sobretudo na esfera literária.  Em geral, assim como acontece até hoje, os críticos pertenciam  a  profissões ligadas à vida  cultural,  como  professores,  jornalistas,  escritores, autodidatas ou pessoas  de outras atividades  mas que também   tinham  vocação  para  os estudos   literários.
              A atividade crítica através dos rodapés de Suplementos Literários corresponde,   guardadas as diferenças   de estilo  de escrita, extensão  dos artigos  e de objetivos  associados aos interesses  da imprensa,  às chamadas  resenhas das seções  dos jornais  atualmente   que ainda  dedicam  um caderno ou seção de literatura, notas  de lançamentos  de livros,  anúncios de  eventos culturais, reportagens  sobre  escritores e outras matérias afins. 
             No mesmo ano de 1940, conforme era de se esperar, o ensaio de Coutinho sobre Machado de Assis foi lido, entre outros,  pelos dois críticos mencionados.          
             Inicialmente, posto que identificando alguns pontos meritórios no ensaio A filosofia de Machado de Assis,  os artigos de Álvaro Lins[2] e Sérgio Buarque de Holanda,[3] cada qual  à sua maneira, e dentro de seus  princípios estéticos  de  compreensão  no terreno  da  metacrítica, consideraram  a análise   de Coutinho  imperfeita no seu  conjunto, mal  planejada e carente  de argumentação  plausível no tocante  à defesa  do eixo central  da  tese,   a qual,  em  síntese,   seria  afirmar  ser Blaise  Pascal  o  ponto de apoio  fundamental   como elemento  de maior  influência sobre  o pensamento  do  escritor  Machado de Assis, principalmente,  para  mostrar  que  Machado de Assis,  como  autor e como  intelectual,  devotava  um sentimento  abissal  de “ódio à vida.”
               Foi essa visão de Coutinho, i.e., eleger Pascal como o autor  que mais  influenciou Machado de Assis, quer como  intelectual, quer como  ficcionista, agravada, além disso,  pelo  sentimento de “ódio da vida” na obra   machadiana,  que desencadeou algumas argumentações   desfavoráveis    de Álvaro Lins e de Sérgio Buarque de Holanda em torno do ensaio. Segundo Lins,  esta questão do “ódio à vida” foi igualmente levantada por outros exegetas de Machado de Assis. [4]
               Comentando a repercussão da polêmica sustentada entre Álvaro Lins e Afrânio Coutinho, o ensaísta João Cezar de Castro Rocha, em tom de desabafo,  conciliatório e favorável  a Álvaro Lins,  considerou ter sido o artigo de Sérgio Buarque de Holanda muito mais  devastador do que o de Álvaro Lins, consoante  as palavras de Castro Rocha: “(...) à luz dessa resenha, o artigo de Álvaro Lins transforma-se num grande elogio.”[5]  Não vemos  tanto  assim, porquanto   Lins é mais contundente e mais  incisivo ao  levantar  a questão  do estilo da escrita de Coutinho.
              A par  disso, o artigo-ensaio, conquanto, inicialmente   se mostre  receptivo com  o ensaio, ressaltando-lhe  algumas qualidades,  nos deixa  perceber certa  ironia   que bem pode ser  evidente  quando,  por exemplo,  alude ao ensaio de Coutinho  como  um ‘exercício’ literário indiciado   pelo sentido catafórico  do título do artigo-ensaio:   “O segundo Afrânio, um ‘exercício’  literário acerca de Machado de Assis” 
              Quem tenha maior conhecimento da obra de Lins sabe o quanto o crítico pernambucano valorizava nos seus julgamentos, além da personalidade literária de  um autor e o valor da obra,  a qualidade  de estilo de um escritor e, no caso  específico  de um crítico literário, a valorização  desse aspecto ainda  tinha  para ele maior peso.
             De resto, desde a publicação do seu  segundo trabalho, o  conhecido  ensaio  História literária de Eça de Queiroz,[6] escrito  quando ainda  muito moço, Lins,  já àquela  época  da edição  desse  ensaio sobre o romancista  português, destinara   um  importante capítulo, o de número onze, “O problema do estilo,” a uma discussão  sobre  o    “instrumento verbal”   do autor de O primo Basílio que, desde logo,  confirma   a importância  que  o ensaísta  brasileiro dava  à linguagem  literária no que tange  ao elemento   do estilo, e essa  preocupação estética  se faz patente ao longo  de toda a sua  obra  de crítico.
               Na realidade, ao censurar o estilo da escrita de Coutinho, Lins, embora  muito cedo  tivesse  demonstrado ser  um espírito   lúcido nos seus  juízos  críticos,   choveu no molhado  e não conseguiu lobrigar  um aspecto no desenvolvimento da vida de um escritor, e mesmo  do ser humano  em geral,  quer dizer, uma falha  estilística pode figurar apenas uma fase passageira na escrita de um autor, assim como um  mesmo   autor pode, em outros trabalhos,  escrever com uma  qualidade  bem superior.
                 Escritores há, em todos  os tempos, e aí podemos   incluir  igualmente os críticos  – por que não? – os quais se  modificam, se aperfeiçoam e atingem  uma fase  admirável  de sua expressão   escrita. A formação literária, em qualquer gênero, desde que   exercitada com   seriedade e  devotamento  à atividade, desejo  de  superar-se,   pode  alcançar  um   bom  ou mesmo  excelente  nível  de elaboração literária, ainda que  não  possamos  generalizar, como  é exemplo  o  caso do crítico José Veríssimo,  por sinal  lembrado  por Lins  no  mencionado   artigo.
              No entanto, vendo, sob outra perspectiva, o incidente biográfico-literário envolvendo Coutinho, nos inclinamos a reconhecer que qualquer mortal, em sã consciência,  não tende a receber  passiva e  generosamente uma  observação  severa de um  elemento   decisivo   da linguagem de qualquer   escritor, que é o estilo,  além do mais  em artigo-ensaio que,  na sua generalidade,   economiza    comentários  favoráveis a   um  texto escrito  com   competência, boa pesquisa e com   um objetivo indisfarçável de contribuir para o evoluir dos estudos machadianos entre nós. 
              Mesmo em faixas de maior amadurecimento intelectual, não faltam exemplos,  mais no passado do que no presente -  é bom que se frise -,  de esgrimistas de ideias discordantes,  reagindo contra um adversário, ao contrário  de  algumas  polêmicas  que, de vez em quando, surgem  atualmente nos cadernos  culturais dos   maiores jornais do  país. Geralmente,  são bem  mais  comportadas e não ostentam a virulência   expressa na linguagem desabusada  das antigas polêmicas,  que desancavam  os  oponentes e os  transformavam em  retratos caricatos e grotescos.
              Hoje, não, as divergências  de ideias  são expostas, em geral, com  maior respeito ao antagonista. Quando menos educada, de ordinário  não passam  da tréplica  no uso do espaço da imprensa ou de outros meios de comunicação, de parte a parte em defesa de  posições  supostamente  feridas.
               Ninguém gosta  de receber críticas de outrem em plano algum da vida social ou cultural, O troco logo vem de quem se sente  ultrajado com o que produz,  especialmente no plano intelectual. A vítima da crítica  geralmente parte para o revide, que pode  ou não se transformar em polêmica, a qual pode  ser duradoura - repetimos -  como  o foi na  refrega   entre  Coutinho e Lins.
               Por outro lado, o fulcro  dessa polêmica,   a nosso ver,  está  radicalmente atrelado a razões de política literária, de disputa de hegemonia intelectual no cenário  brasileiro, ao lado de outros motivos também  prevalentes: visões diferentes, em muitos  temas no campo da crítica literária,  da relação entre jornalismo  literário e  crítica, de  ensino universitário. Em outras palavras, o vetor  principal da polêmica foi  o embate entre o Impressionismo e a Nova Crítica.
               O que a nossa experiência de leitura da  obra crítica de Lins indica é que,  para  Lins,  não  seria  coerente e  sensato   fugir ao dever intelectual de apontar qualidades  e deficiências  de  obras que passassem pelo seu  julgamento. Por isso, não manifestava o mínimo gesto de  indulgência  diante de uma obra considerada por ele  sem qualidades, não somente . na área estritamente literária, mas também em outros domínios  por onde circulava  a sua curiosidade intelectual.
               Um exemplo  marcante dessa  postura do crítico foi o seu julgamento do romance naturalista, A carne, de Júlio Ribeiro,[7] obra que para Lins  não significava nada para a literatura brasileira, ou como  ele costumava  dizer citando   uma frase   no original de  uma das línguas   que possivelmente mais  dominava: “hors de  la   littérature...”[8] 
              Seu raio de ação na incansável  atividade  de crítico,  suas  posições  vigorosas,   destemidas e sua  independência  intelectual provavelmente tenham levado  o poeta  Carlos Drummond de Andrade a chamá-lo de “Imperador  da Crítica,”   antonomásia que  esconde um tanto  de  sutil   ironia, dado que o primeiro  elemento do sintagma, “imperador,” (do latim  “imperator, significando  “mandar,” “comandar,”  figurativamente,  “senhor”, “árbitro da  vida  de alguém”)[9]  não deixa de remeter a um  sentido  plurívoco,  i.e, soberania  crítica, espírito de liderança,  autoridade  intelectual, poder de controle  sobre   valores  estéticos, bem  ajustado, por sinal,  àquela declaração de guerra contra  Lins  feita  por Fausto Cunha, ou seja, a  “(...) da luta contra a perpetuação da mentalidade critica que lhe parecia  simbolizar.”[10]  
               Lembraríamos  a propósito e de relance que o lado relativo e  perverso da crítica é que, ao se rebelarem  contra    figuras e companheiros   da experiência  literária, sobre uma  forma  de práxis crítica ainda  utilizada, mas já  reputada como  ultrapassada   por uma nova geração,  invariavelmente,  mais adiante,   os mesmos   agentes detratores se tornam da mesma  forma   rejeitados pela outra   geração mais nova,  nessa  espécie de eterna  linha de tempo  volúvel de surgimento de  outros approaches e  visões  estéticas.
               Isto serve tanto para os gêneros literários  tradicionais   ou   para  novas  formas  de experiências  e ousadias  ficcionais  ou poéticas  quanto  para   essa forma de gênero de prosa  -   uma atividade  visceralmente  estético-filosófico-literária denominada crítica literária, em suas várias correntes  do pensamento  contemporâneo.
               Ora,  desfrutando de uma  posição  proeminente nos áureos  tempos como  crítico  impressionista, a vertente crítica a que se filiava  decerto seria o alvo mais indicado  a fim de que Coutinho  disparasse toda a munição de que dispunha na peleja  para ver  implantada   no país a Nova Crítica no nível  do ensino secundário e da  universidade – diríamos -  na “unidade de sua diversidade,” segundo  era sua  pretensão, num tempo em que mal  começava   a funcionar  o ensino superior de  letras.
              De 1940 à década de 1950, aproximadamente, podemos considerar   Álvaro Lins um dos maiores críticos  de  sua geração  com  inegável  prestígio na segunda  fase do Modernismo,[11] período em que a sua militância critica o alçava a uma  posição  de liderança no papel   por vezes nem sempre  confortável  de julgar  autores, novos ou já firmados  na produção  literária   brasileira.
  .      Tal  se deu   com o surgimento, em nosso país,  de novas correntes do pensamento crítico provenientes dos  Estados Unidos e   da  Europa  a partir das  décadas de   30, 40, 50 e 60   do século passado e cujos métodos aqui  foram   progressivamente  sendo aplicados   graças  à experiência de intelectuais brasileiros   com formação  em grandes centros  norte-americanos  ou europeus  em geral, ou   por via das leituras de  livros importados  com os quais estudiosos  nossos  se atualizavam, numa  época em que  no país iam  surgindo  as primeiras  Faculdades de Letras e de Filosofia.  
               Mais uma década após a publicação do artigo de Álvaro Lins, ou  seja,  precisamente, em 1951,  outro fato circunstancial coloca  Lins e Coutinho em situação  de confronto ou de competição, qual seja,  num concurso daquele ano  para duas  vagas  da cátedra de Literatura do Colégio Pedro II, se inscreveram quatro candidatos, dois dos quais   eram   Lins e Coutinho. Lins vinha lecionando  no Colégio Pedro II desde 1941. Coutinho, de regresso dos Estados Unidos, em 1947, da mesma forma fora nomeado professor  interino daquela instituição  federal de ensino, permanecendo nessa condição até 1951, ano do concurso.
             Realizado o concurso, Lins  e Coutinho foram aprovados.  O primeiro  apresentou a tese A técnica do romance em Marcel Proust, trabalho  depois  publicado em livro; o segundo a tese Aspectos da literatura barroca, a qual, da mesma sorte  foi  publicada em  livro.
         Coincidentemente, as duas teses, em forma de livro, tiveram grande repercussão, sendo que  Aspectos da literatura  barroca,  conforme  assinalou José Paulo Paes,  foi   estudo  pioneiro  no país,  inclusive,  é obra citada na bibliografia sobre o Barroco na notável  obra  Teoria  da literatura  de René Wellek e Austin Warren,  a qual, em   tradução portuguesa, veio a lume em 1962.  Aspecto da literatura  barroca  foi ainda citada  na monumental  obra Teoria da literatura, de Vítor Manuel de Aguiar e Silva.                 
          Um  estudioso  da vida e obra  de Afrânio Coutinho,  Odilon Belém,  no livro Afrânio Coutinho filosofia - uma filosofia da literatura,[12] apresenta,   todavia,   outra versão sobre  a realização do concurso  nestes   termos:

Concorreram a duas cátedras quatro candidatos. Dois deles bafejados pela maioria  da congregação, sendo que uma das duas cátedras, todos sabiam,  destinava-se ao  postulante  que faz carreira na imprensa e que tinha por  trás de si um dos  grandes jornais da época, de que era  redator. (...) (grifo nosso)[13]

          Na mesma  obra do trecho  citado  acima,   Odilon Belém  relata que o concurso  teve características de um  “evento”comemorativo, espécie de torcidas organizadas, acompanhando  pari passu as fases do  certame, as conversas dos bastidores, o que pensavam os componentes da banca, a congregação do Colégio Pedro II,[14]  e podemos  imaginar  o quadro que ali  se  desenhava  ou a paisagem física, humana, o clima de tensão  e nervosismo de candidatos de mistura com  a tranquilidade da   exposição de outros candidatos durante  a prova  oral, cujo tema sorteado para todos  era discorrer sobre Rousseau. Relata Odilon Belém que Coutinho estava “tranquilo” durante a exposição e  dela saiu-se de forma  brilhante.Belém ainda menciona um pequeno  trecho  lido na imprensa do momento que, acerca   do concurso, afirmou ter sido ‘um dos pleitos mais memoráveis do  espírito naquele  educandário’.[15] Não é preciso  grande esforço   da parte do  leitor  da obra de Odilon Belém para  identificar   que o “postulante” em  causa é o crítico  Álvaro  Lins e o jornal  não é nada menos do que o Correio da manhã, do qual  Lins  fora  redator-chefe  
      As circunstâncias nas quais transcorreu  o concurso são, en passant, relatadas na obra  A luta  literária,[16]   do crítico  e ficcionista  Fausto Cunha, intelectual que,  junto com outros,  no ano de 1951, se colocou  ao lado   de Afrânio durante o concurso, assim como  igualmente esteve a favor de Coutinho, na refrega que este travava contra o Impressionismo na sua  coluna dominical  “Correntes Cruzadas,” do Suplemento   Literário do  Diário de Notícias, do Rio de Janeiro.
            Fausto  Cunha e outros  companheiros, perfilhando  os mesmos   propósitos  de  desbancar  o Impressionismo crítico e   “o primado  crítico de Álvaro Lins”, escreviam na  revista  Ensaio e  Revista  Branca. A meta de Fausto Cunha e de seus  colegas era a mesma  de Coutinho,  lutar por  mudanças  e renovação    da crítica  literária brasileira.  No dia do concurso de Coutinho  Fausto Cunha   estava presente e torcia, como outros  companheiros,  pela vitória  de Coutinho.[17]
            Era a primeira vez que via o escritor baiano pessoalmente. Fausto Cunha aproveitou  a realização do concurso para, através da Revista Branca, fazer “uma cobertura  entusiástica” do evento.[18] Representa, ao lado de outros companheiros,  desse modo,  a claque dos que  queriam  a  cátedra  para Coutinho, assim como  provavelmente haveria   os simpatizantes  de Lins.
          Fausto Cunha e seu grupo já contavam com a vitória de Lins, dado o  seu  prestígio  na época, assim  podemos  deduzir. Por essa razão, segundo Fausto, a “participação  de Lins no concurso era de significação secundária.” [19] O que ele   e o seu grupo só  desejavam era, repetimos,   o sucesso de Coutinho ou como ele mesmo  declara: “(...) a vitória de um novo conceito de critica  e de uma nova atitude perante o fato literário”.[20]
               No capítulo  “A Nova Crítica’ da  mencionada obra de   Fausto Cunha, o crítico   assume abertamente a  defesa de Afrânio diante do clima  tenso  resultante da  polêmica  entre Lins e Afrânio,  que já durava até então dez anos:

 Tínhamos  naquele tempo, Afrânio Coutinho e eu  um  ponto   em comum:   a luta contra o primado de Álvaro Lins – dizendo melhor, a luta contra a perpetuação  da mentalidade crítica que ele parecia simbolizar. Na verdade, combatíamos em campos  quase opostos. Eu via no autor do Jornal de crítica um representante da ‘crítica colonial,’ mas via nele sobretudo a encarnação por excelência do banausismo literário.(...)  (grifo do autor)[21]

                 Porém, em nota de pé de página do citado livro de ensaios, Fausto Cunha, se não renega a sua  posição  crítica  na guerra contra o Impressionismo crítico de Álvaro Lins,   no início dos anos de 1950, da mesma forma  não deixa escapar esta confissão, a nosso ver,  reveladora na primeira metade dos anos de 1960:

 (...) Minha posição em relação a Álvaro Lins como crítico foi sustentada em vários artigos; hoje não valeria a pena evocá-los. São crises de idealismo literário, cuja importância o tempo e o meio se encarregam de esfriar. Hoje considero sua obra perfeitamente válida em muitos  pontos admirável.”[22] 

             Convém assinalar que aquela nota de pé de página  se reporta à data de  publicação  de A luta  literária, i.e., 1964. No mesmo ensaio, Fausto Cunha, em outra nota de pé de página, a de nº 1,  faz  outra afirmação  pertinente: “Também aqui vale o que ficou dito na primeira nota. Lembrar que tudo se passou em 1951 e que de lá para cá muitos ventos sopraram. Nada renego, mas também já não tenho as mesmas ilusões imberbes”. (grifos nossos)
               Naquele ano do concurso, 1951, a polêmica ainda estava bem acesa, notadamente pela continuidade  dos artigos  de Coutinho na já aludida  coluna dominical “Correntes cruzadas,”do Suplemento  Literário do Diário de Notícias. Persistiam os  ataques fulminantes  do crítico  baiano ao Impressionismo de alguns  críticos  brasileiros. Sua virulência, da mesma sorte, se voltava para  o estado, segundo ele,   deplorável da vida literária  de então, onde grassavam o compadrio, os grupelhos, os conchavos entre  escritores e lideranças intelectuais    cristalizadas.    
               Entretanto, a meta principal de Coutinho, consoante acentuamos anteriormente, era  atingir o Impressionismo de Lins e seus seguidores. Grande parte dos artigos saídos na coluna “Correntes cruzadas,” cujo  início data de 1948 e vai até 1953,   foi,  mais tarde, selecionada e reunida em livro  que levou o nome da coluna.[23]
                 Afirma  Coutinho,  na longa  introdução  ao volume, ter  incluído,  além dos artigos,  chamados  por ele de “crônicas,” outros textos  publicados em lugares e datas  diferentes. Da mesma sorte,  ele coligiu  outros artigos antes  saídos na imprensa datados de 1952 a 1959, que farão parte do livro No hospital das letras,   editado em 1963.  




[1] AMOROSO LIMA,  Alceu. Quadro sintético da literatura brasileira. Op. cit., p. 148-149.
[2] LINS, Álvaro.  O segundo Afrânio: um "exercício" literário acerca de Machado de Assis. In:__. Os mortos de sobrecasacas. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 191963, p. 348-354.  
[3]  HOLANDA, Sérgio Buarque de. A Filosofia de Machado de Assis. In: __. Cobra de vidro. Coleção Debates.  São Paulo: Perspectiva,  p. 53-58.
[4] LINS, Álvaro. Os mortos de sobrecasaca, Op. cit., p.352.
[5] CASTRO ROCHA, João Cezar de. A crítica literária: em busca do tempo perdido? Op. cit., p. 190. Ver  o que afirmamos na nota  6.
[6] LINS, Álvaro. História literária de Eça de Queiroz. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1965, p. 247-269, capítulo 11.
[7]  LINS, Álvaro Lins. Júlio Ribeiro: hors de la littérature...In:_. Os mortos de sobrecasaca. Op. cit., p. 217-219.
[8] Ibidem.
[9] QUICHERAT, L. Novissimo diccionario latino-portuguez.  3.ed. Rio de Janeiro: H.Garnier; Livreiro-editor, s.d., p. 580. Conservamos a grafia original dessa  edição. 
[10] CUNHA, Fausto. A luta literária. .Rio de Janeiro: Lidador, 1964, p. 53.
[11]  Cf. AMOROSO LIMA, Alceu. Quadro sintético da literatura brasileira. Op. cit. p.145.
[12]  BELÉM, Odilon. Afrânio Coutinho – uma filosofia da literatura. Rio de Janeiro: Pallas,  1987. Em nosso juízo, a obra de Odilon Nunes, se excetuarmos  o seu lado de exaltação em decorrência da sua dimensão  afetiva e de laços de  grande amizade com  Afrânio Coutinho,  é o melhor  estudo,   quase uma  biografia  do crítico  baiano. Para quem  quiser  penetrar  em aspectos da vida pessoal e intelectual de Afrânio Coutinho,  julgamos  ser a melhor  obra neste gênero  sobre o crítico. Ademais,  contém um precioso  Curriculum Vitae de Afrânio Coutinho,  organizado por Juracy dos Santos Pereira,  uma  riquíssima   e bem  organizada bibliografia  ativa e passiva  sobre o  autor estudado a cargo de Maria da  Graça Coutinho de Góes e  capítulos  decisivos  -  todos  -  para  compreender  melhor  o perfil  do crítico e do intelectual: ”Uma vocação,” “A experiência jornalística,” “Jornalismo e Literatura,” “Segunda Guerra Mundial,”  “Amigos,”  “Volta ao Brasil,” “Faculdade de Letras e”Viagens ao Exterior”.
[13]  Idem, p. 120. O “postulante” de que fala Odilon Belém era, no caso,  o crítico Álvaro Lins, e o jornal  era o Correio da Manhã, do qual foi crítico  titular.
[14] Segundo  Odilon Belém, na obra  citada na nota  anterior, faziam parte da banca examinadora  do  concurso os seguintes professores: Clóvis Monteiro, Cândido Jucá [ Filho], que representavam  o Colégio Pedro II, e os examinadores  “convidados”:  Abgar Renault, Afonso Arinos de Melo Franco e Cassiano Ricardo. Ver BELEM, Odilon. Op.cit., p. 120. Como complemento  de informações sobre o  concurso,  recorri ao livro de João Cezar de Castro Rocha. Op. cit., p. 191, em que elenca os nomes  dos dois  outros concorrentes: Celso Cunha e Vieira Souto.
[15] Ibidem.
[16] CUNHA, Fausto. A luta literária.  Op.cit.,   p. 52-53.
[17] Idem, p. 53.
[18] Ibidem.
[19] Ibidem.
[20] Ibidem.
[21] Ibidem.
[22] Ibidem. Nota de pé de página  1.
[23]  O livro em questão é Correntes cruzadas. Ver COUTINHO, Afrânio. Correntes  cruzadas .-  questões de literatura. Op. cit.

Fonte da epígrafe do  ensaio: C.S. Lewis, extraída de uma página do Facebool.

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