segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Destino dos ditadores versus vozes prudentes

Cunha e Silva Filho



Muamar Kadaffi foi mais um exemplo dos indivíduos que, governando pelo regime de força, se entronizam no pode através de golpes. E principalmente de golpe baixos sacrificando numerosas vítimas, derramando sangue por toda parte, não respeitando ninguém nem nada. Para eles a Lei são eles próprios, a nação é deles, de sua família e partidários mais próximos. Formam seu próprio exército com soldados que viram verdadeiros capachos do poder ilegítimo. Tais soldados não pensam, não raciocinam, obedecem cegamente às selvagerias determinadas pelos ditadores. Ai de quem ousar contrariar as ordens desses senhores donos do direito de viver e de morrer de seus compatriotas. O povo é uma abstração. Só serve para atender às suas determinações e aos seus caprichos tresloucados. Estão sempre acima da Lei das nações organizadas e com certo grau de estabilidade institucional, já que atualmente não há governos e sistemas políticos rigorosamente democráticos.
A História dá Humanidade está cheia desses exemplos, com variadas cores, com diferentes níveis de autoritarismo, com formas novas de dominar povos com a mão de ferro. A lista é enorme: Stálin, Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Idi Amin, Mubarak, Saddam Hussein e, agora, Kadaffi. É fácil prever quem é , na linha de sucessão da queda, o seguinte.
Meditando sobre o passado, a gente constata as contradições do curso dos acontecimentos que fazem a História e aí vemos ditadores cumprimentando, em ocasiões solenes, líderes importantes considerados democráticos ou homens da paz. Todos sorridentes. Nem imaginavam eles que estavam diante de feras e de indivíduos sanguinolentos prontos a cometer desatinos e genocídios, prontos a matar indiscriminadamente dezenas e milhares de civis compatriotas, prontos a fazer acordos com países em detrimento de outros países. Não dá mesmo para entender o gênero humano. Tudo, no concerto das nações, tanto as do Ocidente quanto as do Oriente, não passa de conjunturais interesses econômicos, geopolíticos. Não existe pax universalis. Tudo não é mais do que uma “comédia de erros” seguida, contraditoriamente, de um tragédia. Comédias que ainda se repetem e tragédias que não parecem ter fim.
È bem verdade que um fato novo não pode ser negligenciado por quem observa o triste palco mundial: A Primavera dos Árabes não significa apenas um fato real mas - quem diria - se converte em lições na vida dos povos. Do mundo bárbaro ou civilizado. Há uma grande ideia ainda germinativa e de natureza convergente, independente de culturas e etnias, de idades ou nacionalidades. Esta grande ideia tende a uma unidade de pensamento de que há muito tempo, senão séculos, o ser humano necessita: a de dar voz ao que de essencial ele possui de consciência, de bom-senso, de solidariedade e de consenso no que respeita a uma convivência sadia – não diria ideal para que não me imputem com a pecha de utópico - que começa a dar seus primeiros sinais. Tal é o exemplo do movimento denominado “Ocupem Wall Street”, em Nova Iorque.
Pode quem quiser dizer que o comportamento desses jovens é pueril, passageiro e não redundará em nada. Não creio nesta versão própria dos espíritos globalizados que têm sua inteligência e sua formação cultural voltadas para o pragmatismo das visões norteadas pelo capitalismo, pela vida financeira , pela confiança na globalização neoliberal. O fetichismo capitalista, a “religião” do poder econômico pertence a traços do ser humano muito semelhantes a quase patologias sociais dos indivíduos fanáticos, de indivíduos que foram treinados intelectualmente para pensar a partir e seus interesses financeiros, seja como teóricos da economia pró-neoliberalismo seja como atores empenhados no jogos das Bolsas de Valores, nas projeções de ganhos de dividendos, dos títulos, de lucros cada vez maiores, sem limites, sem preocupações com valores morais nem humanitários e, o que é pior, em escala global.. O que os impele são a avidez a todo preço e a todo custo.Massacram as massas, os pobres pelas aperturas financeiras, pelos juros extorsivos, pela fraude, pela manipulação de taxas, de emolumentos etc. etc. Essa é uma “ditadura silenciosa, mas tão letal ao indivíduos quanto os massacres das baionetas e dos tanques.
Aquilo que os rebelados civis fizeram e têm feito no mundo árabe , no fundo, equivale às vozes dos que não estão mais aguentando o massacre, a ditadura econômica, a fraude financeira nacional e transnacional. Por outras palavras, o que a humanidade de bem deseja a todo custo é poder viver com dignidade, não ser espoliada pelas forças do mercado hostil. Os jovens indignados e íntegros que se espalham pelas cidades do mundo divulgando suas ideias de liberdade, de emprego, de melhoria de vida, de direito a ter um emprego e uma família, e de se rebelarem contra instituições bancárias e com a prepotência dos multimilionários dos países mais ricos do Planeta não se diferenciam das vozes indignadas dos rebeldes árabes.
O mundo, a esta altura, está cansado do engodo e falcatruas globais, de políticos de mãos sujas, de egoístas que se encontram em todas os setores da vida social. O que os árabes e os jovens ocidentais mais querem é poderem exercer, através de suas reivindicações pacíficas, lideranças sem necessariamente vínculos políticos, mas que redundem na transformação dos comportamentos da nações que, ricas, perdulárias, só se preocupam com os seus próprios mundos dos negócios e com o estímulo ao consumismo por eles, ricos, prestigiados. A massa da população ficou ilhada nos seus limites de liberdade relativa, de pensamento silenciado, de direitos postergados.
A verdadeira revolução mundial depende das mudanças da política, do combate à corrupção de toda espécie e de uma distribuição de riqueza feita sob a égide dos valores humanos e não financeiros. Se Estados totalitários não deram certo e se agora com a exacerbação do capitalismo o mundo não tem melhorado em valores absolutos, ou melhor, o capitalismo tem dado sinais de grandes descontentamentos e mesmo indignação entre o povos que por ele optaram, resta procurar um realinhamento de convivência política, com liberdade e bem-estar.
Enquanto houver milionários egoístas no mundo inteiro insensíveis à sorte dos outros, i.e., dos pobres, dos explorados, seja por governos, seja pela engrenagem realimentadora do funcionamento do capitalismo, como consumismo, individualismo, ausência de solidariedade, avidez dos que vivem de investimentos improdutivos que só visam aos lucros tentaculares, as vozes dos grupos heroicos de Wall Street e dos rebeldes da “Primavera Árabe hão de gritar até que os donos do poder econômico mundial mudem sua ética e sua falta de sensibilidade e, o que é mais grave, não enfrentem a fúria dos indignados, que têm seus limites ainda que tardios.

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