Cunha
e Silva Filho
Você sabia, leitor, que há professores do ensino superior que têm
vergonha – esta é a palavra mesmo – de confessarem que, algum tempo atrás, já foram
professores da rede estadual ou municipal? Pois é. Se vexam de
serem mal interpretados, como se a condição de professor
universitário os fizesse melhores. Vergonha tenho eu de constatar que
professores assim se comportam. Não são,
na verdade, professores no sentido mais rigoroso do termo. São vaidades em forma de professor. Lembro=-me de que o crítico literário Afrânio Coutinho (1911-2000), segundo me informaram, tinha o maior gosto de ser chamado de
professor, simplesmente professor, sem o
penduricalho de “universitário ou de “doutor.”
Ora, leitor,
professor, seja de que nível for,
se tiver talento e vocação para o
ensino, será estimado pelos seus pares Ao contrário, se for um
professor universitário medíocre, sem
vocação e investido apenas de empáfia
e de soberba, nunca terá a consideração de seus colegas acadêmicos. “Mas, você
está enganado, colega,” me
apartaria o tipo de professor descrito no parágrafo
acima.” Se você é professor do
ensino superior, isso lhe dá status,
respeito da sociedade” Talvez neste
ponto o vaidoso professor
esteja certo ao se referir ao
pensamento comum e médio da
sociedade.Ainda assim, vejo que
esse comportamento de um
professor que se
constrange em declarar ter lecionado
no ensino fundamental ou médio, é
um sinal de estreiteza
espiritual e de empobrecimento
mental..
Pense-se
no passado, fixemo-nos nas décadas de trinta, quarenta, cinquenta e até inícios de sessenta, e vemos como o
professor ginasiano ou do
ensino médio ( nível clássico,
científico, técnico, o que for) era
muito respeitado, e respeitado também
pelo aluno e pela sociedade. E veja que grande parte deles, nos tempos mais recuados,
não detinha nem mesmo
diplomas do ensino superior, do
que hoje se chama graduação específica através do bacharelado e da licenciatura. Naqueles
tempos, era uma honra ser professor do ensino médio ou do ginásio. Até na indumentária, o professor se distinguia. Ia dar suas
aulas bem vestido, de terno, bem cuidado.
Absurdamente, foi
com a Escola Nova
que a figura do professor, com
exceção dos do ensino superior, se abastardou para infortúnio da sociedade que não
soube valorizá-lo.Digo isso
por experiência própria,
pois com
orgulho fui professor do ensino
fundamental e médio durante
toda a minha atividade docente somente abrindo exceção para o
período de dez anos em que
lecionei em universidade e mesmo
assim concomitantemente com o ensino médio. Não me pejo de todo
esse currículo vasto e longo da minha vida
no magistério. Vou-lhe contar um
segredo: conheci muitos professores do
ensino médio de altíssimo
nível, professores natos,
estudiosos e que produziram muito nas suas áreas de atuação.
Conheci um professor
do mais alto nível e do qual tive a honra
de ser aluno que nunca negou ter
sido professor do ginásio, do ensino médio e, só depois, dedicou-se
inteiramente à universidade. E
não me refiro aqui apenas aos professores do ensino
fundamental e médio dos grandes
colégios que ministram estes níveis de
ensino, como o Colégio Pedro II,
o Colégio Militar mantido pelo
Exército brasileiro, Escolas
Técnicas e outras semelhantes. No meu
estado natal, o Piauí, da mesma
forma, fui aluno de grandes mestres no ginásio e no científico dos quais
sinto o máximo orgulho, contando entre eles, com o exemplo
do meu pai, o professor Cunha e Silva (1905-1990), que me
lecionou francês no Ginásio “ Des. Antônio Costa”, em Teresina.São
muitas as figuras eminentes
de professores desses níveis.
Não foram,contudo, os professores que degradaram
o ensino brasileiro público. Foram os governos de uns anos para cá, com
políticas educacionais enganosas, onde o ensino
valia mais pela burocracia e pelas estatísticas enganosas.
De nada vale
uma modernização de fachada na escola
brasileira pública se, na prática,
pouco se fez notar
de mudanças progressistas. Só demagogias, contando com
o conluio e o silêncio nefasto de
grande parte do professorado.
Com o crescimento estrondoso da
população brasileira, e, por
conseguinte, com o aumento ciclópico
do número de alunos em todo o
país, sobretudo de extratos baixos e
médios da sociedade, a
educação se tornou de massa, e não
se deu, em troca, uma sustentação
pedagógica efetiva, real, correspondente aos avanços
do campo da Educação no mundo
civilizado.. Ou melhor dizendo,
com o desenvolvimento das teorias
ligadas ao ensino e à aprendizagem,
só uma parcela pequena
da escola brasileira tem acesso
a esse avanço de técnicas e de didática no ensino-aprendizagem, a do
aluno pertencente aos
aquinhoados economicamente que podiam estudar nas grandes e prestigiosas escolas
brasileiras, ficando a outra
parte da
população em idade escolar relegada
às escolas das prefeituras e da rede
estadual.Quer dizer, existem dois tipos de ensino no país: o dos afortunados e o dos pobres.
O
crescimento do país em
algumas áreas pôde ter nível de excelência, mas a educação pública
dos estados e municípios não de beneficiou desses avanços econômicos,
tecnológicos e de alto
padrão de ensino só acessível às famílias
de elevado poder econômico.
Aqui se
explica o descompasso gritante entre
o ensino público e o privado de alta qualidade, não se olvidando
o fato de que, no ensino
privado há, conforme o nível e estrutura de cada escola,
o mesmo nível de descalabro didático-pedagógico que se iguala, assim, ao
ensino público em geral. Esta é uma das
indecências de ensino fundamental,
médio e - não podemos calar - superior privado no país.
Com o abandono
do ensino público municipal e
estadual pelas autoridades responsáveis
pela educação de forma generalizada e
por longos anos, prejudicada ainda pela deterioração crescente dos baixos
salários, o professor teve sua profissão aviltada, desrespeitada colocada em
plano subalterno em relação
a outras carreiras liberais. E
nisso os professores não contaram com o
apoio dos pais dos alunos que só
sabem cobrar dos docentes e não lhes
perguntam por que razão os professores não oferecem um ensino de real qualidade. Em passeatas de professores
reivindicando, sem sucesso, há longos anos por melhoria de condições de trabalho
e de salários, os mestres nunca
tiveram o apoio e a solidariedade
nem das famílias nem da mídia que, muitas vezes, em reportagens, colocam
os pais de alunos contra o
.professorado.
Em país capitalista como
o nosso, só se respeita um profissional quando este é
bem remunerado, o que é uma
insensatez e falta de sensibilidade da sociedade brasileira, talvez não só brasileira, pois em alguns outros países o professor não é tampouco bem
remunerado. O nível de
consciência da sociedade brasileira está longe
de atingir aquele ponto desejável em que a família bem esclarecida compreenda
os valores e a dimensão fundamental da atividade
do ensino. Só com uma sociedade
esclarecida e politicamente consciente
é que se conseguirá valorizar
a figura do professor, o seu trabalho,
a grandeza do que significa para o
desenvolvimento cultural,
econômico, tecnológico e científico de uma nação que se
preza e aspira a um desenvolvimento integral..
Enquanto tivermos
governos que desprezam os valores
do ensino, da educação, da aprendizagem
efetiva e da pessoa
do professor do ensino
fundamental e médio, as nossas escolas públicas municipais e estaduais não passarão
de ser reservatórios onde
grassam a criminalidade, o uso
da droga, a violência nas escolas e
contra a os professores que há muito
perderam o respeito dos alunos, alguns até delinquentes – isso mesmo! - que
vão às escolas somente para
atrapalharem a atividade do professor, constrangendo-os e até mesmo –
e são muitíssimos os casos em todo
o país - praticando, repito,
atos de selvageria contra os docentes, utilizando palavras
de baixo calão contra os mestres,
desrespeitando o interior da sala de aula, provocando neste ambiente,
que deveria ser sagrado para o
exercício da aprendizagem e a convivência harmoniosa entre alunos e
mestres, .brigas entre si, tumultos, gritarias, impossibilitando qualquer
aprendizagem em sala. É o pior
momento vivido pela escola pública brasileira..
A atual fase
em que se encontra o ensino público do Rio de Janeiro talvez seja
a mais grave se confrontada com um período que tão bem
vivenciei como professor
da rede pública. Aludo ao
período que medeia entre os anos 1976 e
1998. Este desmando na escola
pública é fruto apodrecido de um país que não encontrou, até hoje, o caminho certo e definitivo de uma
escola pública respeitada pela sociedade brasileira, não a contrafação de uma escola
pública que temos hoje, um
caso de polícia contra os poderes políticos.
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