Cunha e Silva Filho
O belo estado do Rio de Janeiro, por irresponsabilidade de vários governos estaduais, nunca atacou de frente e de início o surgimento das favelas ou, para parecer politicamente correto, as comunidades. A Rocinha que agora está no centro das notícias dos últimos dias, teve sua origem já na década de 20 do século passado. Levas e levas de nordestinos, de mistura com as camadas de cor negra e de mulatos, iam, naquela espaço de morro com uma vista panorâmica para os bairros chics das Zona Sul e suas praias exuberantes, se arranchando e lá construindo a princípio frágeis moradias que, com o tempo, melhoravam a qualidade de material de construção e se transformavam, em alguns casos, em moradias decentes e até com certo conforto, embora dispostas num espaço composto de vielas e labirintos que, mais tarde, seriam obstáculos para a polícia localizar o paradeiro de um criminoso.
Olhando-se de longe, a Rocinha é um formigueiro de casinhas superpostas em vários sentidos, separadas apenas pelas mencionadas vielas e becos a perder de vista.Hoje, tem até valor turístico, ou melhor, passou a fazer parte de atração turística para gringos.
Em tempos passados, as favelas tiveram um período de um certo romantismo aproveitado por compositores que nelas se inspiravam para temas de suas letras cujo exemplo mais conhecido é a Mangueira onde viveu o talentoso Cartola. Essa fase de glamourização encontrou terreno fértil para de certa forma romantizar a figura do malandro, diria melhor, do bom malandro, outro personagem também associado a favelas, aos morros cariocas. Entretanto, aqueles eram tempos diferentes que, na realidade, se prestavam bem à inspiração musical, cinematográfica e ficcional.
Só uma vez, subi a uma favela, localizada no bairro de Copacabana. É que um amigo tinha lá sua moradia, um baiano inteligente, estudioso da música clássica, da história e da filosofia. Infelizmente, o Antônio, este era seu nome, morreu cedo demais. Era no tempo da ditadura brasileira, nos seus primeiros anos de dureza e intolerância.
Pois bem, leitor, a Rocinha está na ribalta. Está sendo pacificada com uma UPP. As reportagens televisivas mostram ao telespectador o que ela tem por dentro e, ao que vejo, a paisagem é urbana, com seus moradores transitando normalmente e, de vez em quando, passando por entre grupos de policiais armados.
O maior problema da favela em geral é a praga da criminalidade – fenômeno social desviante que tomou conta desses agrupamentos humanos normalmente de baixa renda. Sob o império do crime, através das práticas do tráfico de drogas, a população que nela habita sofre todas as contingências de um viver que deve ser aprendido a duras penas: ali ninguém vê, ouve ou sabe a respeito dos bandidos que controlam o morro ou o espaço horizontal de uma favela. As leis de convivência são estabelecidas pelas liderança de plantão. O crime da delação é de todos conhecido: a morte, implacável e certa e líquida. Impera a lei do silêncio sobre quem praticou tal crime capital. A entrada e a saída deste espaço de sociedade civil paralela é vigiada. A favela tem seus códigos de convivência e de comportamento para sua população.
Mas, a favela ao mesmo tempo é espaço de coexistência passageira de níveis sociais. Lá está o que o endinheirado amante da droga tem. Lá deixa a dinheirama computada em milhões por ano. Não é tampouco segredo que o crime do tráfico se dá em simbiose com a lei oficial desvirtuada. Lugar por excelência desta troca de interesse entre a ordem e a desordem, o tráfico campeia solto e fagueiro.
O Brasil, país de contrastes, monta sua estrutura de repressão aos tóxicos na base das brechas legais. Exibe a força e oculta o resíduo do males sociais. Em vez de problematizar os grandes malefícios sociais, prefere discutir as exterioridades, o sensacionalismo, a superfície. Não vai ao fundo, ao cerne da questão talvez porque haja mudanças de aparência, mas não da essência do problema.
As demonstrações de força, com a exibição de blindados, de homens da Marinha Brasileira, de tropas militares, da polícia civil, militar, federal, rodoviária, mais parecem que o país parte para uma conflagração mundial.
Ora, leitor, o busílis da história não é só prender o bandido-mor, esperando com isso debelar os focos do tráfico na Rocinha ou em outras favelas muito perigosas que enxameiam a cidade do Rio de Janeiro. O vírus do tráfico está espraiado pelos quatro cantos da cidade encafuado nos morros e favelas horizontais. Não quero negar que há ganhos para a população das favelas com a ocupação militar. Isso, porém, longe está de resolver cortar a raiz do mal porque este se instala no próprio seio da sociedade, seja da classe média, seja sobretudo da alta burguesia, de parcelas consideráveis desses níveis sociais cujos usuários compram, a peso de ouro, as malditas drogas. Nos níveis sociais baixos, a saída para a aquisição será, como recurso extremo, por outros tipos de criminalidade: assaltos, homicídios, sequestros etc. Ou seja, o mal está na nossa formação moral, de indivíduos engolfados nas drogas. Enquanto houver comprador, haverá vendedor nos morros e em outros pontos.
A par dos traficantes, aos quais não se deve dar trégua, tem-se que combater cumplicidade dos maus policiais, seja em que patente for. Outra forma de lutar contra essa cumplicidade, seria, selecionar bem os policiais, incorporando só aqueles que demonstrem vocação para a profissão e preparo intelectual e técnico. Seria valioso que tivessem , entre as disciplinas do curso, para todos as patentes, noções básicas de filosofia – ramo de estudos que muito os ajudariam a assimilar valores morais e éticos que deles farão pessoas com visões mais conscientes do seu papel e da sua atuação como cidadão do bem a serviço da coletividade. Um bom policial não se prepara só para usar da violência contra civis desarmados em manifestações muitas vezes pacíficas. A sociedade precisa ser defendida, não maltratada. Bons policiais só terão a lucrar quando a sociedade neles virem indivíduos íntegros e prontos a defender o cidadão brasileiro.
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