Cunha e Silva Filho
O jovem tinha apenas dezoito anos. Estava a caminho da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Naquela época, a entrada era bem mais amistosa, sem tanta burocracia e cuidados com segurança, que hoje em dia inibem e constrangem o visitante, o pesquisador ou usuário A desconfiança e a violência ainda não haviam surgido com tanta intensidade na vida carioca e no país inteiro.
Logo ao chegar ao velho, belo e imponente prédio, situado no centro da cidade, de frente para a Cinelândia, deixava sua mochila com o atendente de portaria, no balcão que ficava à direita de quem entra para o saguão da entrada. O atendente, solícito, a recebeu, guardando-a numa das divisões de madeira numeradas e entregava ao jovem uma ficha redonda de papel duro com o número nela inscrito correspondente à divisão onde colocara o pertence do visitante que, aliás já conhecia de tanto o ver na famosa Biblioteca, point certo de numerosos estudantes recém-vindos do interior do país.
Algum tempo mais tarde, o atendente se lhe tornaria aluno de aulas particulares de inglês ministradas na própria residência do funcionário da Biblioteca, no bairro de Irajá, subúrbio do Rio.O bom era que, além de receber pelas aulas de inglês, o aluno ainda lhe oferecia um gostoso lanche nos dois dias de aula por semana.
Com a ficha o jovem entrava na arejada e espaçosa sala principal de leitura, na qual mais de uma dezena de mesas com cadeira se encontrava disposta em fileiras, sem, no entanto, ocupar toda a sala, deixando um espaço em que se destacavam as muitas estantes dos fichários das obras. Não havia ainda computadores para localizarem autores e obras do rico acervo.
O leitor dirigiu-se logo a uma mesa central posta sobre um estrado, de frente para as mesas de leitura. Lá um dos dois ou três funcionários lhe entregou um pequeno formulário de pedido de livro que seria preenchido com o nome do usuário, o endereço, telefone (se houvesse), o título do livro ou livros escolhidos, o número da mesa e os dados técnicos de catalogação e posição da obra nas numerosas estantes que ficavam em andares superiores da biblioteca. Os livros pedidos desciam por uma espécie de pequeno elevado,r que ficava perto da mesa dos funcionários. O sobe-e-desce dos pedidos não cessava durante o horário normal da Biblioteca.
Preenchido o formulário, o usuário o entregava a um dos funcionários e ia para sua mesa aguardar a entrega do livro.
Naquela manhã, o jovem tinha escolhido um volume que ele encontrara numa das gavetinhas de fichas dos catálogos indicadas por ordem alfabética. Naquele tempo, era o próprio leitor que fazia esse trabalho de pesquisa e rastreamento que, às vezes, demorava mais de uma hora. E o fazia em pé com paciência de Jó. Por vezes, ia até à mesa dos funcionários pedir alguma ajuda. Era um volume que lhe chamou a atenção: um livro didático para o ensino do inglês do professor Kurt Adler. Esse autor - soubera depois -, era austríaco e emigrara para o Brasil há muitos anos, logo estabelecendo-se no Rio. Dirigia o seu curso de inglês, chamado “Westminster English Course”, que se localizava na Rua Erasmo Braga, no Castelo, centro do Rio.
O jovem gostou tanto do livro, uma série em cinco volumes, que, vendo o endereço do curso indicado na contracapa, anotou-o para, outro dia, procurá-lo. Estava disposto a fazer o curso completo, cuja abordagem se chamava então semi-dirct method, isto é, utilizava, no ensino da língua estrangeira, uma mistura de explicações em inglês e em português, assim como exercícios de versão e outras estratégias criadas pelo autor .Tempos depois, utilizou-se de filmes didáticos, em desenhos animados. Contudo, a estrutura básica dos livros didáticos não sofreu nenhuma alteração. Era um eficiente curso para o tempo.
No dia seguinte, o jovem fora ao endereço do curso. Tomou o elevador que o deixou no andar indicado no painel do saguão do edifício. Na secretaria do curso, foi atendido por um professor, um moço educado usando óculos, mais parecendo um inglês, que lhe perguntou:
“Então, deseja falar com o prof. Adler?” “Sim. Gostaria de estudar inglês neste curso.” “O prof. Adler, infelizmente, não está hoje. Amanhã, com certeza, pode encontrá-lo.”
“Virei, então, amanhã.” “Espere, você quer adiantar a sua entrevista com ele?” “Sim quero.” “Pois lhe vou aplicar dois testes, um escrito e outro oral. Em que nível de prova gostaria de fazer?” Há cinco níveis”. “O quinto, professor.”
O professor lhe pediu que aguardasse um pouco, visto que iria buscar o modelo de teste escrito de nivelamento. Faria com ele também o teste oral, que seria um bate-papo informal na língua estrangeira. Este teste oral era muito importante já que a tônica da aprendizagem ali era a conversação. Daí serem os volumes intitulados Manual de inglês – conversação do Prof. Kurt Adler.
O professor, com quem o jovem fizera os testes, lhe falara um pouco do diretor, lhe contara que este tinha morado muitos anos na Inglaterra. No Brasil, além de ter seu curso e ter-se tornado autor didático, dera aulas de conversação inglesa na PUC-Rio.
O jovem terminou os testes. O professor-examinador lhe dera nota máxima. Acertara todas as questões escritas. No teste oral, também se saíra muito bem. Nunca o jovem se sentira tão orgulhoso. Entretanto, havia um problema. Não podia custear o curso.
“Você tem direito a estudar neste curso. You’re entitled to ask for a scholarship. You deserve it”, concluía o simpático professor parecido com um inglês. “Olhe, meu jovem, isso só o diretor pode resolver e não perca a esperança, já vi casos aqui em que o estudante, sem condições de pagar, conseguiu gratuidade.Não custa você conversar com o prof. Adler.”
O professor Kurt Adler, um senhor de meia idade, sisudo, de boa altura e voz firme, mas de semblante frio, recebeu o jovem por detrás do balcão da secretaria. Dirigiu-se-lhe em inglês. Perguntou-lhe pelo nome. Foi apanhar numa gaveta uns papéis (viu o jovem que se tratava de sua prova escrita). Olhou-os cuidadosamente e, depois de alguns minutos, lhe dissera que o teste escrito estava muito bom. “Infelizmente, este ano não estou concedendo bolsas a alunos. Passe aqui no ano que vem.”
O jovem agradeceu-lhe a atenção, despediu-se, desceu o elevador sozinho (da mesma forma que nele subira também sozinho), e sumiu, desolado, na multidão.
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