sexta-feira, 4 de junho de 2010

LOUCOS À SOLTA

Loucos à solta


Cunha e Silva Filho

É cada vez mais frequente um tipo de criminoso que atua especialmente nas grandes cidades do mundo, o de psicopatas que, sem razão aparente, saem às ruas armados, seja de arma de fogo, seja de arma branca, e, sem nenhum motivo, começam a atirar em pessoas que estejam à sua frente., ou a enfiar faca em quem encontre ao seu alcance. O espaço pode ser, por exemplo, um supermercado, uma escola, ou mesmo a rua.
Saem matando a esmo inocentes que nem mesmo têm tempo de refletir sobre o que sofreram. Matam, em geral, várias pessoas sem dó nem piedade como se estivessem se divertindo com esses estranhos e abomináveis jogos eletrônicos cujo objetivo é matar o máximo possível de gente no seu espaço virtual. O desfecho da atrocidade tem sido o mesmo: os matadores, depois de saciados os seus atos diabólicos, cometem suicídio. Ou seja, esses psicopatas têm como certa a sua impunidade diante da justiça já que não há ser vivo a julgar. Tragédia dos tempos de hoje!
Tenho por mim que esses psicopatas praticam tais selvagerias por várias razões que, no seu cérebro insano, lhes parecem justificadas. Seria uma forma de se vingar de algum trauma, decepção, humilhação, insatisfação diante de uma sociedade moderna regida por interditos incalculáveis, por condições de vida altamente burocratizada, pelo autoritarismo da máquina do Estado, pela superpopulação restringindo o espaço físico do indivíduo, por uma vida moderna muitas vezes sem perspectivas , sem sentido e insolidária, na qual o individualismo e a competição exacerbados atropelam todos e tudo numa corrida louca para lugar algum, numa pressa descabida, numa pressão sem limites para ações imediatistas sob a égide do estresse e da iminência do colapso nervoso. Os ingleses têm uma expressão - rat race - que resume todo esse desconforto do sujeito urbano
A civilização contemporânea é o maior exemplo da incivilidade e da ausência dos laços de ternura.. A sociabilidade há muito está se esgarçando, se diluindo, separando as relações interpessoais, onde todos em geral se afastam de todos, evitam intimidades, cumprimentos, ou aproximações que não estão situadas no espaço restrito do conhecimento interpessoal. O indivíduo é apenas um ponto obscuro na anomia dos seres que caminham nas solitárias multidões das urbes e megalópoles.
O mundo de hoje, para citar uma afirmação do grande cineasta português, Manuel de Oliveira, agora com cento e dois anos, é o da “queda do homem”. Esse homem insulado, ou emparedado, perde suas referências mais caras: o sentimento de respeito ao próximo, à vida do semelhante, o sentido de fraternidade. Sem esses valores mínimos e indispensáveis, a subjetividade se estilhaça, levando-o à desrazão, ao surgimento de patologias e à alienação absoluta.
Um outro fator desagregador da sanidade do indivíduo estaria, para mim, ligado a um mundo altamente tecnologizado, sob o império da automação, mundo que do homem fez uma espécie de máquina álgida, sem alma, reificado, onde não há lugar para a comiseração e, sem piedade e compreensão com o próximo, só pode gerar mais e mais indivíduos revoltados, com ódio à humanidade, levados a diferentes patologias e a cometerem atos de barbáries seguidos de suicídios.
A sociedade está, pois, sujeita, a qualquer momento, a ser vítima dessas aberrações que a espreitam em todos os lugares. Haverá algum modo de minimizar ou prevenir tais crimes? Uma das saídas poderia ser um controle mais rígido de vendas de armas. Nos Estados Unidos qualquer pessoa praticamente pode comprar armas. Isso faz parte da cultura americana. Uma outra sugestão seria uma vigilância mais efetiva de todos no sentido de identificar pessoas com comportamento estranho ou antissocial. Os membros das famílias poderiam ser úteis auxiliando os órgãos de segurança pública tão logo detectassem anormalidades no comportamento de parentes, amigos conhecidos, vizinhos, fazendo tudo isso sem exageros paranoicos. É preciso haver tato e discrição na observação de pessoas. Reconheço serem difíceis soluções definitivas para ações decorrentes de patologias mentais. As pessoas, porém, devem estar atentas quer na rua, quer em lugares fechados, de modo a , pelo menos, tentarem escapar de algum movimento inusitado partindo de desconhecidos. Afinal, viver no tumulto e na correria das cidades é o preço que se paga pelos tempos modernos. Tempos impessoais e desagregadores. Ai dos civilizados!

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