quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Gaddafi: depois de morto

Cunha e Silva Filho


Mais uma etapa vitoriosa se cumpriu no tocante aos movimentos rebeldes conhecidos como “A Primavera Árabe”. Muammar Gaddafi está morto. Foi trucidado, levou tiros, pancadas, foi surrado como um bandido qualquer desses tão conhecidos na América do Sul e num país chamado Brasil.
O ditador sanguinário, que manteve relações com alguns países ocidentais e do próprio Oriente, procurou seu destino, cavou sua própria cova. Eis o destino reservado a quem tiraniza um povo. Não há quem contenha um povo indignado ao extremo.
De alguma forma, as imagens horripilantes, meio manchadas pela tela das TVs., inconscientemente me fazem recordar a matança do Czar russo Nicolau II e da família imperial na Revolução Russa de 1917, com a implantação do regime bolchevique e, em seguida, com a formação da Rússia Soviética.
Não se pense que esteja defendendo a ditadura líbia ou reprovando a queda de Gaddafi. O que me interessa aqui comentar é a forma da atrocidade, em situações de guerra civil, a falta de uma linha correta de tratar governantes, ainda que estes sejam mentores de matanças de compatriotas. O que não pode haver são excessos de barbárie que, ipso facto, se tornam tão hediondos quanto o que cometeram os tiranos. Destituir tiranos através de procedimentos legais, posto que mediados por órgãos internacionais de defesa da paz mundial, é uma coisa; cometer matança pura e simples, sob forte sentimento do ódio e da indignação, justo que seja, não faz sentido se visto pela ilegalidade e ausência de julgamento em Tribunal Internacional competente.
Os EUA fizeram o que bem entenderam na invasão do Iraque, aniquilando militares e populações até de civis, num bombardeio que mais fazia pensar na chegada do Armaggedon, usando todo o seu poderoso arsenal militar de extermínio e, naquela época, o Iraque não foi socorrido pelos instituições mais importantes para deliberar sobre a segurança e resguardo da soberania dos países, como a ONU, a OTAN. Bush filho não foi julgado por nenhum fórum internacional. Ao arrepio da Lei , sem consultar ninguém, alvitrou o que lhe fosse conveniente para liquidar com Saddam Hussein sem necessidade imperiosa alguma. Mesmo sob a alegação de estar invadindo o Iraque porque este país continha armamento nuclear – o que se provou que não tinha - ainda assim cometeu atrocidades ilimitadas contra não só a população indefesa, como contra o patrimônio histórico do país. E mais: deslocou um gigantesco contingente de soldados para “manter e consolidar “ a fase de transição para uma novo governo tutelado pelo governo americano. Os EUA causaram perdas incalculáveis de soldados americanos na invasão do Iraque. Economicamente, levou o país a fazer gastos astronômicos nas ações bélicas e na manutenção das tropas militares, provocando prejuízos financeiros ao povo americano cujas consequências ajudaram a conduzir o país à gravíssima situação de endividamento atual. Milhões e milhões de dólares foram inutilmente perdidos numa guerra desnecessária, injusta e tresloucada. Bush filho passou ileso e entregou a batata quente para Barack Obama.
Só esperamos que, com a queda de Gaddafi, as potências que, através da OTAN, combateram as forças militares do ditador, com bombardeios e com ajuda em material bélico, não se transformem em outros exemplos de países paternalistas que, no fundo, estejam vislumbrando alguma gorda recompensa econômica via petróleo. Esta hístória já aconteceu em outras épocas e, portanto, cumpre que as nações democráticas e soberanas estejam atentas aos desdobramentos no país de Gaddafi. A era do colonialismo ou do neo-colonialismo deve ser encarada como uma página virada e não como um ato em potência.
A “Primavera Árabe” não pode nos decepcionar, como sugeriu um prognóstico sombrio de um jornalista e escritor brasileiro. Ou seja, organizado em suas primeiros passos um governo de transição, é de se esperar que seus líderes mais em evidência não permitam que o país sofra um retrocesso caindo nas mãos de um novo déspota tanto ou mais sanguinário do que Gaddafi. Desse risco, não estamos livres se levarmos em conta o prognóstico do jornalista.
Neste aspecto, cumpriria à ONU principalmente precaver-se contra os inimigos da liberdade e da democracia. No entanto, na organização de um Estado democrático, há que haver retidão e senso de alta responsabilidade dos organismos internacionais. Ensinar os princípios fundamentais da democracia para povos que viveram longos anos sob regimes autoritários demanda paciência, equilíbrio e grande renúncia por parte dos órgãos internacionais.
O objetivo supremo será dar suporte às nações mais fracas e de culturas bem diferentes das do Ocidente. No conjunto de problemas a serem enfrentados não se poderão deixar de lado as questões religiosas, étnicas, de tribos, de grupos que representam alteridades, costumes e hábitos de vida social diversos dos países ocidentais. A globalização que aí está talvez seja um meio de se poder equacionar estratégias que sirvam de orientação, de aprendizagem e de buscas de caminhos ou vias de adaptação aos estilos de vida ocidental. A palavra-chave, neste caso, seria adaptar sem perder as raízes, a identidade nacional, entendida, porém, esta sem xenofobias nem discriminações nem recorrer a recursos de ultrapassadas teorias deterministas.
O mal das civilizações reside nos extremismos e no espírito do fanatismo míope e perigoso. O homem não nasceu sabendo, mas surgiu na Terra para dotar-se de conhecimento, de saber reconhecer diferenças sem cair no sentimento de hostilidade em relação ao diferente. Podemos ser diferentes em muitos aspectos sem com isso perdermos a racionalidade, a capacidade de discernimento e de consciência plural da vida e dos homens. Até os animais irracionais aprendem desde que sejam ensinados e treinados adequadamente.
Com estas e outras sugestões visando ao bem-estar do indivíduo considerado na sua universalidade de ações e de comportamentos, acredito que aos poucos os ditadores desapareçam em definitivo do convívio humano.

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