Cunha e Silva
Filho
O INÍCIO. Aviso aos navegantes: não vou expor neste simples e ligeiro artigo inicial qualquer
coisa que aspire ao que Joaquim Nabuco (1849-1910) alcançou, de forma admirável, auto-retratar-se intelectualmente, dedicando a isso um livro clássico,
Minha formação ( 1900). Aqui
apenas procuro traços gerais da matéria, porém com a convicção de
quem conhece suas limitações no corpo de
algumas colunas a que darei sequência. Julgo que não serão tantas.
Sem o brilhos dos precoces,
me descobri, no início da adolescência, naqueles estritos limites dos teens que a língua inglesa,
tão etimológica, sabe muito
bem exprimir de maneira prática e funcional, que ler é um prazer que traz conhecimentos e abre o nosso espírito, livremente, a mundos
desconhecidos com uma alegria e emoção incontroláveis e para toda a
vida.
Entre aquele
“quarto-biblioteca” de meu pai, Cunha e Silva (1905-1990) e aquele
outro “quarto de estudos,” (que dava tanto para a rua São Pedro quanto
para a Rua Arlindo Nogueira, em
Teresina), onde fazia intensas e contínuas leituras quase diárias de antologias
que me chegaram às mãos ou mesmo
aproveitando tudo de textos de livros didáticos de língua portuguesa do ginásio, do científico
ou clássico para deles fruir ora o
sabor do lirismo poético, ora
o enredo das narrativa, ora ainda procurar dinamizar
a capacidade de conhecer palavras novas, de saber-lhes os sentidos e, quando possível, internalizá-los ao máximo de minhas possibilidades mnemônicas.
Foi nesse mesmo período de vida desabrochando que, com um caderno de tamanho médio, listava alguns temas previamente escolhidos para, depois, tentar desenvolvê-los em forma de pequenos textos. Os temas, variados (a família, a pátria, o amor, amizade, os livros, a vida escolar, etc), me serviram mais pra exercitar a minha capacidade de exposição analítica em torno deles. Assim, ia compondo os meus textos até encher aquele caderno.
Foi nesse mesmo período de vida desabrochando que, com um caderno de tamanho médio, listava alguns temas previamente escolhidos para, depois, tentar desenvolvê-los em forma de pequenos textos. Os temas, variados (a família, a pátria, o amor, amizade, os livros, a vida escolar, etc), me serviram mais pra exercitar a minha capacidade de exposição analítica em torno deles. Assim, ia compondo os meus textos até encher aquele caderno.
Não me lembro se enchi outro
caderno nas mesmas proporções. Contudo, o que me
era bastante sistemático era a combinação que fazia entre
leituras e escrita, coadjuvadas
com as leituras de gramáticas da época,
as de Eduardo Carlos Pereira ( a de nível elementar, a de nível superior e a sua
Gramática histórica) e a de Brant
Horta (Gramática intuitiva da língua portuguesa), um
livrinho de análise sintática, de Antenor
Nascentes que me deu
enorme ajuda ao entendimento do
que era a análise lógica de textos
clássicos, até de Camões, a Gramática da língua portuguesa, de Carlos Góis atualizada por Herbert Palhano, que compulsei muito, até mesmo dando aulas em escolas do Rio de Janeiro. Outras obras de Carlos Góis ( homenageado com um nome de rua em Copacabana) como os volumes sobre regência verbal, concordância verbal, análise sintática igualmente me serviram de consulta. Não posso deixar de citar a gramática de um velho autor, Gaspar de Freitas, que me foi de grande utilidade para entender o que era oração principal. Era um livrinho muito funcional nem a coleção de Cândido de Figueiredo (Falar e escrever, O que se não deve dizer, Estrangeirismos etc) e, amiúde, as consultas com leituras de verbetes de grandes dicionários português, latim, francês e inglês.Na verdade, não seguia mais do que o preceito utilíssimo de Gautier: "Lisez les dictionaires, jeunes gens."
Tenho quase certeza de que me vi forçado a melhorar meu português por força de uma crítica injusta de um professor de português que tive no Domício (nome pelo qual afetiva e popularmente chamávamos ao Ginásio “ Des. Antonio Costa) nos anos de 1950. Depois, li também a gramática de Artur de Almeida Torres, autor didático que publicou vários bons volumes de livros e estudos de filologia e que vim a conhecer melhor no Rio de Janeiro.
Tenho quase certeza de que me vi forçado a melhorar meu português por força de uma crítica injusta de um professor de português que tive no Domício (nome pelo qual afetiva e popularmente chamávamos ao Ginásio “ Des. Antonio Costa) nos anos de 1950. Depois, li também a gramática de Artur de Almeida Torres, autor didático que publicou vários bons volumes de livros e estudos de filologia e que vim a conhecer melhor no Rio de Janeiro.
Não sei como meu pai
interpretava aquela mania do adolescente insulado no seu “quarto-biblioteca”, remexendo os livros
dele, olhando um, olhando outro, a ponto de chegar a
conhecê-los, um por um, por títulos.Uma
vez, observei que ele parecia não gostar
de que eu mexesse tanto em seus livros –
sentimento que, agora compreendo na sua
plenitude. Meu pai, que era grande leitor de livros e jornais, naturalmente,por ciúme, e cuidados,
pensava que fosse danificar-lhe os livros.
“Que diabo esse menino faz todo
dia aqui xeretando meus livros?” Uma vez, chegou ao ponto de me advertir: “Olha, meu filho,
cuidado com os dicionários e com
os livros mais antigos.Muito cuidado!”
Não lhe dei resposta. Saí silencioso
como um monge de um
poema de W. H Wadsworth (1865-1887).
Entretanto, a despeito das suas
advertências, aproveitava as horas em que meu pai não estava em casa e lá ia em direção ao
“quarto-biblioteca” novamente remexer no
acervo tão precioso e tão significativo para a minha vida futura.Então, livre,
podia ir tomando conhecimento com a
diversidade de gêneros de títulos alinhados
nas prateleiras das duas enormes
estantes.
O quarto virava uma espécie de cela monacal, na qual o exterior pouco me importava mergulhado que ficava entre livros, autores, histórias, ensaios, poesia, filosofia, geografia, história, sociologia, física, matemática (aritmética, álgebra e geometria), botânica, química, desenho geométrico, e o que tanto me fascinava: obras para o aprendizado de línguas que não sabia ainda suficientemente ( francês, inglês, latim, espanhol).
No topo de cada estante, havia umas caixas grandes de papelão apinhadas de recortes de jornais: eram os artigos de meu pai publicados em diversas épocas de sua vida. Num deles, encontrei uma poema a ele dedicado, o qual dizia assim: “À inteligência prodigiosa (ou “brilhante,” não me recordo bem) de Cunha e Silva."
O quarto virava uma espécie de cela monacal, na qual o exterior pouco me importava mergulhado que ficava entre livros, autores, histórias, ensaios, poesia, filosofia, geografia, história, sociologia, física, matemática (aritmética, álgebra e geometria), botânica, química, desenho geométrico, e o que tanto me fascinava: obras para o aprendizado de línguas que não sabia ainda suficientemente ( francês, inglês, latim, espanhol).
No topo de cada estante, havia umas caixas grandes de papelão apinhadas de recortes de jornais: eram os artigos de meu pai publicados em diversas épocas de sua vida. Num deles, encontrei uma poema a ele dedicado, o qual dizia assim: “À inteligência prodigiosa (ou “brilhante,” não me recordo bem) de Cunha e Silva."
Se me perguntarem que livros havia lido daquele “quarto-biblioteca", eu diria que não muitos. Deveria ter lido todos.Porém,
uma coisa não posso negar: consultava
muito os dicionários e os livros didáticos
de idiomas. Lia mais ficção do
que poesia. Folheava ensaios. Lia alguns. Deixava, contudo, de ler outros livros também indispensáveis de ficção, o
que foi uma grande perda só sentida anos depois. Tampouco, aos treze ou catorze anos, me interessa ler jornais, nem mesmo os artigos
de papai, que só fui ler lá pros dezesseis ou dezessete anos, o que foi uma outra
falha autodidática.
No que concerne a obras ficcionais, havia no "quarto-biblioteca" autores variados, alguns de grande nomeada: Dostoióvski, Flaubert, Górki, J.J. Cronin, Paul Bourget, Machado de Assis, Coelho Neto, Humberto de Campos, Viriato Correia, Eça de Queiroz, Berilo Neves, José de Alencar, Fontes Ibiapina. Os ensaios predominavam sobre os de ficção e poesia, com obras de autores como Afrânio Peixoto, José Maria Belo, Sud Menucci, Ingenieros, Carlos Magalhães de Azeredo, Antonio Henriques Leal, Mário de Alencar, Pedro Calmon, entre outros. Também não faltavam obras de história literária francesa no original ( da coleção Berlitz) de filosofia em italiano, de literatura brasileira, um tratado de filosofia em italiano.(Continua)
No que concerne a obras ficcionais, havia no "quarto-biblioteca" autores variados, alguns de grande nomeada: Dostoióvski, Flaubert, Górki, J.J. Cronin, Paul Bourget, Machado de Assis, Coelho Neto, Humberto de Campos, Viriato Correia, Eça de Queiroz, Berilo Neves, José de Alencar, Fontes Ibiapina. Os ensaios predominavam sobre os de ficção e poesia, com obras de autores como Afrânio Peixoto, José Maria Belo, Sud Menucci, Ingenieros, Carlos Magalhães de Azeredo, Antonio Henriques Leal, Mário de Alencar, Pedro Calmon, entre outros. Também não faltavam obras de história literária francesa no original ( da coleção Berlitz) de filosofia em italiano, de literatura brasileira, um tratado de filosofia em italiano.(Continua)