Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2015
Querido pai:
Antes de tudo, me permita
por esta relembrá-lo de que hoje
é a data do seu 110º aniversário de nascimento.O
Sr. não a esqueceu, sim? Espero que não
e sei que outros familiares já manifestaram no Face que hoje é dia diferente,
dia de festejá-lo ainda que pela
dimensão do espírito, a qual - seja
dita essa verdade -, ao fim e ao cabo, é o que vai
mais importar entre a terra e o
céu.
Tendo
passado alguns meses fortemente concentrado na esfera das minhas memórias, e tendo terminado
um novo livro, Apenas memórias, já pode
verificar que a sua presença encantadora, em várias passagens da obra,
tem lugar sobranceiro por muitos
motivos, principalmente pelo amor que sempre
manifestei por sua pessoa.
Fomos dois grandes amigos, na inocência de dois anos em
Amarante, na adolescência durante quinze
anos em Teresina e, através de uma longa correspondência de mais de duas
décadas, com algumas poucas visitas minhas a Teresina e duas visitas suas ao Rio.
Quis,
contudo, o destino que
vivêssemos separados pela distância entre o Rio – cidade que tanto amou e nela permaneceu estudando por seis anos
- e Teresina. O único consolo
foi a nossa longa correspondência por escrito com
tantas cartas, mais suas do que as
minhas, trocando carinhos,
elogios, contando os sucessos seus e eu relatando os meus, numa amizade que
crescia com o passar dos anos e
com a chegada da minha mocidade que o Sr. conheceu em boa
parte, não o suficiente para ver meus
maiores sonhos realizados. Pelo
menos um dos desejos que almejava para seu filho - fazer
o mestrado - se concretizou
“Filho, quando vais fazer o mestrado,
quero te ver professor universitário.” Não sabia, meu pai,
que só um ano depois, em 1991, ingressaria eu no mestrado.
A dor
maior por mim sentida foi me ter deixado na conturbada Terra sem que lhe pudesse dar o último beijo na testa amada e envelhecida à altura dos seus oitenta e cinco anos, o último abraço forte, o último
aperto de mãos - apertar aquelas mãos lindas que
tinha, as mais lindas de Amarante, enfim, o último
olhar pedindo a Deus que o Sr. não me deixasse só, no estado de
abandono e solidão absoluta e inconsolada.
Mas, nesta carta agora, pai,
há outras coisas que, bem sei,
foi bom que não presenciasse e
delas não participasse como jornalista
combatente e intrépido.Ainda bem que a sua saída da cena da vida brasileira o
poupou de assistir a tantos dissabores
da política brasileira, sobretudo dos
mais escandalosos acontecimentos do baixo clero da
politicagem que o país tem vivido no domínio petista.
Certeza tenho de que
não ia aguentar calado à derrocada ética e à patuscada preparada
nos circos mambembes que se
instalaram nos centros do poder, lá em Brasília. Bem fez a
Providência que o livrou de
tanta podridão disseminada pelos
quatro cantos do país manifestada
em várias formas: impunidade, violência
gigantesca e sem perspectiva de
solução, delinquência juvenil sem redução de maioridade pelo menos por
tempo determinado, economia escangalhada
por culpa da roubalheira do desvio do dinheiro público, volta da inflação ( com
aumentos escorchantes dos preços dos
remédios, da alimentação, das tarifas gerais), cujos efeitos
deletérios já se fazem sentir nas camadas baixas e médias da sociedade,
juros altos determinados pelo
governo federal, onda de desemprego, fechamento de lojas
por falta de compradores, em suma, sinais de recessão.
Veja o exemplo, no Rio de Janeiro, de
velhas lojas da Rua da Carioca fechando as portas.Veja a política de ajuste
fiscal com mão de ferro a fim de tapar
os buracos da arrecadação em declínio e, por tabela, para
cobrir, com o sacrifício forçado do contribuinte, os rombos
das estatais das quais saíram
as milionárias propinas para encherem
os bolsos ou as contas milionárias
de partidos que apoiam o governo
federal e políticos
corruptos.
O Sr, meu pai, que passou
por prisão durante a
ditadura Vargas, por
longos anos de ditadura militar-civil, por períodos de
normalidade democrática, não alcançou os
dias mais perversos da ditadura econômica,
dos escândalos do Mensalão, dos assaltos
à Petrobrás e da mais deplorável situação de decadência ética da vida pública brasileira.
Jamais, meu pai, iria imaginar que pudéssemos chegar a este ponto em que nos encontramos,
não por nossa causa, mas por culpa da
imoralidade de práticas atuais de
nossa política, as quais definem os modos de governança feitos à base de barganhas mútuas entre o
governo federal e os partidos sem
princípios democráticos firmes.
Se o Sr. se encontrasse ainda entre nós,
teria, assim, que redobrar
e retemperar a sua retórica de
jornalista desassombrado, cuja trajetória
esteve quase sempre na oposição
e, portanto, foi vítima no seu
tempo de
perseguições ao ponto de ser demitido
de um famoso colégio público em Teresina por um
governador do Piauí a quem
combatia com muita coragem os erros e injustiças de administração.Com muitos
filhos para criar, sofreu aflições e
privações e, se não fossem uns poucos amigos, as atribulações seriam ainda piores. Com ânimo forte, aguentou todos
os percalços e infâmias dos governantes desafetos.
O Sr., meu pai, grande e bravo jornalista, segundo A. Tito Filho (1924-1992),
outro ilustre jornalista e intelectual
do Piauí, nunca “baixou o
topete” diante dos poderosos, e, na história do jornalismo piauiense,
provavelmente tenha sido o jornalista
mais prolífico do seu estado
natal.
Sendo um jornalista que
sempre escreveu freneticamente à mão (sem nem mesmo ter aderido à máquina de escrever) e ao
correr da pena, não pôde alcançar a era do computador, da internet, dessa maravilhosa e gigantesca enciclopédia
virtual de âmbito universal, que é o Google, das celulares, do tablets, dos e-books.
Porém,
estou certo de que essas
conquistas do mundo eletrônico teriam a sua aprovação, pois sempre foi um homem que tanto amava as humanidades quanto as ciências, como é prova o
belo discurso de posse, na Academia Piauiense de Letras, da cadeira nº 8 que,
pelo seu talento e suas qualidades de
intelectual, soube conquistar e tão bem dignificar
como escritor.
Aceite, meu querido pai, os cumprimentos pelo seu
110º aniversário de nascimento.
Com as saudades do filho
Cunha e
Silva Filho
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