Cunha e Silva Filho
Adiante, o leitor  encontra uma possível (entendendo este termo no sentido literário de  arte da imaginação) conversa entre dois personagens cujo interesse cultural mais    preponderante  é o vasto campo da literatura sem  limites de fronteiras:
 
Personagem 1: - Você já reparou, amigo,  quantos escritores  no mundo  podemos  eleger como  os melhores, os sempre lembrados, os que são a ratio  prima  de grupos  de fãs que se  formam mundialmente para  render-lhes homenagens, ou para, em torno de sua obra,  realizar comemorações, seminários,  noites  de homenagens,  com palestras,  recitais, músicas, e divertidos  bate-papos que se prolongam  madrugada adentro regadas a bebida e a vinhos  especiais. Costumo chamar a esses  happy few da burguesia mundial como os Pelés da vida, eternamente  incensados em detrimento de tantos outros  grandes autores, talvez melhores mesmo do que  eles. Vá-se entender essa vida, amigo, e você fica num mato sem cachorro para justificar seus descaminhos  e excentricidades, digo,  da vida e dos  humanos.
Personagem  2: Você não está  é com inveja de não serem estes escolhidos os que você gostaria de que formassem  outros  tantos   grupos de escolhidos e privilegiados? Não é pura inveja e despeito?
Personagem 1: Não, porque  vejo tudo isso como  injustiça aos demais representantes  das letras mundiais (e nacionais também, por que não?). E esse tipo  de comportamento  dos homens e  mulheres não  se aplica só aos escritores  mas a  outros segmentos da vida, nos esportes,  na música,  na dança, nas artes  plásticas, no cinema, no teatro,  enfim, em  todas as manifestações culturais. Fulano  é o melhor, os outros não, são apenas medianos que jamais  atingirão  um  nível  mais alto, serão apenas “mais um”.
Personagem  2; Para mim,  não passa de inveja sua, de puro ressentimento tanto por não  pertencer a esses grupos  quanto por não  constituir o objeto de fetiche  desses grupos, não é?
Personagem 1: Você está redondamente equivocado com as minhas intenções genuínas. Nada disso,  o que reprovo  nem mesmo chega  a ser  tais grupos ou clubes de fãs de  artistas e  escritores  famosos. O que condeno, ou melhor, o que não  acho certo  é  o reduzido  número dos que, pelo destino ou pelas mãos de não sei quem,  são  bafejados pela, chamemos, sorte,   por   serem  sempre  os  lembrados,  os que merecem  os tributos  perenes  da aclamação  e  voto da humanidade.  É isso, amigo,  que me toma de  certa quase indignação. Abomino a injustiça,  seja de que forma  ela  se manifeste.
Personagem  2: Então, você é contra as homenagens, por exemplo,  de fãs de James Joyce,  de Eça de Queirós,  de Dostoiévski, de Cervantes,  de Thomas Mann, de Skakespeare,  de Fernando Pessoa,  de Carlos Drummond de Andrade, de Clarice  Lispector,  de Euclides da Cunha, de João Cabral,  de Jorge Amado,   de Machado de Assis, entre  outros? Há também os regionais, mas não  vou citá-los, para não dar  o gosto ao leitor.
Personagem 1: Não exatamente  assim. O que, porém,  não é certo  é que são muito poucos os sempre eleitos. Por que não haveria  de ser maior o número das homenagens em forma de fãs-clubes? Assim,  deixaria de haver  estrelatos, panelinhas,  grupinhos, igrejinhas, feudozinhos, enturmados  e sinônimos.
Personagem 2: E como  você gostaria de que  fosse mesmo isso?
Personagem 1: Essa é a condição  da vida em sociedade. Você bem sabe que esse tipo   de comportamento se estende a outros setores da vida cultural, da burocracia,  da política etc. Se estende igualmente e em doses cavalares  aos jornais,  às revistas,  loteamentos  da mídia complacente  e cúmplice. Sempre haverá os que ficam  à margem, os que são vítimas  de  preconceitos,  os que não  pertencem às tribos, em geral não  oriundos  da sociedade  do bom tom,  dos borbulhantes,  dos  desenraizados, dos  desasilados,  dos globe trotters da cultura, dos bem-nascidos à sombra  dos  cruzamentos  culturais  brasílico-europeizantes ou  brasílico-norte-americanos ou de outras plagas brasílico-estrangeiras, desde que sejam plagas que confiram status de superioridade, muito ao gosto de um certo pensamento mediano-tupiniquim que vê nos “adiantados” de fora uma chancela segura para o sucesso, vampirizantes  figuras   alçadas aos píncaros   dos saberes e  do talento pelo merchandising e  compadrio  nos backdrops da vida.
Personagem 2; Meu caro amigo,  você realmente não passa de um  enjeitado  armado do complexo  de  inferioridade dos que mandam,  podem e ditam o que se deve  aplaudir,  totemizar ou  refugar. Vá plantar batatas, que  estou farto de tanta chroradeira de quem   não  conseguiu o que queria. Isso é  inveja ao  quadrado. Fim de  papo e até breve, companheiro infortunado.
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