Cunha e Silva Filho
Num ensaio  recentemente  publicado pelo caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo, o documentarista João Moreira Salles, a convite  da Academia Brasileira de Ciências,  aborda o relacionamento  entre os que fazem ciências e os que produzem  trabalhos  referentes à cultura humanística.  O conferencista, embora  pertencente ao grupo  dos que  militam  na  área das humanidades, deplora, no entanto,  o descompasso  comunicativo entre os dois grupos  mencionados. Sem tomar  partido claro  de um dos dois lados,  embora o tom do ensaio possa ser entendido como uma crítica ao  excesso dos que professam   a atividade  humanística ,  Moreira Salles  lamenta que no país a porcentagem dos que  abraçam a carreira  das ciências  stricto sensu é numericamente bem menor do que os que optam  pelos estudos  das humanidades. Esta é a parte nuclear de sua conferência. Ele vê nesse desnível  uma lacuna  que  deveria  ser contornada  caso se desse maior  ênfase, sobretudo no campo   de orientação  educacional  dos jovens brasileiros em direção aos estudos  das ciências. 
As estatísticas aí estão revelando o reduzido número  de  jovens que ingressam nos curso  das áreas científico-,tecnológicas  a ponto de  nossas  universidades  apresentarem  altos  déficits de graduados em matemática,   engenharia,  física e outras  áreas do saber científico. O olhar  do  conferencista é  francamente  de reprovação  e crítica  a esta  realidade  da educação brasileira.
Tocando, porém, no quesito  do relacionamento  entre cientistas e intelectuais  das humanidades,  o que mostra o autor não é nada  animador  Nenhum dos dois campos   parece  desejar  saber do que está  acontecendo nos seus  respectivos  campos de ação produtiva ou de desenvolvimento em pesquisas. 
Eu me lembro de uma vez  alguém  da área científica  demonstrar  pouco caso  de quem  se encaminha aos estudos  de humanidades e, da parte de alguns que estão do lado destas, há até um certo latente  complexo de inferioridade  quando  declaram, em forma de  desabafo,  que,  na realidade, quem  atua  no terreno  científico-tecnológico  se  julga  mesmo  superior  aos, por exemplo,  da área de letras. Quer dizer, um Ph.D. em letras teria menos peso do que um Ph.D. em física, o que é uma insensatez.
O certo é que não vejo  como  um cavalo de batalha  tanta preocupação entre os diversos setores  da atividade humana. É bem verdade que as autoridades educacionais do país devem ter em mira ensejar  todas  as condições  de  orientação  junto aos jovens e mesmo  de  incentivar a importância dos  estudos  das ciências como  determinantes  do  desenvolvimento  e progresso  de uma nação.  Todavia, não há  como  pressionar ou forçar vocações unilateralmente. Aos dezoito  anos, um jovem  entra para a universidade supondo ter  feito uma  escolha  certa para  desenvolver seus  estudos. Como há também aqueles jovens  que desistem,  no segundo ano de um curso, para   ingressarem em outra área, do mesmo modo  como ainda  existem aqueles  jovens  de inteligência  múltipla que se sentem  à vontade  em vários   campos  do saber. 
Conforme salientei atrás,  não é correto   forçar vocações e todos  sabemos, a partir de nossos próprios  professores, que nem  todo mundo  sente alguma   atração por  determinadas disciplinas ou áreas de estudos. O assunto é tão  complexo que, mesmo entre as áreas  humanas ou científicas, há  subáreas   para as quais  os  jovens  têm maior  afinidades e é nisso que  reside, a meu ver,  o ponto crucial  da questão  da vocação.
Talvez tenha sido  o próprio  avanço  das ciências exatas que tenha  levado as  humanidades  a se armarem  de estratégias  semelhantes às do campo  das ciências a fim de não perderem  o  status  nos estudos   e pesquisas,  a ponto de  se falar hoje, por exemplo,  em ciência da literatura,  ciência disso  ou daquilo.
Quanto à questão  de  estreitar os laços entre  cientistas e humanistas, vejo que só com uma  melhoria  de nosso  precário   sistema de educação  fundamental  e média pois nessas duas fases  de estudos  é que devemos ter o máximo cuidado de  proporcionar aos estudantes  brasileiros um ensino  moderno, atuante e dando, aí sim,  aos alunos  a necessária  visão  da importância  dos  estudos  das ciências, como a matemática,  a física, a biologia, a  química, mostrando-lhes que tudo que lhes é  ensinado nessas fases  vai ter uma importância  enorme  para  a sua vida   futura  e mesmo para os estudos universitários seja de que área for.Estas duas fases são mesmo decisivas e mesmo  vitais  ao progresso futuro dos  alunos.
Não há dúvida   de que há premência de  aproximar estudiosos do campo  das ciências e, do lado das humanidades,   as artes, letras e demais  áreas afins.  Não há por que um se considerar inferior ao outro. Ambos os  campos   se interpenetram , sobretudo  porque entre um  e outro  existe  o veículo maior  das possibilidades  do avanço   em todas  as áreas: a linguagem humana, que deve  ser bem  cuidada, estudadae  preservada  e valorizada. A linguística, se não  é  ciência exata,  é uma ciência que  trabalha com   estratégias  científicas no mais elevado sentido do termo. Ela permeia todos os  campos do saber humano.
Quanto ao fato de não se saber  quem são os grandes cientistas  do país e do mundo, isso não é culpa  das humanidades, mas  da formação cultural  do indivíduo. Ou seja,  por que as pessoas  valorizam  tanto  alguns setores da  vida, como  esportes,  ou mesmo no mundo   artístico e não   se sabe quem   inventou  a penicilina?  Não é só a Academia de Ciências  que é desconhecida do  grande público. A Academia Brasileira de Filologia, que é uma entidade  congregando grandes  pesquisadores e estudiosos  da língua e  da filologia, é também  pouco conhecida e assim outras entidades  de alta relevância. A medida da valorização  da mídia não é a mesma que a das ciências.  Ainda bem.A mídia é impulsionada por outros componentes,  ligados mais  ao lucro,  às modas,  ao espetáculo,  aos mecanismos  subliminares,   ao marketing, ao hedonismo e aos prazeres  efêmeros. Seu alvo principal  são as massas em todos seus níveis  econômicos e de formação  ou ausência de formação  cultural. Cientistas e humanistas, o que têm a fazer é se darem as mãos, interpenetrarem-se, eliminarem  as torres de marfim e  se  deixarem permear pelas vias da multidisciplinaridade e da transversalidade do saber - bem comum  a serviço da  Humanidade.
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