segunda-feira, 14 de junho de 2010

Diálogo sobre os eleitos

Cunha e Silva Filho


Adiante, o leitor encontra uma possível (entendendo este termo no sentido literário de arte da imaginação) conversa entre dois personagens cujo interesse cultural mais preponderante é o vasto campo da literatura sem limites de fronteiras:

Personagem 1: - Você já reparou, amigo, quantos escritores no mundo podemos eleger como os melhores, os sempre lembrados, os que são a ratio prima de grupos de fãs que se formam mundialmente para render-lhes homenagens, ou para, em torno de sua obra, realizar comemorações, seminários, noites de homenagens, com palestras, recitais, músicas, e divertidos bate-papos que se prolongam madrugada adentro regadas a bebida e a vinhos especiais. Costumo chamar a esses happy few da burguesia mundial como os Pelés da vida, eternamente incensados em detrimento de tantos outros grandes autores, talvez melhores mesmo do que eles. Vá-se entender essa vida, amigo, e você fica num mato sem cachorro para justificar seus descaminhos e excentricidades, digo, da vida e dos humanos.

Personagem 2: Você não está é com inveja de não serem estes escolhidos os que você gostaria de que formassem outros tantos grupos de escolhidos e privilegiados? Não é pura inveja e despeito?

Personagem 1: Não, porque vejo tudo isso como injustiça aos demais representantes das letras mundiais (e nacionais também, por que não?). E esse tipo de comportamento dos homens e mulheres não se aplica só aos escritores mas a outros segmentos da vida, nos esportes, na música, na dança, nas artes plásticas, no cinema, no teatro, enfim, em todas as manifestações culturais. Fulano é o melhor, os outros não, são apenas medianos que jamais atingirão um nível mais alto, serão apenas “mais um”.
Personagem 2; Para mim, não passa de inveja sua, de puro ressentimento tanto por não pertencer a esses grupos quanto por não constituir o objeto de fetiche desses grupos, não é?

Personagem 1: Você está redondamente equivocado com as minhas intenções genuínas. Nada disso, o que reprovo nem mesmo chega a ser tais grupos ou clubes de fãs de artistas e escritores famosos. O que condeno, ou melhor, o que não acho certo é o reduzido número dos que, pelo destino ou pelas mãos de não sei quem, são bafejados pela, chamemos, sorte, por serem sempre os lembrados, os que merecem os tributos perenes da aclamação e voto da humanidade. É isso, amigo, que me toma de certa quase indignação. Abomino a injustiça, seja de que forma ela se manifeste.

Personagem 2: Então, você é contra as homenagens, por exemplo, de fãs de James Joyce, de Eça de Queirós, de Dostoiévski, de Cervantes, de Thomas Mann, de Skakespeare, de Fernando Pessoa, de Carlos Drummond de Andrade, de Clarice Lispector, de Euclides da Cunha, de João Cabral, de Jorge Amado, de Machado de Assis, entre outros? Há também os regionais, mas não vou citá-los, para não dar o gosto ao leitor.

Personagem 1: Não exatamente assim. O que, porém, não é certo é que são muito poucos os sempre eleitos. Por que não haveria de ser maior o número das homenagens em forma de fãs-clubes? Assim, deixaria de haver estrelatos, panelinhas, grupinhos, igrejinhas, feudozinhos, enturmados e sinônimos.

Personagem 2: E como você gostaria de que fosse mesmo isso?

Personagem 1: Essa é a condição da vida em sociedade. Você bem sabe que esse tipo de comportamento se estende a outros setores da vida cultural, da burocracia, da política etc. Se estende igualmente e em doses cavalares aos jornais, às revistas, loteamentos da mídia complacente e cúmplice. Sempre haverá os que ficam à margem, os que são vítimas de preconceitos, os que não pertencem às tribos, em geral não oriundos da sociedade do bom tom, dos borbulhantes, dos desenraizados, dos desasilados, dos globe trotters da cultura, dos bem-nascidos à sombra dos cruzamentos culturais brasílico-europeizantes ou brasílico-norte-americanos ou de outras plagas brasílico-estrangeiras, desde que sejam plagas que confiram status de superioridade, muito ao gosto de um certo pensamento mediano-tupiniquim que vê nos “adiantados” de fora uma chancela segura para o sucesso, vampirizantes figuras alçadas aos píncaros dos saberes e do talento pelo merchandising e compadrio nos backdrops da vida.

Personagem 2; Meu caro amigo, você realmente não passa de um enjeitado armado do complexo de inferioridade dos que mandam, podem e ditam o que se deve aplaudir, totemizar ou refugar. Vá plantar batatas, que estou farto de tanta chroradeira de quem não conseguiu o que queria. Isso é inveja ao quadrado. Fim de papo e até breve, companheiro infortunado.

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