Tradução de um poema de Rubén Darío
Lo fatal
Dichoso el árbol que es apenas sensitivo,
Y más la piedra dura, porque ésta ya no siente,
Pues no hay dolor más grande que el dolor de ser vivo,
Ni mayor pesadumbre que la vida consiente.
Ser, y no saber nada, y ser sin rumbo cierto,
y el temor de haver sido, y un futuro terror...
Y el espanto seguro de estar manãna muerto,
y sufrir por la vida y por la sombra y por
lo que no conocemos y apenas sospechamos,
y la carne que tienta con sus frescos racimos,
y la tumba que aguarda con sus fúnebres ramos,
¡ y no saber adónde vamos,
ni de dónde venimos!...
(Rubén Darío - 1867-1916 Cantos de vida y esperanza)
O inevitável
Feliz da arvore que apenas sensível é,
E mais ainda a pedra dura, porque nada sente,
Porquanto maior dor não existe do que a de vivo estar,
Nem tristeza maior do que da vida a consciência.
Ser, e não saber nada, vagar sem norte,
Com o temor de haver sido e um terror do futuro
e a certeza espantosa de, na manhã seguinte, estar morto.
e sofrer pela vida e pela sombra e pelo
não-conhecido sofrer ainda, embora suspeitado somente
e sofrer pela carne que, com a suas uvas frescas, seduz
e pelo que o túmulo espera com seus ramos fúnebres,
e não saber da verdade derradeira
nem da vida a origem!
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Os temas discutidos neste blog se concentram sobretudo na área de Literatura Brasileira, mas se estendem a outros temas e áreas culturais afins. Os gêneros literários da preferência da produção do autor são crítica literária, ensaios e crônicas. tradução de poesia estrangeira. Áreas de pesquisa e interesse do autor: teoria literária,história literária, vida literária.relação entre literatura, pobreza e violência, literatura universal e literatura de autores piauienses
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Um velho poema francês sobre o Rio de Janero
Um velho poema em francês sobre o Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Dans l’éternel azur et l’éternel été,
Entre la forêt vierge et l’océan s’étale
S’enveloppant tourjours de mousselins pâle
Rio, la féerique cité.
Arbres et fleurs, d’abord, sortent de l’Atlantique,
Et puis voici la ville e son visage clair,
La ville où, rudement, vient s’achever la mer
Sur un trottoir de mosaïque,
La ville, sn fiévreux, incessant mouvement,
Toute l’Europe au bout des vagues débarquée,
Commerce, science, art, grande âme compliquée,
Qui vibre passionnément.
Et moi que, voyageant sur le bateau que tangue,
Croyais candidement aller à l’étranger,
Je trouve cete ville où l’on parle ma langue,
Et vois n’avoir pas voyagé.
Rio de Janeiro, grande soeur océane,
Lorsque je rentrerai dans ma France lá-bas,
E lui dirai qu’elle a fecondé de sa manne
Ce sol qu’elle ne connaït as:
Je lui dirai qu’elle est aimée au loin, bénie,
Message plein d’amour, message plein d’éspoir
Qu’ellle a faite sans le savoir...
-Adieu! Je vais paritir sur la mer qui déferle,
Mais j’emporte , trésor conquis sous d’autres cieux,
Ton souvenir parfait, tendre, délicieux,
Rio, comme une belle perle.
(Lucie Delarue-Mardrus, Rio, 12 de junho de 1933)
Rio de Janeiro
No eterno azul e no eterno verão,
Entre a floresta virgem e o oceano se estende
De musselina pálida cercando-se continuamente
Rio - , a cidade feérica.
Árvores, e flores, do Atlântico saem primeiro,
E, em seguida, a cidade e seu rosto claro,
A cidade, na qual, rudemente, termina o mar
Numa calçada de mosaico,
A cidade, com seu fervoroso, incessante movimento,
Nas extremidades das ondas Europa inteira desembocando,
Comércio, ciência, arte, grande alma complicada
Que apaixonadamente vibra.
E eu, que, viajando no navio balançando ,
Candidamente pro estrangeiro ir ,julgava
Esta cidade encontro onde minha língua se fala
E entendo que não viajei.
Rio de Janeiro, grande irmã oceânica,
Logo que regressar pra minha França distante,
Lhe direi que ela de seu maná fecundou
Este solo que não conhece;
Dir-lhe-ei que é amada de longe, bendita,
Mensagem cheia de amor, mensagem de esperança cheia
Vinda da sentimental colônia
Que a construiu sem o saber...
- Adeus! vou partir pelo mar que as velas abre
Levo, porém, sob outros céus conquistado tesouro,
Tua lembrança perfeita, carinhosa, deliciosa,
Rio, cidade-pérola.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Rio de Janeiro
Dans l’éternel azur et l’éternel été,
Entre la forêt vierge et l’océan s’étale
S’enveloppant tourjours de mousselins pâle
Rio, la féerique cité.
Arbres et fleurs, d’abord, sortent de l’Atlantique,
Et puis voici la ville e son visage clair,
La ville où, rudement, vient s’achever la mer
Sur un trottoir de mosaïque,
La ville, sn fiévreux, incessant mouvement,
Toute l’Europe au bout des vagues débarquée,
Commerce, science, art, grande âme compliquée,
Qui vibre passionnément.
Et moi que, voyageant sur le bateau que tangue,
Croyais candidement aller à l’étranger,
Je trouve cete ville où l’on parle ma langue,
Et vois n’avoir pas voyagé.
Rio de Janeiro, grande soeur océane,
Lorsque je rentrerai dans ma France lá-bas,
E lui dirai qu’elle a fecondé de sa manne
Ce sol qu’elle ne connaït as:
Je lui dirai qu’elle est aimée au loin, bénie,
Message plein d’amour, message plein d’éspoir
Qu’ellle a faite sans le savoir...
-Adieu! Je vais paritir sur la mer qui déferle,
Mais j’emporte , trésor conquis sous d’autres cieux,
Ton souvenir parfait, tendre, délicieux,
Rio, comme une belle perle.
(Lucie Delarue-Mardrus, Rio, 12 de junho de 1933)
Rio de Janeiro
No eterno azul e no eterno verão,
Entre a floresta virgem e o oceano se estende
De musselina pálida cercando-se continuamente
Rio - , a cidade feérica.
Árvores, e flores, do Atlântico saem primeiro,
E, em seguida, a cidade e seu rosto claro,
A cidade, na qual, rudemente, termina o mar
Numa calçada de mosaico,
A cidade, com seu fervoroso, incessante movimento,
Nas extremidades das ondas Europa inteira desembocando,
Comércio, ciência, arte, grande alma complicada
Que apaixonadamente vibra.
E eu, que, viajando no navio balançando ,
Candidamente pro estrangeiro ir ,julgava
Esta cidade encontro onde minha língua se fala
E entendo que não viajei.
Rio de Janeiro, grande irmã oceânica,
Logo que regressar pra minha França distante,
Lhe direi que ela de seu maná fecundou
Este solo que não conhece;
Dir-lhe-ei que é amada de longe, bendita,
Mensagem cheia de amor, mensagem de esperança cheia
Vinda da sentimental colônia
Que a construiu sem o saber...
- Adeus! vou partir pelo mar que as velas abre
Levo, porém, sob outros céus conquistado tesouro,
Tua lembrança perfeita, carinhosa, deliciosa,
Rio, cidade-pérola.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
domingo, 27 de dezembro de 2009
o rescaldo do novo Acordo Ortográfico
O rescaldo do Novo Acordo Ortográfico
Cunha e Silva Filho
Já aprovada, por Lei federal, pelo Presidente Lula, o Novo Acordo Ortográfico brasileiro segue o seu caminho, não suavemente, mas cheio de escolhos, de reprovações silenciosas, muito ao gosto do brasileiro, embora, entre professores de português, alguns filólogos ou linguistas conhecidos, sobre os quais recaem maior responsabilidade e maior peso de consciência de suas conclusões – a mudança dos hábitos de nossa grafia seja objeto de acerbas críticas e descontentamento.
É bem verdade que o tempo procura curar muitas feridas, mas deixa cicatrizes e estas se estampam nos pareceres e juízos insatisfeitos ou impotentes dos usuários da língua de Bilac.
Tenho para mim que o mais recente Acordo Ortográfico feito em conjunto com os países outros de Língua Portuguesa, merece, sim, reparos e não sãoo poucos. Só quem não quer ver, não enxerga, não obstante os seus ferrenhos defensores tanto no país quanto em parte lá fora.
Os grandes prejudicados das mudanças gráficas são os mais velhos, os que passaram por várias reformas no país em convênio com o além-mar ou por imposição unilateral interna com o apoio de alguns gramáticos e filólogos de nomeada. Reformas ortográficas, no meu entender, demandam bastante discussão, além de um tempo suficientemente dilatado entre as discussões de alto nível e a sua aprovação pelo Presidente da República. Do contrário, se torna açodamento e, como tal, muito sujeito a erros e imperfeições de toda espécie. Um outro ponto, as reformas podem esconder certos pressupostos ideológicos e políticos, além de se prestarem enormemente a ganhos econômicos da parte do setor editorial
Me lembro de que meu pai, traquejado jornalista, em carta a mim anos atrás, escrevia, por vezes, certos vocábulos, sobretudo uso de formas verbais na terceira pessoa do plural, não obedecendo, por razões mesmo de antigos hábitos gráficos, às modificações posteriores a 1943.
O excessivo caráter fonético imprimido à nova ortografia à maneira da língua inglesa, por exemplo -, não ajuda o usuário nos casos envolvendo o timbre aberto ou fechado dos ditongos ou hiatos grafados com acento circunflexo ou agudo, antes do novo Acordo ou Reforma, assim como o emprego do trema, que pode provocar erros de pronúncia ou mesmo hesitação de pronúncia correta no próprio nativo da língua de certos vocábulos, como em “líquido”, “quinquênio” ou análogos, que, sem o trema, poderiam ser lidos como se fossem dígrafos.
Um outro caso -verdadeiro calcanhar de Aquiles dos professores de português -, seria o emprego correto do hífen. Por que não fazer como na língua inglesa falada pelos americanos, onde o uso do hífen não é rígido? Ou a ausência agora do acento diferencial entre “para” (verbo) e “para” (preposição)? Donde posso concluir com facilidade que escritores, jornalistas, advogados, juízes, enfim, gente ligada à atividade da escrita, quando mais avançados na idade e não sendo, é claro, filólogos, gramáticos, linguistas ou professores de Língua Portuguesa, tendem a vacilar quanto às mais recentes alterações gráficas do vernáculo. Às vezes, tenho a impressão de que o novo Acordo atendeu mais às pretensões lusófonas e, em outros casos, instaurou um certo caos ortográfico entre o Brasil e Portugal. Nesse ponto, mais uma vez a língua inglesa foi muito mais prática do que o português, uma vez que as diferenças gráficas são mínimas, ajudadas – devo reconhecer – pelo fato de que o idioma inglês é muito fonético na sua fase moderna.
O fato se assemelha a um país, como o Brasil, que, em certa fase relativamente recente de sua história econômico-financeira, se viu às voltas com mudanças bruscas no seu sistema monetário, causando, dessa forma, inúmeras dores de cabeça às pessoas que, no momento da mudanças, se veem enredadas num cipoal de incompreensões com os cortes de zeros e a divisão da unidade monetária. Por muito tempo, as pessoas, mesmo relativamente instruídas, mostram certa confusão ao lidarem com a nova moeda e a consequente dificuldade de embaralhar o sistema anterior com a nova moeda. Daí que se leva tempo para assimilar bem o manuseio correto com os centavos na compra de produtos, no bilhete de passagens de ônibus etc.
Na situação da Reforma ou Acordo Ortográfico recente, já em pleno vigor,vai a média da população letrada ou semiletrada, nos pequenos ou mais extensos usos da língua escrita, cometendo erros, silabadas, cacografias, os quais – é engraçado constatar -, não são perdoados pelos caçadores de erros, que os há muitos e inclementes.
Ora, ninguém , com independência de pensamento, terá a coragem de afirmar ser a atual forma ortográfica uma maravilha. Quando o usuário da língua escrita se depara com o emprego ou não do hífen, com a ausência de acentos em ditongos abertos, com o uso de formas mesoclíticas, com a grafia de vocábulos com hiatos em formas verbais, não me vai ele afirmar que é o dono da cocada preta. Forçosamente, vai ficar no muro, vai vacilar e – como naquele pequeno e antigo conto de Artur de Azevedo (1855-1908) “Plebiscito”, vai, discretamente, consultar o novo Acordo Ortográfico, digamos, do filólogo e imortal Evanildo Bechara. Esse opúsculo deve ter vendido como água, acompanhado de tantas outras publicações, boas ou más, sobre o assunto. No fundo, toda mudança, embute um objetivo econômico.
O poeta Ferreira Gullar já avisou a seus leitores que, no tocante à nova ortografia em vigor, está deixando os acertos no seus textos nas mãos da redação do jornal, a Folha de São Paulo.
Lá fora, no ultramar, vozes dissonantes da intelectualidade portuguesa, como a de Saramago e outros escritores lusófonos, não vão dar acolhida ao badalado Novo Acordo Ortográfico.
Eu, da minha parte, sem fazer bulha e me misturando ao silêncio dos cordeirinhos brasílicos – o que se há de fazer? – vou usar, nos meus sufocos ortográficos, sobretudo do desalmado hífen, o mesmo procedimento do personagem pai do mencionado conto de Artur de Azevedo se não quiser cair no vexame diante de um filho ...
Vê-se que parte da intelectualidade portuguesa formou um verdadeiro exercito de “desobediência civil” no que tange ao Novo Acordo Ortográfico entre o Brasil, Portual e as antigas colônias lusas.
Cunha e Silva Filho
Já aprovada, por Lei federal, pelo Presidente Lula, o Novo Acordo Ortográfico brasileiro segue o seu caminho, não suavemente, mas cheio de escolhos, de reprovações silenciosas, muito ao gosto do brasileiro, embora, entre professores de português, alguns filólogos ou linguistas conhecidos, sobre os quais recaem maior responsabilidade e maior peso de consciência de suas conclusões – a mudança dos hábitos de nossa grafia seja objeto de acerbas críticas e descontentamento.
É bem verdade que o tempo procura curar muitas feridas, mas deixa cicatrizes e estas se estampam nos pareceres e juízos insatisfeitos ou impotentes dos usuários da língua de Bilac.
Tenho para mim que o mais recente Acordo Ortográfico feito em conjunto com os países outros de Língua Portuguesa, merece, sim, reparos e não sãoo poucos. Só quem não quer ver, não enxerga, não obstante os seus ferrenhos defensores tanto no país quanto em parte lá fora.
Os grandes prejudicados das mudanças gráficas são os mais velhos, os que passaram por várias reformas no país em convênio com o além-mar ou por imposição unilateral interna com o apoio de alguns gramáticos e filólogos de nomeada. Reformas ortográficas, no meu entender, demandam bastante discussão, além de um tempo suficientemente dilatado entre as discussões de alto nível e a sua aprovação pelo Presidente da República. Do contrário, se torna açodamento e, como tal, muito sujeito a erros e imperfeições de toda espécie. Um outro ponto, as reformas podem esconder certos pressupostos ideológicos e políticos, além de se prestarem enormemente a ganhos econômicos da parte do setor editorial
Me lembro de que meu pai, traquejado jornalista, em carta a mim anos atrás, escrevia, por vezes, certos vocábulos, sobretudo uso de formas verbais na terceira pessoa do plural, não obedecendo, por razões mesmo de antigos hábitos gráficos, às modificações posteriores a 1943.
O excessivo caráter fonético imprimido à nova ortografia à maneira da língua inglesa, por exemplo -, não ajuda o usuário nos casos envolvendo o timbre aberto ou fechado dos ditongos ou hiatos grafados com acento circunflexo ou agudo, antes do novo Acordo ou Reforma, assim como o emprego do trema, que pode provocar erros de pronúncia ou mesmo hesitação de pronúncia correta no próprio nativo da língua de certos vocábulos, como em “líquido”, “quinquênio” ou análogos, que, sem o trema, poderiam ser lidos como se fossem dígrafos.
Um outro caso -verdadeiro calcanhar de Aquiles dos professores de português -, seria o emprego correto do hífen. Por que não fazer como na língua inglesa falada pelos americanos, onde o uso do hífen não é rígido? Ou a ausência agora do acento diferencial entre “para” (verbo) e “para” (preposição)? Donde posso concluir com facilidade que escritores, jornalistas, advogados, juízes, enfim, gente ligada à atividade da escrita, quando mais avançados na idade e não sendo, é claro, filólogos, gramáticos, linguistas ou professores de Língua Portuguesa, tendem a vacilar quanto às mais recentes alterações gráficas do vernáculo. Às vezes, tenho a impressão de que o novo Acordo atendeu mais às pretensões lusófonas e, em outros casos, instaurou um certo caos ortográfico entre o Brasil e Portugal. Nesse ponto, mais uma vez a língua inglesa foi muito mais prática do que o português, uma vez que as diferenças gráficas são mínimas, ajudadas – devo reconhecer – pelo fato de que o idioma inglês é muito fonético na sua fase moderna.
O fato se assemelha a um país, como o Brasil, que, em certa fase relativamente recente de sua história econômico-financeira, se viu às voltas com mudanças bruscas no seu sistema monetário, causando, dessa forma, inúmeras dores de cabeça às pessoas que, no momento da mudanças, se veem enredadas num cipoal de incompreensões com os cortes de zeros e a divisão da unidade monetária. Por muito tempo, as pessoas, mesmo relativamente instruídas, mostram certa confusão ao lidarem com a nova moeda e a consequente dificuldade de embaralhar o sistema anterior com a nova moeda. Daí que se leva tempo para assimilar bem o manuseio correto com os centavos na compra de produtos, no bilhete de passagens de ônibus etc.
Na situação da Reforma ou Acordo Ortográfico recente, já em pleno vigor,vai a média da população letrada ou semiletrada, nos pequenos ou mais extensos usos da língua escrita, cometendo erros, silabadas, cacografias, os quais – é engraçado constatar -, não são perdoados pelos caçadores de erros, que os há muitos e inclementes.
Ora, ninguém , com independência de pensamento, terá a coragem de afirmar ser a atual forma ortográfica uma maravilha. Quando o usuário da língua escrita se depara com o emprego ou não do hífen, com a ausência de acentos em ditongos abertos, com o uso de formas mesoclíticas, com a grafia de vocábulos com hiatos em formas verbais, não me vai ele afirmar que é o dono da cocada preta. Forçosamente, vai ficar no muro, vai vacilar e – como naquele pequeno e antigo conto de Artur de Azevedo (1855-1908) “Plebiscito”, vai, discretamente, consultar o novo Acordo Ortográfico, digamos, do filólogo e imortal Evanildo Bechara. Esse opúsculo deve ter vendido como água, acompanhado de tantas outras publicações, boas ou más, sobre o assunto. No fundo, toda mudança, embute um objetivo econômico.
O poeta Ferreira Gullar já avisou a seus leitores que, no tocante à nova ortografia em vigor, está deixando os acertos no seus textos nas mãos da redação do jornal, a Folha de São Paulo.
Lá fora, no ultramar, vozes dissonantes da intelectualidade portuguesa, como a de Saramago e outros escritores lusófonos, não vão dar acolhida ao badalado Novo Acordo Ortográfico.
Eu, da minha parte, sem fazer bulha e me misturando ao silêncio dos cordeirinhos brasílicos – o que se há de fazer? – vou usar, nos meus sufocos ortográficos, sobretudo do desalmado hífen, o mesmo procedimento do personagem pai do mencionado conto de Artur de Azevedo se não quiser cair no vexame diante de um filho ...
Vê-se que parte da intelectualidade portuguesa formou um verdadeiro exercito de “desobediência civil” no que tange ao Novo Acordo Ortográfico entre o Brasil, Portual e as antigas colônias lusas.
sábado, 26 de dezembro de 2009
Fernando Pessoa: "Sonnet XIV"
Fernando Pessoa: “Sonnet XIV”
Sonnet XIV
WE ARE BORN at sunset and we die ere morn,
And the whole darkness of the world we konw,
How can we guess its truth, to darkness born,
Only the stars to teach us light. We grasp
Their scattered smallness with thoughts that stray,
And, though their eyes look through night’s complete mask,
Wyet they speak not the features of the day,
Why should these small denials of the whole
More than the black whole the pleased eyes attract?
Add what it calls “worth” does the captive soul
Add to the small and from the large detract?
So, out of light’s, love wishing it night’s stretch,
A nightly thought of day we darkly reach.
Soneto XIV
NO POENTE NASCEMOS, e, antes d’alvorada, morremos
Do mundo a escuridão completa conhecemos,
Como alcançar podemos a verdade, nascida da escuridão,
Da ausência da luz a escuridão, a desconhecida consequência? Discernimos
Com pensamentos sem destino sua dispersa pequenez,
E, posto seus olhos na máscara da noite penetrem,
Eles, no entanto, pelos sinais do dia, não falam.
Por que estas pequenas contradições do todo deveriam
os olhos atrair satisfeitos mais do que a absoluta escuridão?
Por que a alma cativa aquilo que ela valoriza
Agrega ao que pequeno é deprecia o que grande é?
Assim, o desejo do alcance da noite do amor da luz nasce,
Na escuridão alcançamos um noturno pensamento do dia.
Sonnet XIV
WE ARE BORN at sunset and we die ere morn,
And the whole darkness of the world we konw,
How can we guess its truth, to darkness born,
Only the stars to teach us light. We grasp
Their scattered smallness with thoughts that stray,
And, though their eyes look through night’s complete mask,
Wyet they speak not the features of the day,
Why should these small denials of the whole
More than the black whole the pleased eyes attract?
Add what it calls “worth” does the captive soul
Add to the small and from the large detract?
So, out of light’s, love wishing it night’s stretch,
A nightly thought of day we darkly reach.
Soneto XIV
NO POENTE NASCEMOS, e, antes d’alvorada, morremos
Do mundo a escuridão completa conhecemos,
Como alcançar podemos a verdade, nascida da escuridão,
Da ausência da luz a escuridão, a desconhecida consequência? Discernimos
Com pensamentos sem destino sua dispersa pequenez,
E, posto seus olhos na máscara da noite penetrem,
Eles, no entanto, pelos sinais do dia, não falam.
Por que estas pequenas contradições do todo deveriam
os olhos atrair satisfeitos mais do que a absoluta escuridão?
Por que a alma cativa aquilo que ela valoriza
Agrega ao que pequeno é deprecia o que grande é?
Assim, o desejo do alcance da noite do amor da luz nasce,
Na escuridão alcançamos um noturno pensamento do dia.
O reencontro com um "amigo"
Reecontrando um “amigo”
Cunha e Silva Filho
Se meu leitor ou leitora são fieis ao colunista, bem provável é que, de quando me vez, possam discordar de mim, ou concordar, se for o caso. Entretanto, é também possível que me notem os defeitos e qualidades, pois todos nós temos tudo isso. E é bom que o seja assim, se não, não seríamos mortais e imperfeitos.
Com o tempo, os leitores que se afeiçoam aos nossos escritos vão percebendo algumas visões de vida do autor, suas preferências, seus “resmungos..” Por falar em resmungos, me lembro de que um colega do mestrado chegou a definir o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) de “resmungão”, com o que não concordei. Uma palavra puxa palavra, e não é que, se não estou enganado, Ferreira Gullar, estreou sua coluna de crônica na Folha de São Paulo com um artigo cujo titulo é “Resmungos”. Mas, vá lá.
Assim, como o artista de televisão, o cantor, o apresentador ou qualquer pessoa da área artística, precisam da boa aceitação do diretor, do público em geral, através das chamadas pesquisas de opinião, enquetes, níveis de Ibope ou de outros meios de avaliação, o cronista, o escritor, necessitam da ressonância do público. O artista necessita de feedback. Não só o artista, todos que dependem da receptividade favorável, ou não, do público. O seu desempenho visa á satisfação deste último. Não me venham, pois, dizer que, no caso do escritor, não nos lixamos para o público leitor. Ao contrario, temos enorme interesse de sermos amados, respeitados, reconhecidos.
O assunto, contudo, desta crônica não é a digressão que acabamos de fazer. Quero antes falar de “amigos” e, no exemplo que pretendo ilustrar, “amigos” significa livros, obras, textos.
Tenho um hobby que se configurou com o passar dos anos: o de conseguir reunir livros que, no passado, me cativaram a atenção. Livros que não pude comprar por falta de dinheiro, livros que perdi com o tempo ou pelas circunstâncias da vida madrasta, livros que só me deixaram saudades por não os haver ainda reencontrado.
Um desses livros é de feitio diferente. Não é ficção, nem ensaio, nem poesia, nem drama nem de outro gênero literário. No caso atual, é um dicionário, - agora conseguido pela compra na internet, nas livrarias virtuais -, que, pela primeira vez, encontrei e consultei na velha biblioteca do Liceu Piauiense que, no tempo de colegial, se chamava Colégio Estadual “Zacarias Gois”. Foi naquela relativamente pequena sala de biblioteca que se deu o meu encontro com ele.
Foi um encontro frutífero nos seus desdobramentos. O Dicionário inglês-português (English - Portuguese illustrated dictionary de J. L. Campos Jr., editado, em 1952, pelas Edições LEP, com 1042 páginas, contém uma breve introdução na qual o autor salienta que, na elaboração dele, consumiu oito anos de porfia lexicográfica. O dicionário ainda apresenta uma breve bibliografia de grandes dicionários de autores da língua inglesa da época, naturalmente por ele pacientemente compulsados.
O dicionáario de Campos Jr é notável sob todos os aspectos e de fácil manuseio, com verbetes e abonações traduzidas pelo autor, riquíssimo em expressões idiomáticas. Traz pronúncia figurada nos velhos moldes que seguramente devem ter prestado inestimáveis serviços à mocidade estudiosa de seu tempo e ainda hoje me parece prestimoso a quem ama o inglês. Além disso, esta magnum opus inclui pequenas informações culturais sobre figuras notáveis do mundo cultural e científico inglês, americano e de outras nacionalidades, e bem assim dados biobibliográficos ( o que torna a obra uma breve e oportuna enciclopédia) de autores da literatura inglesa e americana. Não sei por que algum editor, até hoje, não se interessou por atualizar, em mãos competentes no domínio da língua inglesa, uma obra dessa envergadura. E, para terminar o soneto com chave de ouro, chamo a atenção do leitor para mais uma qualidade do autor: Campos Jr. era exímio ilustrador de seus próprios livros sobre a língua inglesa e o dicionáario de que estou falando dá exemplo disso com a inclusão, ao longo de suas inúmeras páginas, de ilustrações artisticamente realizadas pela sua mão de mestre no desenho. Uma beleza, abrangendo desenhos de pessoas, objetos, flora, fauna, arquitetura, objetos de arte, objetos do universo científico, técnico etc, que só engrandecem essa obra feita com dedicação e amor ao trabalho intelectual de amplo alcance..
J. L. Campos Jr. foi , assim, um notabilíssimo autor didático e um exemplar lexicógrafo. Nada sei da sua vida familiar e de sua biografia mais pessoal. Presumo que tenha nascido em São Paulo. Sei que publicou vários - livros - adiante mencionados - para o ensino da língua inglesa. Sua primeira obra levou o título de The entertainer, publicada em Nova Iorque, se não incorro em erro, lá pela segunda década do século passado. Em Nova Iorque estudou inglês pelo chamado American Progressive Method, cuja abordagem de ensino-apredizagem desconheço como era.. Na sua produção didática escreveu os seguintes livros: How to learn English, Falemos inglês (Let us speak English. Através destes dois tomei conhecimento do autor, pois era exemplares pertencentes à biblioteca de papai.). Ambos, porém, estavam em estado de conservação precária, e ainda com páginas faltando, o que me deixava sempre decepcionado, porquanto não suporto livros incompletos; Springtime, Dicionário de verbos ingleses, Seleta de autores ingleses, The master key (em três volumes para a 2ª, 3ª e 4ª séries ginasiais), Correspondência comercial inglesa (adquirido por mim em 1968, no Rio, com um dinheiro que papai me dera durante sua passagem por essa cidade em direção a Porto Alegre, onde participaria de um congresso de jornalistas ) Dicionário português-inglês e o já citado Dicionário inglês-português (English- Portuguese illustrated dictionary, assunto principal desta crônica.
J. L. Campos Jr. deve ter sido um autor feliz, porquanto suas obras alcançaram muitas edições e reimpressões, sobretudo o How to leann English, possivelmente no país todo graças ao seu método prático e simples de ensinar inglês, em especial aos alunos com inclinações ao autodidatismo como eu e tantos outros. A par de sua produção didática, manteve, em São Paulo, seu próprio curso de inglês, o Curso de inglês Washington Irving. Sua produção medeia entre os anos 20 e 50 do século passado. Campos Jr. foi professor concursado do Ginásio de São Paulo e de outras escolas respeitadas da capital paulista. O livro Correspondência comercial inglesa, já referido, recebeu do professor americano Alfred R. Hill, antigo professor da Tabor Academy, Marion, Mass., USA, este parecer consagrador : “...após cuidadoso exame das obras do Sr. Campos, posso, com toda ênfase, afirmar que elas nada ficam a dever às melhores que me chegaram às mãos [ quando do meu ingresso para a Universidade de Yale]”. Sobre outro livro de Campos Jr., - os três volumes sob o titulo The máster key, citado acima -, o mesmo professor americano referiu-se ao autor afirmando, entre outros elogios, ser o professor Campos Jr. um “professor nato”.
Devo a esse autor, assim como a tantos outros queridos “amigos”, o meu desenvolvimento nos estudos de língua inglesa. De resto, fiquei tão contente com a recente compra do dicionário ilustrado que, como costumo às vezes fazer, escrevi, em inglês, logo na primeira página do velho e querido dicionário, o seguinte, que me desculpe o leitor por autocitar-me e autotraduzir-me: “Finalmente, meu bom amigo, você veio ao meu encontro. A primeira vez que o orgulho tive de folheá-lo, você não passava de uma obra pertencente à velha Biblioteca do Liceu Piauiense, em Teresina. Dessa forma, não poderia tomá-lo de empréstimo à biblioteca, visto que você fazia parte das obras de referência. Naquele tempo, lá pelos inícios da década de 60 do século passado, apenas era um adolescente ansioso por aprender uma língua estrangeira tão útil. Bem sabe Deus, quanta saudade tinha de você (...). Graças à ciência e à tecnologia, pude encontrá-lo e adquirir essa obra maravilhosa. Agora, você me pertence e, espero eu, há de pertencer aos meus descendentes”
Cunha e Silva Filho
Se meu leitor ou leitora são fieis ao colunista, bem provável é que, de quando me vez, possam discordar de mim, ou concordar, se for o caso. Entretanto, é também possível que me notem os defeitos e qualidades, pois todos nós temos tudo isso. E é bom que o seja assim, se não, não seríamos mortais e imperfeitos.
Com o tempo, os leitores que se afeiçoam aos nossos escritos vão percebendo algumas visões de vida do autor, suas preferências, seus “resmungos..” Por falar em resmungos, me lembro de que um colega do mestrado chegou a definir o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) de “resmungão”, com o que não concordei. Uma palavra puxa palavra, e não é que, se não estou enganado, Ferreira Gullar, estreou sua coluna de crônica na Folha de São Paulo com um artigo cujo titulo é “Resmungos”. Mas, vá lá.
Assim, como o artista de televisão, o cantor, o apresentador ou qualquer pessoa da área artística, precisam da boa aceitação do diretor, do público em geral, através das chamadas pesquisas de opinião, enquetes, níveis de Ibope ou de outros meios de avaliação, o cronista, o escritor, necessitam da ressonância do público. O artista necessita de feedback. Não só o artista, todos que dependem da receptividade favorável, ou não, do público. O seu desempenho visa á satisfação deste último. Não me venham, pois, dizer que, no caso do escritor, não nos lixamos para o público leitor. Ao contrario, temos enorme interesse de sermos amados, respeitados, reconhecidos.
O assunto, contudo, desta crônica não é a digressão que acabamos de fazer. Quero antes falar de “amigos” e, no exemplo que pretendo ilustrar, “amigos” significa livros, obras, textos.
Tenho um hobby que se configurou com o passar dos anos: o de conseguir reunir livros que, no passado, me cativaram a atenção. Livros que não pude comprar por falta de dinheiro, livros que perdi com o tempo ou pelas circunstâncias da vida madrasta, livros que só me deixaram saudades por não os haver ainda reencontrado.
Um desses livros é de feitio diferente. Não é ficção, nem ensaio, nem poesia, nem drama nem de outro gênero literário. No caso atual, é um dicionário, - agora conseguido pela compra na internet, nas livrarias virtuais -, que, pela primeira vez, encontrei e consultei na velha biblioteca do Liceu Piauiense que, no tempo de colegial, se chamava Colégio Estadual “Zacarias Gois”. Foi naquela relativamente pequena sala de biblioteca que se deu o meu encontro com ele.
Foi um encontro frutífero nos seus desdobramentos. O Dicionário inglês-português (English - Portuguese illustrated dictionary de J. L. Campos Jr., editado, em 1952, pelas Edições LEP, com 1042 páginas, contém uma breve introdução na qual o autor salienta que, na elaboração dele, consumiu oito anos de porfia lexicográfica. O dicionário ainda apresenta uma breve bibliografia de grandes dicionários de autores da língua inglesa da época, naturalmente por ele pacientemente compulsados.
O dicionáario de Campos Jr é notável sob todos os aspectos e de fácil manuseio, com verbetes e abonações traduzidas pelo autor, riquíssimo em expressões idiomáticas. Traz pronúncia figurada nos velhos moldes que seguramente devem ter prestado inestimáveis serviços à mocidade estudiosa de seu tempo e ainda hoje me parece prestimoso a quem ama o inglês. Além disso, esta magnum opus inclui pequenas informações culturais sobre figuras notáveis do mundo cultural e científico inglês, americano e de outras nacionalidades, e bem assim dados biobibliográficos ( o que torna a obra uma breve e oportuna enciclopédia) de autores da literatura inglesa e americana. Não sei por que algum editor, até hoje, não se interessou por atualizar, em mãos competentes no domínio da língua inglesa, uma obra dessa envergadura. E, para terminar o soneto com chave de ouro, chamo a atenção do leitor para mais uma qualidade do autor: Campos Jr. era exímio ilustrador de seus próprios livros sobre a língua inglesa e o dicionáario de que estou falando dá exemplo disso com a inclusão, ao longo de suas inúmeras páginas, de ilustrações artisticamente realizadas pela sua mão de mestre no desenho. Uma beleza, abrangendo desenhos de pessoas, objetos, flora, fauna, arquitetura, objetos de arte, objetos do universo científico, técnico etc, que só engrandecem essa obra feita com dedicação e amor ao trabalho intelectual de amplo alcance..
J. L. Campos Jr. foi , assim, um notabilíssimo autor didático e um exemplar lexicógrafo. Nada sei da sua vida familiar e de sua biografia mais pessoal. Presumo que tenha nascido em São Paulo. Sei que publicou vários - livros - adiante mencionados - para o ensino da língua inglesa. Sua primeira obra levou o título de The entertainer, publicada em Nova Iorque, se não incorro em erro, lá pela segunda década do século passado. Em Nova Iorque estudou inglês pelo chamado American Progressive Method, cuja abordagem de ensino-apredizagem desconheço como era.. Na sua produção didática escreveu os seguintes livros: How to learn English, Falemos inglês (Let us speak English. Através destes dois tomei conhecimento do autor, pois era exemplares pertencentes à biblioteca de papai.). Ambos, porém, estavam em estado de conservação precária, e ainda com páginas faltando, o que me deixava sempre decepcionado, porquanto não suporto livros incompletos; Springtime, Dicionário de verbos ingleses, Seleta de autores ingleses, The master key (em três volumes para a 2ª, 3ª e 4ª séries ginasiais), Correspondência comercial inglesa (adquirido por mim em 1968, no Rio, com um dinheiro que papai me dera durante sua passagem por essa cidade em direção a Porto Alegre, onde participaria de um congresso de jornalistas ) Dicionário português-inglês e o já citado Dicionário inglês-português (English- Portuguese illustrated dictionary, assunto principal desta crônica.
J. L. Campos Jr. deve ter sido um autor feliz, porquanto suas obras alcançaram muitas edições e reimpressões, sobretudo o How to leann English, possivelmente no país todo graças ao seu método prático e simples de ensinar inglês, em especial aos alunos com inclinações ao autodidatismo como eu e tantos outros. A par de sua produção didática, manteve, em São Paulo, seu próprio curso de inglês, o Curso de inglês Washington Irving. Sua produção medeia entre os anos 20 e 50 do século passado. Campos Jr. foi professor concursado do Ginásio de São Paulo e de outras escolas respeitadas da capital paulista. O livro Correspondência comercial inglesa, já referido, recebeu do professor americano Alfred R. Hill, antigo professor da Tabor Academy, Marion, Mass., USA, este parecer consagrador : “...após cuidadoso exame das obras do Sr. Campos, posso, com toda ênfase, afirmar que elas nada ficam a dever às melhores que me chegaram às mãos [ quando do meu ingresso para a Universidade de Yale]”. Sobre outro livro de Campos Jr., - os três volumes sob o titulo The máster key, citado acima -, o mesmo professor americano referiu-se ao autor afirmando, entre outros elogios, ser o professor Campos Jr. um “professor nato”.
Devo a esse autor, assim como a tantos outros queridos “amigos”, o meu desenvolvimento nos estudos de língua inglesa. De resto, fiquei tão contente com a recente compra do dicionário ilustrado que, como costumo às vezes fazer, escrevi, em inglês, logo na primeira página do velho e querido dicionário, o seguinte, que me desculpe o leitor por autocitar-me e autotraduzir-me: “Finalmente, meu bom amigo, você veio ao meu encontro. A primeira vez que o orgulho tive de folheá-lo, você não passava de uma obra pertencente à velha Biblioteca do Liceu Piauiense, em Teresina. Dessa forma, não poderia tomá-lo de empréstimo à biblioteca, visto que você fazia parte das obras de referência. Naquele tempo, lá pelos inícios da década de 60 do século passado, apenas era um adolescente ansioso por aprender uma língua estrangeira tão útil. Bem sabe Deus, quanta saudade tinha de você (...). Graças à ciência e à tecnologia, pude encontrá-lo e adquirir essa obra maravilhosa. Agora, você me pertence e, espero eu, há de pertencer aos meus descendentes”
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Alegria que passa
Alegria que passa
Cunha e Silva Filho
O Natal está à nossa porta e, por falar em porta, façamos como na Irlanda à véspera do Natal, quando todas as casas devem manter as portas abertas a fim de que não se repita o que aconteceu há pouco mais de dois mil anos quando Maria de Nazaré e José pediram abrigo numa das estalagens de Belém e todas elas se lhes fecharam.
De acordo com o costume irlandês – não sei se ainda hoje esse costume prevalece -, nessa data santa, as portas devem permanecer abertas, ainda que sejam nos lares mais pobres, para que a ninguém seja negado um alimento.
Este preâmbulo, por associação de ideias, me leva a um a tentativa de poesia dos meus tempos de adolescente quando mandava, aos domingos, artigos para um jornal de Teresina que mantinha uma página destinada a literatura. Era no final do ano de 1963, 25 de dezembro, um domingo. Nunca me tive como poeta, mas os jovens, no início de sua trajetória de vida literária, são afoitos, acham que podem ser tudo, inclusive, poeta. Que me desculpem, meus leitores, mas aquilo que julgava ser um poema, independente do seu nível estético, me saiu espontâneo, até rimados em parte. E sua inspiração me veio por passar muitas vezes por uma rua de Teresina onde havia um convento, creio que de capuchinhos.
Quando por lá passava, ouvia vozes, quase como se fosse um coro. Quanto ao retrato de Cristo, não sei bem se, da rua, eu avistava algum quadro de Cristo. O convento sempre me pareceu muito silencioso, místico, isolado, cheio de mistérios. Por vezes, me assombrava também. Não sei, até hoje, por quê. A fachada do convento dava para a rua Frei Serafim e, de lá se via os fundos da bela Igreja de São Benedito que, para mim, está muito ligada às minhas juvenis e românticas andanças noturnas com o meu primo, o radialista Weyden Cunha e Silva e, às vezes, sozinho.
Meu pai, um crítico severo dos meus textos, não me aprovava algum arroubo poético. Feria, entretanto, o meu orgulho de jovem que, naquela quadra da vida, teimava em ser o que não era.. Por isso, deixei de vez a minha efêmera veleidade de conquistar os favores de Hipocrene. Não pude, assim, cavalgar meu Pégaso Naquela domingo de Natal, não sei por razão, não cheguei a mandar para redação do jornal os meus arremedos de versos. Mas, não me custa trazer ao leitor aquele momento de desejo poético. Afinal, estava mal completando dezoito anos e aos jovens tudo quase se perdoa, ate mesmo a falta de talento poético. Os versos saíram assim:
Alegria que passa
Às vezes, quando passo
Por um mosteiro,
Tenho ímpetos de aço
De ser frade, padeiro.
Vejo-me a cortar pão
Fatias, faquinha na mão
A passar frugal manteiga
Como uma bolha de sabão.
Às vezes, esta vontade
É tão grande, tão forte
Qual alegria, qual sorte
De dar pão, de ser frade!
Vejo, da rua, A Última Ceia
O retrato de Cristo. Silêncio
No meio da ceia.
Vozes de monges, orando
Depois, sentados, em silêncio,
A ceia tomando
À mesma hora que Cristo.
(Para Literatura, 5ª feira, Dia de Natal,1963)
Cunha e Silva Filho
O Natal está à nossa porta e, por falar em porta, façamos como na Irlanda à véspera do Natal, quando todas as casas devem manter as portas abertas a fim de que não se repita o que aconteceu há pouco mais de dois mil anos quando Maria de Nazaré e José pediram abrigo numa das estalagens de Belém e todas elas se lhes fecharam.
De acordo com o costume irlandês – não sei se ainda hoje esse costume prevalece -, nessa data santa, as portas devem permanecer abertas, ainda que sejam nos lares mais pobres, para que a ninguém seja negado um alimento.
Este preâmbulo, por associação de ideias, me leva a um a tentativa de poesia dos meus tempos de adolescente quando mandava, aos domingos, artigos para um jornal de Teresina que mantinha uma página destinada a literatura. Era no final do ano de 1963, 25 de dezembro, um domingo. Nunca me tive como poeta, mas os jovens, no início de sua trajetória de vida literária, são afoitos, acham que podem ser tudo, inclusive, poeta. Que me desculpem, meus leitores, mas aquilo que julgava ser um poema, independente do seu nível estético, me saiu espontâneo, até rimados em parte. E sua inspiração me veio por passar muitas vezes por uma rua de Teresina onde havia um convento, creio que de capuchinhos.
Quando por lá passava, ouvia vozes, quase como se fosse um coro. Quanto ao retrato de Cristo, não sei bem se, da rua, eu avistava algum quadro de Cristo. O convento sempre me pareceu muito silencioso, místico, isolado, cheio de mistérios. Por vezes, me assombrava também. Não sei, até hoje, por quê. A fachada do convento dava para a rua Frei Serafim e, de lá se via os fundos da bela Igreja de São Benedito que, para mim, está muito ligada às minhas juvenis e românticas andanças noturnas com o meu primo, o radialista Weyden Cunha e Silva e, às vezes, sozinho.
Meu pai, um crítico severo dos meus textos, não me aprovava algum arroubo poético. Feria, entretanto, o meu orgulho de jovem que, naquela quadra da vida, teimava em ser o que não era.. Por isso, deixei de vez a minha efêmera veleidade de conquistar os favores de Hipocrene. Não pude, assim, cavalgar meu Pégaso Naquela domingo de Natal, não sei por razão, não cheguei a mandar para redação do jornal os meus arremedos de versos. Mas, não me custa trazer ao leitor aquele momento de desejo poético. Afinal, estava mal completando dezoito anos e aos jovens tudo quase se perdoa, ate mesmo a falta de talento poético. Os versos saíram assim:
Alegria que passa
Às vezes, quando passo
Por um mosteiro,
Tenho ímpetos de aço
De ser frade, padeiro.
Vejo-me a cortar pão
Fatias, faquinha na mão
A passar frugal manteiga
Como uma bolha de sabão.
Às vezes, esta vontade
É tão grande, tão forte
Qual alegria, qual sorte
De dar pão, de ser frade!
Vejo, da rua, A Última Ceia
O retrato de Cristo. Silêncio
No meio da ceia.
Vozes de monges, orando
Depois, sentados, em silêncio,
A ceia tomando
À mesma hora que Cristo.
(Para Literatura, 5ª feira, Dia de Natal,1963)
domingo, 20 de dezembro de 2009
Meu pedido a Papai Noel em 2009
Meu pedido a Papai Noel em 2009
Cunha e Silva Filho
Há muito tempo nada peço a Papai Noel como presente de Natal. Agora, por esta crônica e coluna, faço um grande e coletivo apelo a quem me possa atender ao meu presente de Papai Noel. Em geral, quando se pensa em Papai Noel pensa-se primeiro nas crianças, que são os serezinhos que mais se inclinam ao bom velhinho de barba branca, barrigudinho, vestido de vermelho e carregando nas costas aquele saco de presentes que tanto encanta a infância e mesmo o início da adolescência.
Pois é, leitor, o meu pedido é simples, mas um pouquinho difícil: eu queria recuperar meus artigos passados, aqueles artigos juvenis saídos em jornais de Teresina e datando de 1962 a 1964, que são marcos iniciais, até o final dessa década, fora outros publicados em anos posteriores, por exemplo nos anos 70 e 80 do século passado. Não são tantos assim, já que, por certo bom tempo, nada produzi. Papai, vendo essa lacuna, me estimulava a retomar com mais frequência os meus escritos. Sempre ele o meu grande incentivador.
Se algum leitor ou leitora de Teresina ou de outras cidades do Piauí me pudessem presentear com alguns dos meus antigos artigos juvenis que eu perdi, quem sabe, até aquele sobre O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde(1854-1900) de título: “Dorian Gray: personagem maldito,” publicado pelo extinto jornal Estado do Piauí, do saudoso Josípio Lustosa, este colunista muito e muito ficaria agradecido pelo achado. Ou aquele sobre uma história mal-assombrada, de cujo título não me lembro mais, ou aquele outro conto, intitulado “Inteligência precoce”, saídos, pelo menos um dos dois, na seção de Literatura de outro periódico de Teresina - matérias provavelmente de 1963. Foram escritos quando morava na Rua Arlindo Nogueira e, depois, na Rua Quintino Bocaiúva, última residência minha antes de partir para o Rio de Janeiro, em 1964. Nos anos de 1962, 1963 e 1964 e nas décadas de 70 e 80, escrevi para mais de um jornal de Teresina.Como o leitor pode perceber, não sou daqueles que renegam a obra juvenil. A esta altura da minha vida, seria um grande conforto poder saber a quantos andava meu estilo literário naquele período de vida cheio de energia e esperança.
Em março deste ano, estive em Teresina e Amarante para uma conferência sobre Da Costa e Silva e aproveitei também as minha visitas ao Conselho Estadual de Cultura, presidido, com grande competência e amor à cultura, pelo meu amigo M. Paulo Nunes, a fim de dar uma olhada na seção de jornais antigos. O Conselho de Cultura ocupa (informou-me M. Paulo Nunes que, dentro de pouco tempo, o Conselho vai ter sede própria) algumas salas do Arquivo Público. Tentei, com a ajuda de uma simpática e prestativa funcionária, a Maria de Jesus Nunes Silva, encontrar o artigo sobre o livro do Wilde mas sem sucesso, pois não havia os números referentes a toda a década de setenta.
Confesso que fui descuidado com os meus primeiros escritos, porquanto o certo seria tê-los reunidos desde o primeiro, que tratou de fazer uma homenagem ao ‘Dia do Estudante’. Me recordo de que uma leitora (onde andará minha querida leitora de Teresina?) minha daquele tempo me acompanhava os artigos e dissera, certa vez, que eles a ajudavam na preparação ao vestibular. Também quem me poderia ajudar a localizar o meu artigo sobre Dorian Gray seria o jornalista e intelectual Drumond, assim mesmo, com um “m” só, ((pseudônimo de Jeremias Abreu Pereira da Silva) infelizmente já falecido, e que também infelizmente nunca conheci pessoalmente, o qual ficou entusiasmado com artigo e até enviou a meu pai um bilhete de Brasília datado de 2 de março de 1978 e publicado no mencionado jornal Estado do Piauí fazendo um belo e inteligente comentário sobre a minha matéria.
Em homenagem a ele, o incluí na folha de Dedicatórias da minha Dissertação de Mestrado sobre Da Costa e Silva : Da Costa e Silva : uma leitura da saudade(184 fls. mimeo.) defendida na UFRJ, no primeiro semestre de 1994, trabalho posteriormente publicado em livro pela UFPI e Academia Piauiense de Letras(1996).
Por aí o leitor ou leitora pode avaliar o quanto me deixaria feliz se pudesse pelo menos ter de volta à mãos as minha primícias de adolescente, que são esses artigos mencionados nesta crônica. Eles, sim, seriam neste ano que se finda o meu presente de Natal. Que Papai Noel me atenda. Aproveito para desejar a meus leitores um Feliz Natal e um grandioso 2010.
Nota: Os leitores que por acaso tenham algum artigo meu das datas mencionadas nesta coluna, favor entrar em contato comigo pelo meu e-mail: profcunhasilvafilho@Gmail.com
Cunha e Silva Filho
Há muito tempo nada peço a Papai Noel como presente de Natal. Agora, por esta crônica e coluna, faço um grande e coletivo apelo a quem me possa atender ao meu presente de Papai Noel. Em geral, quando se pensa em Papai Noel pensa-se primeiro nas crianças, que são os serezinhos que mais se inclinam ao bom velhinho de barba branca, barrigudinho, vestido de vermelho e carregando nas costas aquele saco de presentes que tanto encanta a infância e mesmo o início da adolescência.
Pois é, leitor, o meu pedido é simples, mas um pouquinho difícil: eu queria recuperar meus artigos passados, aqueles artigos juvenis saídos em jornais de Teresina e datando de 1962 a 1964, que são marcos iniciais, até o final dessa década, fora outros publicados em anos posteriores, por exemplo nos anos 70 e 80 do século passado. Não são tantos assim, já que, por certo bom tempo, nada produzi. Papai, vendo essa lacuna, me estimulava a retomar com mais frequência os meus escritos. Sempre ele o meu grande incentivador.
Se algum leitor ou leitora de Teresina ou de outras cidades do Piauí me pudessem presentear com alguns dos meus antigos artigos juvenis que eu perdi, quem sabe, até aquele sobre O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde(1854-1900) de título: “Dorian Gray: personagem maldito,” publicado pelo extinto jornal Estado do Piauí, do saudoso Josípio Lustosa, este colunista muito e muito ficaria agradecido pelo achado. Ou aquele sobre uma história mal-assombrada, de cujo título não me lembro mais, ou aquele outro conto, intitulado “Inteligência precoce”, saídos, pelo menos um dos dois, na seção de Literatura de outro periódico de Teresina - matérias provavelmente de 1963. Foram escritos quando morava na Rua Arlindo Nogueira e, depois, na Rua Quintino Bocaiúva, última residência minha antes de partir para o Rio de Janeiro, em 1964. Nos anos de 1962, 1963 e 1964 e nas décadas de 70 e 80, escrevi para mais de um jornal de Teresina.Como o leitor pode perceber, não sou daqueles que renegam a obra juvenil. A esta altura da minha vida, seria um grande conforto poder saber a quantos andava meu estilo literário naquele período de vida cheio de energia e esperança.
Em março deste ano, estive em Teresina e Amarante para uma conferência sobre Da Costa e Silva e aproveitei também as minha visitas ao Conselho Estadual de Cultura, presidido, com grande competência e amor à cultura, pelo meu amigo M. Paulo Nunes, a fim de dar uma olhada na seção de jornais antigos. O Conselho de Cultura ocupa (informou-me M. Paulo Nunes que, dentro de pouco tempo, o Conselho vai ter sede própria) algumas salas do Arquivo Público. Tentei, com a ajuda de uma simpática e prestativa funcionária, a Maria de Jesus Nunes Silva, encontrar o artigo sobre o livro do Wilde mas sem sucesso, pois não havia os números referentes a toda a década de setenta.
Confesso que fui descuidado com os meus primeiros escritos, porquanto o certo seria tê-los reunidos desde o primeiro, que tratou de fazer uma homenagem ao ‘Dia do Estudante’. Me recordo de que uma leitora (onde andará minha querida leitora de Teresina?) minha daquele tempo me acompanhava os artigos e dissera, certa vez, que eles a ajudavam na preparação ao vestibular. Também quem me poderia ajudar a localizar o meu artigo sobre Dorian Gray seria o jornalista e intelectual Drumond, assim mesmo, com um “m” só, ((pseudônimo de Jeremias Abreu Pereira da Silva) infelizmente já falecido, e que também infelizmente nunca conheci pessoalmente, o qual ficou entusiasmado com artigo e até enviou a meu pai um bilhete de Brasília datado de 2 de março de 1978 e publicado no mencionado jornal Estado do Piauí fazendo um belo e inteligente comentário sobre a minha matéria.
Em homenagem a ele, o incluí na folha de Dedicatórias da minha Dissertação de Mestrado sobre Da Costa e Silva : Da Costa e Silva : uma leitura da saudade(184 fls. mimeo.) defendida na UFRJ, no primeiro semestre de 1994, trabalho posteriormente publicado em livro pela UFPI e Academia Piauiense de Letras(1996).
Por aí o leitor ou leitora pode avaliar o quanto me deixaria feliz se pudesse pelo menos ter de volta à mãos as minha primícias de adolescente, que são esses artigos mencionados nesta crônica. Eles, sim, seriam neste ano que se finda o meu presente de Natal. Que Papai Noel me atenda. Aproveito para desejar a meus leitores um Feliz Natal e um grandioso 2010.
Nota: Os leitores que por acaso tenham algum artigo meu das datas mencionadas nesta coluna, favor entrar em contato comigo pelo meu e-mail: profcunhasilvafilho@Gmail.com
sábado, 19 de dezembro de 2009
Os homens e o clima
OS HOMENS E O CLIMA
Cunha e Silva Filho
Há um descompasso visível e mesmo amedrontador entre o que está se vendo com a Mãe-Natureza e os desdobramentos pouco alentadores das autoridades responsáveis pelos destinos do nosso alquebrado Planeta, agora reunidas nos estertores da COP 15, em Copenhague, em meio a protestos de manifestantes e enfrentamentos do porrete da força bruta, igual em qualquer parte, e utilizando-se dos mesmos instrumentos de repressão dos governos locais. Somos iguais na repressão, o que muda é a língua. Todas as polícias são iguais, as diferenças são mínimas. Não há como retomar aqui o maniqueísmo (positivo neste caso) entre o certo e o errado. O errado tem a força e o fogo, o certo tem a consciência dos males da civilização.
Veja-se o exemplo das condições climáticas e pluviométricas no Brasil que, a bom entendedor, dá a medida da compreensão necessária para a elucidação das conseqüências do efeito estufa. Não é preciso ir muito longe no cerne do problema. Basta ver o volume de chuvas torrenciais que castigam boa parte do país e de forma nunca vista no seu conjunto: São Paulo, a região sul, parte do Rio de Janeiro, por enquanto. Aí temos regiões assoladas ainda com vendavais, tufões, que destroem tudo que encontram e deixam saldo crescentes de vítimas fatais, a par de prejuízos materiais enormes causados às habitações, ao comércio, à indústria, aos governos, diminuindo as possibilidades financeiro-econômicas dos estados e da nação no seu todo. As maiores vítimas são as populações pobres ou abaixo da linha de pobreza que, com as inundações impiedosas, perdem tudo, móveis, eletrodomésticos, alimentos, roupas etc. Tudo perdido em questão de minutos. Da noite pro dia viram sem-teto, sem nada. Restam o choro e a lamentação.Perdem, pois, sua identidade espacial. A única coisa que lhes resta é o próprio corpo e o espírito esfacelado pelas águas inclementes. Os flagelados vão engrossar o nível do pauperismo e de todos os males decorrentes dessa situação.
Enquanto isso, os Obamas, os Lulas, os demais potentados, bem postos na vida, cercados de conforto e segurança, em hoteis luxuosos, bem vestidos, bem alimentados, acompanhados de ministros, assessores e assemelhados, vão à tribuna das reuniões de cúpula para discutirem a intrincada e vital questão do aquecimento da Terra causado por milhares de toneladas de CO2 saindo das chaminés das fábricas e indústrias das grandes e poderosas nações que estão matando o que resta de vida em nosso planeta.
Não creio nas declarações mais retóricas do que genuínas desses representantes e líderes mundiais, porque, no cômputo geral, o que mais vai pesar serão os gastos bilionários que os grandes terão que desembolsar para aliviar as pequenas nações de suas menores cotas de poluição, provendo-as de tecnologia e de infraestrutura a fim de que elas avancem no seu progresso sem aumentar muito os níveis de poluição. Ora, e as grandes e gigantescas nações, pormque primeiro não se sacrificam um pouco na sua desenfreada atividade econômico-industrial sem os atuais altíssimos níveis de liberação de CO2? Como pretender ajudar as pequenas nações se esses gigantes não se policiam proporcionalmente ao seu consumo e ganância de dólares? De uma certeza estou convencido: a de que, se não sustarmos nosso avassalador envenenamento de nossa atmosfera, não haverá vivente para contar aos netos o que ficou da Terra.
Estamos mais do que técnica e cientificamente informados dos males irreversíveis ocasionados pela insânia dos homens que, pensando ser os donos do mundo, ainda não se deram conta de que a Terra está muito enferma.
Sabemos quem são os culpados pelo aquecimento terrestre. Contudo, como já aconteceu com os desígnios bíblicos do Velho Testamento, ninguém está se lixando para as vozes que parecem falar pela boca dos Céus.
Continuam poluindo, desmatando o Planeta.Teimam em consumir além das necessidades, sobretudo no “planeta” do dólar, região paradisíaca dos milionários que parecem acreditar na imortalidade da força do vil metal, com o qual compram tudo, até a consciência do que é justiça, do que é limite, do que é ser dotado de humanidade.
Na sua embriaguez dionisíaca visando à dinheirama a fundo perdido, nos seus excessos de todos os tipos, no seu hedonismo, esses multimilionários apátridas, multipátridas e ubíquos nas suas gastanças pelos quatro cantos do planeta, apenas pensam em si mesmos e o mundo da miséria que vá pras cucuias. Nunca se viu tanta ausência de integridade da pessoa humana. As águas vão rolar e aí então nem os palácios, as mansões, os castelos medievais com seus arrivistas-proprietários, nem o ouro, o euro, o real e outras invenções dos homens vão dar jeito. Os mares, os oceanos, as calotas polares, os tsunamis, os furacões, os terremotos, os maremotos, os vulcões e outros acts of God. não estão pra peixe, quanto menos para esses ínfimos seres que se chamam (deviam se envergonhar disso) humanos.
Pouco ou nada sobrará, exceto as águas do mar como no exemplo paradigmático de Moby Dick de Helman Melville (1819-1891), onde as águas oceânicas, depois da tragédia, mal davam sinal de que a vida ali esteve presente e para a qual o destino se fez morte através da ação do homem. Ahab e tudo o mais que estava com ele não passavam de águas do mar que se moviam como sempre o fizeram “há cinco mil anos.”
Cunha e Silva Filho
Há um descompasso visível e mesmo amedrontador entre o que está se vendo com a Mãe-Natureza e os desdobramentos pouco alentadores das autoridades responsáveis pelos destinos do nosso alquebrado Planeta, agora reunidas nos estertores da COP 15, em Copenhague, em meio a protestos de manifestantes e enfrentamentos do porrete da força bruta, igual em qualquer parte, e utilizando-se dos mesmos instrumentos de repressão dos governos locais. Somos iguais na repressão, o que muda é a língua. Todas as polícias são iguais, as diferenças são mínimas. Não há como retomar aqui o maniqueísmo (positivo neste caso) entre o certo e o errado. O errado tem a força e o fogo, o certo tem a consciência dos males da civilização.
Veja-se o exemplo das condições climáticas e pluviométricas no Brasil que, a bom entendedor, dá a medida da compreensão necessária para a elucidação das conseqüências do efeito estufa. Não é preciso ir muito longe no cerne do problema. Basta ver o volume de chuvas torrenciais que castigam boa parte do país e de forma nunca vista no seu conjunto: São Paulo, a região sul, parte do Rio de Janeiro, por enquanto. Aí temos regiões assoladas ainda com vendavais, tufões, que destroem tudo que encontram e deixam saldo crescentes de vítimas fatais, a par de prejuízos materiais enormes causados às habitações, ao comércio, à indústria, aos governos, diminuindo as possibilidades financeiro-econômicas dos estados e da nação no seu todo. As maiores vítimas são as populações pobres ou abaixo da linha de pobreza que, com as inundações impiedosas, perdem tudo, móveis, eletrodomésticos, alimentos, roupas etc. Tudo perdido em questão de minutos. Da noite pro dia viram sem-teto, sem nada. Restam o choro e a lamentação.Perdem, pois, sua identidade espacial. A única coisa que lhes resta é o próprio corpo e o espírito esfacelado pelas águas inclementes. Os flagelados vão engrossar o nível do pauperismo e de todos os males decorrentes dessa situação.
Enquanto isso, os Obamas, os Lulas, os demais potentados, bem postos na vida, cercados de conforto e segurança, em hoteis luxuosos, bem vestidos, bem alimentados, acompanhados de ministros, assessores e assemelhados, vão à tribuna das reuniões de cúpula para discutirem a intrincada e vital questão do aquecimento da Terra causado por milhares de toneladas de CO2 saindo das chaminés das fábricas e indústrias das grandes e poderosas nações que estão matando o que resta de vida em nosso planeta.
Não creio nas declarações mais retóricas do que genuínas desses representantes e líderes mundiais, porque, no cômputo geral, o que mais vai pesar serão os gastos bilionários que os grandes terão que desembolsar para aliviar as pequenas nações de suas menores cotas de poluição, provendo-as de tecnologia e de infraestrutura a fim de que elas avancem no seu progresso sem aumentar muito os níveis de poluição. Ora, e as grandes e gigantescas nações, pormque primeiro não se sacrificam um pouco na sua desenfreada atividade econômico-industrial sem os atuais altíssimos níveis de liberação de CO2? Como pretender ajudar as pequenas nações se esses gigantes não se policiam proporcionalmente ao seu consumo e ganância de dólares? De uma certeza estou convencido: a de que, se não sustarmos nosso avassalador envenenamento de nossa atmosfera, não haverá vivente para contar aos netos o que ficou da Terra.
Estamos mais do que técnica e cientificamente informados dos males irreversíveis ocasionados pela insânia dos homens que, pensando ser os donos do mundo, ainda não se deram conta de que a Terra está muito enferma.
Sabemos quem são os culpados pelo aquecimento terrestre. Contudo, como já aconteceu com os desígnios bíblicos do Velho Testamento, ninguém está se lixando para as vozes que parecem falar pela boca dos Céus.
Continuam poluindo, desmatando o Planeta.Teimam em consumir além das necessidades, sobretudo no “planeta” do dólar, região paradisíaca dos milionários que parecem acreditar na imortalidade da força do vil metal, com o qual compram tudo, até a consciência do que é justiça, do que é limite, do que é ser dotado de humanidade.
Na sua embriaguez dionisíaca visando à dinheirama a fundo perdido, nos seus excessos de todos os tipos, no seu hedonismo, esses multimilionários apátridas, multipátridas e ubíquos nas suas gastanças pelos quatro cantos do planeta, apenas pensam em si mesmos e o mundo da miséria que vá pras cucuias. Nunca se viu tanta ausência de integridade da pessoa humana. As águas vão rolar e aí então nem os palácios, as mansões, os castelos medievais com seus arrivistas-proprietários, nem o ouro, o euro, o real e outras invenções dos homens vão dar jeito. Os mares, os oceanos, as calotas polares, os tsunamis, os furacões, os terremotos, os maremotos, os vulcões e outros acts of God. não estão pra peixe, quanto menos para esses ínfimos seres que se chamam (deviam se envergonhar disso) humanos.
Pouco ou nada sobrará, exceto as águas do mar como no exemplo paradigmático de Moby Dick de Helman Melville (1819-1891), onde as águas oceânicas, depois da tragédia, mal davam sinal de que a vida ali esteve presente e para a qual o destino se fez morte através da ação do homem. Ahab e tudo o mais que estava com ele não passavam de águas do mar que se moviam como sempre o fizeram “há cinco mil anos.”
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
O mistério dos livros
O mistério dos livros
Cunha e Silva Filho
- Não é possível, Lisandro, que tenha aparecido lá naquele sebo, aliás um sebo conhecido, frequentado por muita gente intelectualmente influente. O lançamento foi há um ano atrás,e lá já estão vendendo o livro pela terça parte do valor real. São vinte exemplares Quem os comprou? O Ivan não pode saber desse fato, ficará triste e, sabendo como ele é, já vai pensar que o livro não agradou por mil e um motivos que sua fantasia pode imaginar. Vai cair em depressão.
- E dá pra saber? Se você me diz que o autor, no lançamento, autografou os exemplares de todos os presentes, como é que apareceram no sebo tantos exemplares? É certo que, em quatro livrarias, o livro ainda está disponível.A tiragem foi limitada, reconheço. No lançamento compareceram umas quarenta pessoas.E você, Henrique, ainda me disse que conseguiu saber disso através de uma livraria virtual. O que me intriga é a celeridade com que os livros foram logo vendidos pro sebo. Há alguma coisa aí que não entendo. Vou descobrir quem pode ter vendido todos esses exemplares pro sebo. A obra mal passou de um ano de lançamento e já se encontra no sebo. Já ouvi falar de um fato igual a esse.Que falta de respeito para com o autor!
- Claro, tenho o hábito de pesquisar na internet, meu faro é bom e sempre tenho descoberto alguma coisa pra mim e pra meus amigos, aliás mais pros amigos, como foi o caso que estamos considerando. Mas tenho um plano, vou tentar saber como os livros esbarraram naquele sebo. Logo num único sebo vinte exemplares! Se não estiverem autografados é porque não foi nenhum dos presentes ao lançamento, tá na cara. Então, foram mesmo compradores anônimos que os adquiriram nas quatro livrarias em que estão à venda.Na semana que vem, vou a Botafogo tirar tudo a limpo.
Henrique e Lisandro eram velhos amigos do autor, desses amigos que estão sempre solidários nas horas difíceis. Henrique, também, era seu colega do magistério público estadual, professor de literatura brasileira e língua portuguesa (daí a maior afinidade que tinha com o autor) numa escola do subúrbio, em Coelho Neto. Lisandro era um amigo de conversas sobre a doutrina cardecista. Lecionava biologia no mesmo colégio que o amigo. Ambos tinham uma grande admiração pelo autor do livro que apareceu no sebo. Naquela manhã de verão, os dois estavam conversando à porta central do colégio no qual trabalhavam.
Como e por que os livro foram tão rapidamente descartados por quem os comprou, ninguém sabe. Certamente é bem provável que foram alguns dos presentes ao lançamento.Mas, então, só saberemos se os vinte livros estiverem autografados. Compraram e não gostaram, ou é leitor de ler e, depois, de descartar-se logo do livro lido. Agora, com a facilidade da internet para compra ou venda de livros nas livrarias virtuais, nem precisa de a pessoa sair de casa para fazer uma dessas duas transações. Ou o livro chega na casa de quem o comprou ou vai ser vendido por preço de banana e parar numa sebo virtual, ou não.
No caso do livro – era um livro de contos meio pornográficos, mas, segundo um crítico que o resenhou em conhecido jornal carioca, o livro tinha qualidades graças a seu bom nível literário. Era o acaso de dizer-se; o livro salvou-se pela linguagem, pela forma engenhosa de sua fabulação, pela trama bem urdida, pelos personagens finamente elaborados cheios de vida, daquele tipo que um velho critico que vivia no Meier definia como personagens “de carne e osso”. O livro, porém, no espaço de um ano, não vendeu muito. Não teve repercussão junto ao grande publico, mais afeito às facilidades de best-sellers importados.
--Lá está a livraria que procuro. Vou ver mesmo se os livros ali se encontram disponíveis. O vendedor, que se encontrava logo à entrada da livraria, veio ao meu encontro e me perguntou se queria uma ajuda. Sim, lhe disse e dele inquiri sobre o livro do meu autor e amigo:
--Olhe, eu não me lembro desse livro. Neste momento, uma vendedora logo deles se aproximou e falou ao colega de trabalho que o livro procurado estava, sim, à venda, inclusive com um exemplar numa das estantes de literatura.Os dezenove restantes estavam ainda guardados numa caixa no depósito. Ela retirou o exemplar de uma das estantes e me entregou. Logo vi que não estava autografado. Senti um alívio.Tive vontade de lhe perguntar se os outros estavam ou não autografados, mas me contive. Era algo que deveria investigar depois noutra oportunidade ainda que me tivesse prometido que iria pôr o mistério a limpo. Fiquei na dúvida como os agnósticos.
-- Que bom! exclamei com alegria e surpresa. Quanto custa?
--Dez reais. Foi então que percebi que, na minha carteira, estava apenas com o dinheiro da passagem de ônibus de volta, aliás, duas passagens teria que comprar, já que iria pegar dois ônibus.. Antes, porém, que desse na vista a minha situação embaraçosa, falei com o vendedor que passaria no dia seguinte a fim de levar o livro. Adiantei ainda ao vendedor que era amigo do autor e que ele deixasse reservado aquele exemplar pra mim, não o vendesse a ninguém. Observei que o vendedor ficou um tanto surpreso com a minha desistência de levar o livro.
À noite, em casa, Henrique telefonou pro amigo, o Ivã. Posto Lisandro fosse contrário a que Henrique contasse ao autor sobre a situação sui generis do livro, ainda assim terminou contando tudo que sabia. Relatou-lhe que havia encontrado os vinte exemplares do livro num sebo em Botafogo e que por isso mesmo estava indignado com o que soubera. Do outro lado da linha, Ivan, em silêncio, ouviu a história e não manifestou sequer uma reação, violenta ou não. Permaneceu em silêncio. Henrique despediu-se dele e, em seguida, foi ver o jornal preferido na televisão.
Cunha e Silva Filho
- Não é possível, Lisandro, que tenha aparecido lá naquele sebo, aliás um sebo conhecido, frequentado por muita gente intelectualmente influente. O lançamento foi há um ano atrás,e lá já estão vendendo o livro pela terça parte do valor real. São vinte exemplares Quem os comprou? O Ivan não pode saber desse fato, ficará triste e, sabendo como ele é, já vai pensar que o livro não agradou por mil e um motivos que sua fantasia pode imaginar. Vai cair em depressão.
- E dá pra saber? Se você me diz que o autor, no lançamento, autografou os exemplares de todos os presentes, como é que apareceram no sebo tantos exemplares? É certo que, em quatro livrarias, o livro ainda está disponível.A tiragem foi limitada, reconheço. No lançamento compareceram umas quarenta pessoas.E você, Henrique, ainda me disse que conseguiu saber disso através de uma livraria virtual. O que me intriga é a celeridade com que os livros foram logo vendidos pro sebo. Há alguma coisa aí que não entendo. Vou descobrir quem pode ter vendido todos esses exemplares pro sebo. A obra mal passou de um ano de lançamento e já se encontra no sebo. Já ouvi falar de um fato igual a esse.Que falta de respeito para com o autor!
- Claro, tenho o hábito de pesquisar na internet, meu faro é bom e sempre tenho descoberto alguma coisa pra mim e pra meus amigos, aliás mais pros amigos, como foi o caso que estamos considerando. Mas tenho um plano, vou tentar saber como os livros esbarraram naquele sebo. Logo num único sebo vinte exemplares! Se não estiverem autografados é porque não foi nenhum dos presentes ao lançamento, tá na cara. Então, foram mesmo compradores anônimos que os adquiriram nas quatro livrarias em que estão à venda.Na semana que vem, vou a Botafogo tirar tudo a limpo.
Henrique e Lisandro eram velhos amigos do autor, desses amigos que estão sempre solidários nas horas difíceis. Henrique, também, era seu colega do magistério público estadual, professor de literatura brasileira e língua portuguesa (daí a maior afinidade que tinha com o autor) numa escola do subúrbio, em Coelho Neto. Lisandro era um amigo de conversas sobre a doutrina cardecista. Lecionava biologia no mesmo colégio que o amigo. Ambos tinham uma grande admiração pelo autor do livro que apareceu no sebo. Naquela manhã de verão, os dois estavam conversando à porta central do colégio no qual trabalhavam.
Como e por que os livro foram tão rapidamente descartados por quem os comprou, ninguém sabe. Certamente é bem provável que foram alguns dos presentes ao lançamento.Mas, então, só saberemos se os vinte livros estiverem autografados. Compraram e não gostaram, ou é leitor de ler e, depois, de descartar-se logo do livro lido. Agora, com a facilidade da internet para compra ou venda de livros nas livrarias virtuais, nem precisa de a pessoa sair de casa para fazer uma dessas duas transações. Ou o livro chega na casa de quem o comprou ou vai ser vendido por preço de banana e parar numa sebo virtual, ou não.
No caso do livro – era um livro de contos meio pornográficos, mas, segundo um crítico que o resenhou em conhecido jornal carioca, o livro tinha qualidades graças a seu bom nível literário. Era o acaso de dizer-se; o livro salvou-se pela linguagem, pela forma engenhosa de sua fabulação, pela trama bem urdida, pelos personagens finamente elaborados cheios de vida, daquele tipo que um velho critico que vivia no Meier definia como personagens “de carne e osso”. O livro, porém, no espaço de um ano, não vendeu muito. Não teve repercussão junto ao grande publico, mais afeito às facilidades de best-sellers importados.
--Lá está a livraria que procuro. Vou ver mesmo se os livros ali se encontram disponíveis. O vendedor, que se encontrava logo à entrada da livraria, veio ao meu encontro e me perguntou se queria uma ajuda. Sim, lhe disse e dele inquiri sobre o livro do meu autor e amigo:
--Olhe, eu não me lembro desse livro. Neste momento, uma vendedora logo deles se aproximou e falou ao colega de trabalho que o livro procurado estava, sim, à venda, inclusive com um exemplar numa das estantes de literatura.Os dezenove restantes estavam ainda guardados numa caixa no depósito. Ela retirou o exemplar de uma das estantes e me entregou. Logo vi que não estava autografado. Senti um alívio.Tive vontade de lhe perguntar se os outros estavam ou não autografados, mas me contive. Era algo que deveria investigar depois noutra oportunidade ainda que me tivesse prometido que iria pôr o mistério a limpo. Fiquei na dúvida como os agnósticos.
-- Que bom! exclamei com alegria e surpresa. Quanto custa?
--Dez reais. Foi então que percebi que, na minha carteira, estava apenas com o dinheiro da passagem de ônibus de volta, aliás, duas passagens teria que comprar, já que iria pegar dois ônibus.. Antes, porém, que desse na vista a minha situação embaraçosa, falei com o vendedor que passaria no dia seguinte a fim de levar o livro. Adiantei ainda ao vendedor que era amigo do autor e que ele deixasse reservado aquele exemplar pra mim, não o vendesse a ninguém. Observei que o vendedor ficou um tanto surpreso com a minha desistência de levar o livro.
À noite, em casa, Henrique telefonou pro amigo, o Ivã. Posto Lisandro fosse contrário a que Henrique contasse ao autor sobre a situação sui generis do livro, ainda assim terminou contando tudo que sabia. Relatou-lhe que havia encontrado os vinte exemplares do livro num sebo em Botafogo e que por isso mesmo estava indignado com o que soubera. Do outro lado da linha, Ivan, em silêncio, ouviu a história e não manifestou sequer uma reação, violenta ou não. Permaneceu em silêncio. Henrique despediu-se dele e, em seguida, foi ver o jornal preferido na televisão.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Leitura de jornal
Leitura de jornal
Cunha e Silva Filho
Sábados e domingos são os dois dias da semana reservados para leituras de jornal mais intensas. Deixo até meus estudos semanais específicos para me dedicar aos periódicos. No sábado, leio o JB e, no domingo, a Folha de São Paulo. Esporadicamente, leio O Globo ou um jornal menor. As leituras de jornal fazem parte do meu cronograma cultural, como acho que de muita gente amante do conhecimento e da informação. Uma vez o grande crítico Antonio Candido declarou, se não me engano, numa entrevista para a Folha de São Paulo, que, na formação intelectual, a leitura de jornais entra como um dos elementos decisivos. Compartilho também de seu pensamento.
Todos sabemos quão fortuita é a leitura de jornal, de tal forma que, deixando de ler-se um número de hoje, na manhã seguinte, essa leitura soa anacrônica, como se perdesse o sentido ou a validade.Talvez por isso é que, quando, por um ou outro motivo, deixamos de comprar um jornal e, na última hora, queremos comprá-lo na banca e não o encontramos, na manhã seguinte, se o procuramos, não o encontramos, visto que as sobras são devolvidas ao distribuidor e não sei o destino que realmente vão ter. É assim na prática o que ocorre com os jornais.Os fatos relatados nos jornais são tão dinâmicos que se não lermos o jornal do dia, no outro dia perdemos a chance do envolvimento que a notícia fresca proporciona ao leitor.
È óbvio que, rigorosamente, até podemos ler o exemplar do jornal comprado só no dia seguinte. Isso por vezes acontece por razões variadas. No entanto, o ato da leitura de um jornal fora do dia de sua edição nos dá até uma sensação de desatualidade.
A força da leitura de jornal reside no dia em que é posto na banca para a venda. É fato também que há os cadernos culturais, sobretudo a seção de literatura e de assuntos culturais diversos. Esses cadernos podem esperar por nós. Sua leitura pode ser postergada dada a sua natureza de complexidade, extensão da matéria e especificidade dos temas tratados com maior amplitude e erudição.
A leitura de jornal, guardadas as diferenças, semelha a capítulos de romances lineares (a comparação aqui não é minha, porém dela me aproveito agora).Se no romance os acontecimentos se sucedem e nos prendem a atenção, espicaçando o nosso interesse pela ordem dos fatos desencadeados pela trama, nos jornais existem os necessários desdobramentos da dinâmica social-histórica, fazendo com que essa mídia se torne uma força viva e estuante a fim de veicular novidades locais, regionais, nacionais e internacionais. Esse é o destino de qualquer periódico: manter o leitor inteirado do que acontece no mundo.
O jornal funciona como uma verdadeira radiografia de um país ou do mundo em geral. É bem provável que muita gente nele tem seu melhor meio de cultivar a inteligência e mesmo de formar sua cultura. O ideal de leitor de jornal seria aquele que diariamente lesse o jornal. Entretanto, por questões de economia, muitos leitores não leem jornal diariamente. Da mesma forma, devemos desconfiar daqueles que nos dizem ler vários jornais por dia. Puro exagero. O que se pode entender dessa situação de leitor seria que este pode ver alguma matéria ou outra em vários jornais. Não, porém, o jornal na íntegra. E a vida , como fica?
Acredito que a leitura de um jornal ainda é a melhor forma de comunicação ou de sintonia com o universo de noticias diariamente transmitidas. Nem a internet o suplanta, como o e-book não vai suplantar um livro na sua forma tradicional impressa no papel. Imenso é o prazer que se tem de sair à rua para comprar um jornal de nossa preferência. Que delícia esse ato proporciona aos aficionados dos jornais!
A leitura de jornal é um hábito democrático, porquanto não há fórmula mágica de se ler um jornal, inclusive cada leitor tem o poder de escolha na leitura das partes diferentes que constituem esse veículo de comunicação escrita. Pode o leitor começar por qualquer seção. Pode até descartar-se de outras seções. No jornal lê-se o que nos interessa e pronto.A escolha da parte que se deseja ler em primeiro lugar é um ato puramente idiossincrático.
Certa vez, escrevi uma crônica sobre o meu modo de ler jornal e sobre a minha resistência à leitura da seção de economia, que nunca achei sedutora por razões pessoais que não quero aqui levantar. Era uma implicância até insensata da minha parte, reconheço. Mais tarde, superei em parte essa ojeriza. Uma outra seção que, no meu ranking de leitor de jornal, deixava sempre por último era a dos esportes – justamente essa que é a menina dos olhos do leitor médio brasileiro.
As duas seções que mais me prendiam e ainda prendem a atenção eram a de política internacional e a dos suplementos culturais.Durante anos e anos tenho lido prazerosamente o caderno Idéias&Livros, do JB, que já passou por vários editores e o caderno MAIS! da Folha de São Paulo. Ambos ainda estão em circulação, embora o Idéias&Livros hoje tenha reduzido seu número de páginas. O Caderno Prosa & Verso de O Globo não leio com tanta assiduidade, mas o considero um bom suplemento literário e cultural.
Já possuí coleções dos três citados suplementos. Com o tempo, todavia, por falta de espaço em casa, me desfiz, com o coração partido, de centenas de números daquelas publicações. A minha vontade era de guardá-las todas. É lamentável o descarte pela simples razão de que há uma grande diferença entre a posse de matéria de pesquisa em jornal em nossa casa e a pesquisa que depende dos arquivos, bibliotecas ou instituições privadas com aquela rigorosa exigência cercando o consulente ou o pesquisador e, por vezes, até constrangendo-os. Por isso mesmo têm razão os ingleses quando dizem: “My home is my castle.”
Conheci um professor de biologia que se gabava de ler um jornal de cabo a rabo, chegando ao exagero de ler até os classificados... Isso aos domingos. Outro conhecido me confessou que, nas leituras de suplementos literários, ele fazia uma seleção de matérias e, ao longo de uma semana ou mês, ia digerindo com vagar os suplementos.
Cada leitor, por conseguinte, tem sua peculiar maneira de sentir esse prazer enorme de cultivar o espírito embalado pela sedução que é a leitura de um jornal sobretudo em fins de semana.
Cunha e Silva Filho
Sábados e domingos são os dois dias da semana reservados para leituras de jornal mais intensas. Deixo até meus estudos semanais específicos para me dedicar aos periódicos. No sábado, leio o JB e, no domingo, a Folha de São Paulo. Esporadicamente, leio O Globo ou um jornal menor. As leituras de jornal fazem parte do meu cronograma cultural, como acho que de muita gente amante do conhecimento e da informação. Uma vez o grande crítico Antonio Candido declarou, se não me engano, numa entrevista para a Folha de São Paulo, que, na formação intelectual, a leitura de jornais entra como um dos elementos decisivos. Compartilho também de seu pensamento.
Todos sabemos quão fortuita é a leitura de jornal, de tal forma que, deixando de ler-se um número de hoje, na manhã seguinte, essa leitura soa anacrônica, como se perdesse o sentido ou a validade.Talvez por isso é que, quando, por um ou outro motivo, deixamos de comprar um jornal e, na última hora, queremos comprá-lo na banca e não o encontramos, na manhã seguinte, se o procuramos, não o encontramos, visto que as sobras são devolvidas ao distribuidor e não sei o destino que realmente vão ter. É assim na prática o que ocorre com os jornais.Os fatos relatados nos jornais são tão dinâmicos que se não lermos o jornal do dia, no outro dia perdemos a chance do envolvimento que a notícia fresca proporciona ao leitor.
È óbvio que, rigorosamente, até podemos ler o exemplar do jornal comprado só no dia seguinte. Isso por vezes acontece por razões variadas. No entanto, o ato da leitura de um jornal fora do dia de sua edição nos dá até uma sensação de desatualidade.
A força da leitura de jornal reside no dia em que é posto na banca para a venda. É fato também que há os cadernos culturais, sobretudo a seção de literatura e de assuntos culturais diversos. Esses cadernos podem esperar por nós. Sua leitura pode ser postergada dada a sua natureza de complexidade, extensão da matéria e especificidade dos temas tratados com maior amplitude e erudição.
A leitura de jornal, guardadas as diferenças, semelha a capítulos de romances lineares (a comparação aqui não é minha, porém dela me aproveito agora).Se no romance os acontecimentos se sucedem e nos prendem a atenção, espicaçando o nosso interesse pela ordem dos fatos desencadeados pela trama, nos jornais existem os necessários desdobramentos da dinâmica social-histórica, fazendo com que essa mídia se torne uma força viva e estuante a fim de veicular novidades locais, regionais, nacionais e internacionais. Esse é o destino de qualquer periódico: manter o leitor inteirado do que acontece no mundo.
O jornal funciona como uma verdadeira radiografia de um país ou do mundo em geral. É bem provável que muita gente nele tem seu melhor meio de cultivar a inteligência e mesmo de formar sua cultura. O ideal de leitor de jornal seria aquele que diariamente lesse o jornal. Entretanto, por questões de economia, muitos leitores não leem jornal diariamente. Da mesma forma, devemos desconfiar daqueles que nos dizem ler vários jornais por dia. Puro exagero. O que se pode entender dessa situação de leitor seria que este pode ver alguma matéria ou outra em vários jornais. Não, porém, o jornal na íntegra. E a vida , como fica?
Acredito que a leitura de um jornal ainda é a melhor forma de comunicação ou de sintonia com o universo de noticias diariamente transmitidas. Nem a internet o suplanta, como o e-book não vai suplantar um livro na sua forma tradicional impressa no papel. Imenso é o prazer que se tem de sair à rua para comprar um jornal de nossa preferência. Que delícia esse ato proporciona aos aficionados dos jornais!
A leitura de jornal é um hábito democrático, porquanto não há fórmula mágica de se ler um jornal, inclusive cada leitor tem o poder de escolha na leitura das partes diferentes que constituem esse veículo de comunicação escrita. Pode o leitor começar por qualquer seção. Pode até descartar-se de outras seções. No jornal lê-se o que nos interessa e pronto.A escolha da parte que se deseja ler em primeiro lugar é um ato puramente idiossincrático.
Certa vez, escrevi uma crônica sobre o meu modo de ler jornal e sobre a minha resistência à leitura da seção de economia, que nunca achei sedutora por razões pessoais que não quero aqui levantar. Era uma implicância até insensata da minha parte, reconheço. Mais tarde, superei em parte essa ojeriza. Uma outra seção que, no meu ranking de leitor de jornal, deixava sempre por último era a dos esportes – justamente essa que é a menina dos olhos do leitor médio brasileiro.
As duas seções que mais me prendiam e ainda prendem a atenção eram a de política internacional e a dos suplementos culturais.Durante anos e anos tenho lido prazerosamente o caderno Idéias&Livros, do JB, que já passou por vários editores e o caderno MAIS! da Folha de São Paulo. Ambos ainda estão em circulação, embora o Idéias&Livros hoje tenha reduzido seu número de páginas. O Caderno Prosa & Verso de O Globo não leio com tanta assiduidade, mas o considero um bom suplemento literário e cultural.
Já possuí coleções dos três citados suplementos. Com o tempo, todavia, por falta de espaço em casa, me desfiz, com o coração partido, de centenas de números daquelas publicações. A minha vontade era de guardá-las todas. É lamentável o descarte pela simples razão de que há uma grande diferença entre a posse de matéria de pesquisa em jornal em nossa casa e a pesquisa que depende dos arquivos, bibliotecas ou instituições privadas com aquela rigorosa exigência cercando o consulente ou o pesquisador e, por vezes, até constrangendo-os. Por isso mesmo têm razão os ingleses quando dizem: “My home is my castle.”
Conheci um professor de biologia que se gabava de ler um jornal de cabo a rabo, chegando ao exagero de ler até os classificados... Isso aos domingos. Outro conhecido me confessou que, nas leituras de suplementos literários, ele fazia uma seleção de matérias e, ao longo de uma semana ou mês, ia digerindo com vagar os suplementos.
Cada leitor, por conseguinte, tem sua peculiar maneira de sentir esse prazer enorme de cultivar o espírito embalado pela sedução que é a leitura de um jornal sobretudo em fins de semana.
Fernando Pessoa: "English sonnet XIII"
Fernando Pessoa: “English sonnet XIII”
WHEN I SHOULD be asleep to mine voice
In telling theee how much thy love’s dream,
I find me listening to myself, the noise
Of my words othered in my hearing them .
Yet wonder not: this is the poet’s soul.
I could not tell thee well of how I love,
Loved I not less by knowing it, were all
My selfn my love and no thought love to prove.
What consciousness makes more by consciousness,
It makes less, for it makes it less itself,
My sense of loçve could not my love rich-dress
Did it not for it spend love’s own love-pelf.
Poet’s love’s this ( as in these words I prove theee):
I love my love for thee more than I love thee
Soneto XIII
QUANDO SURDO FOSSE à minha própria voz.
Ao dizer-te o quanto o teu amor meu sonho é,
Vejo-me escutando, na minha própria voz, os tumultuados sons
De minhas palavras de sentido mudando ao ouvi-los.
Contudo, não te admires não: esta é a alma do poeta.
Confessar-te bem o tipo do meu amor não poderia,
Menor não ficaria o amor nem por sabê-lo, embora
Tal sentimento todo o meu ser invadisse e não pudesse eu exprimi-lo.
O que a consciência mais faz pela consciência
A desejar ela deixa, pois ainda mais diferente a torna.
Meu sentimento amoroso engrandecer meu amor não poderia
Se para tanto gastasse do amor.o próprio roubado amor.
O amor do poeta é isso ( consoante demonstro nestas palavras):
Amo o meu amor por ti mais do que te amo.
WHEN I SHOULD be asleep to mine voice
In telling theee how much thy love’s dream,
I find me listening to myself, the noise
Of my words othered in my hearing them .
Yet wonder not: this is the poet’s soul.
I could not tell thee well of how I love,
Loved I not less by knowing it, were all
My selfn my love and no thought love to prove.
What consciousness makes more by consciousness,
It makes less, for it makes it less itself,
My sense of loçve could not my love rich-dress
Did it not for it spend love’s own love-pelf.
Poet’s love’s this ( as in these words I prove theee):
I love my love for thee more than I love thee
Soneto XIII
QUANDO SURDO FOSSE à minha própria voz.
Ao dizer-te o quanto o teu amor meu sonho é,
Vejo-me escutando, na minha própria voz, os tumultuados sons
De minhas palavras de sentido mudando ao ouvi-los.
Contudo, não te admires não: esta é a alma do poeta.
Confessar-te bem o tipo do meu amor não poderia,
Menor não ficaria o amor nem por sabê-lo, embora
Tal sentimento todo o meu ser invadisse e não pudesse eu exprimi-lo.
O que a consciência mais faz pela consciência
A desejar ela deixa, pois ainda mais diferente a torna.
Meu sentimento amoroso engrandecer meu amor não poderia
Se para tanto gastasse do amor.o próprio roubado amor.
O amor do poeta é isso ( consoante demonstro nestas palavras):
Amo o meu amor por ti mais do que te amo.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Por um fio
Por um fio
Cunha e Silva Filho
A História da (in) civilização já passou por várias e marcantes (positivas e negativas, mais negativas do que positivas) fases de insegurança e ausência daquela paz que há séculos almejamos todos nós mortais:Inquisição, Revolução Francesa, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Holocausto, Guerra Fria, Queda do Muro de Berlim, desintegração da Rússia comunista, Revolução Chinesa, Guerra do Vietnam, Globalização ( ainda em franco andamento, para o bem ou para o mal), terrorismo em grande escala, 11 de Setembro, 2ª Depressão ( em fase de reequilíbrio financeiro etc., etc. Não basta?Infelizmente não.
O mundo ainda está por um fio. Na América Latina, pairam sombras. Os ianques estão próximos dessa região. Cuba, ainda isolada, agora sob a batuta de Raúl Castro, irmão de Fidel Castro, dá sinais de real apreensão atinente a uma possível invasão por parte dos americanos – sempre eles! Os jornais noticiam declarações de militares americanos sobre uma possível invasão ( qual é o fundamento?) E, para resumir, o caso do Irã de Ahmadinejad (ufa, que nome difícil de pronunciar!).
E veja, leitor, que nem estou falando dos intermináveis conflitos bélicos no Afeganistão e em algumas outras regiões, como o Paquistão, a Índia, o Vietnam do Norte em relação ao do Sul.
Volto ao Irã, cujo presidente há pouco esteve em visita ao Brasil para ensejar maior aproximação bilateral, se bem que com protestos de grupos ligados a Israel e a movimentos pelos direitos de homossexuais.
A questão do Irã, neste artigo, me interessa mais, principalmente se levo em consideração o tema do programa nuclear – nó górdio – que se põe ao debate entre as potências hegemônicas, à frente delas os EUA.
Há, no entanto, uma premissa que vejo como crucial ao desdobramento da crise mundial envolvendo o governo islâmico do Irã e seu propósito de levar adiante o seu programa nuclear com a finalidade de, pelo enriquecimento do urânio, obter combustível energético ou, segundo seus adversários, conseguir, através disso, a fabricação de armas atômicas. Não vejo como absurda a possibilidade de um país ter o direito de se defender em igualdade de condições com as grandes potências. O Irã, como qualquer outro país soberano, tem o direito de se atualizar frente ao programa nuclear para fins pacíficos, e bem assim se precaver contra possíveis ataques, por motivos geopolíticos e econômicos, de potências mundiais lideradas pelos EUA. Isso é um direito líquido e certo que o país dos aiatolás tem, assim como outros países no mundo.
Uma pergunta se faz necessária: por que outros países detêm os arsenais nucleares para fins pacíficos ou belicosos e um outro país não? São, então, dois pesos para uma medida utilizados pelas grandes potências em relação a outros países periféricos? Não é justo, ó Tio Sam. E por que não desarmam os países hegemônicos no setor de armas nucleares: são eles moralmente superiores aos outros ? Creio que não. Onde fica a justiça?
Não acredito que os países adiantados do planeta sejam os únicos privilegiados na posse constante de armamentos nucleares, com capacidade de varrer a vida humana na Terra, já de si tão covardemente arrasada para atender à insaciabilidade dos lucros do capitalismo mundial.
Como pode a ONU censurar o Irã se este organismo, através do seu Conselho de Segurança, não logrou travar os delírios e a insanidade megalomaníaca do ex-presidente Bush II? Esse, sim, invadiu o Iraque e cometeu as maiores atrocidades de guerra inútil, cara, injusta e digna da execração da consciência pública mundial. O ataque ao Iraque foi, sim, em muitos aspectos, um genocídio porque os alvos das armas de alta potência letal atingiram pusilanimemente aquele país, porquanto era alvos dirigidos contra a população civil. Hoje, o país virou um a nação fantasma, destruído até no seu belo e rico patrimônio histórico.
Com respeito ao presidente Ahmadinejad, a única ressalta que lhe faço é por sua insensatez em não reconhecer os crimes do nazismo contra os judeus, culminando numa das fases mais abomináveis da humanidade, que é o Holocausto. Da mesma forma, reprovo suas idéias em equerer varrer do mapa o estado de Israel. Há para isso que se encontrar uma diálogo conclusivo acerca da paz no Oriente Médio. Isso é exequível, não é uma utopia. É uma questão de real vontade política entre árabes e judeus.
Todas as nações, ainda as pequenas e com pouco peso e poder de barganha, devem se proteger das intervenções das grandes potências.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a qual está associada à ONU, ao censurar, por votação majoritária, o Irâ por este, segundo ela, estar secretamente construindo uma usina nuclear de enriquecimento de urânio, deveria, sim, é lutar para que as nações detentoras do enriquecimento do urânio para fins pacíficos e bélicos, o fizessem, através de acordo entre os países membros do Conselho de Segurança da ONU – o chamado grupo P5+ 1 (países membro do Conselho de Segurança mais a Alemanha) - apenas para finalidades pacíficas.
A abstenção da diplomacia brasileira em não votar censura contra o Irã, mostra, a meu ver, que nosso país está aos poucos amadurecendo suas posições frente à questão nuclear. A justificativa brasileira demonstra alguma vontade de alcançar a necessária independência de decisões sobre assuntos de grande relevância no complicado xadrez da política externa. O país está realmente se inserindo numa nova fase, angariando, assim, pelo menos de alguns países, o respeito pelas tentativa de solucionar – pacificamente - os graves problemas internacionais.
Os Estados Unidos não podem nem devem manter-se indefinidamente nessa conhecida arrogância militarista de pretender dirigir os destinos dos povos mais fracos. Há urgência de eles entenderem que o mundo não foi desenhado para cumprir ordens, desígnios e atitudes de natureza imperialista. Que se lembrem das lições da História e nelas se espelhem para o bem da humanidade.
Cunha e Silva Filho
A História da (in) civilização já passou por várias e marcantes (positivas e negativas, mais negativas do que positivas) fases de insegurança e ausência daquela paz que há séculos almejamos todos nós mortais:Inquisição, Revolução Francesa, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Holocausto, Guerra Fria, Queda do Muro de Berlim, desintegração da Rússia comunista, Revolução Chinesa, Guerra do Vietnam, Globalização ( ainda em franco andamento, para o bem ou para o mal), terrorismo em grande escala, 11 de Setembro, 2ª Depressão ( em fase de reequilíbrio financeiro etc., etc. Não basta?Infelizmente não.
O mundo ainda está por um fio. Na América Latina, pairam sombras. Os ianques estão próximos dessa região. Cuba, ainda isolada, agora sob a batuta de Raúl Castro, irmão de Fidel Castro, dá sinais de real apreensão atinente a uma possível invasão por parte dos americanos – sempre eles! Os jornais noticiam declarações de militares americanos sobre uma possível invasão ( qual é o fundamento?) E, para resumir, o caso do Irã de Ahmadinejad (ufa, que nome difícil de pronunciar!).
E veja, leitor, que nem estou falando dos intermináveis conflitos bélicos no Afeganistão e em algumas outras regiões, como o Paquistão, a Índia, o Vietnam do Norte em relação ao do Sul.
Volto ao Irã, cujo presidente há pouco esteve em visita ao Brasil para ensejar maior aproximação bilateral, se bem que com protestos de grupos ligados a Israel e a movimentos pelos direitos de homossexuais.
A questão do Irã, neste artigo, me interessa mais, principalmente se levo em consideração o tema do programa nuclear – nó górdio – que se põe ao debate entre as potências hegemônicas, à frente delas os EUA.
Há, no entanto, uma premissa que vejo como crucial ao desdobramento da crise mundial envolvendo o governo islâmico do Irã e seu propósito de levar adiante o seu programa nuclear com a finalidade de, pelo enriquecimento do urânio, obter combustível energético ou, segundo seus adversários, conseguir, através disso, a fabricação de armas atômicas. Não vejo como absurda a possibilidade de um país ter o direito de se defender em igualdade de condições com as grandes potências. O Irã, como qualquer outro país soberano, tem o direito de se atualizar frente ao programa nuclear para fins pacíficos, e bem assim se precaver contra possíveis ataques, por motivos geopolíticos e econômicos, de potências mundiais lideradas pelos EUA. Isso é um direito líquido e certo que o país dos aiatolás tem, assim como outros países no mundo.
Uma pergunta se faz necessária: por que outros países detêm os arsenais nucleares para fins pacíficos ou belicosos e um outro país não? São, então, dois pesos para uma medida utilizados pelas grandes potências em relação a outros países periféricos? Não é justo, ó Tio Sam. E por que não desarmam os países hegemônicos no setor de armas nucleares: são eles moralmente superiores aos outros ? Creio que não. Onde fica a justiça?
Não acredito que os países adiantados do planeta sejam os únicos privilegiados na posse constante de armamentos nucleares, com capacidade de varrer a vida humana na Terra, já de si tão covardemente arrasada para atender à insaciabilidade dos lucros do capitalismo mundial.
Como pode a ONU censurar o Irã se este organismo, através do seu Conselho de Segurança, não logrou travar os delírios e a insanidade megalomaníaca do ex-presidente Bush II? Esse, sim, invadiu o Iraque e cometeu as maiores atrocidades de guerra inútil, cara, injusta e digna da execração da consciência pública mundial. O ataque ao Iraque foi, sim, em muitos aspectos, um genocídio porque os alvos das armas de alta potência letal atingiram pusilanimemente aquele país, porquanto era alvos dirigidos contra a população civil. Hoje, o país virou um a nação fantasma, destruído até no seu belo e rico patrimônio histórico.
Com respeito ao presidente Ahmadinejad, a única ressalta que lhe faço é por sua insensatez em não reconhecer os crimes do nazismo contra os judeus, culminando numa das fases mais abomináveis da humanidade, que é o Holocausto. Da mesma forma, reprovo suas idéias em equerer varrer do mapa o estado de Israel. Há para isso que se encontrar uma diálogo conclusivo acerca da paz no Oriente Médio. Isso é exequível, não é uma utopia. É uma questão de real vontade política entre árabes e judeus.
Todas as nações, ainda as pequenas e com pouco peso e poder de barganha, devem se proteger das intervenções das grandes potências.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a qual está associada à ONU, ao censurar, por votação majoritária, o Irâ por este, segundo ela, estar secretamente construindo uma usina nuclear de enriquecimento de urânio, deveria, sim, é lutar para que as nações detentoras do enriquecimento do urânio para fins pacíficos e bélicos, o fizessem, através de acordo entre os países membros do Conselho de Segurança da ONU – o chamado grupo P5+ 1 (países membro do Conselho de Segurança mais a Alemanha) - apenas para finalidades pacíficas.
A abstenção da diplomacia brasileira em não votar censura contra o Irã, mostra, a meu ver, que nosso país está aos poucos amadurecendo suas posições frente à questão nuclear. A justificativa brasileira demonstra alguma vontade de alcançar a necessária independência de decisões sobre assuntos de grande relevância no complicado xadrez da política externa. O país está realmente se inserindo numa nova fase, angariando, assim, pelo menos de alguns países, o respeito pelas tentativa de solucionar – pacificamente - os graves problemas internacionais.
Os Estados Unidos não podem nem devem manter-se indefinidamente nessa conhecida arrogância militarista de pretender dirigir os destinos dos povos mais fracos. Há urgência de eles entenderem que o mundo não foi desenhado para cumprir ordens, desígnios e atitudes de natureza imperialista. Que se lembrem das lições da História e nelas se espelhem para o bem da humanidade.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Aquela foto
A arte é uma fada que transmuta
E transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.
(Manuel Bandeira, A cinzas das horas)
Cunha e Silva Filho
Sim, aquela foto, olhada de hoje, não é “apenas um retrato na parede’, porque nem o coloquei na parede nem mesmo num porta-retratos, mas ficou solto, guardado em pequeno envelope junto a outras fotos do álbum de família.
Está em preto e branco e data do final da década de oitenta do século passado. Isso de falar de século passado, aos olhos dos jovens de hoje, parece associar-se à velhice, o que nem sempre é verdade porquanto muitos que nasceram até 2000 pertencem ao século passado e ainda estão na fase infantil, na adolescência, na vida adulta ou mesmo na velhice remota ou avançada. Portanto, nem sempre o século passado é sinônimo de velhice ou anacronismo. Fui eu próprio quem bateu aquela foto.
Nela aparecem meus dois filhos, Francisco e Alexandre. Ali estão juntos no gramado da Praça Marco Aurélio, na Vila da Penha, bairro da Leopoldina, no Rio de Janeiro.
Francisco, o mais velho, está sentado na grama, usando bermuda, camiseta leve estampada, sem mangas; Alexandre, em pé, ao lado do irmão, vestindo uma camisa de manga abotoada, usando um calção, parece pronto para receber o flash que marca um dia, um instante de vida. Eram dois meninos, em plena infância, sorrindo para a vida e para a inocência. Olhavam ambos para o foco da câmara. Eu era, então, apenas a ausência presente. Não podia ser diferente.
Aquele retrato, pequeno, em forma quadrada, recorda um tempo de idade e de paisagem. Fora batido naquela praça já mencionada, praça simples e sem beleza. A beleza eram aquelas duas crianças que me encantaram os olhos para sempre. Aos fundos da foto, o céu aberto descortinando o espaço formado da Estrada Vicente de Carvalho, extensa rua cujo extremo acaba em outro bairro, Vaz Lobo, sendo este precedido pelo bairro homônimo Vicente de Carvalho e um sub-bairro chamado Vila kosmos.
Concentro-me nos limites espaciais da pequena foto e vejo, recordando sempre, de um lado a calçada da Vicente de Carvalho e, do outro lado da mesma rua, a outra calçada. Esta mostra duas árvores de média altura dando boa sombra no acanto direito da foto. Neste mesmo canto, havia uma casa de móveis. Do outro lado da calçada, a foto exibe uma fieira de casas velhas, numa das quais havia uma farmácia. Hoje tudo mudou. Não há mais a fieira de casas velhas, mas sim um prédio novo de apartamentos. Do lado oposto, pouco mudou. As árvores continuam lá.
Voltando ao locus da Praça Marco Aurélio, que se forma num círculo e numa encruzilhada, por detrás da posição em que se encontravam meus filhos na foto,havia um pequeno gramado. Fora deste, um banco de cimento, naquele instante, solitário.
Sempre que lembramos fatos passados costuma-se dizer, mudando-se apenas a forma de expressão, mais ou menos o seguinte:: “Como o tempo passou rápido! Não é possível!” Recordo-me agora daquela afirmação de Roland Barthes: “Todo texto é um intertexto.” Assertiva que me leva neste instante para aquele comovente, belo e desencantado (perdoe-me o oxímoro) poema “Filhos” de Ferreira Gullar.
No poema, Gullar, na primeira parte, se didaticamente o dividir, narra a cena (no passado) em jque os três filhos do poeta, pequeninos,, álacres e buliçosos, entraram no escritório dele. Numa segunda parte do poema (poema, de resto, que primeiro vi recitado pelo próprio poeta numa conferência há anos na Faculdade de Letras da UFRJ, uma cópia do qual distribuíram aos presentes), pela boca do “eu lírico”, o poeta medita sobre a efemeridade da existência que, num pulo, parece se transportar para o futuro ( o presente da escrita do poema) e, aí, não mais tem, junto de si, aqueles meninos correndo em direção ao seu escritório, pois hoje são adultos, com mais de “trinta anos”.
Entre o passado e o presente medeia a reflexão profunda, universal e inescapável: a impossibilidade da apreensão real do passado, da perda do afeto “que poderia ter sido e não foi’ no tempo próprio. Tal tempo não aproveitado, em decorrência dos atropelos da vida, está fisicamente sepultado. Ao poeta nem vale a consolação da relembrança, porque esta se faz, no futuro, desapontamento e desconsolo, definitivo no tempo não vivido, que é o tempo perdido na voragem e precariedade existencial: “Só então/me perguntei/ por que/ não lhes dera/maior/atenção/ se há tantos/ e tantos/ anos/ não os via crianças”.
Ao meu leitor, quero asseverar que, acompanhando o universo interior do poeta do Poema sujo, me encontro, agora, na mesma posição espiritual vivenciada no futuro, que é o presente da minha a escrita desta crônica de amor e saudades.
E transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.
(Manuel Bandeira, A cinzas das horas)
Cunha e Silva Filho
Sim, aquela foto, olhada de hoje, não é “apenas um retrato na parede’, porque nem o coloquei na parede nem mesmo num porta-retratos, mas ficou solto, guardado em pequeno envelope junto a outras fotos do álbum de família.
Está em preto e branco e data do final da década de oitenta do século passado. Isso de falar de século passado, aos olhos dos jovens de hoje, parece associar-se à velhice, o que nem sempre é verdade porquanto muitos que nasceram até 2000 pertencem ao século passado e ainda estão na fase infantil, na adolescência, na vida adulta ou mesmo na velhice remota ou avançada. Portanto, nem sempre o século passado é sinônimo de velhice ou anacronismo. Fui eu próprio quem bateu aquela foto.
Nela aparecem meus dois filhos, Francisco e Alexandre. Ali estão juntos no gramado da Praça Marco Aurélio, na Vila da Penha, bairro da Leopoldina, no Rio de Janeiro.
Francisco, o mais velho, está sentado na grama, usando bermuda, camiseta leve estampada, sem mangas; Alexandre, em pé, ao lado do irmão, vestindo uma camisa de manga abotoada, usando um calção, parece pronto para receber o flash que marca um dia, um instante de vida. Eram dois meninos, em plena infância, sorrindo para a vida e para a inocência. Olhavam ambos para o foco da câmara. Eu era, então, apenas a ausência presente. Não podia ser diferente.
Aquele retrato, pequeno, em forma quadrada, recorda um tempo de idade e de paisagem. Fora batido naquela praça já mencionada, praça simples e sem beleza. A beleza eram aquelas duas crianças que me encantaram os olhos para sempre. Aos fundos da foto, o céu aberto descortinando o espaço formado da Estrada Vicente de Carvalho, extensa rua cujo extremo acaba em outro bairro, Vaz Lobo, sendo este precedido pelo bairro homônimo Vicente de Carvalho e um sub-bairro chamado Vila kosmos.
Concentro-me nos limites espaciais da pequena foto e vejo, recordando sempre, de um lado a calçada da Vicente de Carvalho e, do outro lado da mesma rua, a outra calçada. Esta mostra duas árvores de média altura dando boa sombra no acanto direito da foto. Neste mesmo canto, havia uma casa de móveis. Do outro lado da calçada, a foto exibe uma fieira de casas velhas, numa das quais havia uma farmácia. Hoje tudo mudou. Não há mais a fieira de casas velhas, mas sim um prédio novo de apartamentos. Do lado oposto, pouco mudou. As árvores continuam lá.
Voltando ao locus da Praça Marco Aurélio, que se forma num círculo e numa encruzilhada, por detrás da posição em que se encontravam meus filhos na foto,havia um pequeno gramado. Fora deste, um banco de cimento, naquele instante, solitário.
Sempre que lembramos fatos passados costuma-se dizer, mudando-se apenas a forma de expressão, mais ou menos o seguinte:: “Como o tempo passou rápido! Não é possível!” Recordo-me agora daquela afirmação de Roland Barthes: “Todo texto é um intertexto.” Assertiva que me leva neste instante para aquele comovente, belo e desencantado (perdoe-me o oxímoro) poema “Filhos” de Ferreira Gullar.
No poema, Gullar, na primeira parte, se didaticamente o dividir, narra a cena (no passado) em jque os três filhos do poeta, pequeninos,, álacres e buliçosos, entraram no escritório dele. Numa segunda parte do poema (poema, de resto, que primeiro vi recitado pelo próprio poeta numa conferência há anos na Faculdade de Letras da UFRJ, uma cópia do qual distribuíram aos presentes), pela boca do “eu lírico”, o poeta medita sobre a efemeridade da existência que, num pulo, parece se transportar para o futuro ( o presente da escrita do poema) e, aí, não mais tem, junto de si, aqueles meninos correndo em direção ao seu escritório, pois hoje são adultos, com mais de “trinta anos”.
Entre o passado e o presente medeia a reflexão profunda, universal e inescapável: a impossibilidade da apreensão real do passado, da perda do afeto “que poderia ter sido e não foi’ no tempo próprio. Tal tempo não aproveitado, em decorrência dos atropelos da vida, está fisicamente sepultado. Ao poeta nem vale a consolação da relembrança, porque esta se faz, no futuro, desapontamento e desconsolo, definitivo no tempo não vivido, que é o tempo perdido na voragem e precariedade existencial: “Só então/me perguntei/ por que/ não lhes dera/maior/atenção/ se há tantos/ e tantos/ anos/ não os via crianças”.
Ao meu leitor, quero asseverar que, acompanhando o universo interior do poeta do Poema sujo, me encontro, agora, na mesma posição espiritual vivenciada no futuro, que é o presente da minha a escrita desta crônica de amor e saudades.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Fernando Pessoa: "Sonnet XII"
Fernando Pessoa: “Sonnet XII”
Sonnet XII
AS THE LONE, frighted user of a night-road
Sudenly turns round, nothing to detect,
Yet on his fear-s sen se keepeth still the load
O f that brink-nothing he doth but suspect;
And the cold terror moves to him more near
Of somenting that from nothing cast a spell,
That, when he moves, to fright more is not there,
And’s only visible when invisible:
So I upon the world turn round in thought,
And nothing viewing do no courage take,
But may more terror, from no seen cause got,
To that felt corprate emptiness forsake,
And draw my sense of mystery’s horror from
Seeing no mystery’s mystery alone.
Soneto XII
QUANDO O SOLITÁRIO noturno caminheiro
Se volta de súbito, mas nada ver consegue,
O sentimento do medo, todavia, ainda dele não se afasta
Daquele tudo-nada de que por força apenas suspeita;
Como de algo que do nada um feitiço lança,
Algo que, quando ele se movimenta, não ali está para mais assustar,
E, quando visível, se mostra apenas invisível.
Sendo assim, para o mundo em pensamento, as costas dou.
E o não ver nada coragem não cria,
Contudo, ao crescer com o não visto, maior o meu terror
Se abandona àquele sentido de vazio-cheio.
E retira meu sentimento do horror do mistério por
Não ver mistério algum do mistério só.
Sonnet XII
AS THE LONE, frighted user of a night-road
Sudenly turns round, nothing to detect,
Yet on his fear-s sen se keepeth still the load
O f that brink-nothing he doth but suspect;
And the cold terror moves to him more near
Of somenting that from nothing cast a spell,
That, when he moves, to fright more is not there,
And’s only visible when invisible:
So I upon the world turn round in thought,
And nothing viewing do no courage take,
But may more terror, from no seen cause got,
To that felt corprate emptiness forsake,
And draw my sense of mystery’s horror from
Seeing no mystery’s mystery alone.
Soneto XII
QUANDO O SOLITÁRIO noturno caminheiro
Se volta de súbito, mas nada ver consegue,
O sentimento do medo, todavia, ainda dele não se afasta
Daquele tudo-nada de que por força apenas suspeita;
Como de algo que do nada um feitiço lança,
Algo que, quando ele se movimenta, não ali está para mais assustar,
E, quando visível, se mostra apenas invisível.
Sendo assim, para o mundo em pensamento, as costas dou.
E o não ver nada coragem não cria,
Contudo, ao crescer com o não visto, maior o meu terror
Se abandona àquele sentido de vazio-cheio.
E retira meu sentimento do horror do mistério por
Não ver mistério algum do mistério só.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Política e Rapinagem
Política e Rapinagem
Cunha e Silva Filho
O padre Antonio Vieira (1608-1697), o maior orador sacro da língua portuguesa do período do Barroco, escreveu um texto admirável sobre a roubalheira, a rapinagem, texto que, apesar da distância da temporalidade, mais ainda se torna atual e elucidativo para explicar esse permanente estado de corrupção da atividade político-administrativa por que está passando o país. A melhor imagem desse estado é de um câncer maligno tomando conta de todo o tecido político, de todas as nossas práticas políticas com mito poucas exceções no território nacional. Cumpre assinalar que considerável parcela dessa estado de degenerescência de nossa vida pública tem seu ponto de partida justamente na capital federal – logo ela que deveria dar o melhor exemplo de probidade com o bem público.
Não bastasse o Mensalão que, ao ser revelado pela mídia, pôs a nu as “veias abertas’ dos atos e comportamentos indecorosos de nosso políticos, com irradiações deletérias em todos os poderes da República, agora pipocou – mais um novo capítulo nessa série de escândalos nacionais. E onde? Em Brasília, como não? Desta vez, o envolvido é o governador do Distrito Federal e seus auxiliares, numa teia de aranha fétida que atingiu não só o executivo, mas o legislativo e judiciário.
A impressão que tenho, e que acredito tenham todos os cidadãos brasileiros honestos dessa pátria tão malferida e enxovalhada por mais esse descalabro, é a de que nem de longe me parece que a moralidade no trato da res publica possa ser reabilitada. Tudo conspira contra a política e os político, guardadas as devidas e clássicas exceções.
A gravidade do despudor é tamanha que mal acreditamos estarmos assistindo a esses fatos desastrosos para a imagem de nosso povo, porque, afinal de contas, o político metonimicamente considerado, é a representação do povo, dos eleitores, das aspirações populares, dos pleitos da sociedade..Essa política minúscula praticada por esses supostos cidadãos que nos representam nos dois poderes, executivo e legislativo, mas que, quando empossados e diplomados, esquecem de sua ética e passam a desrespeitar todo um projeto político através do qual, pelo menos para alguns eleitores, lutariam para implementar e, desse modo, atender ao eleitorado que a ele confiaram um mandato.
Chegamos a um limite insuportável de paciência com respeito aos desmandos e falcatruas amplamente divulgados pela mídia. Como é possível manter-se impune um governador, ou um deputado, ou mesmo um membro do judiciário que deem demonstração de prevaricar? Um governador colhido nas malhas das câmaras e gravações, expondo ao povo brasileiro o que há de pior na ética das ações humanas se afigura forte demais para que uma sociedade não reaja energicamente contra essa ignomínia. São imagens terríveis, misto de cinismo, ópera bufa e tragédia mambembe de bastidores da vida política brasileira. Demonstração de comportamento de homens que se servem de seus cargos para vilipendiar as práticas sadias da administração pública, desde as campanha para eleições até durante todo o período de mandato. O candidato a um mandato tem que provar que é probo antes e depois das eleições. Se for apanhado em atos de ilicitudes antes das eleições, ainda se torna mais grave a posição do candidato.
Se não houver punição efetiva e rigorosa para essa súcia de politiqueiros, legisladores e membros do judiciário de qualquer instância , haverá retrocesso e risco para a continuidade do regime democrático.
O povo já está saturado de políticos que se revelam tão ou mais condenáveis do que os delinqüentes das baixa camadas da sociedade.
Estamos aguardando que os culpados pelo desvirtuamento da vida pública brasileira sejam condenados após reveladas as suas culpabilidades e desídias contra a sociedade.
Cunha e Silva Filho
O padre Antonio Vieira (1608-1697), o maior orador sacro da língua portuguesa do período do Barroco, escreveu um texto admirável sobre a roubalheira, a rapinagem, texto que, apesar da distância da temporalidade, mais ainda se torna atual e elucidativo para explicar esse permanente estado de corrupção da atividade político-administrativa por que está passando o país. A melhor imagem desse estado é de um câncer maligno tomando conta de todo o tecido político, de todas as nossas práticas políticas com mito poucas exceções no território nacional. Cumpre assinalar que considerável parcela dessa estado de degenerescência de nossa vida pública tem seu ponto de partida justamente na capital federal – logo ela que deveria dar o melhor exemplo de probidade com o bem público.
Não bastasse o Mensalão que, ao ser revelado pela mídia, pôs a nu as “veias abertas’ dos atos e comportamentos indecorosos de nosso políticos, com irradiações deletérias em todos os poderes da República, agora pipocou – mais um novo capítulo nessa série de escândalos nacionais. E onde? Em Brasília, como não? Desta vez, o envolvido é o governador do Distrito Federal e seus auxiliares, numa teia de aranha fétida que atingiu não só o executivo, mas o legislativo e judiciário.
A impressão que tenho, e que acredito tenham todos os cidadãos brasileiros honestos dessa pátria tão malferida e enxovalhada por mais esse descalabro, é a de que nem de longe me parece que a moralidade no trato da res publica possa ser reabilitada. Tudo conspira contra a política e os político, guardadas as devidas e clássicas exceções.
A gravidade do despudor é tamanha que mal acreditamos estarmos assistindo a esses fatos desastrosos para a imagem de nosso povo, porque, afinal de contas, o político metonimicamente considerado, é a representação do povo, dos eleitores, das aspirações populares, dos pleitos da sociedade..Essa política minúscula praticada por esses supostos cidadãos que nos representam nos dois poderes, executivo e legislativo, mas que, quando empossados e diplomados, esquecem de sua ética e passam a desrespeitar todo um projeto político através do qual, pelo menos para alguns eleitores, lutariam para implementar e, desse modo, atender ao eleitorado que a ele confiaram um mandato.
Chegamos a um limite insuportável de paciência com respeito aos desmandos e falcatruas amplamente divulgados pela mídia. Como é possível manter-se impune um governador, ou um deputado, ou mesmo um membro do judiciário que deem demonstração de prevaricar? Um governador colhido nas malhas das câmaras e gravações, expondo ao povo brasileiro o que há de pior na ética das ações humanas se afigura forte demais para que uma sociedade não reaja energicamente contra essa ignomínia. São imagens terríveis, misto de cinismo, ópera bufa e tragédia mambembe de bastidores da vida política brasileira. Demonstração de comportamento de homens que se servem de seus cargos para vilipendiar as práticas sadias da administração pública, desde as campanha para eleições até durante todo o período de mandato. O candidato a um mandato tem que provar que é probo antes e depois das eleições. Se for apanhado em atos de ilicitudes antes das eleições, ainda se torna mais grave a posição do candidato.
Se não houver punição efetiva e rigorosa para essa súcia de politiqueiros, legisladores e membros do judiciário de qualquer instância , haverá retrocesso e risco para a continuidade do regime democrático.
O povo já está saturado de políticos que se revelam tão ou mais condenáveis do que os delinqüentes das baixa camadas da sociedade.
Estamos aguardando que os culpados pelo desvirtuamento da vida pública brasileira sejam condenados após reveladas as suas culpabilidades e desídias contra a sociedade.
Tempo e poesia em dois poetas juntos
Tempo e poesia em dois poetas juntos
Cunha e Silva Filho
Da última vez em que estive em Teresina levei comigo alguns livros de autores piauienses. Entre esses livros, havia um, Tempo contra tempo, (Edições Cirandinha, Teresina, 2007 57 p., prefácio de Altevir Alencar), reunião de sonetos, 50 ao todo, escritos por Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura. Desnecessário afirmar que a obra, pequena em número de páginas, é trabalho de dois competentes e calejados poetas, cada qual com uma considerável produção no gênero.
De caso pensado, os dois poetas quiseram, pela amizade e pelo amor ao verso, testar até que ponto a poesia podia se realizar da seguinte forma: um escreveria um soneto sobre o mesmo tema, que, no caso, é a complexa categoria do tempo, e o outro daria continuidade através de uma gancho deixado pelo parceiro poético. O resultado foi esse conjunto de sonetos bem urdidos gravitando em torno daquele tema. O fato me faz lembrar o caso de dois dramaturgos ingleses da Renascença, Francis Beaumont (1584-1616) e John Fletcher ( 1579-1625). Eram ambos tão amigos que, por escreverem juntos, o público ledor terminou por confundi-los, não sabendo, ao final, quem escrevia o quê. No caso de Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura, não há essa confusão porque cada soneto leva o nome do respectivo poeta. A única coisa que os une são o tema e o recurso intertextual que, de soneto a soneto, vão sempre ligando um poeta ao outro. Não poderíamos defini-los com poemas feitos a quatro mãos justamente por essa diferença.
Na contracapa, há esta afirmação: “Com esta obra os poetas dizem adeus ao século XX e saúdam o novo milênio”. Não há, no entanto, indicação do autor dessa assertiva, mas tudo me leva a supor que também seja da autoria dos dois poetas.
Os autores nada dizem acerca da escolha dessa forma de poema, o soneto, forma fixa tradicional que, ao que me parece, não faz parte considerável dos modos de poetar nos dois autores. Hardi Filho e Miguel de Moura são poetas que não ficaram amarrados ao passado. A poesia em ambos enveredou-se para os caminhos do verso com potencial moderno. Não são, pois, poetas passadistas. Antes, são artistas do verso com o olhar no presente e no futuro. Sã poetas, em síntese, sintonizados com o presente, sobretudo Miguel de Moura.
Mas, estabelecer em forma de soneto, um diálogo aberto e, muitas vezes, até irônico ou bem-humorado, com o tempo, não deixa de ser um salutar exercício de experimentação poética e de vigor diante do desafio a que se propuseram.
Não vou aqui adentrar considerações em torno dos vários tipos de conceituação filosófica que o tempo tem propiciado aos estudos literários no tratamento da prosa de ficção e no domínio da poético. Tempo da durée réelle bergsoniana, tempo cronológico, tempo psicológico, ucronia, tempo triádico gilbertofreiriano (um presente combinando presente, passado e futuro) etc.
O tratamento do tema propiciado pelos dois poetas piauienses (aliás, Miguel de Moura é piauiense, mas Hardi Filho o é por opção, já que escolheu viver no o Piauí embora sendo cearense de nascença) é de natureza mais simples e descomplicada., pois os poemas, em forma de soneto, não pretendem transformar-se em peças poéticas filosóficas. Nada disso.
Tampouco suponho que os dois poetas tivessem em mira apenas aprofundar a questão do tempo em versos teórico-filosóficos O livro vale é pelo seu lado dominantemente literário, pela mera experiência lúdica de demonstrar que, à semelhança de outros poeta brasileiros, à frente Manuel Bandeira, o próprio Da Costa e Silva, um poeta contemporâneo, com domínio da técnica do verso tradicional, pode muito bem criar pelo talento as várias formas do verso clássico. Basta querer. Foi o que ambos fizeram nesse livro de leitura agradável e ao mesmo tempo feito com dignidade artesanal. Sairam-se bem da empreitada.
Tanto num quanto noutro poeta a elaboração do soneto lembra até o modo dos desafios do repentista. Ou seja, de um aspecto do tema comum e constante de um soneto, mediante o gancho a que me referi atrás, passa a palavra poética para o outro, como no primeiro soneto “Retrato”(p.6). E é esse lexema-título que serve como deixa para o soneto seguinte de Miguel de Moura, “Qu é de”(p.7). O tema, sempre voltado para a auto-referência de cada poeta, se manterá inalterável até o fim do livro.
Aí então é que ambos os poetas se aproveitam do tema para circunscrevê-lo à sua individualidade de ser. Ao longo dos sonetos, os poetas, revezando-se, vão decantar uma espécie de desnudamento pessoal de cada um, com a sua visão particular de olhar para a passagem do tempo, em que a tônica são todos os sinais deixados pelo fluir do tempo em cada ser humano. Nesse sentido, os sonetos assumem uma dimensão universal e visões particulares extrapolam a subjetividade de cada poeta.
É inegável que ambos os poetas se utilizam do soneto para, além da discussão do tempo pessoal (ou universal), o tematizarem metapoeticamente, com neste exemplo de Francisco Miguel de Moura: “Antes que o tempo vença esta batalha/pela paz, pelo amor de cada dia, /vejo a forma já não me atrapalha/para expressar o ser da poesia” Soneto “Como fazer”, p. 37). Ou estoutro de Hardi Filho: ‘Pois é. Embora a escrita às vezes trema,/ é prazeroso versejar em cima/de tão profundo e interessante tema”. (soneto “Sonetear”, p. 34).
Confesso que, ora lendo, no revezamento da sequência, os dois poetas, embora sinta as diferenças de estilos e de perspectivas da visão do tema comum aos dois, sinto uma inequívoca unidade nas duas vozes poéticas que, nessa espécie de “contrato’ de criação literária, terminam por unificar diversidade de temperamentos de poeta numa unidade de harmonia de ritmos, de métrica e de rimas, dando a sensação lúdica de que estamos lendo um livro bem acabado e sobretudo realizado com seriedade e amor à Poesia.
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Cunha e Silva Filho
Da última vez em que estive em Teresina levei comigo alguns livros de autores piauienses. Entre esses livros, havia um, Tempo contra tempo, (Edições Cirandinha, Teresina, 2007 57 p., prefácio de Altevir Alencar), reunião de sonetos, 50 ao todo, escritos por Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura. Desnecessário afirmar que a obra, pequena em número de páginas, é trabalho de dois competentes e calejados poetas, cada qual com uma considerável produção no gênero.
De caso pensado, os dois poetas quiseram, pela amizade e pelo amor ao verso, testar até que ponto a poesia podia se realizar da seguinte forma: um escreveria um soneto sobre o mesmo tema, que, no caso, é a complexa categoria do tempo, e o outro daria continuidade através de uma gancho deixado pelo parceiro poético. O resultado foi esse conjunto de sonetos bem urdidos gravitando em torno daquele tema. O fato me faz lembrar o caso de dois dramaturgos ingleses da Renascença, Francis Beaumont (1584-1616) e John Fletcher ( 1579-1625). Eram ambos tão amigos que, por escreverem juntos, o público ledor terminou por confundi-los, não sabendo, ao final, quem escrevia o quê. No caso de Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura, não há essa confusão porque cada soneto leva o nome do respectivo poeta. A única coisa que os une são o tema e o recurso intertextual que, de soneto a soneto, vão sempre ligando um poeta ao outro. Não poderíamos defini-los com poemas feitos a quatro mãos justamente por essa diferença.
Na contracapa, há esta afirmação: “Com esta obra os poetas dizem adeus ao século XX e saúdam o novo milênio”. Não há, no entanto, indicação do autor dessa assertiva, mas tudo me leva a supor que também seja da autoria dos dois poetas.
Os autores nada dizem acerca da escolha dessa forma de poema, o soneto, forma fixa tradicional que, ao que me parece, não faz parte considerável dos modos de poetar nos dois autores. Hardi Filho e Miguel de Moura são poetas que não ficaram amarrados ao passado. A poesia em ambos enveredou-se para os caminhos do verso com potencial moderno. Não são, pois, poetas passadistas. Antes, são artistas do verso com o olhar no presente e no futuro. Sã poetas, em síntese, sintonizados com o presente, sobretudo Miguel de Moura.
Mas, estabelecer em forma de soneto, um diálogo aberto e, muitas vezes, até irônico ou bem-humorado, com o tempo, não deixa de ser um salutar exercício de experimentação poética e de vigor diante do desafio a que se propuseram.
Não vou aqui adentrar considerações em torno dos vários tipos de conceituação filosófica que o tempo tem propiciado aos estudos literários no tratamento da prosa de ficção e no domínio da poético. Tempo da durée réelle bergsoniana, tempo cronológico, tempo psicológico, ucronia, tempo triádico gilbertofreiriano (um presente combinando presente, passado e futuro) etc.
O tratamento do tema propiciado pelos dois poetas piauienses (aliás, Miguel de Moura é piauiense, mas Hardi Filho o é por opção, já que escolheu viver no o Piauí embora sendo cearense de nascença) é de natureza mais simples e descomplicada., pois os poemas, em forma de soneto, não pretendem transformar-se em peças poéticas filosóficas. Nada disso.
Tampouco suponho que os dois poetas tivessem em mira apenas aprofundar a questão do tempo em versos teórico-filosóficos O livro vale é pelo seu lado dominantemente literário, pela mera experiência lúdica de demonstrar que, à semelhança de outros poeta brasileiros, à frente Manuel Bandeira, o próprio Da Costa e Silva, um poeta contemporâneo, com domínio da técnica do verso tradicional, pode muito bem criar pelo talento as várias formas do verso clássico. Basta querer. Foi o que ambos fizeram nesse livro de leitura agradável e ao mesmo tempo feito com dignidade artesanal. Sairam-se bem da empreitada.
Tanto num quanto noutro poeta a elaboração do soneto lembra até o modo dos desafios do repentista. Ou seja, de um aspecto do tema comum e constante de um soneto, mediante o gancho a que me referi atrás, passa a palavra poética para o outro, como no primeiro soneto “Retrato”(p.6). E é esse lexema-título que serve como deixa para o soneto seguinte de Miguel de Moura, “Qu é de”(p.7). O tema, sempre voltado para a auto-referência de cada poeta, se manterá inalterável até o fim do livro.
Aí então é que ambos os poetas se aproveitam do tema para circunscrevê-lo à sua individualidade de ser. Ao longo dos sonetos, os poetas, revezando-se, vão decantar uma espécie de desnudamento pessoal de cada um, com a sua visão particular de olhar para a passagem do tempo, em que a tônica são todos os sinais deixados pelo fluir do tempo em cada ser humano. Nesse sentido, os sonetos assumem uma dimensão universal e visões particulares extrapolam a subjetividade de cada poeta.
É inegável que ambos os poetas se utilizam do soneto para, além da discussão do tempo pessoal (ou universal), o tematizarem metapoeticamente, com neste exemplo de Francisco Miguel de Moura: “Antes que o tempo vença esta batalha/pela paz, pelo amor de cada dia, /vejo a forma já não me atrapalha/para expressar o ser da poesia” Soneto “Como fazer”, p. 37). Ou estoutro de Hardi Filho: ‘Pois é. Embora a escrita às vezes trema,/ é prazeroso versejar em cima/de tão profundo e interessante tema”. (soneto “Sonetear”, p. 34).
Confesso que, ora lendo, no revezamento da sequência, os dois poetas, embora sinta as diferenças de estilos e de perspectivas da visão do tema comum aos dois, sinto uma inequívoca unidade nas duas vozes poéticas que, nessa espécie de “contrato’ de criação literária, terminam por unificar diversidade de temperamentos de poeta numa unidade de harmonia de ritmos, de métrica e de rimas, dando a sensação lúdica de que estamos lendo um livro bem acabado e sobretudo realizado com seriedade e amor à Poesia.
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