Comunico ao meus leitores que, durante três meses, estarei afastado deste Blog.
Cunha e Silva Filho
Os temas discutidos neste blog se concentram sobretudo na área de Literatura Brasileira, mas se estendem a outros temas e áreas culturais afins. Os gêneros literários da preferência da produção do autor são crítica literária, ensaios e crônicas. tradução de poesia estrangeira. Áreas de pesquisa e interesse do autor: teoria literária,história literária, vida literária.relação entre literatura, pobreza e violência, literatura universal e literatura de autores piauienses
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Ter livros em casa ou não tê-los: eis o dilema
Cunha e Silva Filho
Não são boas as notícias sobre o destino dos livros que possuímos. Algumas delas falam em brigas de casal por causa de excesso de livros num dos cômodos, ou nas dependências de empregada, já que estas estão sumidas do poder econômico da classe média ou média baixa ou sei lá em que se transformou a designação da pirâmide social, hoje preferindo rotulações que me soam um tanto cabalísticas ou mesmo esotéricas: classes a, b, c, d, e ... Nunca vi país mais chegado à virtual divisão de estratos sociais quanto o nosso. Mas, leitor, esse não é bem o ponto central desta crônica. O que quero pôr em discussão, ou senão em forma de monólogo, ou no mínimo num incerto diálogo, é o destino, triste sina, dos livros de que dispomos em nosso “Home, home, sweet home”, ou no “My home is my castle,” como preferem os ingleses muito inclinados aos jardins tão bem cuidados e de fazer inveja.
Sei de um amigo que já em parte se separou dos seus amados volumes adquiridos em tantos anos de leitor compulsivo; sei de outro que está destinando parte de sua biblioteca a uma biblioteca pública; sei de outro que, aos poucos, está doando livros que já foram lidos e, muitas vezes, relidos. Sei de outros que andam também com a mesma ideia de ter que se separar de seus bem-queridos livros adquiridos em longos anos em volumes que chegaram a compor uma modesta biblioteca privada.
Uma vez, estava numa velha livraria de sebo quando um senhor magrinho, baixinho, chegou-se até ao livreiro e lhe perguntou se queria comprar algumas coleções inteiras de grandes autores da literatura universal. Este mesmo senhor, dirigindo-se também a mim, perguntou se eu também queria comprar-lhe alguns volumes e foi direto me passando, numa espécie de cartão de visita, o endereço e o telefone. Guardei o cartão por algum tempo, contudo, não sei como, terminei perdendo o cartão e a possibilidade de ir procurar aquele senhor magrinho com cara de leitor voraz.
Dessa experiência com notícias sobre descarte de livros, aprendi uma lição: a pessoa que consegue ter uma média ou grande biblioteca, em determinada época do balanço da vida, resolve livrar-se dos próprios livros. As razões são múltiplas e, muitas vezes, inconfessáveis: tédio da vida, sentimento de quem acha que morte está se aproximando com o peso dos anos, tirar algum ganho por necessidade num tempo em que a aposentadoria ficou corroída com os anos, certeza de que não terá mais tempo e paciência para reler aquela montanha de livros, motivo de mudança de uma casa para um apartamento ou para uma casa menor, onde não haverá espaço suficiente para caber tantos livros.
No meu caso, me situo numa experiência diferente e talvez única. Muitos livros que tinha, assim como coleções de jornais, de revistas de material, de anotações, ou melhor arquivos com centenas de folhas, livros didáticos que gostaria de ter comigo para sempre, com tantas mudanças que fiz, foram se perdendo para enorme tristeza minha. Se existe algo que me entristece é perder um livro de que gosto. Uma vez – se é que não estou me repetindo -, fiz uma crônica, dolorosa crônica lamentando a perda de um livro. O mesmo vale para coleções de suplementos literários, como os do JB, do Globo, da Folha de São Paulo, da coleção de revistas do Piauí, da coleção do Jornal de Letras dos irmãos Condé, da revista Forum, excelente publicação americana para professores de inglês, da coleção da revista Contato, da Cesgranrio, da coleção Plain Truth, nos áureos tempos do Pastor americano Armstrong, que lia a fim de melhorar meu inglês, de obras de autores piauienses, da coleção de artigos de meu pai publicados durante décadas em alguns jornais do Piauí, de coleção de artigos meus antigos remontando a 1963, muitos exemplares dos quais perdi pela vida afora.
O fato é que fui perdendo muitos livros, mas, aos poucos, sentindo as dores em doses menores, porque o mais lamentável é perder todos os livros de um só vez, assim como é profunda a dor de perder os originais de um livro que nos deu tanto trabalho, canseira - e por que não! – alegria de escrever. Uma vez, o contista João Antônio (1937-1996), tendo escrito Malagueta, Perus e Bacanaço (Civilização Brasileira, 1963), considerada sua obra-prima, teve a desdita de perder os originais que foram queimados em um incêndio. O pobre e talentoso contista teve que reescrevê-lo todinho, aproveitando o espaço de um biblioteca em São Paulo. Foi um milagre o havê-lo reescrito. Como, pergunto eu, teria sido mesmo a primeira versão? Não é possível que a recomposição tenha sido cem por cento a mesma. Já me aconteceu de haver escrito um texto longo no computador e, de repente, or deslize meu de não o ter salvo, perdê-lo, sendo forçado a refazê-lo de forma diferente e, a meu ver, inferior, à versão primeira.
Para quem ama na verdade os livros, separar-se deles é uma tormento, uma realidade que passa a ser angustiante, sentimento de desvalia, de carência, de desgosto, de abandono. A vida é mesmo cheia de perdas constantes. Os livros são como pessoas queridas, animais domésticos que estimamos e tratamos como se fossem um ser humano. Ao perdermos livros, perdemos parte de nosso universo afetivo, o que nos deixa num vazio inconsolável, sobretudo quando decididamente sabemos que não mais voltarão para nós.
Assim, venho me desfazendo, por mera falta de espaço, de alguns velhos livros, companheiros que me têm acompanhado por longos anos. Invejo, pois, aqueles que têm à disposição um lugar separado em que possam ser guardados a salvo do descarte. Sei que sou mesquinho quando não pretendo me desfazer de algumas obras que foram compradas com sacrifício, que foram encontradas por sorte em sebos. Triste e sombria cena presenciarmos o desmonte de uma vetusta biblioteca, cujos volumes vão parar numa lixeira, enxotados que foram por herdeiros que não amam os livros e nem se interessam por determinada área do conhecimento artístico, literário, científico.
Sabemos igualmente que não lemos todos os livros que temos conosco. Todavia, eles estão lá nas prateleiras, ao nosso alcance, para qualquer dia ser objeto de nossa leitura. Muita gente pensa que quem tem uma grande biblioteca leu todos os volumes ali contidos. Já ouvi alguém afirmar que o prazer do bibliófilo é possuir seus livros, pouco lhe importa se não ler todos eles. Cada livro tem o seu momento de leitura. Poderá ser hoje, amanhã, daqui a anos. O deleite é tê-los lá nas inúmeras estantes, prontos para serem buscados, escolhidos, lidos e admirados.
Os livros, na biblioteca, explicam gostos e preferências de seus donos. São pistas indicativas da formação de um indivíduo. Em silêncio, dizem muito de quem os coleciona. Da mesma forma, os livros iluminam aspectos da biografia de seus donos. Por isso, é tão traumático para alguém ter que se separar de seus livros. Ninguém, em sã consciência, estimaria perder um único livro de seu acervo particular. Se isso acontece é porque alguma coisa anda errada entre os moradores de uma casa, ou apartamento, onde existe uma biblioteca. A angústia do possuidor de uma biblioteca é a incerteza que nele paira sobre o destino que terão seus livros quando não mais estiver entre os mortais.
Enquanto puder, leitor, preserve os seus livros, lendo-os, amando-os, cuidando bem deles, e, quando não mais o puder, doe-os ou venda-os a quem deles precisa, seja uma pessoa física, seja um instituição privada ou publica. Se possível, faça um testamento expressando claramente a quem destinará seus livros, com quem ficará ou o que será feito deles na forma legal. Que, enfim, seus livros, sua biblioteca tenham um tratamento à altura de sua importância para a cultura do saber democraticamente divulgado e compartilhado. Só assim a angústia dos bibliófilos talvez fique mais aplacada ante a dor da separação..
Não são boas as notícias sobre o destino dos livros que possuímos. Algumas delas falam em brigas de casal por causa de excesso de livros num dos cômodos, ou nas dependências de empregada, já que estas estão sumidas do poder econômico da classe média ou média baixa ou sei lá em que se transformou a designação da pirâmide social, hoje preferindo rotulações que me soam um tanto cabalísticas ou mesmo esotéricas: classes a, b, c, d, e ... Nunca vi país mais chegado à virtual divisão de estratos sociais quanto o nosso. Mas, leitor, esse não é bem o ponto central desta crônica. O que quero pôr em discussão, ou senão em forma de monólogo, ou no mínimo num incerto diálogo, é o destino, triste sina, dos livros de que dispomos em nosso “Home, home, sweet home”, ou no “My home is my castle,” como preferem os ingleses muito inclinados aos jardins tão bem cuidados e de fazer inveja.
Sei de um amigo que já em parte se separou dos seus amados volumes adquiridos em tantos anos de leitor compulsivo; sei de outro que está destinando parte de sua biblioteca a uma biblioteca pública; sei de outro que, aos poucos, está doando livros que já foram lidos e, muitas vezes, relidos. Sei de outros que andam também com a mesma ideia de ter que se separar de seus bem-queridos livros adquiridos em longos anos em volumes que chegaram a compor uma modesta biblioteca privada.
Uma vez, estava numa velha livraria de sebo quando um senhor magrinho, baixinho, chegou-se até ao livreiro e lhe perguntou se queria comprar algumas coleções inteiras de grandes autores da literatura universal. Este mesmo senhor, dirigindo-se também a mim, perguntou se eu também queria comprar-lhe alguns volumes e foi direto me passando, numa espécie de cartão de visita, o endereço e o telefone. Guardei o cartão por algum tempo, contudo, não sei como, terminei perdendo o cartão e a possibilidade de ir procurar aquele senhor magrinho com cara de leitor voraz.
Dessa experiência com notícias sobre descarte de livros, aprendi uma lição: a pessoa que consegue ter uma média ou grande biblioteca, em determinada época do balanço da vida, resolve livrar-se dos próprios livros. As razões são múltiplas e, muitas vezes, inconfessáveis: tédio da vida, sentimento de quem acha que morte está se aproximando com o peso dos anos, tirar algum ganho por necessidade num tempo em que a aposentadoria ficou corroída com os anos, certeza de que não terá mais tempo e paciência para reler aquela montanha de livros, motivo de mudança de uma casa para um apartamento ou para uma casa menor, onde não haverá espaço suficiente para caber tantos livros.
No meu caso, me situo numa experiência diferente e talvez única. Muitos livros que tinha, assim como coleções de jornais, de revistas de material, de anotações, ou melhor arquivos com centenas de folhas, livros didáticos que gostaria de ter comigo para sempre, com tantas mudanças que fiz, foram se perdendo para enorme tristeza minha. Se existe algo que me entristece é perder um livro de que gosto. Uma vez – se é que não estou me repetindo -, fiz uma crônica, dolorosa crônica lamentando a perda de um livro. O mesmo vale para coleções de suplementos literários, como os do JB, do Globo, da Folha de São Paulo, da coleção de revistas do Piauí, da coleção do Jornal de Letras dos irmãos Condé, da revista Forum, excelente publicação americana para professores de inglês, da coleção da revista Contato, da Cesgranrio, da coleção Plain Truth, nos áureos tempos do Pastor americano Armstrong, que lia a fim de melhorar meu inglês, de obras de autores piauienses, da coleção de artigos de meu pai publicados durante décadas em alguns jornais do Piauí, de coleção de artigos meus antigos remontando a 1963, muitos exemplares dos quais perdi pela vida afora.
O fato é que fui perdendo muitos livros, mas, aos poucos, sentindo as dores em doses menores, porque o mais lamentável é perder todos os livros de um só vez, assim como é profunda a dor de perder os originais de um livro que nos deu tanto trabalho, canseira - e por que não! – alegria de escrever. Uma vez, o contista João Antônio (1937-1996), tendo escrito Malagueta, Perus e Bacanaço (Civilização Brasileira, 1963), considerada sua obra-prima, teve a desdita de perder os originais que foram queimados em um incêndio. O pobre e talentoso contista teve que reescrevê-lo todinho, aproveitando o espaço de um biblioteca em São Paulo. Foi um milagre o havê-lo reescrito. Como, pergunto eu, teria sido mesmo a primeira versão? Não é possível que a recomposição tenha sido cem por cento a mesma. Já me aconteceu de haver escrito um texto longo no computador e, de repente, or deslize meu de não o ter salvo, perdê-lo, sendo forçado a refazê-lo de forma diferente e, a meu ver, inferior, à versão primeira.
Para quem ama na verdade os livros, separar-se deles é uma tormento, uma realidade que passa a ser angustiante, sentimento de desvalia, de carência, de desgosto, de abandono. A vida é mesmo cheia de perdas constantes. Os livros são como pessoas queridas, animais domésticos que estimamos e tratamos como se fossem um ser humano. Ao perdermos livros, perdemos parte de nosso universo afetivo, o que nos deixa num vazio inconsolável, sobretudo quando decididamente sabemos que não mais voltarão para nós.
Assim, venho me desfazendo, por mera falta de espaço, de alguns velhos livros, companheiros que me têm acompanhado por longos anos. Invejo, pois, aqueles que têm à disposição um lugar separado em que possam ser guardados a salvo do descarte. Sei que sou mesquinho quando não pretendo me desfazer de algumas obras que foram compradas com sacrifício, que foram encontradas por sorte em sebos. Triste e sombria cena presenciarmos o desmonte de uma vetusta biblioteca, cujos volumes vão parar numa lixeira, enxotados que foram por herdeiros que não amam os livros e nem se interessam por determinada área do conhecimento artístico, literário, científico.
Sabemos igualmente que não lemos todos os livros que temos conosco. Todavia, eles estão lá nas prateleiras, ao nosso alcance, para qualquer dia ser objeto de nossa leitura. Muita gente pensa que quem tem uma grande biblioteca leu todos os volumes ali contidos. Já ouvi alguém afirmar que o prazer do bibliófilo é possuir seus livros, pouco lhe importa se não ler todos eles. Cada livro tem o seu momento de leitura. Poderá ser hoje, amanhã, daqui a anos. O deleite é tê-los lá nas inúmeras estantes, prontos para serem buscados, escolhidos, lidos e admirados.
Os livros, na biblioteca, explicam gostos e preferências de seus donos. São pistas indicativas da formação de um indivíduo. Em silêncio, dizem muito de quem os coleciona. Da mesma forma, os livros iluminam aspectos da biografia de seus donos. Por isso, é tão traumático para alguém ter que se separar de seus livros. Ninguém, em sã consciência, estimaria perder um único livro de seu acervo particular. Se isso acontece é porque alguma coisa anda errada entre os moradores de uma casa, ou apartamento, onde existe uma biblioteca. A angústia do possuidor de uma biblioteca é a incerteza que nele paira sobre o destino que terão seus livros quando não mais estiver entre os mortais.
Enquanto puder, leitor, preserve os seus livros, lendo-os, amando-os, cuidando bem deles, e, quando não mais o puder, doe-os ou venda-os a quem deles precisa, seja uma pessoa física, seja um instituição privada ou publica. Se possível, faça um testamento expressando claramente a quem destinará seus livros, com quem ficará ou o que será feito deles na forma legal. Que, enfim, seus livros, sua biblioteca tenham um tratamento à altura de sua importância para a cultura do saber democraticamente divulgado e compartilhado. Só assim a angústia dos bibliófilos talvez fique mais aplacada ante a dor da separação..
sábado, 3 de dezembro de 2011
Um Natal quase na solidão
Cunha e Silva Filho
Naquela velhíssima Casa de Estudante da Rua Senador Pompeu, chamada CESB (sigla para Casa do Estudante Secundário do Brasil), Centro do Rio de Janeiro, ano de 1965, para onde fui graças à bondade de um amigo de Amarante que nunca mais vi, e sobre o qual nem mesmo sei se ainda vive no Rio ou se voltou ao Piauí. Infelizmente, nunca mais soube dessa criatura séria e solidária. Só espero que tenha sido muito feliz na vida.
Eu me preparava para o vestibular da Faculdade Nacional de Filosofia, curso de Letras. Como não tinha dinheiro para pagar o chamado curso pré-vestibular, a única saída que encontrei era estudar sozinho confiante também no meu preparo trazido das escolas de Teresina.
O exame do vestibular era realizado pela própria faculdade escolhida e constava de três provas: língua portuguesa, língua latina e língua inglesa, esta última compreenderia uma prova oral, um ditado, e uma prova escrita. As provas escritas, todas discursivas. As questões eram difíceis. A de latim abrangia tradução para o português seguida de questões gramaticais. Não foi fácil. Os examinadores apertavam na rigidez da correção. Preparei-me durante quase um ano e como local de estudos, usava a Biblioteca Demonstrativa “Castro Alves,” na Rua Treze de Maio, também no Centro. Parece-me que a biblioteca pertencia ao Instituto Nacional do Livro. Era excelente, tinha um bom acervo no campo das letras, bons dicionários, boa bibliografia em filologia, gramática portuguesa, literatura portuguesa, brasileira, universal, alguns bons livros didáticos de língua inglesa, de latim. Essa biblioteca não mais existe no antigo endereço. Disseram-me que o seu acervo havia sido transferido para uma anexo da biblioteca do Colégio Pedro II. Não sei se em São Cristóvão ou em outra unidade deste Colégio. Foi uma pena terem acabado com ela.
Certo é que, na Casa de Estudante, aos sábados e domingos, ficava estudando numa mesa grande da sala principal desse precário prédio.
Comigo também, no mesmo horário, compartilhavam da mesa dois colegas que se preparavam para o vestibular. Um, o Marinho, iria fazer exames para engenharia; um outro - o nome dele não me ocorre agora -, para medicina. Ambos eram, como eu, jovens pobres vindos do interior para a grande cidade carioca. Eram bons em matemática, estudiosos e de bom caráter. A Casa naqueles dois anos quase que lá passei, abrigava uns vinte jovens, a maioria de idade próxima. Mas, havia deles que eram bem mais velhos do que eu, aproximadamente de vinte e quatro a não mais de trinta anos. No geral, todos se davam bem e mantinham bom convívio.
Um outro colega já era estudante do segundo ano de engenharia da UFF (Universidade Federal Fluminense), de cujo nome não me lembro mais, sabendo que todos os outros moradores iam passar o Natal em algum lugar, e vendo que eu não tinha para onde ir passar o Natal, chegou-se até a mim e me disse: “Francisco, estou te convidando para no sábado, que é Natal, almoçarmos juntos. Você não vai pagar nada, tudo por minha conta, sim?” O convite inesperado encheu-me de alegria incomum. Aceitei de imediato. Meu colega e amigo se defendia dando umas aulas particulares em cursinho de pré-vestibular, aulas particulares. Assim, ia se defendendo.
O nosso almoço natalino foi num restaurante da antiga Mesbla, na Cinelândia, coração do Rio de Janeiro. Tudo transcorreu muito bem. Conversamos muito e eu particularmente estava muito contente com a companhia daquela amigo. Era um jovem moreno, magro, de estatura média, cabelos meio crespos, de olhar compenetrado, educado, sério, estudioso. Naturalmente, percebendo a minha solidão, a minha falta de dinheiro e sabendo, por observação, que eu era estudioso e com bom relacionamento com os moradores, logo pensou em conseguir uma forma de me tirar da solidão e do isolamento do sagrado feriado natalino. Foi o que fez o meu amigo estudante de engenharia que, hoje, se for vivo, deve estar também aposentado após ter seguramente exercido com dignidade a sua nobre e profissão.
Se não fosse ele, o meu Natal de 65 seria um desastre. Não tinha aonde ir, nem me atrevia a passar – sem ser convidado - na casa de algum parente que morava no subúrbio. Naquele período, deixei de frequentar casa de parente. Amargar um Natal sozinho no velho prédio da CESB era a última coisa que queria. Por isso foi tão providencial o convite do meu colega de moradia. Principalmente, porque esse feriado sempre me fora especial no tempo em que estava com meus pais lá em Teresina, com um Natal e a galinha assada esplendidamente preparada por mamãe.
Com hoje está tudo tão distante! Não, porém, sem as imagens daqueles anos de infância e adolescência, nem sem o badalar dos sinos da Igreja de São Benedito à meia-noite para a Missa do Galo. Não, porém, sem a alegria da ceia natalina, ouvindo as vozes queridas de papai e de mamãe e o burburinho álacre das vozes dos meus irmãos. Tudo se foi com o tempo. Tudo se foi com o silêncio e a eternidade querida daqueles que me deixaram na orfandade física e na orfandade da memória. Foram-se contra a minha vontade, mera vontade de um simples vivente também marcado com a natureza do efêmero.
Aquele almoço no restaurante da Mesbla com o jovem estudante de engenharia foi mesmo um presente de Natal que, de certa maneira, vinha suprir o vazio de minha imensa solidão na grande cidade.
Naquela velhíssima Casa de Estudante da Rua Senador Pompeu, chamada CESB (sigla para Casa do Estudante Secundário do Brasil), Centro do Rio de Janeiro, ano de 1965, para onde fui graças à bondade de um amigo de Amarante que nunca mais vi, e sobre o qual nem mesmo sei se ainda vive no Rio ou se voltou ao Piauí. Infelizmente, nunca mais soube dessa criatura séria e solidária. Só espero que tenha sido muito feliz na vida.
Eu me preparava para o vestibular da Faculdade Nacional de Filosofia, curso de Letras. Como não tinha dinheiro para pagar o chamado curso pré-vestibular, a única saída que encontrei era estudar sozinho confiante também no meu preparo trazido das escolas de Teresina.
O exame do vestibular era realizado pela própria faculdade escolhida e constava de três provas: língua portuguesa, língua latina e língua inglesa, esta última compreenderia uma prova oral, um ditado, e uma prova escrita. As provas escritas, todas discursivas. As questões eram difíceis. A de latim abrangia tradução para o português seguida de questões gramaticais. Não foi fácil. Os examinadores apertavam na rigidez da correção. Preparei-me durante quase um ano e como local de estudos, usava a Biblioteca Demonstrativa “Castro Alves,” na Rua Treze de Maio, também no Centro. Parece-me que a biblioteca pertencia ao Instituto Nacional do Livro. Era excelente, tinha um bom acervo no campo das letras, bons dicionários, boa bibliografia em filologia, gramática portuguesa, literatura portuguesa, brasileira, universal, alguns bons livros didáticos de língua inglesa, de latim. Essa biblioteca não mais existe no antigo endereço. Disseram-me que o seu acervo havia sido transferido para uma anexo da biblioteca do Colégio Pedro II. Não sei se em São Cristóvão ou em outra unidade deste Colégio. Foi uma pena terem acabado com ela.
Certo é que, na Casa de Estudante, aos sábados e domingos, ficava estudando numa mesa grande da sala principal desse precário prédio.
Comigo também, no mesmo horário, compartilhavam da mesa dois colegas que se preparavam para o vestibular. Um, o Marinho, iria fazer exames para engenharia; um outro - o nome dele não me ocorre agora -, para medicina. Ambos eram, como eu, jovens pobres vindos do interior para a grande cidade carioca. Eram bons em matemática, estudiosos e de bom caráter. A Casa naqueles dois anos quase que lá passei, abrigava uns vinte jovens, a maioria de idade próxima. Mas, havia deles que eram bem mais velhos do que eu, aproximadamente de vinte e quatro a não mais de trinta anos. No geral, todos se davam bem e mantinham bom convívio.
Um outro colega já era estudante do segundo ano de engenharia da UFF (Universidade Federal Fluminense), de cujo nome não me lembro mais, sabendo que todos os outros moradores iam passar o Natal em algum lugar, e vendo que eu não tinha para onde ir passar o Natal, chegou-se até a mim e me disse: “Francisco, estou te convidando para no sábado, que é Natal, almoçarmos juntos. Você não vai pagar nada, tudo por minha conta, sim?” O convite inesperado encheu-me de alegria incomum. Aceitei de imediato. Meu colega e amigo se defendia dando umas aulas particulares em cursinho de pré-vestibular, aulas particulares. Assim, ia se defendendo.
O nosso almoço natalino foi num restaurante da antiga Mesbla, na Cinelândia, coração do Rio de Janeiro. Tudo transcorreu muito bem. Conversamos muito e eu particularmente estava muito contente com a companhia daquela amigo. Era um jovem moreno, magro, de estatura média, cabelos meio crespos, de olhar compenetrado, educado, sério, estudioso. Naturalmente, percebendo a minha solidão, a minha falta de dinheiro e sabendo, por observação, que eu era estudioso e com bom relacionamento com os moradores, logo pensou em conseguir uma forma de me tirar da solidão e do isolamento do sagrado feriado natalino. Foi o que fez o meu amigo estudante de engenharia que, hoje, se for vivo, deve estar também aposentado após ter seguramente exercido com dignidade a sua nobre e profissão.
Se não fosse ele, o meu Natal de 65 seria um desastre. Não tinha aonde ir, nem me atrevia a passar – sem ser convidado - na casa de algum parente que morava no subúrbio. Naquele período, deixei de frequentar casa de parente. Amargar um Natal sozinho no velho prédio da CESB era a última coisa que queria. Por isso foi tão providencial o convite do meu colega de moradia. Principalmente, porque esse feriado sempre me fora especial no tempo em que estava com meus pais lá em Teresina, com um Natal e a galinha assada esplendidamente preparada por mamãe.
Com hoje está tudo tão distante! Não, porém, sem as imagens daqueles anos de infância e adolescência, nem sem o badalar dos sinos da Igreja de São Benedito à meia-noite para a Missa do Galo. Não, porém, sem a alegria da ceia natalina, ouvindo as vozes queridas de papai e de mamãe e o burburinho álacre das vozes dos meus irmãos. Tudo se foi com o tempo. Tudo se foi com o silêncio e a eternidade querida daqueles que me deixaram na orfandade física e na orfandade da memória. Foram-se contra a minha vontade, mera vontade de um simples vivente também marcado com a natureza do efêmero.
Aquele almoço no restaurante da Mesbla com o jovem estudante de engenharia foi mesmo um presente de Natal que, de certa maneira, vinha suprir o vazio de minha imensa solidão na grande cidade.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Um poema de Stéphane Mallarmé (1842-1898)
Cantique de Saint Jean
Le soleil que sa halte
Surnaturelle exalte
Aussitôt redescend
Incandescent
Je sens comme aux vertèbres
S’éployer des ténèbres
Toutes dans un frisson
A l’unisson
Et ma tête surgie
Solitaire vigie
Par les vols triomphaux
De cette faux
Comme rupture franche
Plutôt refoule ou tranche
Les anciens désacords
Avec le corps
Qu’elle de jeûnes ivre
S’opiniâtrre à suivre
Em quelque bond hagard
Son pur regard
Là-haut où la froidure
Solitaire n’endure
Que vous la surpassiez
Tous ô glaciers
Mais selon um bvaptême
Illuinée au même
Pricipe que m’élut
Penche um salut.
Cântico de São João
O sol que a altura
Sobrenatural exalta
Logo desce e volta
Incandescente
Sinto-me como se as vértebras
Se abrissem em trevas
Num calafrio
Único
Desponta a minha cabeça
Vigia solitária
Desta foice
Como ruptura transpõe
Antes reprime ou corta
Os antigos desacertos
Com o corpo
Que ela ébria de jejuns
Não ceda seguindo
Com algum salto insensato
Seu puro olhar
Lá nas alturas onde a friagem
Solitária não suporta
Que vós a ultrapasseis
Ó geleiras inteiras
Segundo, porém, um batismo
Iluminada pelo mesmo
Princípio que me escolheu
Se inclina numa saudação
(Poésies)
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
Le soleil que sa halte
Surnaturelle exalte
Aussitôt redescend
Incandescent
Je sens comme aux vertèbres
S’éployer des ténèbres
Toutes dans un frisson
A l’unisson
Et ma tête surgie
Solitaire vigie
Par les vols triomphaux
De cette faux
Comme rupture franche
Plutôt refoule ou tranche
Les anciens désacords
Avec le corps
Qu’elle de jeûnes ivre
S’opiniâtrre à suivre
Em quelque bond hagard
Son pur regard
Là-haut où la froidure
Solitaire n’endure
Que vous la surpassiez
Tous ô glaciers
Mais selon um bvaptême
Illuinée au même
Pricipe que m’élut
Penche um salut.
Cântico de São João
O sol que a altura
Sobrenatural exalta
Logo desce e volta
Incandescente
Sinto-me como se as vértebras
Se abrissem em trevas
Num calafrio
Único
Desponta a minha cabeça
Vigia solitária
Desta foice
Como ruptura transpõe
Antes reprime ou corta
Os antigos desacertos
Com o corpo
Que ela ébria de jejuns
Não ceda seguindo
Com algum salto insensato
Seu puro olhar
Lá nas alturas onde a friagem
Solitária não suporta
Que vós a ultrapasseis
Ó geleiras inteiras
Segundo, porém, um batismo
Iluminada pelo mesmo
Princípio que me escolheu
Se inclina numa saudação
(Poésies)
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
terça-feira, 29 de novembro de 2011
O país é violento
Cunha e Silva Filho
A esta altura da vida – e eu já vivi um bom pedaço dela ¬¬ - não temo expressar uma opinião, a de que o Brasil é violento em muitos aspectos da sua vida social: no trânsito, nos transportes, na rua, na política, na vida comunitária, no trabalho, na escola, na universidade, nas repartições, nos relacionamentos interpessoais, na família, entre famílias, entre religiões, nas prisões, no campo, na cidade. A lista é, pois, imensa. Violência que explica ser o país um dos que mais detêm prisioneiros no mundo. Nossas cadeias estão entupidas, nossos presídios, idem.
Imagine o leitor que o número de presos aqui ainda seria muito maior se não houvesse a impunidade nos seus vários segmentos sociais e em suas diversas instâncias do governo. A impunidade – terrível contradição - está às avessas até prestando um “auxílio” ao sistema carcerário, já que não existem vagas suficientes para milhares de criminosos soltos espalhados por aí.
Ao mesmo tempo em que esta contradição na qual a impunidade atualmente “evita” o crescimento de presos nas delegacias e presídios, a violência tende a crescer assustadoramente. Ante esta realidade complexa, a sociedade brasileira se vê encurralada e refém dos delinquentes de todos os tipos, de tal sorte que o Estado brasileiro se encontra encalacrado, quase impotente na tentativa de buscar formulações inovadoras para atacar a questão de frente. O que os meios de segurança fazem são apenas remendos que não servem para solucionar os graves dilemas de um país atravessado pelo seu mal maior: a violência.
Quem acompanha os programas de televisão que se dedicam a fazer reportagens sobre a violência brasileira sabe a quantas anda este flagelo nacional.
Afirmar que nosso povo é pacífico, cordeiro, cordato, ordeiro seria encobrir a realidade dos fatos de nossa história social. Diariamente, somos bombardeados por notícias nos jornais, televisões, rádios e outros meios de comunicação relatando atos cruéis, covardes e hediondos praticados por brasileiros de tal maneira que hoje em dia, por qualquer motivo fútil, um individuo assassina friamente um outro, foge e transforma frequentemente o seu ato homicida em impunidade. Outras vezes, um criminoso em potencial, dirigindo irresponsavelmente seu carro, atropela inocentes e, na delegacia, paga fiança e é liberado.Outra vezes ainda o criminoso nunca é descoberto mesmo após investigações policiais.
Um psiquiatra ou sociólogo, não me lembro bem, na televisão, admitia que o recrudescimento da violência brasileira atingiu níveis tão elevados e com altíssima frequência que já se poderia falar que estamos vivendo uma fase intolerável de “patologia social.”
Esta realidade social deformada que se criou por diversas razões – negligência do poder público, impunidade, conivência entre deliquentes e instituições de segurança, polícia corrupta e homicida de braços dados com a criminalidade, trafico de drogas, armamento contrabandeado através de nossas frágeis fronteiras com os países vizinhos, entre outros - é que tem que ser objeto prioritário da segurança nacional através de seus principais órgãos públicos, desde os Ministério da Justiça, Polícia Federal, delegacias estaduais, polícia civil até organizações privadas que se interessam pelo bem-estar da sociedade civil. Nessa luta pela diminuição da violência no país todos os brasileiros devemos estar profundamente envolvidos.
O Estado brasileiro não resolverá sozinho esta questão crucial porquanto na violência estão embutidas outras questões decisivas e complementares no processo de encaminhamento de sugestões, recomendações e estratégias que bem poderão ser buscadas na melhoria de nosso sistema de educação, na melhor qualidade de nossas escolas públicas e privadas e sobretudo no seio da família. Desta célula social muito depende a melhoria de padrões e comportamentos morais e éticos, com dobrada atenção na criação dos filhos, na orientação destes e nos exemplos do bom relacionamento entre os pais de família, sem cujo alicerce sólido, no seu conjunto geral, a “família amplificada,” na metáfora criada por Rui Barbosa (1849-1923) para definir a pátria (Oração aos moços), não terá uma referência digna de ser seguida pelos seus rebentos. Tal comportamento que se exige dos pais nada tem de retrógrado nem está dissociado da contemporaneidade. Sei que vivemos uma realidade bem diferente de décadas atrás. Não é o nível social da família que responderá pelos fracassos dos filhos, pois encontramos felicidade e honradez ainda nas famílias mais desfavorecidas.
“In medio consistit virtu” (“A virtude está no meio”) costumava dizer meu pai, repetindo a máxima latina A família pode viver os tempos atuais cibernéticos em paz se exageros e permissividades não forem consentidos pelos pais. Para que a cadeia entre pais, filhos e netos tenha sucesso do ponto de vista moral, cumpre que os pais cuidem de suas responsabilidades para com os filhos, ensinem a eles o caminho do Bem, das boas virtudes, da solidariedade, do respeito aos semelhantes, aos amigos, aos colegas, aos mais idosos em que qualquer parte ou local em que os filhos puderem ser úteis, cordiais, civilizados. Por isso, considero a família e a escola os dois principais pilares na formação do cidadão de bem, do homem íntegro, do indivíduo pronto a exercer, segundo sua competência e qualificação, uma função, um cargo, uma responsabilidade na sociedade. No binômio família-escola, vislumbro um mundo menos violento para a humanidade
A esta altura da vida – e eu já vivi um bom pedaço dela ¬¬ - não temo expressar uma opinião, a de que o Brasil é violento em muitos aspectos da sua vida social: no trânsito, nos transportes, na rua, na política, na vida comunitária, no trabalho, na escola, na universidade, nas repartições, nos relacionamentos interpessoais, na família, entre famílias, entre religiões, nas prisões, no campo, na cidade. A lista é, pois, imensa. Violência que explica ser o país um dos que mais detêm prisioneiros no mundo. Nossas cadeias estão entupidas, nossos presídios, idem.
Imagine o leitor que o número de presos aqui ainda seria muito maior se não houvesse a impunidade nos seus vários segmentos sociais e em suas diversas instâncias do governo. A impunidade – terrível contradição - está às avessas até prestando um “auxílio” ao sistema carcerário, já que não existem vagas suficientes para milhares de criminosos soltos espalhados por aí.
Ao mesmo tempo em que esta contradição na qual a impunidade atualmente “evita” o crescimento de presos nas delegacias e presídios, a violência tende a crescer assustadoramente. Ante esta realidade complexa, a sociedade brasileira se vê encurralada e refém dos delinquentes de todos os tipos, de tal sorte que o Estado brasileiro se encontra encalacrado, quase impotente na tentativa de buscar formulações inovadoras para atacar a questão de frente. O que os meios de segurança fazem são apenas remendos que não servem para solucionar os graves dilemas de um país atravessado pelo seu mal maior: a violência.
Quem acompanha os programas de televisão que se dedicam a fazer reportagens sobre a violência brasileira sabe a quantas anda este flagelo nacional.
Afirmar que nosso povo é pacífico, cordeiro, cordato, ordeiro seria encobrir a realidade dos fatos de nossa história social. Diariamente, somos bombardeados por notícias nos jornais, televisões, rádios e outros meios de comunicação relatando atos cruéis, covardes e hediondos praticados por brasileiros de tal maneira que hoje em dia, por qualquer motivo fútil, um individuo assassina friamente um outro, foge e transforma frequentemente o seu ato homicida em impunidade. Outras vezes, um criminoso em potencial, dirigindo irresponsavelmente seu carro, atropela inocentes e, na delegacia, paga fiança e é liberado.Outra vezes ainda o criminoso nunca é descoberto mesmo após investigações policiais.
Um psiquiatra ou sociólogo, não me lembro bem, na televisão, admitia que o recrudescimento da violência brasileira atingiu níveis tão elevados e com altíssima frequência que já se poderia falar que estamos vivendo uma fase intolerável de “patologia social.”
Esta realidade social deformada que se criou por diversas razões – negligência do poder público, impunidade, conivência entre deliquentes e instituições de segurança, polícia corrupta e homicida de braços dados com a criminalidade, trafico de drogas, armamento contrabandeado através de nossas frágeis fronteiras com os países vizinhos, entre outros - é que tem que ser objeto prioritário da segurança nacional através de seus principais órgãos públicos, desde os Ministério da Justiça, Polícia Federal, delegacias estaduais, polícia civil até organizações privadas que se interessam pelo bem-estar da sociedade civil. Nessa luta pela diminuição da violência no país todos os brasileiros devemos estar profundamente envolvidos.
O Estado brasileiro não resolverá sozinho esta questão crucial porquanto na violência estão embutidas outras questões decisivas e complementares no processo de encaminhamento de sugestões, recomendações e estratégias que bem poderão ser buscadas na melhoria de nosso sistema de educação, na melhor qualidade de nossas escolas públicas e privadas e sobretudo no seio da família. Desta célula social muito depende a melhoria de padrões e comportamentos morais e éticos, com dobrada atenção na criação dos filhos, na orientação destes e nos exemplos do bom relacionamento entre os pais de família, sem cujo alicerce sólido, no seu conjunto geral, a “família amplificada,” na metáfora criada por Rui Barbosa (1849-1923) para definir a pátria (Oração aos moços), não terá uma referência digna de ser seguida pelos seus rebentos. Tal comportamento que se exige dos pais nada tem de retrógrado nem está dissociado da contemporaneidade. Sei que vivemos uma realidade bem diferente de décadas atrás. Não é o nível social da família que responderá pelos fracassos dos filhos, pois encontramos felicidade e honradez ainda nas famílias mais desfavorecidas.
“In medio consistit virtu” (“A virtude está no meio”) costumava dizer meu pai, repetindo a máxima latina A família pode viver os tempos atuais cibernéticos em paz se exageros e permissividades não forem consentidos pelos pais. Para que a cadeia entre pais, filhos e netos tenha sucesso do ponto de vista moral, cumpre que os pais cuidem de suas responsabilidades para com os filhos, ensinem a eles o caminho do Bem, das boas virtudes, da solidariedade, do respeito aos semelhantes, aos amigos, aos colegas, aos mais idosos em que qualquer parte ou local em que os filhos puderem ser úteis, cordiais, civilizados. Por isso, considero a família e a escola os dois principais pilares na formação do cidadão de bem, do homem íntegro, do indivíduo pronto a exercer, segundo sua competência e qualificação, uma função, um cargo, uma responsabilidade na sociedade. No binômio família-escola, vislumbro um mundo menos violento para a humanidade
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
A casa no tempo
Cunha e Silva Filho
No bairro*, sempre que por ali passo, vejo a velha casa (aliás, antigo hábito meu, gosto de ver casas antigas, sua data de construção nas portadas e de associá-las à história de seus moradores e, por sua vez, à história da cidade), ou melhor, o velho sobrado fechado a cadeado. Olho para o seu frontispício e não encontro a data que marcou o término de sua edificação. Contudo, pelo seu aspecto exterior, pela cor encardida de suas paredes, pelo batente de seu pequeno pórtico, tudo respira o ar dos anos iniciais do século XX, cuja realidade não vivi, mas que me vem pelo que possa deduzir de fotos, de filmes e de livros de época.. Talvez date da primeira metade da década de dez, se tanto.
Sem ninguém que me possa atender pela entrada por aquele portão de ferro carcomido pela ferrugem, já sem cor, penso nos primeiros dias em que foi habitado. Sinto ímpeto de bater à porta, logo do lado direito interno do pórtico. Será que alguém me vai receber? Será que, ao me receber, serei um persona non grata que ali estivesse apenas para importunar os invisíveis moradores, ou ainda existe alguém que lá more e, com mais de cem anos, não pode caminhar e sair à rua? Talvez, quem sabe, seja um antigo comendador do Rio antigo, descendente de espanhois que desembarcaram no porto do Rio no final do século XIX? Nunca se sabe.
Toda vez que passo pelo decadente sobrado, me vem esta mesma ideia, esta mesma vontade de entrar lá e conversar com seus moradores, ou apenas com um único morador sobrevivente ao tempo. O aspecto fantasmagórico do prédio me assusta se por ele passo à noite. Paro um pouco à sua frente, procuro distinguir algum som, alguma voz, ou mesmo um grito ou som abafado, quem sabe, uma conversa com dois enamorados no aconchego da alcova, na intimidade de sua vida amorosa.
Já me disseram que lá viveu um casal Um belo e feliz casal. Ele, um capitão do Exército; ela, um professora formada no Instituto de Educação, da Mariz e Barros. Isso era nos anos 50 do século passado. O destino do casal não foi feliz: o capitão, ao passar um dia por uma rua do seu bairro, tarde da noite, a poucos metros de seu lar, fora surpreendido por um facínora que lhe apontou uma arma , um trinta e dois, e lhe pediu que entregasse tudo que tinha na carteira. O capitão, ainda moço e forte, se atracou com o ladrão e, na luta para desarmar este, a arma disparou na confusão e foi atingir em cheio o peito do militar. Morte instantânea. Desde a perda do marido querido, a professora começou a dar sinais de enlouquecimento. Não quis mais sair de casa, não recebia ninguém. Praticamente, se transformou numa alma penada que era ouvida soltando gritos desesperados clamando, desvairada, pelo nome do seu grande amor.
Outras estórias trágicas contam-se de moradores do sobrado em tempos diferentes. Cheguei, depois de investigações pessoais junto a vizinhos do sobrado e do bairro, que no sobrado não morou um único vivente que tivesse sido feliz. O prédio era a personificação da tragédia. Dizem que será demolido para, no seu lugar, construir-se uma prédio de dez andares.
Ontem mesmo passei pelo velho prédio. Era uma noite um tanto fria de julho. A rua em que está situada é longa, arborizada e meio escura. Como o prédio fica entre uma bela casa em estilo mais moderno e um prédio enorme de apartamentos, onde o primeiro andar é reservado a lojas de comércio, no momento em que passava, aquela casa bela estava com seu jardim iluminado, fazendo com que a luz forte se refletisse no sobrado e desse um aspecto soturno de prédio assombrado. Os raios de luz vindos da casa ainda concorriam para dar um fisionomia de paisagem brumosa que, por sua vez, me amedrontara. Ainda assim, parei um pouco diante do centenário prédio. Por um instante, tive a sensação auditiva de que ouvia gritos de alguém chamando por um nome: “Venha, querido Fábio, venha pra meus braços, A cama está quente e macia.. Fábio, Fábio, Fábio!” – os gritos aos poucos sumiam nos ares do tempo incerto.
Uma velha moradora, quase vizinha do sobrado, um dia, conversando comigo sobre o velho prédio abandonado, me dissera que o casal a que me refiro neste relato, respondia pelo nome de Fábio.
Até hoje, fico meio confuso para afirmar se tudo o que ouvi naquela noite nebulosa foi realmente verdade ou se não passara de um sonho meu, desses sonhos que qualquer ser humano pode ter e que tanto parecem ser reais. No meu caso particular, quase todos os sonhos que tenho, ainda que muito parecidos com a realidade, logo ao acordar na manhã seguinte, em geral se me apagam da memória, o que me deixa por vezes frustrado. Talvez, tudo mesmo não passe de influência de contos de assombração lidos ao longo da vida, seja em forma de livros do gênero de Poe, seja por influência de filmes a que costumava assistir, ou de estórias que ouvi na infância, adolescência e até na fase adulta.
No bairro*, sempre que por ali passo, vejo a velha casa (aliás, antigo hábito meu, gosto de ver casas antigas, sua data de construção nas portadas e de associá-las à história de seus moradores e, por sua vez, à história da cidade), ou melhor, o velho sobrado fechado a cadeado. Olho para o seu frontispício e não encontro a data que marcou o término de sua edificação. Contudo, pelo seu aspecto exterior, pela cor encardida de suas paredes, pelo batente de seu pequeno pórtico, tudo respira o ar dos anos iniciais do século XX, cuja realidade não vivi, mas que me vem pelo que possa deduzir de fotos, de filmes e de livros de época.. Talvez date da primeira metade da década de dez, se tanto.
Sem ninguém que me possa atender pela entrada por aquele portão de ferro carcomido pela ferrugem, já sem cor, penso nos primeiros dias em que foi habitado. Sinto ímpeto de bater à porta, logo do lado direito interno do pórtico. Será que alguém me vai receber? Será que, ao me receber, serei um persona non grata que ali estivesse apenas para importunar os invisíveis moradores, ou ainda existe alguém que lá more e, com mais de cem anos, não pode caminhar e sair à rua? Talvez, quem sabe, seja um antigo comendador do Rio antigo, descendente de espanhois que desembarcaram no porto do Rio no final do século XIX? Nunca se sabe.
Toda vez que passo pelo decadente sobrado, me vem esta mesma ideia, esta mesma vontade de entrar lá e conversar com seus moradores, ou apenas com um único morador sobrevivente ao tempo. O aspecto fantasmagórico do prédio me assusta se por ele passo à noite. Paro um pouco à sua frente, procuro distinguir algum som, alguma voz, ou mesmo um grito ou som abafado, quem sabe, uma conversa com dois enamorados no aconchego da alcova, na intimidade de sua vida amorosa.
Já me disseram que lá viveu um casal Um belo e feliz casal. Ele, um capitão do Exército; ela, um professora formada no Instituto de Educação, da Mariz e Barros. Isso era nos anos 50 do século passado. O destino do casal não foi feliz: o capitão, ao passar um dia por uma rua do seu bairro, tarde da noite, a poucos metros de seu lar, fora surpreendido por um facínora que lhe apontou uma arma , um trinta e dois, e lhe pediu que entregasse tudo que tinha na carteira. O capitão, ainda moço e forte, se atracou com o ladrão e, na luta para desarmar este, a arma disparou na confusão e foi atingir em cheio o peito do militar. Morte instantânea. Desde a perda do marido querido, a professora começou a dar sinais de enlouquecimento. Não quis mais sair de casa, não recebia ninguém. Praticamente, se transformou numa alma penada que era ouvida soltando gritos desesperados clamando, desvairada, pelo nome do seu grande amor.
Outras estórias trágicas contam-se de moradores do sobrado em tempos diferentes. Cheguei, depois de investigações pessoais junto a vizinhos do sobrado e do bairro, que no sobrado não morou um único vivente que tivesse sido feliz. O prédio era a personificação da tragédia. Dizem que será demolido para, no seu lugar, construir-se uma prédio de dez andares.
Ontem mesmo passei pelo velho prédio. Era uma noite um tanto fria de julho. A rua em que está situada é longa, arborizada e meio escura. Como o prédio fica entre uma bela casa em estilo mais moderno e um prédio enorme de apartamentos, onde o primeiro andar é reservado a lojas de comércio, no momento em que passava, aquela casa bela estava com seu jardim iluminado, fazendo com que a luz forte se refletisse no sobrado e desse um aspecto soturno de prédio assombrado. Os raios de luz vindos da casa ainda concorriam para dar um fisionomia de paisagem brumosa que, por sua vez, me amedrontara. Ainda assim, parei um pouco diante do centenário prédio. Por um instante, tive a sensação auditiva de que ouvia gritos de alguém chamando por um nome: “Venha, querido Fábio, venha pra meus braços, A cama está quente e macia.. Fábio, Fábio, Fábio!” – os gritos aos poucos sumiam nos ares do tempo incerto.
Uma velha moradora, quase vizinha do sobrado, um dia, conversando comigo sobre o velho prédio abandonado, me dissera que o casal a que me refiro neste relato, respondia pelo nome de Fábio.
Até hoje, fico meio confuso para afirmar se tudo o que ouvi naquela noite nebulosa foi realmente verdade ou se não passara de um sonho meu, desses sonhos que qualquer ser humano pode ter e que tanto parecem ser reais. No meu caso particular, quase todos os sonhos que tenho, ainda que muito parecidos com a realidade, logo ao acordar na manhã seguinte, em geral se me apagam da memória, o que me deixa por vezes frustrado. Talvez, tudo mesmo não passe de influência de contos de assombração lidos ao longo da vida, seja em forma de livros do gênero de Poe, seja por influência de filmes a que costumava assistir, ou de estórias que ouvi na infância, adolescência e até na fase adulta.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
J.L. Campos Jr.: um mestre notável
Cunha e Silva Filho
Da sua biografia pessoal, familiar, de sua formação primária, secundária, superior nada sei, infelizmente. Somente sei, por informações contidas nas edições do autor, que estudou inglês em Nova Iorque, provavelmente no final da segunda década do século passado, pelo “American Progressive Method”, método cuja abordagem desconheço nem tampouco por qual escola ou curso ou universidade era ministrado, bem como detalhes sobre seus professores, duração do curso, assim como período em que o jovem estudante permaneceu na América do Norte. Só posso deduzir que, em virtude da época em que atuou José Luís Campos Jr, o que aprendeu com os americanos equiparava-se ao chamado método de tradução, versão, gramática, exercícios gramaticais, conversação, ou seja, a abordagem já aproveitava o que anos depois, com o direct method, do início década de trinta, iria utilizar. De resto, foi precisamente em 1932, que o Externato Pedro II introduziu esse novo método por iniciativa, conforme dá notícia num prefácio a um dos seus livro da série From facts to Grammar(Editora Globo) outro grande autor didático de língua inglesa, J. de Mattos Ibiapina, do Colégio Militar, do Dr. Henrique Dodworth, diretor do Externato Pedro II, e por sugestão do filólogo e professor Dr. Delgado de Carvalho.Segundo o citado J. de Matos Ibiapina, o novo método atualizaria nas escolas brasileiras o que se estava fazendo no ensino de idiomas modernos nos países cultos.
O novo approach consistia em elaborar o livro didático todo em inglês, e exigir que, por sua vez, o professor, o chamado lente de então, ministrasse as aulas em inglês. Aboliu-se a tradução. Na prática docente, porém, alguns professores não seguiam à risca o direct method, na maioria das vezes porque eles mesmos não dominavam o inglês falado nem perspectiva, por parte das autoridades do ensino público, tinham, com poucas exceções, de aperfeiçoar-se no exterior.
No direct method valorizava-se a conversação, o que, de alguma maneira, o aproximava da abordagem mais recente no ensino de línguas, a communicative approach, que possivelmente ainda se vem firmando cada vez mais entre os professores de inglês. O professor J.L. Campos Jr., que vem de mais longe, aderiu ao direct method mas adaptando-o à sua visão pedagógica, porquanto nos seus livros escritos só em inglês, como é exemplo a serie em três volumes, The máster key, ainda se utiliza de exercícios de tradução e versão, mas não como aspectos dominantes de apredizagem.
Os livros de J. L. Campos Jr. eram sugestivos, bem dosados, interessantes, ilustrados, em suma, eram obras escritas com competência didático-pedagógica que muito devem ter ensinado a gerações de estudantes pelo país afora.
Nem mesmo sei se é de São Paulo, nem quando nasceu e faleceu. Nunca vi uma foto sua ou da família. Provavelmente seja de São Paulo, se levar em conta que deve ter passado a maior parte da vida lecionando, em diversos colégios da capital paulista e tendo seus livros, se não incorro em erro, sido publicados por editoras de São Paulo, com exceção do primeiro, que foi editado em Nova Iorque, em 1916, cujo título é The entertainer . O professor Campos Jr. também teve seu próprio curso, o Curso de inglês Washington Irving , na Rua Bento Freitas, São Paulo. Não sei por quanto tempo funcionou esse curso. Suponho que por muito tempo e que tenha tido muito sucesso.
Só sei que o primeiro contato que tive com o nome do autor foi através da biblioteca de meu pai, em Teresina. Estava mais ou menos nos meus quatorze anos, ou menos, não sei bem, quando, examinando livros de papai - eu tinha este costume -, naquele quarto que uma vez chamei de “quarto-biblioteca”, lá encontro um dos livros de J. L. Campos Jr. Era uma edição velha com páginas faltando do How to learn English, publicado pela Editora Globo, de Porto Alegre. A edição datava possivelmente dos anos quarenta. Estava com muitas páginas iniciais faltando.
Em 1964, a trouxe para o Rio comigo. Depois, a perdi não sei onde, mas encontrei um exemplar dela mais novo, a edição de 1956, da mesma Editora Globo, que, nos anos setenta, mandei encadernar.
Aqui, no Rio de Janeiro, passando por um sebo do Centro, vi um outro titulo do autor, Let’s speak English, edição antiga, publicação da Livraria Editora Pauliceia, São Paulo, sem indicação da data da edição.
Em casa, vendo, página por página, verifiquei que estava faltando uma página e havia, em outra parte do livro, uma página com a extremidade inferior esquerda contendo um rasgão, impedindo de ler na sua inteireza a página e o verso. Fiquei chateado, mas não fui reclamar com o vendedor.
Uma vez, indo à Biblioteca Nacional, de repente me bateu a ideia de saber se ali havia um exemplar do Let’s speak English. Com alegria o encontrei. No entanto, me lembrei que teria que ir outra vez à Biblioteca a fim de copiar à mão as duas páginas que estavam faltando. Assim o fiz: voltei à Biblioteca Nacional e copiei, em duas folhas de papel, os textos que faltavam. Ótimo!
Ainda hoje, no meu velho exemplar encadernado ( aliás encadernação feita com esmero por um antigo aluno meu de um curso preparatório na Penha, bairro carioca), estão inseridas as duas folhas de papel contendo os textos que faltavam. Estas duas folhas, hoje, já estão amarelecidas e mesmo em alguns pontos, rasgando-se. Como o tempo é implacável!
Estão, agora mesmo por sobre a minha escrivaninha onde digito esta crônica.. Releio-as e observo que a minha antiga letra está firme e legível. Apesar do computador, ainda faço muitos textos à mão, em seguida, o digito.Não posso perder o contato com a escrita manual. Seria um desastre!
Além dos livros citados, J. L. Campos escreveu outras obras importantes didáticas sobre a língua inglesa. Tenho quase todas elas, pelo menos as mais importantes. Entre as editoras que deu a lume suas obras , contam-se a Companhia Editora Nacional, que publicava, sob a direção de Fernando de Azevedo, um grande número de bons livros didáticos da sua chamada Biblioteca Pedagógica Brasileira, as Edições LEP LTDA., que, inclusive, publicou o monumental Dicionário Inglês-Português, ilustrado pelo próprio autor, o que significa que era também um artista, um desenhistas de mão cheia. A preparação desse dicionário custou ao autor oito anos de pesquisa lexicográfica num trabalho hercúleo feito individualmente. A aquisição dessa obra juntamente com outra, Correspodência comercial inglesa, estão ligadas, por laços de afeto e de amor, às minhas memórias biográfico-bibliográficas e sobre elas já escrevi uma crônica publicada nesta Coluna.
Se algum ex-leitor, ou familiar descendente de J. L. Campos Jr. por acaso me lerem este texto, e queiram me subsidiar com algumas outras informações, muito antecipadamente agradeço a deferência.
Que o leitor me desculpe pela mania de querer prestar homenagem a livros e autores do passado que me deram e ainda estão me dando como o fez J. L. Campos Jr. e outros mais, uma grande contribuição no que se refere à minha formação intelectual no estudo de línguas da minha preferência, sobretudo em época que era tão difícil procurar aprimorar-se em idiomas, pois não contavam os jovens com as facilidades que hoje têm, com a Internet e as possibilidades de aprender línguas estrangeiras, com cursos de todos os tipos, espalhados pelo planeta e com tantos recursos pedagógicos oriundos dos avanços dos estudos de linguística aplicada, professores mais atualizados tecnicamente, com livros didáticos já contemplando as vantagens eletrônicas tão distantes dos queridos livros didáticos de antigamente.
Já disse alhures que os meus grandes autores didáticos de ontem fizeram milagres com os parcos recursos de que dispunham, contando só com o talento e a sabedoria que, graças a Deus, neles sobejavam.
Da sua biografia pessoal, familiar, de sua formação primária, secundária, superior nada sei, infelizmente. Somente sei, por informações contidas nas edições do autor, que estudou inglês em Nova Iorque, provavelmente no final da segunda década do século passado, pelo “American Progressive Method”, método cuja abordagem desconheço nem tampouco por qual escola ou curso ou universidade era ministrado, bem como detalhes sobre seus professores, duração do curso, assim como período em que o jovem estudante permaneceu na América do Norte. Só posso deduzir que, em virtude da época em que atuou José Luís Campos Jr, o que aprendeu com os americanos equiparava-se ao chamado método de tradução, versão, gramática, exercícios gramaticais, conversação, ou seja, a abordagem já aproveitava o que anos depois, com o direct method, do início década de trinta, iria utilizar. De resto, foi precisamente em 1932, que o Externato Pedro II introduziu esse novo método por iniciativa, conforme dá notícia num prefácio a um dos seus livro da série From facts to Grammar(Editora Globo) outro grande autor didático de língua inglesa, J. de Mattos Ibiapina, do Colégio Militar, do Dr. Henrique Dodworth, diretor do Externato Pedro II, e por sugestão do filólogo e professor Dr. Delgado de Carvalho.Segundo o citado J. de Matos Ibiapina, o novo método atualizaria nas escolas brasileiras o que se estava fazendo no ensino de idiomas modernos nos países cultos.
O novo approach consistia em elaborar o livro didático todo em inglês, e exigir que, por sua vez, o professor, o chamado lente de então, ministrasse as aulas em inglês. Aboliu-se a tradução. Na prática docente, porém, alguns professores não seguiam à risca o direct method, na maioria das vezes porque eles mesmos não dominavam o inglês falado nem perspectiva, por parte das autoridades do ensino público, tinham, com poucas exceções, de aperfeiçoar-se no exterior.
No direct method valorizava-se a conversação, o que, de alguma maneira, o aproximava da abordagem mais recente no ensino de línguas, a communicative approach, que possivelmente ainda se vem firmando cada vez mais entre os professores de inglês. O professor J.L. Campos Jr., que vem de mais longe, aderiu ao direct method mas adaptando-o à sua visão pedagógica, porquanto nos seus livros escritos só em inglês, como é exemplo a serie em três volumes, The máster key, ainda se utiliza de exercícios de tradução e versão, mas não como aspectos dominantes de apredizagem.
Os livros de J. L. Campos Jr. eram sugestivos, bem dosados, interessantes, ilustrados, em suma, eram obras escritas com competência didático-pedagógica que muito devem ter ensinado a gerações de estudantes pelo país afora.
Nem mesmo sei se é de São Paulo, nem quando nasceu e faleceu. Nunca vi uma foto sua ou da família. Provavelmente seja de São Paulo, se levar em conta que deve ter passado a maior parte da vida lecionando, em diversos colégios da capital paulista e tendo seus livros, se não incorro em erro, sido publicados por editoras de São Paulo, com exceção do primeiro, que foi editado em Nova Iorque, em 1916, cujo título é The entertainer . O professor Campos Jr. também teve seu próprio curso, o Curso de inglês Washington Irving , na Rua Bento Freitas, São Paulo. Não sei por quanto tempo funcionou esse curso. Suponho que por muito tempo e que tenha tido muito sucesso.
Só sei que o primeiro contato que tive com o nome do autor foi através da biblioteca de meu pai, em Teresina. Estava mais ou menos nos meus quatorze anos, ou menos, não sei bem, quando, examinando livros de papai - eu tinha este costume -, naquele quarto que uma vez chamei de “quarto-biblioteca”, lá encontro um dos livros de J. L. Campos Jr. Era uma edição velha com páginas faltando do How to learn English, publicado pela Editora Globo, de Porto Alegre. A edição datava possivelmente dos anos quarenta. Estava com muitas páginas iniciais faltando.
Em 1964, a trouxe para o Rio comigo. Depois, a perdi não sei onde, mas encontrei um exemplar dela mais novo, a edição de 1956, da mesma Editora Globo, que, nos anos setenta, mandei encadernar.
Aqui, no Rio de Janeiro, passando por um sebo do Centro, vi um outro titulo do autor, Let’s speak English, edição antiga, publicação da Livraria Editora Pauliceia, São Paulo, sem indicação da data da edição.
Em casa, vendo, página por página, verifiquei que estava faltando uma página e havia, em outra parte do livro, uma página com a extremidade inferior esquerda contendo um rasgão, impedindo de ler na sua inteireza a página e o verso. Fiquei chateado, mas não fui reclamar com o vendedor.
Uma vez, indo à Biblioteca Nacional, de repente me bateu a ideia de saber se ali havia um exemplar do Let’s speak English. Com alegria o encontrei. No entanto, me lembrei que teria que ir outra vez à Biblioteca a fim de copiar à mão as duas páginas que estavam faltando. Assim o fiz: voltei à Biblioteca Nacional e copiei, em duas folhas de papel, os textos que faltavam. Ótimo!
Ainda hoje, no meu velho exemplar encadernado ( aliás encadernação feita com esmero por um antigo aluno meu de um curso preparatório na Penha, bairro carioca), estão inseridas as duas folhas de papel contendo os textos que faltavam. Estas duas folhas, hoje, já estão amarelecidas e mesmo em alguns pontos, rasgando-se. Como o tempo é implacável!
Estão, agora mesmo por sobre a minha escrivaninha onde digito esta crônica.. Releio-as e observo que a minha antiga letra está firme e legível. Apesar do computador, ainda faço muitos textos à mão, em seguida, o digito.Não posso perder o contato com a escrita manual. Seria um desastre!
Além dos livros citados, J. L. Campos escreveu outras obras importantes didáticas sobre a língua inglesa. Tenho quase todas elas, pelo menos as mais importantes. Entre as editoras que deu a lume suas obras , contam-se a Companhia Editora Nacional, que publicava, sob a direção de Fernando de Azevedo, um grande número de bons livros didáticos da sua chamada Biblioteca Pedagógica Brasileira, as Edições LEP LTDA., que, inclusive, publicou o monumental Dicionário Inglês-Português, ilustrado pelo próprio autor, o que significa que era também um artista, um desenhistas de mão cheia. A preparação desse dicionário custou ao autor oito anos de pesquisa lexicográfica num trabalho hercúleo feito individualmente. A aquisição dessa obra juntamente com outra, Correspodência comercial inglesa, estão ligadas, por laços de afeto e de amor, às minhas memórias biográfico-bibliográficas e sobre elas já escrevi uma crônica publicada nesta Coluna.
Se algum ex-leitor, ou familiar descendente de J. L. Campos Jr. por acaso me lerem este texto, e queiram me subsidiar com algumas outras informações, muito antecipadamente agradeço a deferência.
Que o leitor me desculpe pela mania de querer prestar homenagem a livros e autores do passado que me deram e ainda estão me dando como o fez J. L. Campos Jr. e outros mais, uma grande contribuição no que se refere à minha formação intelectual no estudo de línguas da minha preferência, sobretudo em época que era tão difícil procurar aprimorar-se em idiomas, pois não contavam os jovens com as facilidades que hoje têm, com a Internet e as possibilidades de aprender línguas estrangeiras, com cursos de todos os tipos, espalhados pelo planeta e com tantos recursos pedagógicos oriundos dos avanços dos estudos de linguística aplicada, professores mais atualizados tecnicamente, com livros didáticos já contemplando as vantagens eletrônicas tão distantes dos queridos livros didáticos de antigamente.
Já disse alhures que os meus grandes autores didáticos de ontem fizeram milagres com os parcos recursos de que dispunham, contando só com o talento e a sabedoria que, graças a Deus, neles sobejavam.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Favelas: algumas reflexões
Cunha e Silva Filho
O belo estado do Rio de Janeiro, por irresponsabilidade de vários governos estaduais, nunca atacou de frente e de início o surgimento das favelas ou, para parecer politicamente correto, as comunidades. A Rocinha que agora está no centro das notícias dos últimos dias, teve sua origem já na década de 20 do século passado. Levas e levas de nordestinos, de mistura com as camadas de cor negra e de mulatos, iam, naquela espaço de morro com uma vista panorâmica para os bairros chics das Zona Sul e suas praias exuberantes, se arranchando e lá construindo a princípio frágeis moradias que, com o tempo, melhoravam a qualidade de material de construção e se transformavam, em alguns casos, em moradias decentes e até com certo conforto, embora dispostas num espaço composto de vielas e labirintos que, mais tarde, seriam obstáculos para a polícia localizar o paradeiro de um criminoso.
Olhando-se de longe, a Rocinha é um formigueiro de casinhas superpostas em vários sentidos, separadas apenas pelas mencionadas vielas e becos a perder de vista.Hoje, tem até valor turístico, ou melhor, passou a fazer parte de atração turística para gringos.
Em tempos passados, as favelas tiveram um período de um certo romantismo aproveitado por compositores que nelas se inspiravam para temas de suas letras cujo exemplo mais conhecido é a Mangueira onde viveu o talentoso Cartola. Essa fase de glamourização encontrou terreno fértil para de certa forma romantizar a figura do malandro, diria melhor, do bom malandro, outro personagem também associado a favelas, aos morros cariocas. Entretanto, aqueles eram tempos diferentes que, na realidade, se prestavam bem à inspiração musical, cinematográfica e ficcional.
Só uma vez, subi a uma favela, localizada no bairro de Copacabana. É que um amigo tinha lá sua moradia, um baiano inteligente, estudioso da música clássica, da história e da filosofia. Infelizmente, o Antônio, este era seu nome, morreu cedo demais. Era no tempo da ditadura brasileira, nos seus primeiros anos de dureza e intolerância.
Pois bem, leitor, a Rocinha está na ribalta. Está sendo pacificada com uma UPP. As reportagens televisivas mostram ao telespectador o que ela tem por dentro e, ao que vejo, a paisagem é urbana, com seus moradores transitando normalmente e, de vez em quando, passando por entre grupos de policiais armados.
O maior problema da favela em geral é a praga da criminalidade – fenômeno social desviante que tomou conta desses agrupamentos humanos normalmente de baixa renda. Sob o império do crime, através das práticas do tráfico de drogas, a população que nela habita sofre todas as contingências de um viver que deve ser aprendido a duras penas: ali ninguém vê, ouve ou sabe a respeito dos bandidos que controlam o morro ou o espaço horizontal de uma favela. As leis de convivência são estabelecidas pelas liderança de plantão. O crime da delação é de todos conhecido: a morte, implacável e certa e líquida. Impera a lei do silêncio sobre quem praticou tal crime capital. A entrada e a saída deste espaço de sociedade civil paralela é vigiada. A favela tem seus códigos de convivência e de comportamento para sua população.
Mas, a favela ao mesmo tempo é espaço de coexistência passageira de níveis sociais. Lá está o que o endinheirado amante da droga tem. Lá deixa a dinheirama computada em milhões por ano. Não é tampouco segredo que o crime do tráfico se dá em simbiose com a lei oficial desvirtuada. Lugar por excelência desta troca de interesse entre a ordem e a desordem, o tráfico campeia solto e fagueiro.
O Brasil, país de contrastes, monta sua estrutura de repressão aos tóxicos na base das brechas legais. Exibe a força e oculta o resíduo do males sociais. Em vez de problematizar os grandes malefícios sociais, prefere discutir as exterioridades, o sensacionalismo, a superfície. Não vai ao fundo, ao cerne da questão talvez porque haja mudanças de aparência, mas não da essência do problema.
As demonstrações de força, com a exibição de blindados, de homens da Marinha Brasileira, de tropas militares, da polícia civil, militar, federal, rodoviária, mais parecem que o país parte para uma conflagração mundial.
Ora, leitor, o busílis da história não é só prender o bandido-mor, esperando com isso debelar os focos do tráfico na Rocinha ou em outras favelas muito perigosas que enxameiam a cidade do Rio de Janeiro. O vírus do tráfico está espraiado pelos quatro cantos da cidade encafuado nos morros e favelas horizontais. Não quero negar que há ganhos para a população das favelas com a ocupação militar. Isso, porém, longe está de resolver cortar a raiz do mal porque este se instala no próprio seio da sociedade, seja da classe média, seja sobretudo da alta burguesia, de parcelas consideráveis desses níveis sociais cujos usuários compram, a peso de ouro, as malditas drogas. Nos níveis sociais baixos, a saída para a aquisição será, como recurso extremo, por outros tipos de criminalidade: assaltos, homicídios, sequestros etc. Ou seja, o mal está na nossa formação moral, de indivíduos engolfados nas drogas. Enquanto houver comprador, haverá vendedor nos morros e em outros pontos.
A par dos traficantes, aos quais não se deve dar trégua, tem-se que combater cumplicidade dos maus policiais, seja em que patente for. Outra forma de lutar contra essa cumplicidade, seria, selecionar bem os policiais, incorporando só aqueles que demonstrem vocação para a profissão e preparo intelectual e técnico. Seria valioso que tivessem , entre as disciplinas do curso, para todos as patentes, noções básicas de filosofia – ramo de estudos que muito os ajudariam a assimilar valores morais e éticos que deles farão pessoas com visões mais conscientes do seu papel e da sua atuação como cidadão do bem a serviço da coletividade. Um bom policial não se prepara só para usar da violência contra civis desarmados em manifestações muitas vezes pacíficas. A sociedade precisa ser defendida, não maltratada. Bons policiais só terão a lucrar quando a sociedade neles virem indivíduos íntegros e prontos a defender o cidadão brasileiro.
O belo estado do Rio de Janeiro, por irresponsabilidade de vários governos estaduais, nunca atacou de frente e de início o surgimento das favelas ou, para parecer politicamente correto, as comunidades. A Rocinha que agora está no centro das notícias dos últimos dias, teve sua origem já na década de 20 do século passado. Levas e levas de nordestinos, de mistura com as camadas de cor negra e de mulatos, iam, naquela espaço de morro com uma vista panorâmica para os bairros chics das Zona Sul e suas praias exuberantes, se arranchando e lá construindo a princípio frágeis moradias que, com o tempo, melhoravam a qualidade de material de construção e se transformavam, em alguns casos, em moradias decentes e até com certo conforto, embora dispostas num espaço composto de vielas e labirintos que, mais tarde, seriam obstáculos para a polícia localizar o paradeiro de um criminoso.
Olhando-se de longe, a Rocinha é um formigueiro de casinhas superpostas em vários sentidos, separadas apenas pelas mencionadas vielas e becos a perder de vista.Hoje, tem até valor turístico, ou melhor, passou a fazer parte de atração turística para gringos.
Em tempos passados, as favelas tiveram um período de um certo romantismo aproveitado por compositores que nelas se inspiravam para temas de suas letras cujo exemplo mais conhecido é a Mangueira onde viveu o talentoso Cartola. Essa fase de glamourização encontrou terreno fértil para de certa forma romantizar a figura do malandro, diria melhor, do bom malandro, outro personagem também associado a favelas, aos morros cariocas. Entretanto, aqueles eram tempos diferentes que, na realidade, se prestavam bem à inspiração musical, cinematográfica e ficcional.
Só uma vez, subi a uma favela, localizada no bairro de Copacabana. É que um amigo tinha lá sua moradia, um baiano inteligente, estudioso da música clássica, da história e da filosofia. Infelizmente, o Antônio, este era seu nome, morreu cedo demais. Era no tempo da ditadura brasileira, nos seus primeiros anos de dureza e intolerância.
Pois bem, leitor, a Rocinha está na ribalta. Está sendo pacificada com uma UPP. As reportagens televisivas mostram ao telespectador o que ela tem por dentro e, ao que vejo, a paisagem é urbana, com seus moradores transitando normalmente e, de vez em quando, passando por entre grupos de policiais armados.
O maior problema da favela em geral é a praga da criminalidade – fenômeno social desviante que tomou conta desses agrupamentos humanos normalmente de baixa renda. Sob o império do crime, através das práticas do tráfico de drogas, a população que nela habita sofre todas as contingências de um viver que deve ser aprendido a duras penas: ali ninguém vê, ouve ou sabe a respeito dos bandidos que controlam o morro ou o espaço horizontal de uma favela. As leis de convivência são estabelecidas pelas liderança de plantão. O crime da delação é de todos conhecido: a morte, implacável e certa e líquida. Impera a lei do silêncio sobre quem praticou tal crime capital. A entrada e a saída deste espaço de sociedade civil paralela é vigiada. A favela tem seus códigos de convivência e de comportamento para sua população.
Mas, a favela ao mesmo tempo é espaço de coexistência passageira de níveis sociais. Lá está o que o endinheirado amante da droga tem. Lá deixa a dinheirama computada em milhões por ano. Não é tampouco segredo que o crime do tráfico se dá em simbiose com a lei oficial desvirtuada. Lugar por excelência desta troca de interesse entre a ordem e a desordem, o tráfico campeia solto e fagueiro.
O Brasil, país de contrastes, monta sua estrutura de repressão aos tóxicos na base das brechas legais. Exibe a força e oculta o resíduo do males sociais. Em vez de problematizar os grandes malefícios sociais, prefere discutir as exterioridades, o sensacionalismo, a superfície. Não vai ao fundo, ao cerne da questão talvez porque haja mudanças de aparência, mas não da essência do problema.
As demonstrações de força, com a exibição de blindados, de homens da Marinha Brasileira, de tropas militares, da polícia civil, militar, federal, rodoviária, mais parecem que o país parte para uma conflagração mundial.
Ora, leitor, o busílis da história não é só prender o bandido-mor, esperando com isso debelar os focos do tráfico na Rocinha ou em outras favelas muito perigosas que enxameiam a cidade do Rio de Janeiro. O vírus do tráfico está espraiado pelos quatro cantos da cidade encafuado nos morros e favelas horizontais. Não quero negar que há ganhos para a população das favelas com a ocupação militar. Isso, porém, longe está de resolver cortar a raiz do mal porque este se instala no próprio seio da sociedade, seja da classe média, seja sobretudo da alta burguesia, de parcelas consideráveis desses níveis sociais cujos usuários compram, a peso de ouro, as malditas drogas. Nos níveis sociais baixos, a saída para a aquisição será, como recurso extremo, por outros tipos de criminalidade: assaltos, homicídios, sequestros etc. Ou seja, o mal está na nossa formação moral, de indivíduos engolfados nas drogas. Enquanto houver comprador, haverá vendedor nos morros e em outros pontos.
A par dos traficantes, aos quais não se deve dar trégua, tem-se que combater cumplicidade dos maus policiais, seja em que patente for. Outra forma de lutar contra essa cumplicidade, seria, selecionar bem os policiais, incorporando só aqueles que demonstrem vocação para a profissão e preparo intelectual e técnico. Seria valioso que tivessem , entre as disciplinas do curso, para todos as patentes, noções básicas de filosofia – ramo de estudos que muito os ajudariam a assimilar valores morais e éticos que deles farão pessoas com visões mais conscientes do seu papel e da sua atuação como cidadão do bem a serviço da coletividade. Um bom policial não se prepara só para usar da violência contra civis desarmados em manifestações muitas vezes pacíficas. A sociedade precisa ser defendida, não maltratada. Bons policiais só terão a lucrar quando a sociedade neles virem indivíduos íntegros e prontos a defender o cidadão brasileiro.
domingo, 13 de novembro de 2011
Um poema de William Wordsworth ( 1770-1850)
Birds
I heard a thousand blended notes,
While in a grove I sat recline,
In that sweet mood when pleasant thoughts
Bring sad thoughts to the mind.
To her fair works did nature link
The human soul that through me ran;
And much it grieved my heart to think
What man has made of man.
Through primrose tufts, in that sweet bower,
The periwinkle trailed its wreathe;
And it is my faith that every flower
Enjoys the air it breathes.
The birds around me hopped and played;
Their thoughts I cannot measure;
But the least motion which they made,
It seemed a thrill of pleasure.
The budding twigs spread out their fan
To catch the breezy air;
And I must think, do all I can,
That there was pleasure there.
From heaven if this belief be sent,
If such be nature’s plan,
Have I not reason to lament
What man has made of man?
Pássaros
Enquanto, sentado, num bosque, repousava,
Mil combinações sonoras ouvi.
Quando, naquele doce estado de ânimo, agradáveis pensamentos
Ao meu espírito trazem pensamentos tristes.
Uniu a natureza às suas belas obras
A alma humana que em mim penetrou.
O coração por demais afligiu-me ao pensar
Em que se transformou o gênero humano.
Pelos bosques floridos, naquele doce caramanchão,
Trilhava a murta de flores as coroas.
É a convicção minha que cada flor
O ar partilhe por ela sorvido.
Ao meu redor, saltavam e brincavam pássaros.
Atinar no que pensavam impossível me é.
Deles, contudo, o mínimo movimento se me afigurava
De encantos uma excitação.
Desfraldam sua ventoinha as flores em botão
Do ar fresco se aproveitando.
Pensar só me resta, não importa tudo que faça,
Que ali prazer existia.
Se esta convicção divina mensagem me for,
Se tal possa ser da natureza um sagrado plano,
Não tenho eu motivos para lamentar
O que de si mesmo fez o homem?
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
I heard a thousand blended notes,
While in a grove I sat recline,
In that sweet mood when pleasant thoughts
Bring sad thoughts to the mind.
To her fair works did nature link
The human soul that through me ran;
And much it grieved my heart to think
What man has made of man.
Through primrose tufts, in that sweet bower,
The periwinkle trailed its wreathe;
And it is my faith that every flower
Enjoys the air it breathes.
The birds around me hopped and played;
Their thoughts I cannot measure;
But the least motion which they made,
It seemed a thrill of pleasure.
The budding twigs spread out their fan
To catch the breezy air;
And I must think, do all I can,
That there was pleasure there.
From heaven if this belief be sent,
If such be nature’s plan,
Have I not reason to lament
What man has made of man?
Pássaros
Enquanto, sentado, num bosque, repousava,
Mil combinações sonoras ouvi.
Quando, naquele doce estado de ânimo, agradáveis pensamentos
Ao meu espírito trazem pensamentos tristes.
Uniu a natureza às suas belas obras
A alma humana que em mim penetrou.
O coração por demais afligiu-me ao pensar
Em que se transformou o gênero humano.
Pelos bosques floridos, naquele doce caramanchão,
Trilhava a murta de flores as coroas.
É a convicção minha que cada flor
O ar partilhe por ela sorvido.
Ao meu redor, saltavam e brincavam pássaros.
Atinar no que pensavam impossível me é.
Deles, contudo, o mínimo movimento se me afigurava
De encantos uma excitação.
Desfraldam sua ventoinha as flores em botão
Do ar fresco se aproveitando.
Pensar só me resta, não importa tudo que faça,
Que ali prazer existia.
Se esta convicção divina mensagem me for,
Se tal possa ser da natureza um sagrado plano,
Não tenho eu motivos para lamentar
O que de si mesmo fez o homem?
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Cansado de bater palmas
Cunha e Silva Filho
Notliada Praxim nascera no Norte brasileiro no final dos anos trinta do século passado. Sua terra natal era no interior do estado do Pará. As memórias da pequena fazenda em que moravam os pais nunca lhe saíram da cabeça. De uma família numerosa, crescera entre os matos da fazenda e a casa principal. Casa com varanda larga, espaçosa, com soalho de tijolo e teto de telha. Dividida em quatro cômodos também grandes, ainda contava com uma cozinha comprida e um pouco escura, já que o sol , posto que forte, não dava para penetrar com toda a sua força e brilho neste espaço. O banheiro e a sentina ficavam do lado de fora,numa casinha de dois quartos dividida internamente por uma parede. Depois dessa casinha, havia um muro de cerca de um metro e setenta, com uma entrada por um velho portão de madeira sem trinco nem chave, que apenas ficava encostado.
Notliada, menino franzino, pele clara e fina, cabelos muito lisos, rosto oval, de olhar vivo, penetrante, era o mais velho. Até então só havia nascido ele e sua irmã, mais nova três anos.Com o tempo, a mãe, a dona Esmeraldo havia de ter mais seis filhos, duas mulheres e quatro homens.
O menino Notliada já frequentava a escola primária e já dava sinais de que era dotado de grande inteligência tanto pra matemática como pra língua portuguesa. Sua professora, dona Eremita, maravilhava-se com a facilidade da criança que, com apenas, oito anos, fazia boas redações e era forte nos cálculos e na tabuada. Aos doze anos, já estando no segundo ano ginasial, ganhara, graças ao s eu talento e às notas altas, através de um convênio entre o seu colégio e o Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, conseguira do diretor uma vaga para estudar interno neste famoso e respeitado colégio carioca.
Já interno no Pedro II, no lugar que funciona hoje a sua sede principal, centro do Rio, Notliada cursou o terceiro ano ginasial até o início do segundo semestre, pois tivera que voltar pra sua terra dado que havia ficado doente, atacado de bronquite. O diretor do Pedro II achava melhor que a criança voltasse ros pais. Era uma pena, de vez que o menino dera provas de ser bom aluno e responsável. No Pedro II tivera colegas que, mais tarde, já adultos, se tornaram pessoas influentes no meio cultural carioca, sobretudo na área dos estudos literários.
De volta à terra natal, Notliada retomou, no ano seguinte, a terceira série ginasial, sempre dando mostras de ser aluo inteligente e aplicado. Nessa época, sua irmã lhe notara pendores pra poesia. Uma vez, examinando uma folha que ele deixava em cima de uma escrivaninha, reparou que havia um texto escrito com uma grafia bela e cuidadosa: era um poema dedicado a Gonçalves Dias, poeta que admirava muito. O poema de título “Os índios “ tinha muito a ver com a poesia de Gonçalves Dias no que dizia respeito a palavras e tamanho das estrofes.. “Meu Deus ! Notliada é poeta e escreve bem! Vou ficar calada. Não quero que pense que estive bisbilhotando o que anda fazendo.”
Matilde, sua irmã, era aluna aplicada também. Magrinha, de olhar sensual, morena, cabelos escuros, tudo indicava que iria ficar baixinha, mas nem tanto.
Dona Esmeraldo tinha personagem forte, dominadora, a ponto de fazer sombra ao marido. Mulher bonita, morena clara, forte, de altura mediana, era dona de casa que se impunha e estava a par de tudo que acontecia no lar. O marido, Seu Henrique, homem alto, magro, pele clara, de olhos verdes, era uma pessoa pacata, suave, muito apegado aos filhos. Cuidava dos seus negócios da pequena fazenda chamada Mocho, onde tinha algumas cabeças de gado, porcos, galinhas, e plantação de frutas variadas.
Seu mundo era a fazenda. Ali se sentia pleno de vida. Seu Henrique gostava de conversar com os três empregados da fazenda, agregados que lhe eram muito amigos , pessoas simples com quem podia contar nos momentos de maior adversidade. João, Enoch e José, os agregados, moravam na fazenda em cassinhas simples e asseadas. Casinhas de tijolo, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, este do lado de fora, assim como a latrina.
Matilde e Notliada, terminado o ginásio ( pois com ano perdido no Pedro II havia ficado na mesma série que a irmã), foram para o curso de contabilidade. Na cidade, não havia os curso científico e clássico.
Notliada Praxim deu um virada na sua vida. Queria voltar ao Rio de Janeiro, fazer curso superior e trabalhar ao mesmo tempo. Eram os anos cinquenta. Getúlio já tinha se suicidado. Ao chegar ao Rio não podia nem mesmo alugar um apartamento, nem uma quarto. Contentou-se com alugar uma vaga no Flamengo.Viera da sua terra de ônibus, num percurso que durou quatro dias. Longa viagem, cansativa. O que compensava era a juventude que tinha e disposição de enfrentar o batente na grande cidade.
Como era exímio datilógrafo, bom de cálculos e tinha uma excelente redação, logo arranjou um trabalho num escritório de produtos farmacêuticos na Avenida Beira-Mar. Decidiu-se a tentar o vestibular na Faculdade Nacional de Filosofia, optando pelo curso de filosofia pura, como se dizia naquela tempo. O Brasil estava em plena ditadura, tmepos difíceis. Em quatro anos, terminara o bacharelado. Não quis fazer licenciatura, porquanto não tinha ideia alguma de dar aulas. Preferiu continuar trabalhando no setor de contabilidade. Tinha mudado para uma grande escritório de contabilidade também no centro, na Av. Rio Branco, à altura da Cinelândia.. Tornara-se chefe de seção. Percebia bom salário que lhe permitiu alugar um kitchenette no Catete.
A antiga paixão pela literatura, sobretudo da poesia ,se mantinha acesa. Frequentava a Biblioteca Nacional, o Real Gabinete de Leitura e outras bibliotecas importantes que havia no centro. Ao mesmo tempo, acercava-se de jovens escritores, fazia co eles amizade, mostrava-lhes seus poemas recentes. No tempo do curso de filosofia, já tinha conseguido enturmar-se com os professores, entre os quais distinguia-se Carneiro Leão. Notliada conseguia, pois, conciliar o trabalho de contabilidade sem descurar os estudos de poesia, as leituras de ensaios, de história. Era leitor assíduo do JB, que ficava na Av. Rio Branco.
Com os contatos do tempo de faculdade, os amigos intelectuais que ia adquirindo, aos poucos foi penetrando no mundo dos círculos literários carioca. Participava de encontros com jovens escritores da geração do Concretismo. Foi nesse tempo que conhecera Ferreira Gullar, o crítico Fausto Cunha, o crítico e ficcionista Assis Brasil, Mário Faustino, Vamireh Chacon (este de São Paulo). O que lhe interessava mesmo era a possibilidade de fazer-se conhecido e estimado como poeta e, nesta condição, seus poemas há muito tinham deixado para trás as conquistas do Modernismo e muito menos dos movimentos anteriores da poesia.
Vivia o clima contemporâneo das vanguardas brasileiras nos anos cinquenta, sessenta. Entretanto, não deixava de ler muito Drummond, para ele o grande poeta brasileiro, como seriam também Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, entre outros.
Não se juntou aos concretistas. Preferiu o projeto poético que lançava a Poesia Práxis .A despeito de não deixar de sofrer algumas influências concretistas, sobretudo em relação ao espaço gráfico, Notliada começou a escrever os seus poemas práxis, envolvendo-se de corpo e alma aos seus princípios estéticos e à sua plataforma revolucionária.
Sua vida persistia no ritmo frenético de continuar suas pesquisas poéticas e seus contatos crescentes com o mundo literário carioca. Só uns quinze anos depois, sai publicado seu primeiro livro de poesia, uma reunião de mais de dez anos de poesia revolucionária: Geografia poética paraense (1970). Como o volume reunia poemas desde os anos cinqüenta, havia variabilidade de formas de poesia, inclusive havia sonetos modernos, alguns repassados de certa nostalgia da terra, dos seus tempos de infância na fazenda. Não demorou muito saiu outro livro de poesia com um titulo estranho: Galáxias dantescas (1970).
Os dois livros lhe asseguram algum renome no meio da crítica especializada. Notliada contudo, era tímido. Não gostava de pedir favor a ninguém. Vestia-se sempre impecável. Frequentava seminários, congressos, lançamentos de livros de amigos escritores, noites de premiações de livros na Academia Brasileira de Letras, no Pen Club e em outros espaços literários. É bem verdade que petencia a algumas entidades literárias.
Conhecedor profundo do que havia de informações sobre escritores cariocas ou mesmo do país inteiro. Cronista da vida literária por excelência.
Essa informações sobre Notliada foram conseguidas porque, a partir dos anos setenta, fiz amizade com ele, a princípio formalmente, no tempo em que ele fazia o Mestrado em Teoria literária na Faculdade de Letras da UFRJ. Sempre que o via - eu era estudante da graduação -, estava cercado de jovens senhoras (algumas bonitas) que cursavam o mestrado, quando a pós-graduação fora implantada na administração do diretor Afrânio Coutinho, primeiro diretor daquela faculdade cujo curso de letras fora desdobrado, por iniciativa dele e de outros professores, da antiga Faculdade Nacional de Filosofia. Afrânio foi o crítico literário inovador dos estudos superiores de literatura no Rio de Janeiro. Foi inclusive o orientador de Mestrado de Notliada
Concluído o mestrado, Notliada teve oportunidade de lecionar literatura na Faculdade de Letras mas, por razões ligadas à sua própria personalidade tímida, ele somente ali permaneceu durante um ano e pouco. Voltou a um trabalho vinculado ao antigo emprego: setor de contabilidade de uma grande empresa internacional, onde se fez respeitado e admirado pelos colegas graças à sua competência e seriedade na função de diretor de um departamento de exportação.
Em deixar a poesia, deu à publicidade um romance , A revolta dos agregados (1974). A obra teve certa repercussão. Três anos depois, publica, por conta própria, outro livro de poesia: Ponta de lança (1977). Em 1980, lança outro volume, Retratos de mulheres. Em 1988 edita outro livro de poemas: A imagem e o espelho. Em 1992, sai a lume Visões do mundo. Em 2002, edita Flâmula azul.
Notliada seguramente foi bem recebido pela crítica, mas não como o merecia. Apesar de certo isolamento dos tempos, ainda lia muito, sobretudo poesia. Não esqueceu Drummond. Admirava Grande Sertão: vereda, desde o seu lançamento como obra inaugurando uma fase inédita de originalidade da linguagem e de poesia na ficção, além da visão mítica do universo. Me lembro que Notliada deu uma exemplar a seu pai que, tendo lido o romance de Rosa, confessou simplesmente como um homem do interior: “Mas isso é mesmo o mundo do serão, os personagens, a linguagem, tudo.”
Respeitado como escritor no seu estado natal, Notliada teve suas obras citadas em duas histórias da literatura brasileira, uma até estrangeira.
Meu amigo paraense, entretanto, se sentia meio esquecido. Teve até vontade de se tornar padre já maduro. A ideia porém não vingou. Logo esqueceu...
Os anos passam, a vida literária ainda o fazia vibrar quando conversávamos, geralmente ao telefone por longo tempo. Notliada nunca teve boa saúde. Passou mal. Foi hospitalizado mas sua doença lhe era fatal. Não agüentou. Entregou os pontos pra vida. Na minha memória, ficará a figura inesquecível daquele poeta, que me lembrava Gonçalves Dias, embora este fosse mulato.
Aquele amigo era, na verdade, um cronista enciclopédico em potencial da vida literária e cultural de nosso país. Bateu palmas pra muita gente. Se cansara, contudo, de bater palmas. Era melhor manter alguns poucos e fiéis amigos e esquecer as injustiças e a vaidade dos homens (e mulheres)...
Notliada Praxim nascera no Norte brasileiro no final dos anos trinta do século passado. Sua terra natal era no interior do estado do Pará. As memórias da pequena fazenda em que moravam os pais nunca lhe saíram da cabeça. De uma família numerosa, crescera entre os matos da fazenda e a casa principal. Casa com varanda larga, espaçosa, com soalho de tijolo e teto de telha. Dividida em quatro cômodos também grandes, ainda contava com uma cozinha comprida e um pouco escura, já que o sol , posto que forte, não dava para penetrar com toda a sua força e brilho neste espaço. O banheiro e a sentina ficavam do lado de fora,numa casinha de dois quartos dividida internamente por uma parede. Depois dessa casinha, havia um muro de cerca de um metro e setenta, com uma entrada por um velho portão de madeira sem trinco nem chave, que apenas ficava encostado.
Notliada, menino franzino, pele clara e fina, cabelos muito lisos, rosto oval, de olhar vivo, penetrante, era o mais velho. Até então só havia nascido ele e sua irmã, mais nova três anos.Com o tempo, a mãe, a dona Esmeraldo havia de ter mais seis filhos, duas mulheres e quatro homens.
O menino Notliada já frequentava a escola primária e já dava sinais de que era dotado de grande inteligência tanto pra matemática como pra língua portuguesa. Sua professora, dona Eremita, maravilhava-se com a facilidade da criança que, com apenas, oito anos, fazia boas redações e era forte nos cálculos e na tabuada. Aos doze anos, já estando no segundo ano ginasial, ganhara, graças ao s eu talento e às notas altas, através de um convênio entre o seu colégio e o Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, conseguira do diretor uma vaga para estudar interno neste famoso e respeitado colégio carioca.
Já interno no Pedro II, no lugar que funciona hoje a sua sede principal, centro do Rio, Notliada cursou o terceiro ano ginasial até o início do segundo semestre, pois tivera que voltar pra sua terra dado que havia ficado doente, atacado de bronquite. O diretor do Pedro II achava melhor que a criança voltasse ros pais. Era uma pena, de vez que o menino dera provas de ser bom aluno e responsável. No Pedro II tivera colegas que, mais tarde, já adultos, se tornaram pessoas influentes no meio cultural carioca, sobretudo na área dos estudos literários.
De volta à terra natal, Notliada retomou, no ano seguinte, a terceira série ginasial, sempre dando mostras de ser aluo inteligente e aplicado. Nessa época, sua irmã lhe notara pendores pra poesia. Uma vez, examinando uma folha que ele deixava em cima de uma escrivaninha, reparou que havia um texto escrito com uma grafia bela e cuidadosa: era um poema dedicado a Gonçalves Dias, poeta que admirava muito. O poema de título “Os índios “ tinha muito a ver com a poesia de Gonçalves Dias no que dizia respeito a palavras e tamanho das estrofes.. “Meu Deus ! Notliada é poeta e escreve bem! Vou ficar calada. Não quero que pense que estive bisbilhotando o que anda fazendo.”
Matilde, sua irmã, era aluna aplicada também. Magrinha, de olhar sensual, morena, cabelos escuros, tudo indicava que iria ficar baixinha, mas nem tanto.
Dona Esmeraldo tinha personagem forte, dominadora, a ponto de fazer sombra ao marido. Mulher bonita, morena clara, forte, de altura mediana, era dona de casa que se impunha e estava a par de tudo que acontecia no lar. O marido, Seu Henrique, homem alto, magro, pele clara, de olhos verdes, era uma pessoa pacata, suave, muito apegado aos filhos. Cuidava dos seus negócios da pequena fazenda chamada Mocho, onde tinha algumas cabeças de gado, porcos, galinhas, e plantação de frutas variadas.
Seu mundo era a fazenda. Ali se sentia pleno de vida. Seu Henrique gostava de conversar com os três empregados da fazenda, agregados que lhe eram muito amigos , pessoas simples com quem podia contar nos momentos de maior adversidade. João, Enoch e José, os agregados, moravam na fazenda em cassinhas simples e asseadas. Casinhas de tijolo, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, este do lado de fora, assim como a latrina.
Matilde e Notliada, terminado o ginásio ( pois com ano perdido no Pedro II havia ficado na mesma série que a irmã), foram para o curso de contabilidade. Na cidade, não havia os curso científico e clássico.
Notliada Praxim deu um virada na sua vida. Queria voltar ao Rio de Janeiro, fazer curso superior e trabalhar ao mesmo tempo. Eram os anos cinquenta. Getúlio já tinha se suicidado. Ao chegar ao Rio não podia nem mesmo alugar um apartamento, nem uma quarto. Contentou-se com alugar uma vaga no Flamengo.Viera da sua terra de ônibus, num percurso que durou quatro dias. Longa viagem, cansativa. O que compensava era a juventude que tinha e disposição de enfrentar o batente na grande cidade.
Como era exímio datilógrafo, bom de cálculos e tinha uma excelente redação, logo arranjou um trabalho num escritório de produtos farmacêuticos na Avenida Beira-Mar. Decidiu-se a tentar o vestibular na Faculdade Nacional de Filosofia, optando pelo curso de filosofia pura, como se dizia naquela tempo. O Brasil estava em plena ditadura, tmepos difíceis. Em quatro anos, terminara o bacharelado. Não quis fazer licenciatura, porquanto não tinha ideia alguma de dar aulas. Preferiu continuar trabalhando no setor de contabilidade. Tinha mudado para uma grande escritório de contabilidade também no centro, na Av. Rio Branco, à altura da Cinelândia.. Tornara-se chefe de seção. Percebia bom salário que lhe permitiu alugar um kitchenette no Catete.
A antiga paixão pela literatura, sobretudo da poesia ,se mantinha acesa. Frequentava a Biblioteca Nacional, o Real Gabinete de Leitura e outras bibliotecas importantes que havia no centro. Ao mesmo tempo, acercava-se de jovens escritores, fazia co eles amizade, mostrava-lhes seus poemas recentes. No tempo do curso de filosofia, já tinha conseguido enturmar-se com os professores, entre os quais distinguia-se Carneiro Leão. Notliada conseguia, pois, conciliar o trabalho de contabilidade sem descurar os estudos de poesia, as leituras de ensaios, de história. Era leitor assíduo do JB, que ficava na Av. Rio Branco.
Com os contatos do tempo de faculdade, os amigos intelectuais que ia adquirindo, aos poucos foi penetrando no mundo dos círculos literários carioca. Participava de encontros com jovens escritores da geração do Concretismo. Foi nesse tempo que conhecera Ferreira Gullar, o crítico Fausto Cunha, o crítico e ficcionista Assis Brasil, Mário Faustino, Vamireh Chacon (este de São Paulo). O que lhe interessava mesmo era a possibilidade de fazer-se conhecido e estimado como poeta e, nesta condição, seus poemas há muito tinham deixado para trás as conquistas do Modernismo e muito menos dos movimentos anteriores da poesia.
Vivia o clima contemporâneo das vanguardas brasileiras nos anos cinquenta, sessenta. Entretanto, não deixava de ler muito Drummond, para ele o grande poeta brasileiro, como seriam também Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, entre outros.
Não se juntou aos concretistas. Preferiu o projeto poético que lançava a Poesia Práxis .A despeito de não deixar de sofrer algumas influências concretistas, sobretudo em relação ao espaço gráfico, Notliada começou a escrever os seus poemas práxis, envolvendo-se de corpo e alma aos seus princípios estéticos e à sua plataforma revolucionária.
Sua vida persistia no ritmo frenético de continuar suas pesquisas poéticas e seus contatos crescentes com o mundo literário carioca. Só uns quinze anos depois, sai publicado seu primeiro livro de poesia, uma reunião de mais de dez anos de poesia revolucionária: Geografia poética paraense (1970). Como o volume reunia poemas desde os anos cinqüenta, havia variabilidade de formas de poesia, inclusive havia sonetos modernos, alguns repassados de certa nostalgia da terra, dos seus tempos de infância na fazenda. Não demorou muito saiu outro livro de poesia com um titulo estranho: Galáxias dantescas (1970).
Os dois livros lhe asseguram algum renome no meio da crítica especializada. Notliada contudo, era tímido. Não gostava de pedir favor a ninguém. Vestia-se sempre impecável. Frequentava seminários, congressos, lançamentos de livros de amigos escritores, noites de premiações de livros na Academia Brasileira de Letras, no Pen Club e em outros espaços literários. É bem verdade que petencia a algumas entidades literárias.
Conhecedor profundo do que havia de informações sobre escritores cariocas ou mesmo do país inteiro. Cronista da vida literária por excelência.
Essa informações sobre Notliada foram conseguidas porque, a partir dos anos setenta, fiz amizade com ele, a princípio formalmente, no tempo em que ele fazia o Mestrado em Teoria literária na Faculdade de Letras da UFRJ. Sempre que o via - eu era estudante da graduação -, estava cercado de jovens senhoras (algumas bonitas) que cursavam o mestrado, quando a pós-graduação fora implantada na administração do diretor Afrânio Coutinho, primeiro diretor daquela faculdade cujo curso de letras fora desdobrado, por iniciativa dele e de outros professores, da antiga Faculdade Nacional de Filosofia. Afrânio foi o crítico literário inovador dos estudos superiores de literatura no Rio de Janeiro. Foi inclusive o orientador de Mestrado de Notliada
Concluído o mestrado, Notliada teve oportunidade de lecionar literatura na Faculdade de Letras mas, por razões ligadas à sua própria personalidade tímida, ele somente ali permaneceu durante um ano e pouco. Voltou a um trabalho vinculado ao antigo emprego: setor de contabilidade de uma grande empresa internacional, onde se fez respeitado e admirado pelos colegas graças à sua competência e seriedade na função de diretor de um departamento de exportação.
Em deixar a poesia, deu à publicidade um romance , A revolta dos agregados (1974). A obra teve certa repercussão. Três anos depois, publica, por conta própria, outro livro de poesia: Ponta de lança (1977). Em 1980, lança outro volume, Retratos de mulheres. Em 1988 edita outro livro de poemas: A imagem e o espelho. Em 1992, sai a lume Visões do mundo. Em 2002, edita Flâmula azul.
Notliada seguramente foi bem recebido pela crítica, mas não como o merecia. Apesar de certo isolamento dos tempos, ainda lia muito, sobretudo poesia. Não esqueceu Drummond. Admirava Grande Sertão: vereda, desde o seu lançamento como obra inaugurando uma fase inédita de originalidade da linguagem e de poesia na ficção, além da visão mítica do universo. Me lembro que Notliada deu uma exemplar a seu pai que, tendo lido o romance de Rosa, confessou simplesmente como um homem do interior: “Mas isso é mesmo o mundo do serão, os personagens, a linguagem, tudo.”
Respeitado como escritor no seu estado natal, Notliada teve suas obras citadas em duas histórias da literatura brasileira, uma até estrangeira.
Meu amigo paraense, entretanto, se sentia meio esquecido. Teve até vontade de se tornar padre já maduro. A ideia porém não vingou. Logo esqueceu...
Os anos passam, a vida literária ainda o fazia vibrar quando conversávamos, geralmente ao telefone por longo tempo. Notliada nunca teve boa saúde. Passou mal. Foi hospitalizado mas sua doença lhe era fatal. Não agüentou. Entregou os pontos pra vida. Na minha memória, ficará a figura inesquecível daquele poeta, que me lembrava Gonçalves Dias, embora este fosse mulato.
Aquele amigo era, na verdade, um cronista enciclopédico em potencial da vida literária e cultural de nosso país. Bateu palmas pra muita gente. Se cansara, contudo, de bater palmas. Era melhor manter alguns poucos e fiéis amigos e esquecer as injustiças e a vaidade dos homens (e mulheres)...
domingo, 6 de novembro de 2011
A literatura brasileira: novas pesquisas
Cunha e Silva Filho
Não há como negar a importância capital que a pesquisa acadêmica assumiu em todas as épocas, ou seja, desde que se implantaram os curso superiores no país e sobretudo quando foram criados os cursos de pós-graduação. É na universidade, no contato diuturno do ambiente do campus, da interação dos cursos e disciplinas, na troca de experiências em salas de aula com alunos, ou fora das salas de aulas, com ouros professores e com o conjunto das disciplinas de uma faculdade que novas ideias vão surgindo e com elas novas formas de construção do saber. O campus universitário torna-se indispensável ambiente intelectual no qual temas e aspectos de uma área do conhecimento humano vão aflorando e se transformando em inovadoras vias de pesquisas e se estabelecendo como terreno fértil de produção cujo sentido maior é o de avançar o conhecimento de um dado domínio do conhecimento.
Fora dos muros acadêmicos, podem igualmente vicejar novos saberes, novas linhas de pesquisas mas sempre tendo em vista a desvantagem de que são mais lentas e com maior dificuldade de elaboração já que neste caso o pesquisador está mais na sua condição de investigador autônomo, e muitas vezes, com dificuldades de arcar com despesas de custos no processo e desenvolvimento de suas pesquisas. Nesta segunda situação, só os grandes abnegados conseguem levar adiante todas as etapas do processo de desenvolvimento e conclusão de suas pesquisas ou descobertas.
No campo da pesquisa universitária vale registrar mais uma vertente de estudos de literatura brasileira, a que foi concluída pelo pesquisador Eduardo de Assis Duarte, professor da Faculdade de Letras de Minas Gerais. A pesquisa - um amplo trabalho de equipe envolvendo até colaboradores estrangeiros -, se ocupou em aprofundar a produção literária brasileira de autores com ascendência africana. O resultado disso foi a coleção recém-editada pela Editora da UFMG, Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. A coleção foi assim dividida: : 1º volume “Precursores”; 2º volume, “Consolidação”; 3º volume, Contemporaneidade” e 4º volume “História, teoria, polêmica”.
A novidade da coleção se assenta não só no levantamento de escritores brasileiros negros ou mulatos completamente desconhecidos até nos círculos acadêmicos, como são os exemplos de Nascimento Morais, Lino Guedes (autor de 13 obras vindas a lume entre 1930 e 1940, e Maria Firmina dos Reis, sendo esta a autora do primeiro romance abolicionista brasileiro, sob o título Úrsula, de 1859, mas também na maneira original de abordar a contribuição de afro-descendentes aos quais a literatura brasileira tanto deve do ponto de vista estético.
É fato que uns poucos autores negros ou mulatos se distinguem no panorama da nossa literatura, como Machado de Assis, Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Lima Barreto, Cruz e Sousa, José do Patrocínio, para ficarmos nos mais conhecidos e citados em nossas histórias literárias.
Outro dado positivo da coleção foi, a meu ver, didaticamente estudar os autores selecionados de forma cronológica, i.e., primeiramente escolhendo 31 autores com nascimento até 1931, 30 autores nascidos a partir da de 1930 indo até 1940 e, finalmente, incluindo 39 autores co nascimento nos meados do século 20. O 4º volume cuida da apresentação de reflexões teóricas acerca do conceito de literatura afro-brasileira e de depoimentos de escritores, ensaístas, críticos e intelectuais sobre as questões ligadas à etnia dos autores que sofreram, uns mais , outros menos, o estigma de serem pretos ou mulatos.Este volume ficou sob a responsabilidade também de Maria Nazareth Soares Fonseca.
Aqui não faço a resenha da coleção, porque mesmo não a li ainda, mas apenas me fundamento nas informações da entrevista concedida a Guilherme Freitas, jornalista do Caderno Prosa e& Verso do Globo (05/11/2011) pelo organizador da coleção, o citado professor Eduardo de Assis Duarte.
Na longa e judiciosa entrevista do organizador, percebe-se o quanto os recentes estudos críticos agora voltados sem mais os tabus que por muito tempo, sobretudo nos séculos 19 e primeiras décadas do século 20, caracterizaram os estudos críticos entre nós relegando a segundo plano muitos autores por mero eurocentrismo míope - e por que não dizer - racista, elitista, hegemônico.
Todo estudioso de autores como Cruz e Sousa e Lima Barreto sabem o quanto eles padeceram preconceitos de cor tanto no meio social quanto profissional e intelectual manifestados pelos chamados autores brancos ou que se diziam brancos.
Os estudos do “discurso das minorias” de certa forma, também auxiliaram na mudança de mentalidade do pensamento brasileiro e mesmo estrangeiro a fim de retificar abordagens preconceituosas de autores afro-descendentes através de uma revisão que resultasse positiva na erradicação de pruridos racistas.
O quadro atual da situação de escritores afro-brasileiros tem dado provas admiráveis de surgimento de escritores desse segmento étnico que só têm elevado o nível de nossa produção literária e teórica, conforme se pode constatar na relação de autores selecionados pela antologia. No entanto, a questão do preconceito velado ainda subsiste no meio social e cultural brasileiro, desmistificando o conceito de “democracia racial” entre nós.
Outro traço importante desta antologia é abrir perspectivas promissoras para se levar adiante o debate do conceito de literatura afro-brasileira, a partir mesmo do fato de ter tirado do limbo um bom número de autores negros ou miscigenados do passado que, em sua produção, não deixaram de tratar do problema da sua própria etnia, além de problemas de relevância social da época, a escravidão, o abolicionismo, os problemas inerentes à República Velha, os interditos ou constrições à condição de ser negro ou mulato, como Cruz e Sousa, Lima Barreto, Firmina dos Reis e o próprio Machado de Assis. Segundo acentua o professor Eduardo de Assis Duarte, Machado de Assis, no romance Helena (1876) e em alguns contos, já detecta na narrativa “...crítica ao discurso senhorial e à branquitude que busca naturalizar esse discurso como verdadeiro”.
Penso que esta antologia virá novamente pôr em discussão os temas polêmicos enfocados nas narrativas desses autores e, ao fazer isso, terá mais possibilidade de reforçar a necessidade de ler alguns autores esquecidos e de se pensar neles como autores que merecem ser reavaliados e até valorizados dentro de novos enfoques críticos que sejam isentos de ranços preconceituosos, cujo única consequência mais grave é novamente cometer-se o erro da omissão ou da falta de coragem intelectual para mostrá-los às novas gerações de estudantes e professores.
Sequestrá-los das histórias literárias seria um desserviço em matéria de pesquisas nos campos literário e cultural. Os estudos acadêmicos não podem deixar de lado esta oportunidade de conhecer esses autores e enriquecer o debate nacional das questões étnicas e de valorização de autores ainda não contemplados pela pesquisa em nossas universidades.
Não há como negar a importância capital que a pesquisa acadêmica assumiu em todas as épocas, ou seja, desde que se implantaram os curso superiores no país e sobretudo quando foram criados os cursos de pós-graduação. É na universidade, no contato diuturno do ambiente do campus, da interação dos cursos e disciplinas, na troca de experiências em salas de aula com alunos, ou fora das salas de aulas, com ouros professores e com o conjunto das disciplinas de uma faculdade que novas ideias vão surgindo e com elas novas formas de construção do saber. O campus universitário torna-se indispensável ambiente intelectual no qual temas e aspectos de uma área do conhecimento humano vão aflorando e se transformando em inovadoras vias de pesquisas e se estabelecendo como terreno fértil de produção cujo sentido maior é o de avançar o conhecimento de um dado domínio do conhecimento.
Fora dos muros acadêmicos, podem igualmente vicejar novos saberes, novas linhas de pesquisas mas sempre tendo em vista a desvantagem de que são mais lentas e com maior dificuldade de elaboração já que neste caso o pesquisador está mais na sua condição de investigador autônomo, e muitas vezes, com dificuldades de arcar com despesas de custos no processo e desenvolvimento de suas pesquisas. Nesta segunda situação, só os grandes abnegados conseguem levar adiante todas as etapas do processo de desenvolvimento e conclusão de suas pesquisas ou descobertas.
No campo da pesquisa universitária vale registrar mais uma vertente de estudos de literatura brasileira, a que foi concluída pelo pesquisador Eduardo de Assis Duarte, professor da Faculdade de Letras de Minas Gerais. A pesquisa - um amplo trabalho de equipe envolvendo até colaboradores estrangeiros -, se ocupou em aprofundar a produção literária brasileira de autores com ascendência africana. O resultado disso foi a coleção recém-editada pela Editora da UFMG, Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. A coleção foi assim dividida: : 1º volume “Precursores”; 2º volume, “Consolidação”; 3º volume, Contemporaneidade” e 4º volume “História, teoria, polêmica”.
A novidade da coleção se assenta não só no levantamento de escritores brasileiros negros ou mulatos completamente desconhecidos até nos círculos acadêmicos, como são os exemplos de Nascimento Morais, Lino Guedes (autor de 13 obras vindas a lume entre 1930 e 1940, e Maria Firmina dos Reis, sendo esta a autora do primeiro romance abolicionista brasileiro, sob o título Úrsula, de 1859, mas também na maneira original de abordar a contribuição de afro-descendentes aos quais a literatura brasileira tanto deve do ponto de vista estético.
É fato que uns poucos autores negros ou mulatos se distinguem no panorama da nossa literatura, como Machado de Assis, Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Lima Barreto, Cruz e Sousa, José do Patrocínio, para ficarmos nos mais conhecidos e citados em nossas histórias literárias.
Outro dado positivo da coleção foi, a meu ver, didaticamente estudar os autores selecionados de forma cronológica, i.e., primeiramente escolhendo 31 autores com nascimento até 1931, 30 autores nascidos a partir da de 1930 indo até 1940 e, finalmente, incluindo 39 autores co nascimento nos meados do século 20. O 4º volume cuida da apresentação de reflexões teóricas acerca do conceito de literatura afro-brasileira e de depoimentos de escritores, ensaístas, críticos e intelectuais sobre as questões ligadas à etnia dos autores que sofreram, uns mais , outros menos, o estigma de serem pretos ou mulatos.Este volume ficou sob a responsabilidade também de Maria Nazareth Soares Fonseca.
Aqui não faço a resenha da coleção, porque mesmo não a li ainda, mas apenas me fundamento nas informações da entrevista concedida a Guilherme Freitas, jornalista do Caderno Prosa e& Verso do Globo (05/11/2011) pelo organizador da coleção, o citado professor Eduardo de Assis Duarte.
Na longa e judiciosa entrevista do organizador, percebe-se o quanto os recentes estudos críticos agora voltados sem mais os tabus que por muito tempo, sobretudo nos séculos 19 e primeiras décadas do século 20, caracterizaram os estudos críticos entre nós relegando a segundo plano muitos autores por mero eurocentrismo míope - e por que não dizer - racista, elitista, hegemônico.
Todo estudioso de autores como Cruz e Sousa e Lima Barreto sabem o quanto eles padeceram preconceitos de cor tanto no meio social quanto profissional e intelectual manifestados pelos chamados autores brancos ou que se diziam brancos.
Os estudos do “discurso das minorias” de certa forma, também auxiliaram na mudança de mentalidade do pensamento brasileiro e mesmo estrangeiro a fim de retificar abordagens preconceituosas de autores afro-descendentes através de uma revisão que resultasse positiva na erradicação de pruridos racistas.
O quadro atual da situação de escritores afro-brasileiros tem dado provas admiráveis de surgimento de escritores desse segmento étnico que só têm elevado o nível de nossa produção literária e teórica, conforme se pode constatar na relação de autores selecionados pela antologia. No entanto, a questão do preconceito velado ainda subsiste no meio social e cultural brasileiro, desmistificando o conceito de “democracia racial” entre nós.
Outro traço importante desta antologia é abrir perspectivas promissoras para se levar adiante o debate do conceito de literatura afro-brasileira, a partir mesmo do fato de ter tirado do limbo um bom número de autores negros ou miscigenados do passado que, em sua produção, não deixaram de tratar do problema da sua própria etnia, além de problemas de relevância social da época, a escravidão, o abolicionismo, os problemas inerentes à República Velha, os interditos ou constrições à condição de ser negro ou mulato, como Cruz e Sousa, Lima Barreto, Firmina dos Reis e o próprio Machado de Assis. Segundo acentua o professor Eduardo de Assis Duarte, Machado de Assis, no romance Helena (1876) e em alguns contos, já detecta na narrativa “...crítica ao discurso senhorial e à branquitude que busca naturalizar esse discurso como verdadeiro”.
Penso que esta antologia virá novamente pôr em discussão os temas polêmicos enfocados nas narrativas desses autores e, ao fazer isso, terá mais possibilidade de reforçar a necessidade de ler alguns autores esquecidos e de se pensar neles como autores que merecem ser reavaliados e até valorizados dentro de novos enfoques críticos que sejam isentos de ranços preconceituosos, cujo única consequência mais grave é novamente cometer-se o erro da omissão ou da falta de coragem intelectual para mostrá-los às novas gerações de estudantes e professores.
Sequestrá-los das histórias literárias seria um desserviço em matéria de pesquisas nos campos literário e cultural. Os estudos acadêmicos não podem deixar de lado esta oportunidade de conhecer esses autores e enriquecer o debate nacional das questões étnicas e de valorização de autores ainda não contemplados pela pesquisa em nossas universidades.
sábado, 5 de novembro de 2011
Somos eternos
Cunha e Silva Filho
Ontem, foi mais um Dia de Finados. Na TV são exibidas as costumeiras reportagens anuais referentes ao feriado. Sempre associo esse dia santo àquelas antiquíssimas e quase apagadas fitas que passavam em Teresina nos anos cinquenta contando o nascimento, a vida, morte e ressurreição de Cristo.
Crianças, adolescentes e adultos, todo mundo não perdia aquela fita, sempre por muito tempo repetida, até que, em outra fase da vida teresinense, com a vinda do Cinemascope, na grande tela surgiram os filmes coloridos que, se não tratavam como tema central a figura de Cristo, como o Manto Sagrado, de 1953, com Richard Burton e a bela Jeans Simmons sendo os atores principais, eram filmes que diziam respeito à existência de Cristo e mesmo serviam de argumento para recordá-Lo aproveitando algum motivo, no caso específico, o filme tinha como símbolo-objeto mais significativo o manto de Jesus que era o seu tema capital, a par de apresentar uma bela história de amor e conversão ao cristianismo vivida por Richard Burton (Marcellus Gallo), no papel de um tribuno romano responsável pela missão de, em Jerusalém, levar Cristo à crucificação por ordem do imperador Tibério. e Jean Simmons (Diana), no papel uma jovem da aristocracia romana.
No dia da crucificação de Cristo, o manto deixado pelo Messias, fora disputado numa partida de jogo entre Marcellus e os soldados. Marcellus ganha a disputa.. Ao tocar, porém, no manto, objeto sagrado, Marcellus sofre uma mudança interna para ele inexplicável que o fará ser visto pelos romanos como um doente mental.
O manto selará seu destino como pessoa humana, mudará seu pensamento religioso e, finalmente, o levará à conversão espiritual, abraçando o cristianismo após sofrer pressões do imperador Calígula.
Outros dois personagens com os quais Marcellus cruzará no filme é seu escravo Demétrio, interpretado por Victor Mature, comprado em leilão e disputado com Calígula, o sucessor do imperador Tibério. Essa disputa pele forte escravo Demetrio valeu a Marcellus a inimizade de Calígula.
Demétrio, que havia se convertido a Cristo, se torna hostil a Marcellus, afirmando-lhe que não mais o obedeceria nem seria mais seu escravo. Demétrio fica com o manto e some.
Marcellus, chamado à corte imperial em Roma, novamente recebe a missão de destruir o manto de Jesus, tido por um adivinho palaciano como um objeto enfeitiçado. É nesse retorno a Jerusalém que Marcellus reencontra o antigo escravo Demétrio, tornando-se-lhe amigo. Demétrio o leva a conhecer Pedro, apóstolo de Cristo. Marcellus, logo reconhece o valor moral, a bondade e fé do o apóstolo Pedro, interpretado por Michael Rennie.
Convidado a assistir a uma pregação em local desconhecido dos soldados romano, Marcellus percebe o quão diferente é ser cristão. Passa a ter uma nova concepção dos ensinamentos e dos propósitos de Cristo crucificado. A cena em que Demétrio lhe diz que não deve temer tocar o manto traduz uma beleza indescritível. Marcellus toca no manto e o envolve em seu peito. Sente uma sensação de paz e tranquilidade. São os primeiros sinais de sua conversão.
Essa mudança de visão de vida e dos valores da existência Marcellus passará à sua amada Diana, que também se converterá. A trama do filme é assim o ato da conversão definitiva acompanhado de todos os sacrifícios e sofrimentos que esse gesto extremo de mudança espiritual desencadeia no jovem casal romano.
É um belo filme cuja história mostra ao espectador, no seu final, uma das mais comovidas e dramáticas cenas a que já assisti na tela, na qual Marcellus e sua amada, abdicando de todo o peso da paganismo, dos deuses de pedra, e dos antigos valores da cultura romana dos césares, de uma vida palaciana de conforto propiciado pela alta condição social do casal, saem do ambiente em que foram criados e desfilam , por entre os potentados , em direção ao sacrifício das suas vidas. Seu destino é a vida eterna, junto aos cristãos, subindo aos céus. A imagem final do casal apaixonado e convertido muito me lembra aquele outro final maravilhoso, pela sua densidade dramática e por toda uma simbologia, do filme Quo Vadis? baseado no romance do escritor polaco Henrik Sienkiewcz (1846-1916) com Robert Taylor e a beleza delicada de Débora Kerr, interpretando dois personagens, ela, Lygia, cristã, ele, o general romano Marcus Vinicius. Os dois se apaixonam. Ele se converte e ambos, seguirão as lições de Cristo.A cena se passa na Roma sob o império do sanguinário Nero. Naquela cena fina, o casal apaixonado, sendo o foco da câmera, vai caminhando até certamente encontrar as alturas celestiais, no decisiva caminho da morte e da salvação.
Os dois exemplos de filmes se misturam à reportagem na TV sobre finados e, de alguma forma, despertam as lembranças de nossos entes queridos, de nosso amigos e conhecidos que, durante um tempo, conviveram conosco. Imagens de rostos queridos, de vozes quase apagadas, de gestos, de ações se entrelaçam diante de nosso olhos conscientes, cada dia que passa, da efêmera temporalidade na Terra.
Bonita e comovente foi aquela declaração de um anônimo que, diante da câmera da TV, comentando sobre o Dia de Finados, afirmou com muito elevada espontaneidade e sentido perfeito da data e do lugar que estava visitando: - “Este lugar merece só respeito, muito respeito.”
Não há como desviar nossa atenção e impregnar o pensamento das “asas de dor” dos que perdemos no sorvedouro da vida. Lá estão eles – essa gente querida que se foi contra nossa vontade. As imagens estão lá longe, na capital teresinense, em Amarante, em Salvador, no Rio de Janeiro e quem sabe, em outros lugares que não chegaram ao nosso conhecimento. São parentes, amigos, conhecidos. São pessoas ilustres, comuns, são ídolos. O lamento de finados se estende a um conjunto de seres que já se foram em épocas diversas, em lugares diferentes, em nossa pátria ou na pátria alheia. Ele assume o tamanho da humanidade, que amamos de formas variadas. Todos esses seres estão “dormindo profundamente” como no poema de Bandeira tantas vezes citado em razão do tema do “ubi sunt?”
Eis o Dia de Finados, motivo de veneração, de respeito, de saudade e de lembranças que aprendemos a assimilar, sem aquela dor aguda da perda recente. Se as perdas são terrenas, os ganhos são os das grandes recordações, dos fios da memória, das imagens sublimes que nos acompanharão para sempre pela vida afora. Não há desaparecimento absoluto. Os entes queridos que guardamos fortemente na memória fazem parte viva de nosso ser e da nossa temporalidade. Não há como perdê-los de vista. Estão presentes, conosco.
Ontem, foi mais um Dia de Finados. Na TV são exibidas as costumeiras reportagens anuais referentes ao feriado. Sempre associo esse dia santo àquelas antiquíssimas e quase apagadas fitas que passavam em Teresina nos anos cinquenta contando o nascimento, a vida, morte e ressurreição de Cristo.
Crianças, adolescentes e adultos, todo mundo não perdia aquela fita, sempre por muito tempo repetida, até que, em outra fase da vida teresinense, com a vinda do Cinemascope, na grande tela surgiram os filmes coloridos que, se não tratavam como tema central a figura de Cristo, como o Manto Sagrado, de 1953, com Richard Burton e a bela Jeans Simmons sendo os atores principais, eram filmes que diziam respeito à existência de Cristo e mesmo serviam de argumento para recordá-Lo aproveitando algum motivo, no caso específico, o filme tinha como símbolo-objeto mais significativo o manto de Jesus que era o seu tema capital, a par de apresentar uma bela história de amor e conversão ao cristianismo vivida por Richard Burton (Marcellus Gallo), no papel de um tribuno romano responsável pela missão de, em Jerusalém, levar Cristo à crucificação por ordem do imperador Tibério. e Jean Simmons (Diana), no papel uma jovem da aristocracia romana.
No dia da crucificação de Cristo, o manto deixado pelo Messias, fora disputado numa partida de jogo entre Marcellus e os soldados. Marcellus ganha a disputa.. Ao tocar, porém, no manto, objeto sagrado, Marcellus sofre uma mudança interna para ele inexplicável que o fará ser visto pelos romanos como um doente mental.
O manto selará seu destino como pessoa humana, mudará seu pensamento religioso e, finalmente, o levará à conversão espiritual, abraçando o cristianismo após sofrer pressões do imperador Calígula.
Outros dois personagens com os quais Marcellus cruzará no filme é seu escravo Demétrio, interpretado por Victor Mature, comprado em leilão e disputado com Calígula, o sucessor do imperador Tibério. Essa disputa pele forte escravo Demetrio valeu a Marcellus a inimizade de Calígula.
Demétrio, que havia se convertido a Cristo, se torna hostil a Marcellus, afirmando-lhe que não mais o obedeceria nem seria mais seu escravo. Demétrio fica com o manto e some.
Marcellus, chamado à corte imperial em Roma, novamente recebe a missão de destruir o manto de Jesus, tido por um adivinho palaciano como um objeto enfeitiçado. É nesse retorno a Jerusalém que Marcellus reencontra o antigo escravo Demétrio, tornando-se-lhe amigo. Demétrio o leva a conhecer Pedro, apóstolo de Cristo. Marcellus, logo reconhece o valor moral, a bondade e fé do o apóstolo Pedro, interpretado por Michael Rennie.
Convidado a assistir a uma pregação em local desconhecido dos soldados romano, Marcellus percebe o quão diferente é ser cristão. Passa a ter uma nova concepção dos ensinamentos e dos propósitos de Cristo crucificado. A cena em que Demétrio lhe diz que não deve temer tocar o manto traduz uma beleza indescritível. Marcellus toca no manto e o envolve em seu peito. Sente uma sensação de paz e tranquilidade. São os primeiros sinais de sua conversão.
Essa mudança de visão de vida e dos valores da existência Marcellus passará à sua amada Diana, que também se converterá. A trama do filme é assim o ato da conversão definitiva acompanhado de todos os sacrifícios e sofrimentos que esse gesto extremo de mudança espiritual desencadeia no jovem casal romano.
É um belo filme cuja história mostra ao espectador, no seu final, uma das mais comovidas e dramáticas cenas a que já assisti na tela, na qual Marcellus e sua amada, abdicando de todo o peso da paganismo, dos deuses de pedra, e dos antigos valores da cultura romana dos césares, de uma vida palaciana de conforto propiciado pela alta condição social do casal, saem do ambiente em que foram criados e desfilam , por entre os potentados , em direção ao sacrifício das suas vidas. Seu destino é a vida eterna, junto aos cristãos, subindo aos céus. A imagem final do casal apaixonado e convertido muito me lembra aquele outro final maravilhoso, pela sua densidade dramática e por toda uma simbologia, do filme Quo Vadis? baseado no romance do escritor polaco Henrik Sienkiewcz (1846-1916) com Robert Taylor e a beleza delicada de Débora Kerr, interpretando dois personagens, ela, Lygia, cristã, ele, o general romano Marcus Vinicius. Os dois se apaixonam. Ele se converte e ambos, seguirão as lições de Cristo.A cena se passa na Roma sob o império do sanguinário Nero. Naquela cena fina, o casal apaixonado, sendo o foco da câmera, vai caminhando até certamente encontrar as alturas celestiais, no decisiva caminho da morte e da salvação.
Os dois exemplos de filmes se misturam à reportagem na TV sobre finados e, de alguma forma, despertam as lembranças de nossos entes queridos, de nosso amigos e conhecidos que, durante um tempo, conviveram conosco. Imagens de rostos queridos, de vozes quase apagadas, de gestos, de ações se entrelaçam diante de nosso olhos conscientes, cada dia que passa, da efêmera temporalidade na Terra.
Bonita e comovente foi aquela declaração de um anônimo que, diante da câmera da TV, comentando sobre o Dia de Finados, afirmou com muito elevada espontaneidade e sentido perfeito da data e do lugar que estava visitando: - “Este lugar merece só respeito, muito respeito.”
Não há como desviar nossa atenção e impregnar o pensamento das “asas de dor” dos que perdemos no sorvedouro da vida. Lá estão eles – essa gente querida que se foi contra nossa vontade. As imagens estão lá longe, na capital teresinense, em Amarante, em Salvador, no Rio de Janeiro e quem sabe, em outros lugares que não chegaram ao nosso conhecimento. São parentes, amigos, conhecidos. São pessoas ilustres, comuns, são ídolos. O lamento de finados se estende a um conjunto de seres que já se foram em épocas diversas, em lugares diferentes, em nossa pátria ou na pátria alheia. Ele assume o tamanho da humanidade, que amamos de formas variadas. Todos esses seres estão “dormindo profundamente” como no poema de Bandeira tantas vezes citado em razão do tema do “ubi sunt?”
Eis o Dia de Finados, motivo de veneração, de respeito, de saudade e de lembranças que aprendemos a assimilar, sem aquela dor aguda da perda recente. Se as perdas são terrenas, os ganhos são os das grandes recordações, dos fios da memória, das imagens sublimes que nos acompanharão para sempre pela vida afora. Não há desaparecimento absoluto. Os entes queridos que guardamos fortemente na memória fazem parte viva de nosso ser e da nossa temporalidade. Não há como perdê-los de vista. Estão presentes, conosco.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
O Brasil por enquanto ainda um oásis no caos mundial
Cunha e Silva Filho
No contexto das principais nações do mundo, o nosso país ainda pode ser visto com certo otimismo. Nações ricas europeias e na América do Norte, os Estados Unidos, na Ásia, o Japão abalado pela Natureza que lhe foi inclemente com as terríveis consequências de perdas humanas, materiais e econômicas provocadas pelo último tsunami que o atingiu, os países árabes ainda por serem organizados em seus sistemas de governos, países africanos ainda assolados pela fome e por instabilidades políticas, econômicas, tudo isso reverteu em sérias preocupações para dirigentes e principalmente para os povos daquelas regiões.
Devo reconhecer que esse caos planetário tem sua agressividade mais evidente nos setores econômico e financeiro e um dos seus principais malefícios à sociedade veio na forma de desemprego em massa. São milhões de desempregados espalhados tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, país que, como o nosso, vale por um continente. De alguma forma, faz relembrar os sacrificados tempos da Grande Depressão quando houve a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929. Os desdobramentos da Grande Depressão todos sabemos no que deram para os destinos do Planeta.
Com esta situação mundial anunciando nuvens pesadas e ameaçadoras, não vejo como não fazer um brevíssimo paralelo entre o nosso país, a situação dos países europeus e principalmente os Estados Unidos.
Enquanto os países europeus endividados foram socorridos pela Comunidade Econômica Europeia, caso da Grécia, o mais gritante, assim como poderia mencionar a Espanha, Portugal e Itália, o Brasil, conquanto de dimensões continentais, tem conseguido driblar possíveis riscos de insolvência e turbulência relacionadas a dívida pública e de seu sistema bancário privado. Ou seja, a economia brasileira, apesar de ainda apresentar alguns problemas de vária natureza, tem conseguido manter-se dentro de uma normalidade na qual o maior trunfo seja um relativo controle inflacionário.
Na Europa na qual se encontram os principais países de economia estável alguns dos quais fazem parte do grupo dos países ricos, e apesar da larga experiência e do expertise de suas estruturas financeiras, a crise econômica se tornou logo aguda e se alastrou com praga para outros países do mesmo continente.
Ora, tal desacerto econômico-financeiro só pode ser atribuído à irresponsabilidade de seus governos cuja origem se pode traçar nos gastos excessivos dos governos e no uso indiscriminado dos chamadas aplicações financeiras de riscos, sobretudo na esfera privada,
Em outras palavras, a quebradeira das finanças está intimamente relacionada às especulações de investidores gananciosos que, ao invés de utilizarem seu capital para investimentos orientados ao desenvolvimento sustentado de seus países, em setores fundamentais, não movimentam positivamente suas exportações e suas importações em níveis de compatibilidade de gastos e de compromissos públicos visando ao bem-estar da sociedade.
Esses gananciosos apenas estão interessados no jogo inescrupuloso da aventura especulativa, em que o dinheiro aplicado somente atende a realimentar a ciranda financeira e não a transformá-lo em riqueza nacional a ser repartida com maior justiça social. A especulação financeira é da ordem do individualismo puro e simples, não da ordem social comum.
Alguém já imaginou os EUA, país da riqueza, do poder armamentista e do alto consumismo chegar, contraditoriamente, i.e., mantendo os multimilionários, à situação social em que está? Desemprego, pobreza, sentimento geral do povo de um país que mostra declínio e perda de hegemonia em setores básicos da sua vida social, isso definiria o país do Tio Sam em nosso dias.
É claro que o Brasil possui inúmeros flagelos ainda para serem debelados ou pelo menos reduzidos: a alta criminalidade, os problemas graves da saúde pública, a educação dos níveis fundamental e médio em estado precário e um dos seus males mais negativamente atuantes, a corrupção pública e privada de mãos dadas com a impunidade.
Pouco distante estaria o Brasil do sentido que imprimi ao título deste artigo se já estivessem solucionados ou reduzidos grande parte dos males dos quais padece a nossa sociedade.
No contexto das principais nações do mundo, o nosso país ainda pode ser visto com certo otimismo. Nações ricas europeias e na América do Norte, os Estados Unidos, na Ásia, o Japão abalado pela Natureza que lhe foi inclemente com as terríveis consequências de perdas humanas, materiais e econômicas provocadas pelo último tsunami que o atingiu, os países árabes ainda por serem organizados em seus sistemas de governos, países africanos ainda assolados pela fome e por instabilidades políticas, econômicas, tudo isso reverteu em sérias preocupações para dirigentes e principalmente para os povos daquelas regiões.
Devo reconhecer que esse caos planetário tem sua agressividade mais evidente nos setores econômico e financeiro e um dos seus principais malefícios à sociedade veio na forma de desemprego em massa. São milhões de desempregados espalhados tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, país que, como o nosso, vale por um continente. De alguma forma, faz relembrar os sacrificados tempos da Grande Depressão quando houve a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929. Os desdobramentos da Grande Depressão todos sabemos no que deram para os destinos do Planeta.
Com esta situação mundial anunciando nuvens pesadas e ameaçadoras, não vejo como não fazer um brevíssimo paralelo entre o nosso país, a situação dos países europeus e principalmente os Estados Unidos.
Enquanto os países europeus endividados foram socorridos pela Comunidade Econômica Europeia, caso da Grécia, o mais gritante, assim como poderia mencionar a Espanha, Portugal e Itália, o Brasil, conquanto de dimensões continentais, tem conseguido driblar possíveis riscos de insolvência e turbulência relacionadas a dívida pública e de seu sistema bancário privado. Ou seja, a economia brasileira, apesar de ainda apresentar alguns problemas de vária natureza, tem conseguido manter-se dentro de uma normalidade na qual o maior trunfo seja um relativo controle inflacionário.
Na Europa na qual se encontram os principais países de economia estável alguns dos quais fazem parte do grupo dos países ricos, e apesar da larga experiência e do expertise de suas estruturas financeiras, a crise econômica se tornou logo aguda e se alastrou com praga para outros países do mesmo continente.
Ora, tal desacerto econômico-financeiro só pode ser atribuído à irresponsabilidade de seus governos cuja origem se pode traçar nos gastos excessivos dos governos e no uso indiscriminado dos chamadas aplicações financeiras de riscos, sobretudo na esfera privada,
Em outras palavras, a quebradeira das finanças está intimamente relacionada às especulações de investidores gananciosos que, ao invés de utilizarem seu capital para investimentos orientados ao desenvolvimento sustentado de seus países, em setores fundamentais, não movimentam positivamente suas exportações e suas importações em níveis de compatibilidade de gastos e de compromissos públicos visando ao bem-estar da sociedade.
Esses gananciosos apenas estão interessados no jogo inescrupuloso da aventura especulativa, em que o dinheiro aplicado somente atende a realimentar a ciranda financeira e não a transformá-lo em riqueza nacional a ser repartida com maior justiça social. A especulação financeira é da ordem do individualismo puro e simples, não da ordem social comum.
Alguém já imaginou os EUA, país da riqueza, do poder armamentista e do alto consumismo chegar, contraditoriamente, i.e., mantendo os multimilionários, à situação social em que está? Desemprego, pobreza, sentimento geral do povo de um país que mostra declínio e perda de hegemonia em setores básicos da sua vida social, isso definiria o país do Tio Sam em nosso dias.
É claro que o Brasil possui inúmeros flagelos ainda para serem debelados ou pelo menos reduzidos: a alta criminalidade, os problemas graves da saúde pública, a educação dos níveis fundamental e médio em estado precário e um dos seus males mais negativamente atuantes, a corrupção pública e privada de mãos dadas com a impunidade.
Pouco distante estaria o Brasil do sentido que imprimi ao título deste artigo se já estivessem solucionados ou reduzidos grande parte dos males dos quais padece a nossa sociedade.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Um poema de Percy Bysshe Shelley (1792-1822)
Ode to the West Wind
1
O wild West Wind, thou breath of Autumn’s being,
Thou from whose unseen presence the leaves dead
Are driven like ghosts from an enchanter fleeing,
Yellow and black, and pale, and hectic red.
Pestilence-stricken multitudes! O thou
Who chariotest to their dark wintry bed
The winged seeds, where they lie cold and low,
Each like a corpse within its grave, until
Thine azure sister of the Spring shall blow
Her clarion o’er the dreaming earth, and fill
Driving sweet buds like flocks to feed in air
With living hues and odours plain and hill;
Wild spirit which art moving everywhere;
Destroyer and preserver; hear, oh hear!
2
Thou on whose stream, ‘mid the steep sky’s commotion,
Loose clouds like earth’s decaying leaves are shed,
Shook from the tangled boughs of heaven and ocean,
Angels of rain and lightning! There are spread
On the blue surface of thine airy surge,
Like the bright hair uplifted from the head
Of some fierce Maenad, even from the dim verge
Of the horizon to the zenith’s height,
The locks of the approaching storm. Thou dirge
Of the dying year, to which this closing night
Will be the dome of a vast sepulcher,
Vaulted with all thy congregated might
Of the vapours, from whose solid atmosphere
Black rain, an d fire, and hail will burst: O hear!
3
Thou who didst waken from his summer dreams,
The blue Mediterranean, where he lay,
Lulled by the coil of his crystalline streams,
Beside a pumice isle in Baiae’s bay,
And saw in sleep old palaces and towers
Quivering within the wave’s intensive day,
All overgrown with azure moss, an d flowers
So sweet the sense faints picturing them! Thou
For whose path the Atlantic’s level powers,
Cleave themselves into chasms, while far below
The sea-blooms and oozy woods which wear
The sapless foliage of the ocean know
Thy voice, and suddenly grow grey with fear,
And tremble and despoil themselves: Oh hear!
4
If I were a dead leaf thou mightest bear;
If I were a swift cloud to fly with thee:
A wave to pant beneath thy power, and shave
The impulse of thy strength, only less free
Than thou, O uncontrolable! If even
I were as in my boyhood, and could be
The comrade of thy wanderings over heaven,
As then, when to outstrip thy skyey speed
Scarce seemed a vision, - I would ne’er have striven
As thus with thee in prayer in my sore need.
Oh1 lift me as a wave, a leaf, a cloud!
I faint upon the thorns of life! I bleed!
A heavy weight of hours has chained and bowed
One too like thee – tameless, and swift, and proud.
5
Make me thy lyre, even as the forest is:
What if my leaves are falling like its own?
The tumult of thy mighty harmonies
Will take from both a deep autumnal tone,
Sweet though in sadness, Be thou, Spirit fierce,
My spirit! Be thou me, impetuous one!
Drive me dead thoughts over the universe,
Like withered leaves, to quicken a new birth;
And, by the incantation of this verse,
Scatter as from an unextinguished hearth
Ashes and sparks, my words among mankind;
Be through my lips to unawakened earth
The trumpet of a prophecy! O Wind,
If Winter comes, can Spring be far behind?
Ode ao Vento Ocidenal
1
Oh, Vento Ocidental selvagem, exalas dos seres do outono o cheiro,
De tua presença invisível, as folhas mortas
Lançadas são tal como fantasmas fugindo de um mágico.
Multidões delas de peste acometidas !
Amarelas, pretas, pálidas e sanguíneas! Ó tu
Que, em carruagens, te transportas ao seu sombrio canteiro de inverno
As sementes aladas, nas quais jazem frias e miúdas
Cada qual como um cadáver na sua cova, até que
Tua azul-celeste irmã da Primavera toque
O seu clarim sobre a terra em sonhos, e encha de
Pressurosos suaves rebentos iguais a flores povoando o ar,
Nas planícies e colinas, com cores e odores vivos.
Espírito selvagem que por toda a parte se move;
Destruidor e preservador: escuta, oh, escuta!
2
Tu, em cuja corrente, em meio à íngreme convulsão do firmamento,
Onde, como folhas murchas da terra, nuvens dispersas se derramam
Galhos emaranhados do céu e oceano sacudiste,
Anjos da chuva e dos raios! Aí espraiados
Sobre a superfície azul de teu vagalhão etéreo
Qual brilhantes cabelos levantados
De alguma terrível Bacante, que vão da fina borda do
Horizonte às alturas do zênite,
As madeixas da tempestade que se avizinha. Nênias entoas
Ao ano que se despede, para o qual esta noite se acaba
Será a cúpula de um vasto sepulcro
Construído com todo o teu poder concentrado
De vapores, de cuja sólida atmosfera
Chuva negra, e fogo e granizo arrebentar-se-ão: Escuta!
3
Tu que de fato acordaste de seus sonhos de verão,
O azul Mediterrâneo, onde jazia,
Acalentado pelo azul espiralado de suas correntes cristalinas,
Junto a uma ilha de pedra-pome na baía Baiae,
Viste adormecidos vetustos palácios e torres
Agitando-se num dia mais intenso de ondas,
Invasão completa de musgos e flores azuis
Tão suaves que os sentidos não conseguem pintá-las! Tu
Por cujo caminho as forças do nível do Atlântico
Abrem-se em abismos, enquanto, bem no fundo,
As florações marinhas e as florestas lodosas, que destroem
A folhagem seca dos oceanos,
Se agitam e se anulam, conheces
Tua voz e súbito te tornas medroso: Escuta!
4
Ah, fosse eu uma folha morta que pudesses segurar,
Ah, fosse eu uma nuvem veloz para contigo:voar
Uma onda suspirando por sob teu poder e extirpar
O impulso da tua força, só que menos livre
Do que tu, ó incontrolável! Se pelo menos
Ainda estivesse na minha infância e pudesse ser
O companheiro de tuas andanças nos céus
Pois então, quando fosse para superar tua velocidade celeste
Mal pareceria uma visão, - Nunca teria eu feito tanto esforço
Quanto assim contigo em prece nas horas de dolorida necessidade.
Oh! ergue-me como se uma onda fosse, uma folha, uma nuvem!
Caio sobre os espinhos da vida! Sangro!
Um fardo enorme de horas acorrentou-me e me oprimiu
Alguém também como tu – rebelde, dinâmico e orgulhoso.
5
De mim fazes a tua lira, igual assim à floresta:
O que ocorreria se minhas folhas com as dela caíssem!
A desordem das tuas poderosas harmonias
Um profundo tom outonal retirarão de ambos,
Suave embora triste. Sê tu, Espírito selvagem,
Meu espírito! Fazes de ti o meu ser, impetuoso espírito!
Conduze meus pensamentos mortos através do universo,
À semelhança da folhas murchas, a fim de um novo nascimento apressar;
E, pela magia destes versos,
Difundir, como se viessem de uma lareira sempre ardente,
Cinzas e centelhas, minhas palavras à humanidade
Através de minha boca para uma terra adormecida
Sê tu, ó vento, a trombeta de uma profecia!
Com o retorno do inverno, não poderia a primavera logo sucedê-lo?
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
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O wild West Wind, thou breath of Autumn’s being,
Thou from whose unseen presence the leaves dead
Are driven like ghosts from an enchanter fleeing,
Yellow and black, and pale, and hectic red.
Pestilence-stricken multitudes! O thou
Who chariotest to their dark wintry bed
The winged seeds, where they lie cold and low,
Each like a corpse within its grave, until
Thine azure sister of the Spring shall blow
Her clarion o’er the dreaming earth, and fill
Driving sweet buds like flocks to feed in air
With living hues and odours plain and hill;
Wild spirit which art moving everywhere;
Destroyer and preserver; hear, oh hear!
2
Thou on whose stream, ‘mid the steep sky’s commotion,
Loose clouds like earth’s decaying leaves are shed,
Shook from the tangled boughs of heaven and ocean,
Angels of rain and lightning! There are spread
On the blue surface of thine airy surge,
Like the bright hair uplifted from the head
Of some fierce Maenad, even from the dim verge
Of the horizon to the zenith’s height,
The locks of the approaching storm. Thou dirge
Of the dying year, to which this closing night
Will be the dome of a vast sepulcher,
Vaulted with all thy congregated might
Of the vapours, from whose solid atmosphere
Black rain, an d fire, and hail will burst: O hear!
3
Thou who didst waken from his summer dreams,
The blue Mediterranean, where he lay,
Lulled by the coil of his crystalline streams,
Beside a pumice isle in Baiae’s bay,
And saw in sleep old palaces and towers
Quivering within the wave’s intensive day,
All overgrown with azure moss, an d flowers
So sweet the sense faints picturing them! Thou
For whose path the Atlantic’s level powers,
Cleave themselves into chasms, while far below
The sea-blooms and oozy woods which wear
The sapless foliage of the ocean know
Thy voice, and suddenly grow grey with fear,
And tremble and despoil themselves: Oh hear!
4
If I were a dead leaf thou mightest bear;
If I were a swift cloud to fly with thee:
A wave to pant beneath thy power, and shave
The impulse of thy strength, only less free
Than thou, O uncontrolable! If even
I were as in my boyhood, and could be
The comrade of thy wanderings over heaven,
As then, when to outstrip thy skyey speed
Scarce seemed a vision, - I would ne’er have striven
As thus with thee in prayer in my sore need.
Oh1 lift me as a wave, a leaf, a cloud!
I faint upon the thorns of life! I bleed!
A heavy weight of hours has chained and bowed
One too like thee – tameless, and swift, and proud.
5
Make me thy lyre, even as the forest is:
What if my leaves are falling like its own?
The tumult of thy mighty harmonies
Will take from both a deep autumnal tone,
Sweet though in sadness, Be thou, Spirit fierce,
My spirit! Be thou me, impetuous one!
Drive me dead thoughts over the universe,
Like withered leaves, to quicken a new birth;
And, by the incantation of this verse,
Scatter as from an unextinguished hearth
Ashes and sparks, my words among mankind;
Be through my lips to unawakened earth
The trumpet of a prophecy! O Wind,
If Winter comes, can Spring be far behind?
Ode ao Vento Ocidenal
1
Oh, Vento Ocidental selvagem, exalas dos seres do outono o cheiro,
De tua presença invisível, as folhas mortas
Lançadas são tal como fantasmas fugindo de um mágico.
Multidões delas de peste acometidas !
Amarelas, pretas, pálidas e sanguíneas! Ó tu
Que, em carruagens, te transportas ao seu sombrio canteiro de inverno
As sementes aladas, nas quais jazem frias e miúdas
Cada qual como um cadáver na sua cova, até que
Tua azul-celeste irmã da Primavera toque
O seu clarim sobre a terra em sonhos, e encha de
Pressurosos suaves rebentos iguais a flores povoando o ar,
Nas planícies e colinas, com cores e odores vivos.
Espírito selvagem que por toda a parte se move;
Destruidor e preservador: escuta, oh, escuta!
2
Tu, em cuja corrente, em meio à íngreme convulsão do firmamento,
Onde, como folhas murchas da terra, nuvens dispersas se derramam
Galhos emaranhados do céu e oceano sacudiste,
Anjos da chuva e dos raios! Aí espraiados
Sobre a superfície azul de teu vagalhão etéreo
Qual brilhantes cabelos levantados
De alguma terrível Bacante, que vão da fina borda do
Horizonte às alturas do zênite,
As madeixas da tempestade que se avizinha. Nênias entoas
Ao ano que se despede, para o qual esta noite se acaba
Será a cúpula de um vasto sepulcro
Construído com todo o teu poder concentrado
De vapores, de cuja sólida atmosfera
Chuva negra, e fogo e granizo arrebentar-se-ão: Escuta!
3
Tu que de fato acordaste de seus sonhos de verão,
O azul Mediterrâneo, onde jazia,
Acalentado pelo azul espiralado de suas correntes cristalinas,
Junto a uma ilha de pedra-pome na baía Baiae,
Viste adormecidos vetustos palácios e torres
Agitando-se num dia mais intenso de ondas,
Invasão completa de musgos e flores azuis
Tão suaves que os sentidos não conseguem pintá-las! Tu
Por cujo caminho as forças do nível do Atlântico
Abrem-se em abismos, enquanto, bem no fundo,
As florações marinhas e as florestas lodosas, que destroem
A folhagem seca dos oceanos,
Se agitam e se anulam, conheces
Tua voz e súbito te tornas medroso: Escuta!
4
Ah, fosse eu uma folha morta que pudesses segurar,
Ah, fosse eu uma nuvem veloz para contigo:voar
Uma onda suspirando por sob teu poder e extirpar
O impulso da tua força, só que menos livre
Do que tu, ó incontrolável! Se pelo menos
Ainda estivesse na minha infância e pudesse ser
O companheiro de tuas andanças nos céus
Pois então, quando fosse para superar tua velocidade celeste
Mal pareceria uma visão, - Nunca teria eu feito tanto esforço
Quanto assim contigo em prece nas horas de dolorida necessidade.
Oh! ergue-me como se uma onda fosse, uma folha, uma nuvem!
Caio sobre os espinhos da vida! Sangro!
Um fardo enorme de horas acorrentou-me e me oprimiu
Alguém também como tu – rebelde, dinâmico e orgulhoso.
5
De mim fazes a tua lira, igual assim à floresta:
O que ocorreria se minhas folhas com as dela caíssem!
A desordem das tuas poderosas harmonias
Um profundo tom outonal retirarão de ambos,
Suave embora triste. Sê tu, Espírito selvagem,
Meu espírito! Fazes de ti o meu ser, impetuoso espírito!
Conduze meus pensamentos mortos através do universo,
À semelhança da folhas murchas, a fim de um novo nascimento apressar;
E, pela magia destes versos,
Difundir, como se viessem de uma lareira sempre ardente,
Cinzas e centelhas, minhas palavras à humanidade
Através de minha boca para uma terra adormecida
Sê tu, ó vento, a trombeta de uma profecia!
Com o retorno do inverno, não poderia a primavera logo sucedê-lo?
(Trad. de Cunha e Silva Filho)
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quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Gaddafi: depois de morto
Cunha e Silva Filho
Mais uma etapa vitoriosa se cumpriu no tocante aos movimentos rebeldes conhecidos como “A Primavera Árabe”. Muammar Gaddafi está morto. Foi trucidado, levou tiros, pancadas, foi surrado como um bandido qualquer desses tão conhecidos na América do Sul e num país chamado Brasil.
O ditador sanguinário, que manteve relações com alguns países ocidentais e do próprio Oriente, procurou seu destino, cavou sua própria cova. Eis o destino reservado a quem tiraniza um povo. Não há quem contenha um povo indignado ao extremo.
De alguma forma, as imagens horripilantes, meio manchadas pela tela das TVs., inconscientemente me fazem recordar a matança do Czar russo Nicolau II e da família imperial na Revolução Russa de 1917, com a implantação do regime bolchevique e, em seguida, com a formação da Rússia Soviética.
Não se pense que esteja defendendo a ditadura líbia ou reprovando a queda de Gaddafi. O que me interessa aqui comentar é a forma da atrocidade, em situações de guerra civil, a falta de uma linha correta de tratar governantes, ainda que estes sejam mentores de matanças de compatriotas. O que não pode haver são excessos de barbárie que, ipso facto, se tornam tão hediondos quanto o que cometeram os tiranos. Destituir tiranos através de procedimentos legais, posto que mediados por órgãos internacionais de defesa da paz mundial, é uma coisa; cometer matança pura e simples, sob forte sentimento do ódio e da indignação, justo que seja, não faz sentido se visto pela ilegalidade e ausência de julgamento em Tribunal Internacional competente.
Os EUA fizeram o que bem entenderam na invasão do Iraque, aniquilando militares e populações até de civis, num bombardeio que mais fazia pensar na chegada do Armaggedon, usando todo o seu poderoso arsenal militar de extermínio e, naquela época, o Iraque não foi socorrido pelos instituições mais importantes para deliberar sobre a segurança e resguardo da soberania dos países, como a ONU, a OTAN. Bush filho não foi julgado por nenhum fórum internacional. Ao arrepio da Lei , sem consultar ninguém, alvitrou o que lhe fosse conveniente para liquidar com Saddam Hussein sem necessidade imperiosa alguma. Mesmo sob a alegação de estar invadindo o Iraque porque este país continha armamento nuclear – o que se provou que não tinha - ainda assim cometeu atrocidades ilimitadas contra não só a população indefesa, como contra o patrimônio histórico do país. E mais: deslocou um gigantesco contingente de soldados para “manter e consolidar “ a fase de transição para uma novo governo tutelado pelo governo americano. Os EUA causaram perdas incalculáveis de soldados americanos na invasão do Iraque. Economicamente, levou o país a fazer gastos astronômicos nas ações bélicas e na manutenção das tropas militares, provocando prejuízos financeiros ao povo americano cujas consequências ajudaram a conduzir o país à gravíssima situação de endividamento atual. Milhões e milhões de dólares foram inutilmente perdidos numa guerra desnecessária, injusta e tresloucada. Bush filho passou ileso e entregou a batata quente para Barack Obama.
Só esperamos que, com a queda de Gaddafi, as potências que, através da OTAN, combateram as forças militares do ditador, com bombardeios e com ajuda em material bélico, não se transformem em outros exemplos de países paternalistas que, no fundo, estejam vislumbrando alguma gorda recompensa econômica via petróleo. Esta hístória já aconteceu em outras épocas e, portanto, cumpre que as nações democráticas e soberanas estejam atentas aos desdobramentos no país de Gaddafi. A era do colonialismo ou do neo-colonialismo deve ser encarada como uma página virada e não como um ato em potência.
A “Primavera Árabe” não pode nos decepcionar, como sugeriu um prognóstico sombrio de um jornalista e escritor brasileiro. Ou seja, organizado em suas primeiros passos um governo de transição, é de se esperar que seus líderes mais em evidência não permitam que o país sofra um retrocesso caindo nas mãos de um novo déspota tanto ou mais sanguinário do que Gaddafi. Desse risco, não estamos livres se levarmos em conta o prognóstico do jornalista.
Neste aspecto, cumpriria à ONU principalmente precaver-se contra os inimigos da liberdade e da democracia. No entanto, na organização de um Estado democrático, há que haver retidão e senso de alta responsabilidade dos organismos internacionais. Ensinar os princípios fundamentais da democracia para povos que viveram longos anos sob regimes autoritários demanda paciência, equilíbrio e grande renúncia por parte dos órgãos internacionais.
O objetivo supremo será dar suporte às nações mais fracas e de culturas bem diferentes das do Ocidente. No conjunto de problemas a serem enfrentados não se poderão deixar de lado as questões religiosas, étnicas, de tribos, de grupos que representam alteridades, costumes e hábitos de vida social diversos dos países ocidentais. A globalização que aí está talvez seja um meio de se poder equacionar estratégias que sirvam de orientação, de aprendizagem e de buscas de caminhos ou vias de adaptação aos estilos de vida ocidental. A palavra-chave, neste caso, seria adaptar sem perder as raízes, a identidade nacional, entendida, porém, esta sem xenofobias nem discriminações nem recorrer a recursos de ultrapassadas teorias deterministas.
O mal das civilizações reside nos extremismos e no espírito do fanatismo míope e perigoso. O homem não nasceu sabendo, mas surgiu na Terra para dotar-se de conhecimento, de saber reconhecer diferenças sem cair no sentimento de hostilidade em relação ao diferente. Podemos ser diferentes em muitos aspectos sem com isso perdermos a racionalidade, a capacidade de discernimento e de consciência plural da vida e dos homens. Até os animais irracionais aprendem desde que sejam ensinados e treinados adequadamente.
Com estas e outras sugestões visando ao bem-estar do indivíduo considerado na sua universalidade de ações e de comportamentos, acredito que aos poucos os ditadores desapareçam em definitivo do convívio humano.
Mais uma etapa vitoriosa se cumpriu no tocante aos movimentos rebeldes conhecidos como “A Primavera Árabe”. Muammar Gaddafi está morto. Foi trucidado, levou tiros, pancadas, foi surrado como um bandido qualquer desses tão conhecidos na América do Sul e num país chamado Brasil.
O ditador sanguinário, que manteve relações com alguns países ocidentais e do próprio Oriente, procurou seu destino, cavou sua própria cova. Eis o destino reservado a quem tiraniza um povo. Não há quem contenha um povo indignado ao extremo.
De alguma forma, as imagens horripilantes, meio manchadas pela tela das TVs., inconscientemente me fazem recordar a matança do Czar russo Nicolau II e da família imperial na Revolução Russa de 1917, com a implantação do regime bolchevique e, em seguida, com a formação da Rússia Soviética.
Não se pense que esteja defendendo a ditadura líbia ou reprovando a queda de Gaddafi. O que me interessa aqui comentar é a forma da atrocidade, em situações de guerra civil, a falta de uma linha correta de tratar governantes, ainda que estes sejam mentores de matanças de compatriotas. O que não pode haver são excessos de barbárie que, ipso facto, se tornam tão hediondos quanto o que cometeram os tiranos. Destituir tiranos através de procedimentos legais, posto que mediados por órgãos internacionais de defesa da paz mundial, é uma coisa; cometer matança pura e simples, sob forte sentimento do ódio e da indignação, justo que seja, não faz sentido se visto pela ilegalidade e ausência de julgamento em Tribunal Internacional competente.
Os EUA fizeram o que bem entenderam na invasão do Iraque, aniquilando militares e populações até de civis, num bombardeio que mais fazia pensar na chegada do Armaggedon, usando todo o seu poderoso arsenal militar de extermínio e, naquela época, o Iraque não foi socorrido pelos instituições mais importantes para deliberar sobre a segurança e resguardo da soberania dos países, como a ONU, a OTAN. Bush filho não foi julgado por nenhum fórum internacional. Ao arrepio da Lei , sem consultar ninguém, alvitrou o que lhe fosse conveniente para liquidar com Saddam Hussein sem necessidade imperiosa alguma. Mesmo sob a alegação de estar invadindo o Iraque porque este país continha armamento nuclear – o que se provou que não tinha - ainda assim cometeu atrocidades ilimitadas contra não só a população indefesa, como contra o patrimônio histórico do país. E mais: deslocou um gigantesco contingente de soldados para “manter e consolidar “ a fase de transição para uma novo governo tutelado pelo governo americano. Os EUA causaram perdas incalculáveis de soldados americanos na invasão do Iraque. Economicamente, levou o país a fazer gastos astronômicos nas ações bélicas e na manutenção das tropas militares, provocando prejuízos financeiros ao povo americano cujas consequências ajudaram a conduzir o país à gravíssima situação de endividamento atual. Milhões e milhões de dólares foram inutilmente perdidos numa guerra desnecessária, injusta e tresloucada. Bush filho passou ileso e entregou a batata quente para Barack Obama.
Só esperamos que, com a queda de Gaddafi, as potências que, através da OTAN, combateram as forças militares do ditador, com bombardeios e com ajuda em material bélico, não se transformem em outros exemplos de países paternalistas que, no fundo, estejam vislumbrando alguma gorda recompensa econômica via petróleo. Esta hístória já aconteceu em outras épocas e, portanto, cumpre que as nações democráticas e soberanas estejam atentas aos desdobramentos no país de Gaddafi. A era do colonialismo ou do neo-colonialismo deve ser encarada como uma página virada e não como um ato em potência.
A “Primavera Árabe” não pode nos decepcionar, como sugeriu um prognóstico sombrio de um jornalista e escritor brasileiro. Ou seja, organizado em suas primeiros passos um governo de transição, é de se esperar que seus líderes mais em evidência não permitam que o país sofra um retrocesso caindo nas mãos de um novo déspota tanto ou mais sanguinário do que Gaddafi. Desse risco, não estamos livres se levarmos em conta o prognóstico do jornalista.
Neste aspecto, cumpriria à ONU principalmente precaver-se contra os inimigos da liberdade e da democracia. No entanto, na organização de um Estado democrático, há que haver retidão e senso de alta responsabilidade dos organismos internacionais. Ensinar os princípios fundamentais da democracia para povos que viveram longos anos sob regimes autoritários demanda paciência, equilíbrio e grande renúncia por parte dos órgãos internacionais.
O objetivo supremo será dar suporte às nações mais fracas e de culturas bem diferentes das do Ocidente. No conjunto de problemas a serem enfrentados não se poderão deixar de lado as questões religiosas, étnicas, de tribos, de grupos que representam alteridades, costumes e hábitos de vida social diversos dos países ocidentais. A globalização que aí está talvez seja um meio de se poder equacionar estratégias que sirvam de orientação, de aprendizagem e de buscas de caminhos ou vias de adaptação aos estilos de vida ocidental. A palavra-chave, neste caso, seria adaptar sem perder as raízes, a identidade nacional, entendida, porém, esta sem xenofobias nem discriminações nem recorrer a recursos de ultrapassadas teorias deterministas.
O mal das civilizações reside nos extremismos e no espírito do fanatismo míope e perigoso. O homem não nasceu sabendo, mas surgiu na Terra para dotar-se de conhecimento, de saber reconhecer diferenças sem cair no sentimento de hostilidade em relação ao diferente. Podemos ser diferentes em muitos aspectos sem com isso perdermos a racionalidade, a capacidade de discernimento e de consciência plural da vida e dos homens. Até os animais irracionais aprendem desde que sejam ensinados e treinados adequadamente.
Com estas e outras sugestões visando ao bem-estar do indivíduo considerado na sua universalidade de ações e de comportamentos, acredito que aos poucos os ditadores desapareçam em definitivo do convívio humano.
Gaddafi: depois de morto
Cunha e Silva Filho
Mais uma etapa vitoriosa se cumpriu no tocante aos movimentos rebeldes conhecidos como “A Primavera Árabe”. Muammar Gaddafi está morto. Foi trucidado, levou tiros, pancadas, foi surrado como um bandido qualquer desses tão conhecidos na América do Sul e num país chamado Brasil.
O ditador sanguinário, que manteve relações com alguns países ocidentais e do próprio Oriente, procurou seu destino, cavou sua própria cova. Eis o destino reservado a quem tiraniza um povo. Não há quem contenha um povo indignado ao extremo.
De alguma forma, as imagens horripilantes, meio manchadas pela tela das TVs., inconscientemente me fazem recordar a matança do Czar russo Nicolau II e da família imperial na Revolução Russa de 1917, com a implantação do regime bolchevique e, em seguida, com a formação da Rússia Soviética.
Não se pense que esteja defendendo a ditadura líbia ou reprovando a queda de Gaddafi. O que me interessa aqui comentar é a forma da atrocidade, em situações de guerra civil, a falta de uma linha correta de tratar governantes, ainda que estes sejam mentores de matanças de compatriotas. O que não pode haver são excessos de barbárie que, ipso facto, se tornam tão hediondos quanto o que cometeram os tiranos. Destituir tiranos através de procedimentos legais, posto que mediados por órgãos internacionais de defesa da paz mundial, é uma coisa; cometer matança pura e simples, sob forte sentimento do ódio e da indignação, justo que seja, não faz sentido se visto pela ilegalidade e ausência de julgamento em Tribunal Internacional competente.
Os EUA fizeram o que bem entenderam na invasão do Iraque, aniquilando populações até civis, num bombardeio que mais fazia pensar na chegada do Armagedon, usando todo o seu poderoso arsenal militar de extermínio e, naquela época, o Iraque não foi socorrido pelos instituições mais importantes para deliberar sobre a segurança e resguardo da soberania dos países, como a ONU, a OTAN. Bush filho não foi julgado por nenhum fórum internacional.. Ao arrepio da Lei , sem consultar ninguém, alvitrou o que lhe fosse conveniente para liquidar com Saddam Hussein sem necessidade imperiosa alguma. Mesmo sob a alegação de estar invadindo o Iraque porque este país continha armamento nuclear – o que se provou que não tinha - ainda assim cometeu atrocidades ilimitadas contra não só a população indefesa, como contra o patrimônio histórico do país. E mais: deslocou um gigantesco contingente de soldados para “manter e consolidar “ a fase de transição para uma novo governo tutelado pelo governo americano. Os EUA causaram perdas incalculáveis de soldados americanos na invasão do Iraque. Economicamente, levou o país a fazer gastos astronômicos nas ações bélicas e na manutenção das tropas militares, provocando prejuízos financeiros ao povo americano cujas consequências ajudaram a conduzir o país à gravíssima situação de endividamento atual. Milhões e milhões de dólares foram inutilmente perdidos numa guerra desnecessária, injusta e tresloucada. Bush filho passou ileso e entregou a batata quente para Barack Obama.
Só esperamos que, com a queda de Gaddafi, as potências que, através da OTAN, combateram as forças militares do ditador, com bombardeios e com ajuda em material bélico, não se transformem em outros exemplos de países paternalistas que, no fundo, estejam vislumbrando alguma gorda recompensa econômica via petróleo. Esta hístória já aconteceu em outras épocas e, portanto, cumpre que as nações democráticas e soberanas estejam atentas aos desdobramentos no país de Gaddafi. A era do colonialismo ou do neo-colonialismo deve ser encarada como uma página virada e não como um ato em potência.
A “Primavera Árabe” não pode nos decepcionar, como sugeriu um prognóstico sombrio de um jornalista e escritor brasileiro. Ou seja, organizado em suas primeiros passos um governo de transição, é de se esperar que seus líderes mais em evidência não permitam que o país sofra um retrocesso caindo nas mãos de um novo déspota tanto ou mais sanguinário do que Gaddafi. Desse risco, não estamos livres se levarmos em conta o prognóstico do jornalista.
Neste aspecto, cumpriria à ONU principalmente precaver-se contra os inimigos da liberdade e da democracia. No entanto, na organização de um Estado democrático, há que haver retidão e senso de alta responsabilidade dos organismos internacionais. Ensinar os princípios fundamentais da democracia para povos que viveram longos anos sob regimes autoritários demanda paciência, equilíbrio e grande renúncia por parte dos órgãos internacionais.
O objetivo supremo será dar suporte às nações mais fracas e de culturas bem diferentes das do Ocidente. No conjunto de problemas a serem enfrentados não se poderão deixar de lado as questões religiosas, étnicas, de tribos, de grupos que representam alteridades, costumes e hábitos de vida social diversos dos países ocidentais. A globalização que aí está talvez seja um meio de se poder equacionar estratégias que sirvam de orientação, de aprendizagem e de buscas de caminhos ou vias de adaptação aos estilos de vida ocidental. A palavra-chave, neste caso, seria adaptar sem perder as raízes, a identidade nacional, entendida, porém, esta sem xenofobias nem discriminações nem recorrer a recursos de ultrapassadas teorias deterministas.
O mal das civilizações reside nos extremismos e no espírito do fanatismo míope e perigoso. O homem não nasceu sabendo, mas surgiu na Terra para dotar-se de conhecimento, de saber reconhecer diferenças sem cair no sentimento de hostilidade em relação ao diferente. Podemos ser diferentes em muitos aspectos sem com isso perdermos a racionalidade, a capacidade de discernimento e de consciência plural da vida e dos homens. Até os animais irracionais aprendem desde que sejam ensinados e treinados adequadamente.
Com estas e outras sugestões visando ao bem-estar do indivíduo considerado na sua universalidade de ações e de comportamentos, acredito que aos poucos os ditadores desapareçam em definitivo do convívio humano.
Mais uma etapa vitoriosa se cumpriu no tocante aos movimentos rebeldes conhecidos como “A Primavera Árabe”. Muammar Gaddafi está morto. Foi trucidado, levou tiros, pancadas, foi surrado como um bandido qualquer desses tão conhecidos na América do Sul e num país chamado Brasil.
O ditador sanguinário, que manteve relações com alguns países ocidentais e do próprio Oriente, procurou seu destino, cavou sua própria cova. Eis o destino reservado a quem tiraniza um povo. Não há quem contenha um povo indignado ao extremo.
De alguma forma, as imagens horripilantes, meio manchadas pela tela das TVs., inconscientemente me fazem recordar a matança do Czar russo Nicolau II e da família imperial na Revolução Russa de 1917, com a implantação do regime bolchevique e, em seguida, com a formação da Rússia Soviética.
Não se pense que esteja defendendo a ditadura líbia ou reprovando a queda de Gaddafi. O que me interessa aqui comentar é a forma da atrocidade, em situações de guerra civil, a falta de uma linha correta de tratar governantes, ainda que estes sejam mentores de matanças de compatriotas. O que não pode haver são excessos de barbárie que, ipso facto, se tornam tão hediondos quanto o que cometeram os tiranos. Destituir tiranos através de procedimentos legais, posto que mediados por órgãos internacionais de defesa da paz mundial, é uma coisa; cometer matança pura e simples, sob forte sentimento do ódio e da indignação, justo que seja, não faz sentido se visto pela ilegalidade e ausência de julgamento em Tribunal Internacional competente.
Os EUA fizeram o que bem entenderam na invasão do Iraque, aniquilando populações até civis, num bombardeio que mais fazia pensar na chegada do Armagedon, usando todo o seu poderoso arsenal militar de extermínio e, naquela época, o Iraque não foi socorrido pelos instituições mais importantes para deliberar sobre a segurança e resguardo da soberania dos países, como a ONU, a OTAN. Bush filho não foi julgado por nenhum fórum internacional.. Ao arrepio da Lei , sem consultar ninguém, alvitrou o que lhe fosse conveniente para liquidar com Saddam Hussein sem necessidade imperiosa alguma. Mesmo sob a alegação de estar invadindo o Iraque porque este país continha armamento nuclear – o que se provou que não tinha - ainda assim cometeu atrocidades ilimitadas contra não só a população indefesa, como contra o patrimônio histórico do país. E mais: deslocou um gigantesco contingente de soldados para “manter e consolidar “ a fase de transição para uma novo governo tutelado pelo governo americano. Os EUA causaram perdas incalculáveis de soldados americanos na invasão do Iraque. Economicamente, levou o país a fazer gastos astronômicos nas ações bélicas e na manutenção das tropas militares, provocando prejuízos financeiros ao povo americano cujas consequências ajudaram a conduzir o país à gravíssima situação de endividamento atual. Milhões e milhões de dólares foram inutilmente perdidos numa guerra desnecessária, injusta e tresloucada. Bush filho passou ileso e entregou a batata quente para Barack Obama.
Só esperamos que, com a queda de Gaddafi, as potências que, através da OTAN, combateram as forças militares do ditador, com bombardeios e com ajuda em material bélico, não se transformem em outros exemplos de países paternalistas que, no fundo, estejam vislumbrando alguma gorda recompensa econômica via petróleo. Esta hístória já aconteceu em outras épocas e, portanto, cumpre que as nações democráticas e soberanas estejam atentas aos desdobramentos no país de Gaddafi. A era do colonialismo ou do neo-colonialismo deve ser encarada como uma página virada e não como um ato em potência.
A “Primavera Árabe” não pode nos decepcionar, como sugeriu um prognóstico sombrio de um jornalista e escritor brasileiro. Ou seja, organizado em suas primeiros passos um governo de transição, é de se esperar que seus líderes mais em evidência não permitam que o país sofra um retrocesso caindo nas mãos de um novo déspota tanto ou mais sanguinário do que Gaddafi. Desse risco, não estamos livres se levarmos em conta o prognóstico do jornalista.
Neste aspecto, cumpriria à ONU principalmente precaver-se contra os inimigos da liberdade e da democracia. No entanto, na organização de um Estado democrático, há que haver retidão e senso de alta responsabilidade dos organismos internacionais. Ensinar os princípios fundamentais da democracia para povos que viveram longos anos sob regimes autoritários demanda paciência, equilíbrio e grande renúncia por parte dos órgãos internacionais.
O objetivo supremo será dar suporte às nações mais fracas e de culturas bem diferentes das do Ocidente. No conjunto de problemas a serem enfrentados não se poderão deixar de lado as questões religiosas, étnicas, de tribos, de grupos que representam alteridades, costumes e hábitos de vida social diversos dos países ocidentais. A globalização que aí está talvez seja um meio de se poder equacionar estratégias que sirvam de orientação, de aprendizagem e de buscas de caminhos ou vias de adaptação aos estilos de vida ocidental. A palavra-chave, neste caso, seria adaptar sem perder as raízes, a identidade nacional, entendida, porém, esta sem xenofobias nem discriminações nem recorrer a recursos de ultrapassadas teorias deterministas.
O mal das civilizações reside nos extremismos e no espírito do fanatismo míope e perigoso. O homem não nasceu sabendo, mas surgiu na Terra para dotar-se de conhecimento, de saber reconhecer diferenças sem cair no sentimento de hostilidade em relação ao diferente. Podemos ser diferentes em muitos aspectos sem com isso perdermos a racionalidade, a capacidade de discernimento e de consciência plural da vida e dos homens. Até os animais irracionais aprendem desde que sejam ensinados e treinados adequadamente.
Com estas e outras sugestões visando ao bem-estar do indivíduo considerado na sua universalidade de ações e de comportamentos, acredito que aos poucos os ditadores desapareçam em definitivo do convívio humano.
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Destino dos ditadores versus vozes prudentes
Cunha e Silva Filho
Muamar Kadaffi foi mais um exemplo dos indivíduos que, governando pelo regime de força, se entronizam no pode através de golpes. E principalmente de golpe baixos sacrificando numerosas vítimas, derramando sangue por toda parte, não respeitando ninguém nem nada. Para eles a Lei são eles próprios, a nação é deles, de sua família e partidários mais próximos. Formam seu próprio exército com soldados que viram verdadeiros capachos do poder ilegítimo. Tais soldados não pensam, não raciocinam, obedecem cegamente às selvagerias determinadas pelos ditadores. Ai de quem ousar contrariar as ordens desses senhores donos do direito de viver e de morrer de seus compatriotas. O povo é uma abstração. Só serve para atender às suas determinações e aos seus caprichos tresloucados. Estão sempre acima da Lei das nações organizadas e com certo grau de estabilidade institucional, já que atualmente não há governos e sistemas políticos rigorosamente democráticos.
A História dá Humanidade está cheia desses exemplos, com variadas cores, com diferentes níveis de autoritarismo, com formas novas de dominar povos com a mão de ferro. A lista é enorme: Stálin, Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Idi Amin, Mubarak, Saddam Hussein e, agora, Kadaffi. É fácil prever quem é , na linha de sucessão da queda, o seguinte.
Meditando sobre o passado, a gente constata as contradições do curso dos acontecimentos que fazem a História e aí vemos ditadores cumprimentando, em ocasiões solenes, líderes importantes considerados democráticos ou homens da paz. Todos sorridentes. Nem imaginavam eles que estavam diante de feras e de indivíduos sanguinolentos prontos a cometer desatinos e genocídios, prontos a matar indiscriminadamente dezenas e milhares de civis compatriotas, prontos a fazer acordos com países em detrimento de outros países. Não dá mesmo para entender o gênero humano. Tudo, no concerto das nações, tanto as do Ocidente quanto as do Oriente, não passa de conjunturais interesses econômicos, geopolíticos. Não existe pax universalis. Tudo não é mais do que uma “comédia de erros” seguida, contraditoriamente, de um tragédia. Comédias que ainda se repetem e tragédias que não parecem ter fim.
È bem verdade que um fato novo não pode ser negligenciado por quem observa o triste palco mundial: A Primavera dos Árabes não significa apenas um fato real mas - quem diria - se converte em lições na vida dos povos. Do mundo bárbaro ou civilizado. Há uma grande ideia ainda germinativa e de natureza convergente, independente de culturas e etnias, de idades ou nacionalidades. Esta grande ideia tende a uma unidade de pensamento de que há muito tempo, senão séculos, o ser humano necessita: a de dar voz ao que de essencial ele possui de consciência, de bom-senso, de solidariedade e de consenso no que respeita a uma convivência sadia – não diria ideal para que não me imputem com a pecha de utópico - que começa a dar seus primeiros sinais. Tal é o exemplo do movimento denominado “Ocupem Wall Street”, em Nova Iorque.
Pode quem quiser dizer que o comportamento desses jovens é pueril, passageiro e não redundará em nada. Não creio nesta versão própria dos espíritos globalizados que têm sua inteligência e sua formação cultural voltadas para o pragmatismo das visões norteadas pelo capitalismo, pela vida financeira , pela confiança na globalização neoliberal. O fetichismo capitalista, a “religião” do poder econômico pertence a traços do ser humano muito semelhantes a quase patologias sociais dos indivíduos fanáticos, de indivíduos que foram treinados intelectualmente para pensar a partir e seus interesses financeiros, seja como teóricos da economia pró-neoliberalismo seja como atores empenhados no jogos das Bolsas de Valores, nas projeções de ganhos de dividendos, dos títulos, de lucros cada vez maiores, sem limites, sem preocupações com valores morais nem humanitários e, o que é pior, em escala global.. O que os impele são a avidez a todo preço e a todo custo.Massacram as massas, os pobres pelas aperturas financeiras, pelos juros extorsivos, pela fraude, pela manipulação de taxas, de emolumentos etc. etc. Essa é uma “ditadura silenciosa, mas tão letal ao indivíduos quanto os massacres das baionetas e dos tanques.
Aquilo que os rebelados civis fizeram e têm feito no mundo árabe , no fundo, equivale às vozes dos que não estão mais aguentando o massacre, a ditadura econômica, a fraude financeira nacional e transnacional. Por outras palavras, o que a humanidade de bem deseja a todo custo é poder viver com dignidade, não ser espoliada pelas forças do mercado hostil. Os jovens indignados e íntegros que se espalham pelas cidades do mundo divulgando suas ideias de liberdade, de emprego, de melhoria de vida, de direito a ter um emprego e uma família, e de se rebelarem contra instituições bancárias e com a prepotência dos multimilionários dos países mais ricos do Planeta não se diferenciam das vozes indignadas dos rebeldes árabes.
O mundo, a esta altura, está cansado do engodo e falcatruas globais, de políticos de mãos sujas, de egoístas que se encontram em todas os setores da vida social. O que os árabes e os jovens ocidentais mais querem é poderem exercer, através de suas reivindicações pacíficas, lideranças sem necessariamente vínculos políticos, mas que redundem na transformação dos comportamentos da nações que, ricas, perdulárias, só se preocupam com os seus próprios mundos dos negócios e com o estímulo ao consumismo por eles, ricos, prestigiados. A massa da população ficou ilhada nos seus limites de liberdade relativa, de pensamento silenciado, de direitos postergados.
A verdadeira revolução mundial depende das mudanças da política, do combate à corrupção de toda espécie e de uma distribuição de riqueza feita sob a égide dos valores humanos e não financeiros. Se Estados totalitários não deram certo e se agora com a exacerbação do capitalismo o mundo não tem melhorado em valores absolutos, ou melhor, o capitalismo tem dado sinais de grandes descontentamentos e mesmo indignação entre o povos que por ele optaram, resta procurar um realinhamento de convivência política, com liberdade e bem-estar.
Enquanto houver milionários egoístas no mundo inteiro insensíveis à sorte dos outros, i.e., dos pobres, dos explorados, seja por governos, seja pela engrenagem realimentadora do funcionamento do capitalismo, como consumismo, individualismo, ausência de solidariedade, avidez dos que vivem de investimentos improdutivos que só visam aos lucros tentaculares, as vozes dos grupos heroicos de Wall Street e dos rebeldes da “Primavera Árabe hão de gritar até que os donos do poder econômico mundial mudem sua ética e sua falta de sensibilidade e, o que é mais grave, não enfrentem a fúria dos indignados, que têm seus limites ainda que tardios.
Muamar Kadaffi foi mais um exemplo dos indivíduos que, governando pelo regime de força, se entronizam no pode através de golpes. E principalmente de golpe baixos sacrificando numerosas vítimas, derramando sangue por toda parte, não respeitando ninguém nem nada. Para eles a Lei são eles próprios, a nação é deles, de sua família e partidários mais próximos. Formam seu próprio exército com soldados que viram verdadeiros capachos do poder ilegítimo. Tais soldados não pensam, não raciocinam, obedecem cegamente às selvagerias determinadas pelos ditadores. Ai de quem ousar contrariar as ordens desses senhores donos do direito de viver e de morrer de seus compatriotas. O povo é uma abstração. Só serve para atender às suas determinações e aos seus caprichos tresloucados. Estão sempre acima da Lei das nações organizadas e com certo grau de estabilidade institucional, já que atualmente não há governos e sistemas políticos rigorosamente democráticos.
A História dá Humanidade está cheia desses exemplos, com variadas cores, com diferentes níveis de autoritarismo, com formas novas de dominar povos com a mão de ferro. A lista é enorme: Stálin, Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Idi Amin, Mubarak, Saddam Hussein e, agora, Kadaffi. É fácil prever quem é , na linha de sucessão da queda, o seguinte.
Meditando sobre o passado, a gente constata as contradições do curso dos acontecimentos que fazem a História e aí vemos ditadores cumprimentando, em ocasiões solenes, líderes importantes considerados democráticos ou homens da paz. Todos sorridentes. Nem imaginavam eles que estavam diante de feras e de indivíduos sanguinolentos prontos a cometer desatinos e genocídios, prontos a matar indiscriminadamente dezenas e milhares de civis compatriotas, prontos a fazer acordos com países em detrimento de outros países. Não dá mesmo para entender o gênero humano. Tudo, no concerto das nações, tanto as do Ocidente quanto as do Oriente, não passa de conjunturais interesses econômicos, geopolíticos. Não existe pax universalis. Tudo não é mais do que uma “comédia de erros” seguida, contraditoriamente, de um tragédia. Comédias que ainda se repetem e tragédias que não parecem ter fim.
È bem verdade que um fato novo não pode ser negligenciado por quem observa o triste palco mundial: A Primavera dos Árabes não significa apenas um fato real mas - quem diria - se converte em lições na vida dos povos. Do mundo bárbaro ou civilizado. Há uma grande ideia ainda germinativa e de natureza convergente, independente de culturas e etnias, de idades ou nacionalidades. Esta grande ideia tende a uma unidade de pensamento de que há muito tempo, senão séculos, o ser humano necessita: a de dar voz ao que de essencial ele possui de consciência, de bom-senso, de solidariedade e de consenso no que respeita a uma convivência sadia – não diria ideal para que não me imputem com a pecha de utópico - que começa a dar seus primeiros sinais. Tal é o exemplo do movimento denominado “Ocupem Wall Street”, em Nova Iorque.
Pode quem quiser dizer que o comportamento desses jovens é pueril, passageiro e não redundará em nada. Não creio nesta versão própria dos espíritos globalizados que têm sua inteligência e sua formação cultural voltadas para o pragmatismo das visões norteadas pelo capitalismo, pela vida financeira , pela confiança na globalização neoliberal. O fetichismo capitalista, a “religião” do poder econômico pertence a traços do ser humano muito semelhantes a quase patologias sociais dos indivíduos fanáticos, de indivíduos que foram treinados intelectualmente para pensar a partir e seus interesses financeiros, seja como teóricos da economia pró-neoliberalismo seja como atores empenhados no jogos das Bolsas de Valores, nas projeções de ganhos de dividendos, dos títulos, de lucros cada vez maiores, sem limites, sem preocupações com valores morais nem humanitários e, o que é pior, em escala global.. O que os impele são a avidez a todo preço e a todo custo.Massacram as massas, os pobres pelas aperturas financeiras, pelos juros extorsivos, pela fraude, pela manipulação de taxas, de emolumentos etc. etc. Essa é uma “ditadura silenciosa, mas tão letal ao indivíduos quanto os massacres das baionetas e dos tanques.
Aquilo que os rebelados civis fizeram e têm feito no mundo árabe , no fundo, equivale às vozes dos que não estão mais aguentando o massacre, a ditadura econômica, a fraude financeira nacional e transnacional. Por outras palavras, o que a humanidade de bem deseja a todo custo é poder viver com dignidade, não ser espoliada pelas forças do mercado hostil. Os jovens indignados e íntegros que se espalham pelas cidades do mundo divulgando suas ideias de liberdade, de emprego, de melhoria de vida, de direito a ter um emprego e uma família, e de se rebelarem contra instituições bancárias e com a prepotência dos multimilionários dos países mais ricos do Planeta não se diferenciam das vozes indignadas dos rebeldes árabes.
O mundo, a esta altura, está cansado do engodo e falcatruas globais, de políticos de mãos sujas, de egoístas que se encontram em todas os setores da vida social. O que os árabes e os jovens ocidentais mais querem é poderem exercer, através de suas reivindicações pacíficas, lideranças sem necessariamente vínculos políticos, mas que redundem na transformação dos comportamentos da nações que, ricas, perdulárias, só se preocupam com os seus próprios mundos dos negócios e com o estímulo ao consumismo por eles, ricos, prestigiados. A massa da população ficou ilhada nos seus limites de liberdade relativa, de pensamento silenciado, de direitos postergados.
A verdadeira revolução mundial depende das mudanças da política, do combate à corrupção de toda espécie e de uma distribuição de riqueza feita sob a égide dos valores humanos e não financeiros. Se Estados totalitários não deram certo e se agora com a exacerbação do capitalismo o mundo não tem melhorado em valores absolutos, ou melhor, o capitalismo tem dado sinais de grandes descontentamentos e mesmo indignação entre o povos que por ele optaram, resta procurar um realinhamento de convivência política, com liberdade e bem-estar.
Enquanto houver milionários egoístas no mundo inteiro insensíveis à sorte dos outros, i.e., dos pobres, dos explorados, seja por governos, seja pela engrenagem realimentadora do funcionamento do capitalismo, como consumismo, individualismo, ausência de solidariedade, avidez dos que vivem de investimentos improdutivos que só visam aos lucros tentaculares, as vozes dos grupos heroicos de Wall Street e dos rebeldes da “Primavera Árabe hão de gritar até que os donos do poder econômico mundial mudem sua ética e sua falta de sensibilidade e, o que é mais grave, não enfrentem a fúria dos indignados, que têm seus limites ainda que tardios.
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