terça-feira, 31 de março de 2015

Minha formação




                                 Cunha e Silva Filho


     O INÍCIO. Aviso aos navegantes: não vou  expor neste simples e ligeiro artigo inicial  qualquer  coisa que  aspire ao que  Joaquim Nabuco (1849-1910)  alcançou, de forma admirável,  auto-retratar-se  intelectualmente,  dedicando a isso um livro  clássico,  Minha formação ( 1900). Aqui apenas   procuro traços  gerais da matéria, porém com a convicção de quem conhece suas  limitações no corpo de algumas colunas a que  darei  sequência. Julgo que não serão tantas.
    Sem o brilhos dos  precoces,  me descobri, no início da adolescência, naqueles  estritos limites dos teens que  a língua inglesa, tão etimológica,  sabe  muito  bem  exprimir de maneira  prática e funcional, que  ler é um prazer  que traz conhecimentos e abre  o nosso espírito, livremente,  a mundos  desconhecidos  com uma  alegria e emoção incontroláveis e para toda a vida.
   Entre aquele  “quarto-biblioteca” de meu pai, Cunha e Silva (1905-1990) e aquele outro  “quarto de estudos,”  (que dava tanto para a rua São Pedro quanto para a  Rua Arlindo Nogueira, em Teresina),   onde fazia intensas  e contínuas  leituras quase diárias  de antologias  que me chegaram às mãos ou mesmo  aproveitando  tudo de textos  de livros didáticos  de língua portuguesa do ginásio, do científico ou clássico para deles fruir  ora o sabor  do lirismo  poético, ora  o enredo  das narrativa,  ora ainda procurar  dinamizar  a capacidade  de conhecer  palavras novas, de saber-lhes os sentidos e, quando  possível,  internalizá-los ao máximo de minhas  possibilidades mnemônicas.   
   Foi  nesse mesmo  período  de vida desabrochando que, com um caderno de tamanho   médio,   listava  alguns temas  previamente   escolhidos para,   depois,  tentar desenvolvê-los  em forma de pequenos  textos. Os temas, variados (a família, a pátria,  o amor,   amizade,  os livros,  a vida escolar,   etc),   me serviram  mais pra exercitar  a minha capacidade de exposição analítica em torno deles.   Assim,  ia compondo  os meus  textos   até encher  aquele caderno.
   Não me lembro se enchi outro caderno  nas mesmas  proporções. Contudo,  o que me  era   bastante sistemático  era a combinação que fazia  entre  leituras  e escrita, coadjuvadas com as leituras de gramáticas  da época, as de Eduardo Carlos Pereira ( a de nível elementar, a de nível superior e a sua Gramática histórica) e  a de Brant  Horta (Gramática intuitiva da língua portuguesa), um livrinho  de análise sintática, de  Antenor  Nascentes  que me  deu  enorme ajuda  ao entendimento do que era a análise  lógica de textos clássicos, até   de Camões, a Gramática da língua portuguesa, de Carlos Góis  atualizada por Herbert Palhano, que  compulsei muito, até mesmo  dando  aulas em escolas do Rio de Janeiro.  Outras  obras de Carlos Góis ( homenageado com um nome de rua em Copacabana) como  os volumes sobre regência verbal,   concordância verbal, análise sintática igualmente me serviram de consulta.  Não posso deixar de citar a gramática de um velho  autor,  Gaspar de Freitas, que me foi  de grande utilidade para entender o que era oração principal. Era um livrinho muito funcional nem a coleção de Cândido de Figueiredo (Falar e escrever, O que se não deve dizer,  Estrangeirismos etc) e, amiúde, as consultas  com leituras  de verbetes de grandes dicionários  português, latim,  francês e inglês.Na verdade,  não seguia mais do que o preceito utilíssimo de  Gautier:  "Lisez les dictionaires, jeunes  gens."
          Tenho quase certeza de que  me vi forçado a melhorar meu  português por força  de uma crítica injusta de um  professor de português que tive no  Domício (nome pelo qual   afetiva e popularmente  chamávamos  ao  Ginásio “ Des. Antonio Costa) nos anos  de 1950. Depois,  li também  a gramática  de Artur de Almeida Torres, autor  didático  que  publicou vários bons  volumes  de livros    e estudos de filologia e que vim   a conhecer melhor no Rio de Janeiro.
        Não sei como  meu pai  interpretava  aquela  mania do adolescente  insulado no seu  “quarto-biblioteca”, remexendo  os livros  dele,  olhando um,  olhando outro, a ponto de chegar a conhecê-los, um por um,  por títulos.Uma vez,  observei que ele parecia não gostar de que eu  mexesse tanto em seus livros – sentimento que, agora  compreendo na sua plenitude. Meu pai,  que era  grande leitor de livros e jornais,  naturalmente,por ciúme,  e cuidados,  pensava que  fosse danificar-lhe   os  livros.  “Que diabo esse menino  faz todo dia aqui  xeretando  meus livros?” Uma vez,  chegou ao ponto de me  advertir: “Olha,  meu filho,  cuidado com  os dicionários e com os livros mais  antigos.Muito cuidado!” Não lhe dei resposta. Saí silencioso  como  um monge   de um  poema de W. H Wadsworth (1865-1887).        
     Entretanto, a despeito das suas advertências, aproveitava as horas em que meu pai  não estava em casa e lá ia em direção ao “quarto-biblioteca” novamente  remexer no acervo tão precioso e tão significativo para a minha vida futura.Então,  livre,  podia  ir  tomando conhecimento  com  a diversidade  de gêneros de títulos  alinhados  nas prateleiras das duas enormes  estantes. 
   O quarto virava uma espécie de cela monacal, na qual  o exterior  pouco me  importava mergulhado que  ficava entre  livros, autores,  histórias,  ensaios, poesia,  filosofia,  geografia,  história,  sociologia,  física, matemática (aritmética,   álgebra e geometria),    botânica,  química,  desenho geométrico,  e o que tanto  me fascinava: obras para o aprendizado de  línguas que não sabia ainda suficientemente ( francês,  inglês,  latim, espanhol).   
   No topo de cada estante,  havia  umas caixas grandes de papelão apinhadas de recortes de jornais: eram os artigos de meu pai  publicados em  diversas  épocas de sua vida. Num deles,  encontrei uma poema  a ele dedicado,   o qual  dizia assim: “À inteligência  prodigiosa (ou “brilhante,” não me recordo bem) de Cunha e Silva."   
    Se me perguntarem  que livros havia lido daquele   “quarto-biblioteca", eu diria que não muitos. Deveria ter lido todos.Porém, uma coisa  não posso negar: consultava muito  os dicionários e os livros  didáticos  de idiomas. Lia mais  ficção do que poesia. Folheava ensaios. Lia alguns. Deixava, contudo, de ler outros livros também  indispensáveis  de ficção, o que foi uma grande perda só sentida anos depois. Tampouco, aos treze  ou catorze anos, me  interessa ler jornais, nem mesmo os artigos de papai, que só fui ler lá pros dezesseis ou dezessete anos, o que foi uma outra falha autodidática.  
   No que concerne a obras ficcionais, havia no  "quarto-biblioteca"  autores variados, alguns de  grande nomeada: Dostoióvski,   Flaubert,   Górki, J.J. Cronin, Paul Bourget, Machado de Assis, Coelho Neto,  Humberto de  Campos, Viriato Correia, Eça de Queiroz,  Berilo Neves,   José de Alencar, Fontes Ibiapina. Os ensaios  predominavam sobre os de ficção e  poesia, com  obras de autores como  Afrânio Peixoto, José Maria  Belo, Sud Menucci,  Ingenieros, Carlos Magalhães de Azeredo,  Antonio Henriques Leal, Mário de Alencar,   Pedro Calmon, entre outros.  Também não faltavam  obras   de  história literária francesa no original ( da coleção Berlitz) de filosofia em italiano,  de literatura  brasileira, um tratado de filosofia em italiano.(Continua)



segunda-feira, 30 de março de 2015

Primeiros eles, depois ou nunca, os outros.



                                                           Cunha e Silva Filho


      A Presidente Dilma não foi  correta nas afirmações  da  campanha à reeleição e o não foi  simplesmente porque  escondera   dados sobre a  grave situação  econômica do seu governo. Venceu a eleição  pelo  engano e  vãs promessas em  discursos  meramente de caráter eleitoreiro.
      Tal postura não combina bem com o papel  de um  estadista, de um Chefe de Governo. O seu partido  já havia perdido a ética  partidária   com o  “Escândalo do Mensalão.”  Mesmo assim,  Dilma   ganhou um segundo mandato graças  às benesses  chamadas   de   bolsa-família,  bolsa disso,  bolsa daquilo  distribuídas, pelo  Brasil afora,   por ausência   de  fiscalização, até para quem  delas  não  precisa.
     O Nordeste, sobretudo, nela votou maciçamente, porquanto  ali  vive uma  população   ainda muito carente, onde alguns   continuam, até hoje, por exemplo,  em cidades  do  estado do Maranhão, praticamente   morrendo  de fome.
     O bolsa-família é o maior  cabo eleitoral do  PT. Daí, a vitória, posto que apertada,  de Dilma.O ex-presidente Lula ainda alimenta o imaginário  nordestino como  mais um salvador da pátria,  que,  nos dois mandatos presidenciais,  se aproveitou   matreiramente, conforme é do seu  feitio e de seu  espírito  inclinado  a picardias,  da situação  econômica  do governo  anterior,  o do FHC, e deu uma guinada em mudanças   de natureza social em direção  às classes  mais desfavorecidas,  ganhando  o apoio incondicional  destas e dividendos futuros. 
   Por isso,  foi  elogiado  dentro e fora do  país,  ganhou  títulos  de doutor em mais de uma universidade, aqui e fora do Brasil. Até biografia  virou  nas mãos de um  intelectual da Academia Brasileira de Letras  conhecido  pela sua  linguagem  rebuscada   e intraduzível. No exterior,  em universidades de peso,  é classificado como   político da esquerda, o que,  na realidade, não é verdade, uma vez que  se dá bem com  capitalistas,  tendo até  tido como  vice um empresário já falecido.  Se um filho  seu  é dono  de uma  grande empresa,  se ele próprio Lula  já tem  hábitos de vida e condições  burguesas,  que diabo de esquerdista  é ele então?
       Segundo  acima   afirmei,  Dilma , logo  após a vitória  certa e líquida,  mostrou   a verdadeira  facies  a que viera no segundo mandato:  renegar tudo que  declarara nos comícios e fazer o inverso do que prometera, a par de ainda  permitir  que ela própria,   o legislativo e o  judiciário fossem  brindados  com um  aumento  substancial  de seus salários num momento  incompatível  com   gastos   financeiros. O funcionalismo  federal, se teve  algum aumento,  foi   praticamente  invisível diante  da  triste  realidade   que o segundo  mandato   só  revelara  depois da vitória: uma  economia   necessitando  de  modificações   e  ajustes,  de cortes no  Orçamento Federal.
    O governo federal,  ao mesmo   tempo  que   está cortando  gastos, está determinando   e permitindo  aumento  inflacionário nos preços  de itens   vitais à sociedade: remédios,  energia,  gás,  luz, alimentos, tributos,   imposto de renda, enfim,  queda  absurda do  PIB,  recessão entre outras mazelas  provocadas  pelo  próprio governo federal que gastou  perdulariamente nas campanhas, sem se falar  no  escandaloso    desmonte financeiro da Petrobrás pela vias abertas da corrupção deslavada  e sem precedentes na história da política  brasileira. Quer dizer,  um  governo  que  engana  a consciência  da sociedade em vários  setores   do Estado não  pode  querer  a estima  do povo, mas o repúdio, as manifestações em praça pública  de indignação  contra  todos os seus erros  e  falcatruas  permitidas  ou  provocadas pelo  próprio  governo federal.
      Diante de males  construídos   pelo  governo de Dilma, torna-se difícil  permanecer  calado como cordeirinho.  Frente a  bandalheiras,  não há “brasileiro cordial” que suporte o tranco. Hoje,  praticamente,   nenhum dos poderes   se torna confiável  para a sociedade civil, a não ser para  os  fanáticos  ideológicos, sempre  cegos   diante  dos males que afligem a nação.
    Essa posição  alienante,  causada  pelo  fanatismo  político-partidário, atingindo mesmo  os níveis  de eleitores  letrados, me faz  lembrar  o surgimento  dos adeptos  do  regimes de força,  dos  totalitarismos de esquerda e de direita,  que só ouvem  a voz única dos seus líderes,   inimigos da humanidade e provocadores  dos males  universais, segundo se viu  na Segunda Guerra Mundial, tendo à frente o nazifascismo. 
     Se os políticos  estão  desacreditados, se a Presidente  persiste em não  escutar  a voz  da nação,  se o judiciário  se calar diante   de tantos   desmandos,   os fundamentos democráticos   podem entrar em colapso, o que não é bom  nem  para  o status quo   atual nem  para a sociedade. Por tais caminhos  é que,  se o escândalo da Petrobrás não for resolvido a contento,  quer dizer,  com   a revelação e a punição  de todos  os  criminosos   financeiros do  dinheiro do contribuinte, se outros graves  problemas  não  forem  solucionados, tais como  a violência  crônica,  a criminalidade,  os abusos dos poderes  constituídos,   a desmoralização  política, os gritantes  e  justos  reclamos  da  sociedade  contra a deterioração   dos setores de saúde pública,  de educação  publica, dos transportes de massa,  o Estado  Brasileiro  correrá perigo  de retrocesso. Ou se moraliza  o  Estado   ou a nação se afunda no abismo que não  queremos nem desejamos.
  A máquina do Estado não pode  privilegiar  os membros  dos três poderes  em detrimento  do sacrifício de quem  está fora do Planalto.Convém    lembrar  aos que detêm  os altos cargos da nação   que   eles não  são  membros de capitanias  hereditárias. Estão lá para servirem, por  período  determinado,   ao povo em todos os níveis  sociais, sobretudo os menos aquinhoados,  os que não têm  poder político, não obstante  terem  o poder do voto que, no conjunto  do eleitorado,  se torna  fracionado e perde sua força  individual. São inúmeras  as razões disso, fruto  contraditório   dos regimes democráticos.
     

      

sábado, 28 de março de 2015

A tragédia que poderia ser evitada



                                                      Cunha e Silva Filho


             Era evidente que  o pior  estava  por acontecer no voo do Airbus A320  da companhia alemã Germanwings por dois fatores  basilares: o copiloto,  de nome Lubitz,de 27 anos,  tinha atestado  médico  que o  impedia  de  trabalhar  na sua função, aliás uma das funções que mais prezo  nos diversos   meios de transporte  do mundo, que é a de aviadores, esses incansáveis  e corajosos  homens  talhados  para  transportar  muitas vidas de uma país  para outro ou de um continente para outro. São  grandes heróis não  devidamente   reconhecidos  pela sociedade. Merecem  ser altamente remunerados,  ter vida tranquila,   saúde  perfeita e apoio  de todos  nós  que deles dependemos  para  conhecer  outras terras, às vezes  longínquas, seja  como  turistas, seja  a negócios,  seja para  estudos, fazer palestras  e tantas outras finalidades.
         A  imprensa  mundial  informou agora   que Lubitz havia dito a uma namorada que  o mundo ainda iria  ouvir  o nome dele, o que é gravíssimo,  pois isso  me parece suficiente  para classificarmos  sua personalidade  como a de um  psicopata. Portanto,  sem nenhuma  possibilidade de ser  contratado  por uma  empresa aérea. Lamentável para a empresa que o contratou e que pode  render-lhe alguns  problemas e dores de cabeça. 
         O copiloto foi  mal  selecionado e mal  fiscalizado pelos setores competentes. E estas deficiências  de contratação de funcionários   não são  peculiares  no ramo da aviação. Elas  se encontram em outros meios  de transportes: nos motoristas de ônibus,  nos condutores  de  trens e metrôs, nos comandantes de navios, nos motoristas de táxis. A seleção  deve  exigir  rigoroso   histórico do candidato,  não só  competência  técnica,  horas  de voos; ela tem  que ir mais fundo,  sobretudo no que diz  respeito  à saúde mental do candidato.
        O setor de recursos humanos,  quer os referentes  à aviação, quer  de outros  meios  de transportes não pode ser  entregue  a pessoas  desqualificadas, mas a indivíduos   superiormente   competentes  para selecionar  candidatos.            
           Uma sugestão  seria que,  em cada  país,  a força  aérea fosse  encarregada de  fazer  essa seleção com o maior  critério  possível e o maior  rigor  de testes,   levando em conta   o passado  do candidato,  sua condição   de ser  humano fora  da área de trabalho, sua forma de vida,   seu  relacionamento social, entre outros itens  que não cito aqui.  O piloto deve  unir  competência técnica,   vocação e boa saúde psicológica  e física.E este não foi  o caso do  copiloto que  provocou  uma tragédia  infame, matando,   inclusive ele  próprio,   cinquenta  pessoas
         Cada desastre aéreo que  ocorre  traz  sérios  problemas   para  algumas  pessoas mais frágeis que,  tendo  notícias  desses  desastres  terríveis,  vão  se apavorando, despertando-se-lhes no  espírito fobias contra   viagens aéreas, sobretudo as prolongadas. Tive um amigo  que se enquadraria  nessas condições: após um acidente  que  matou nos Andes um amigo,   passou a ter horror a  viajar de avião e até adquiriu  outras fobias, a de andar  em elevador foi uma delas.
       As companhias aéreas, no mundo  inteiro,  agora   deveriam   pensar  melhor  na seleção de seus candidatos e na constante fiscalização   de  seus  aviadores, além das precauções que  têm  sido  tomadas, que não são ainda suficientes,  porque  já querem   que nos aviões, dentro da cabine,   além  do  comandante,   fiquem dois tripulantes em stand-by para  que  o comandante  possa, com mais tranquilidade,  se precisar,  sair por alguns instantes. Isso seria  já uma providência a mais.
   Mas reafirmo a urgência do recrutamento dos candidatos a aviadores, o qual deve se cercar de todos os cuidados  possíveis relacionados à personalidade  do a candidato  e a seu  histórico  de saúde  mental.
     O mundo contemporâneo vive  à mercê  de imprevistos de toda a sorte,  nessa  era   tenebrosa  do surgimento    do terrorismo internacional   e,  por consequente,  da  intranquilidade  geral em que se  encontra  a humanidade, já por si,    tão cheia de  problemas  de toda espécie.
       Ficamos   impotentes  diante  dessa  tragédia   aérea e lamentamos   profundamente  o sofrimento e a dor   de todos os passageiros  e de seus familiares, especialmente  porque  no  avião,  havia até inocentes bebês e jovens  esperançosos   que vinham  da Espanha  onde haviam  realizado  estudos de intercâmbio.A morte desses inocentes,  jovens e adultos, dos passageiros  em geral,  da tripulação afeta emocionalmente  todos nós  que habitamos   esse conturbado  planeta Terra.

       

terça-feira, 24 de março de 2015

Os autores esquecidos e outras reflexões sobre literatura brasileira

                                       

                                                                       Cunha  e Silva Filho


           Existe alguém que, na sua área, não deseje ser valorizado?Julgo que não, salvo se tiver  vocação  para ser santo, cujo desprendimento extrapola os limites humanos: um São  São Francisco,   um  Santo Agostinho, a figura magnífica de Jesus  entre   outros da  hagiografia mundial.
         Consideremos, por exemplo, a área da literatura brasileira. Meu Deus,  se pegarmos  o volume antigo  Análise  literária e Noções de literatura,  um conhecido autor    didático, gramático, Brant Horta,  pertencente à Academia  Mineira de Letras e lecionou  no Rio de Janeiro português e latim lá pelos  anos trinta do século  passado,  encontraremos   dezenas  de  escritores  brasileiros totalmente   relegados ao limbo. E o mais surpreendente é que  são, em geral,  autores  de  muito valor,  jogados às traças pelas gerações  pós-modernas,   olvidados,  esquecidos, mortos pela memória   literária da consciência  do leitor  brasileiro. Quem   por exemplo, já ouviu falar de Artur Lobo((1869-1901),Belmiro  Braga (1872-1937), Hermes  Fontes (1890-1930), Batista Cepelos (1868-1915) Pardal  Malet (1864-1894), Francisco  Mangabeira (1879-1904) Monteiro de Barros (1871-1915)  e tantos  outros que aparecem no citado  livro de Brant Horta?, Há sempre, nos tempos  atuais,  uma ânsia  pela  valorização dos contemporâneos. Os autores do passado, nos diversos  gêneros literários, ainda que  levemos em conta  aqueles que, durante um tempo,  tiveram  alguma visibilidade,  estão soterrados, não diria para sempre com referência a todos,  mas até que um pesquisador  de hoje  os descubram e os resgatem.
        E não estamos   aludindo  apenas  àqueles que chegaram  ao conhecimento dos historiadores atuais, com repercussão até nacional, como o do  piauiense  Da Costa e Silva (1888-1950), que procurei, na minha dissertação de mestrado,   analisar  e reavaliar cm  instrumental  teórico  moderno. Há pouco,  folheando  um volume, A literatura  brasileira através dos textos, de  Massaud Moisés, com várias edições,  pude  observar  que esse estudioso   não arrola Da Costa e Silva,   nem entre os parnasianos, nem  entre os  simbolistas, talvez porque  se limitasse ao que, segundo ele, representasse   as figuras que não poderiam  deixar de ser citadas  no mencionado  volume. Por outro lado,  no  segundo  volume de uma obra em três volumes, a sua   sempre proveitosa  História da literatura brasileira (Realismo e Simbolismo), Cultrix, São Paulo. 4. ed., rev.e atualizada, 2004,  Moisés dedica uma página e meia  analisando  a obra do  poeta  de “Saudade.”
        Todas as histórias literárias  são  incompletas,  lacunosas e por vezes injustas e, ao  procedendo  assim,  privam  o leitor  de  entrar  em contato com autores  dignos  de  reavaliação. Carecemos,  em nossa  historiografia literária,  de uma obra   que  se destine a  propiciar uma visão em síntese   mas de amplo  espectro da literatura  brasileira de autores   contemporâneos que abarcasse  pelo menos da última década  do século passado até os dias atuais. Poderia  ser um  trabalho  coletivo. Uma boa  fonte para a realização de um  estudo coletivo  desse calibre seria a Ficção brasileira contemporânea, de Karl Erik Schhollhammer (Civilização brasileira:  Rio de Janeiro, 2009.
       A parte  dessa  obra, “Bibliografia de ficção"(final do livro)  apresenta um bom  roteiro para para o   conhecimento dos nomes  de autores mais novos. Suponho, ademais,  que um Massaud Moisés,  um Alfredo Bosi, por exemplo,   que escreveram  valiosas obras  de história  literária, tanto quanto Nelson  Werneck  Sodré (1911-1999), com a sua  História da literatura brasileira, na qual o  último capítulo   abrange o Modernismo, um Antonio Candido, com  a sua Formação da literatura  brasileira, chegando até o  Romantismo,   um um Afrânio  Coutinho (1911-2000),  com a  obra  A literatura no Brasil( de  1955-1959, 4 vols), obra coletiva de inegáveis  méritos, como  também  o fizeram José Guilherme Merquior (1941-1991), com  De Anchieta a Euclides da Cunha – Breve história da literatura brasileira mas, nos moldes dela,   estudando  autores até  Graça Aranha deram sua  contribuição  inestimável até à altura da conclusão  daquelas  obras.
     Poder-se-ia ainda  mencionar De Anchieta aos  concretistas,   de Mário  Faustino, A hstória da literatura brasileira, de Luciana Stegno-Picchio, historiadora  italiana estudiosa de  nossa  literatura,que avançou cronologicamente  na síntese interpretativa de autores  brasileiros  de 1964- ao início do século  XXI,  a A literatura  brasileira,  de José Aderaldo  Castelo  em 2 volumes, Assis Brasil, com   a sua A nova literatura  brasileira, Sílvio   Castro, com a obra  coletiva   em três volumes,  História da literatura brasileira. Infere-se que as  histórias  literárias chegam a um ponto   em que se dão  por encerradas. Daí haver a necessidade  de que  que novos   historiadores  escrevam  obras que darão sequência às novas  produções  literárias.
     O pior,  retomando parte do tema central  destes comentários,   no que concerne ao  esquecimento de autores, são os que  poderíamos rotular  de regionais,  em que o  Brasil  é fértil. Cada estado desse imenso   país possui seus  autores representativos, desde os de níveis literários  inferiores  até os  de  boa  ou  ótima qualidade. Desses  uns poucos  alçam  voos mais altos compondo  o  cânone  nacional  de  grandes    escritores. Essa  passagem  de regional a nacional é espinhosa,  muitas vezes injusta e, assim,  grandes   autores  regionais   tenderão  a permanecerem sempre  dentro dos seus   limites geográficos.
        Entre os  piauienses,   contam-se nos dedos os que   se notabilizaram  nacionalmente:  Da Costa e Silva,   Félix Pacheco (1879-1935),   Berilo Neves (1901-1974) em menor  grau de repercussão,  Mário Faustino (1930-1962), Assis Brasil, Esdras do Nascimento. Martins Napoleão (1903-1981)  ainda  seria um outro  poeta  que  poderia, no seu tempo,   vingar nacionalmente, porém não vingou. Um outro  escritor,  H. Dobal (1927-2008), poeta  de elevado  valor, poderia  ter tido maior  renome  nacional, mas não conseguiu  plenamente, provavelmente por  falta de maior   divulgação.   Os dois  últimos  moraram  fora do Piauí,   viveram  um tempo  no Rio de Janeiro, tendo    Dobal  vivido  também  em Brasília, contudo, por um ou  outro  motivo,  não  lograram, reitero,   maior  notoriedade nacional, o que é uma  pena tendo em vista,  reitero,  a alta  qualidade  do  estro  desses dois  últimos  citados. 
       A consagração  nacional  depende  de vários fatores,  inclusive  da  iniciativa maior  de cada autor,   de sua  penetração nos meios   mais  seletivos   da  inteligentzia, geralmente   girando  entre o  Rio de Janeiro e São Paulo.           
       Essa  passagem do regional  para o nacional poderia ser melhor  analisada  do  ponto de vista  da sociologia da literatura, de processo   complexos  de  publicidade, de maior dedicação  ao meio  literário   em que  atuou nos grandes centros  do país  esses  intelectuais.
     O autor de ontem e de hoje sempre se defronta   com  uma gama  de   determinantes de vária ordem, sobretudo  no meio  editorial   de nossos tempos. Superar todas   essas   dificuldades  de  ascensão  ao   universo  literário  brasileiro tornou-se ainda mais    complexo, verdadeira   teia de aranha contra a qual  o autor  contemporâneo  deve encetar um combate  árduo,  competitivo e  de natureza   mercantilista por razões que antes   se podem  rastrear  nos meandros   do marketing  e nos nichos   inabordáveis   do mundo editorial brasileiro.
      Diante   das perspectivas  nada animadoras   da atualidade   no campo da publicação  e do  crescimento  do nome de um autor, imagine-se  tentar  fazer o resgate de autores   antigos que esperam  por um verdadeiro  milagre do acaso a fim de serem  postos   em  evidência  quanto  às suas  qualidades..


sexta-feira, 20 de março de 2015

Tradução do poema "The Vision", de H.W. Longfellow (1807-1882)







“HADST thou stayed, I must have fled!”
That is what the Vision said.


In his chamber all  alone,
Kneeling on  the floor of stone,
Prayed the monk in deep contrition
For his sins of  indecision;
Prayed for  greater self-denial
In temptation and in  trial;
It was noonday  by the dial
And the monk was all alone.

Suddenly, as if it lightened,
An unwonted splendour brightened
All within and without him
In that narrow cell of stone;
And he saw the blessed Vision
Of our Lord, with light Elysian,
Like a vesture wrapped about Him,
Like a garment round Him thrown.

Not as crucified and slain,
Not in  agonies  of  pain,
Not with bleeding hands and feet,
Did the monk his Master see;
But as in the village street,
In the house or harvest field,
Halt and lame and blind He healed,
When he walked in Galilee.

In an attitude imploring,
Hands upon bosom crossed,
Wandering, worshipping, adoring,
Knelt the monk in  rapture lost.
“Lord”, he thought, “ in heaven that reignest,
Who am I, that thus Thou deignest
To reveal Thyself to me?
Who am I, that from  the centre
Of Thy glory Thou shouldst enter
This poor cell, my guest to be?”
Then, amid his exaltation,
Loud the convent bell appalling,
From its belfry calling, calling,
Rang through court and corridor
With persistent iteration
He had never heard before.

It was now the appointed hour
When  alike in shine or shower,
Winter’s cold or summer’s heat,
To the convent portals came
All the beggars of the street,
For their dole of food
Dealt them by the brotherhood;
And their almoner was  he
Who upon his bended  knee,
Wrapt in silent ecstasy
Of divinest  self-surrender,
Saw the Vision and the splendour.

Deep  distress and hesitation
Mingled with  his adoration;
Should he go or should he stay?
Should he leave the poor to  wait
Hungry at the convent t gate,
Till the Vision    passed away?
Should he slight his radiant guest,
Slight visitant celestial,
For a crowd of ragged , bestial
Beggars at    the convent gate?
Would the   Vision there remain?
Would the Vision come again?

Then a voice within his breast
Whispered audible and clear,
As if  to the outward ear;
“Do thy duty; that is best;
Leave unto thy Lord the rest!”

Straightway to his feet he started,
And with longing look intent
On the   blessed Vision bent,
Slowly from  his  cell departed,
Slowly on the errand went.
At he the gate the   poor were waiting,
Looking through the iron grating,
With that terror in the eye
That is only seen in those
Who amid their wants and woes
Hear the sound of doors that  close,
And of feet that  pass them  by;
Grown familiar with disfavour,
Grown familiar with the savour
Of the bread by which men die!
But to-day, they knew not why,
Like the gate of Paradise
Seemed the convent gate to rise;
Like a sacrament divine
Seemed to them the bread and wine.

In his heart the monk was praying,
Thinking of the homeless poor,
What they suffer and endure;
What we see not, what  we see;
And the inward voice was saying:
“Whatever thing thou dost
To the least of Mine and lowest,
That thou doest unto Me!”

Unto Me! But had the Vision
Come to him in beggar’s clothing,
Come  a mendicant imploring,
Would he then have knelt adoring,
Or  have listened with derision,
And have turned away with loathing?

Thus his conscience put the   question,
Full of  troublesome suggestion,
As at   length, with hurried pace,
Towards his cell he turns his face,
And beheld the convent bright
With supernatural light,
Like a luminous cloud expanding
Over floor and wall and ceiling.

But he paused with awe-struck feeling,
At the threshold of  his door,
For the Vision still was  standing
As he left it there before,
When the convent bell  appalling,
From its belfry calling, calling,
Summoned him to  feed the poor.
Through the long hour intervening
It  had waited his return,
And he felt his bosom  burn,
Comprehending all  the meaning
When the blessed Vision said,
“Hadst thou stayed, I must have fled.”


             
               

                        A Visão

       “SE TIVÉSSEIS  permanecido, Eu o teria   abandonado.”


Solitário em seu aposento,
Ajoelhado no chão de pedra,
Orava um  monge, em profunda contrição,
Por seus  pecados de hesitação.
Orava por uma mais forte abnegação 
Quando tentado e provocado.
O relógio meio dia marcava.
Como se de repente iluminado
E o monge, sozinho, se encontrava.

Como se  de repente relampejasse,
Um esplendor incomum  iluminou
Todo o seu  íntimo e o seu  exterior
Naquele estreito aposento de pedra.
Viu ele a Visão abençoada
De nosso  Senhor no  esplendente Eliseu
Qual uma veste envolvendo-O,
Qual, em volta  Dele,  lançada uma vestimenta.

Não viu seu Mestre como crucificado e morto,
Nem na agonia  das dores,
Nem com as mãos e os  pés sangrando
Mas como  se estivesse na ruas do lugarejo,
Na casa ou nos campos  de colheita
Ao avistar os coxos  e os aleijados e  os cegos
Assim  que  na Galileia  entrou.

Implorando com um gesto,
As mãos no peito  cruzadas,
Maravilhando-se, adorando,  louvando,
Em êxtase, ajoelhou-se o monge.
“Senhor,” pensou, “nos céus onde reinais
Quem sou eu, assim,  que Vos dignastes
A revelar-Se  para mim?
Do centro da Vossa glória, quem sou eu
para merecer que entrásseis
Neste humilde aposento,  tornando-Vos meu  hóspede?”.
Em seguida,  em meio à sua  exaltação,
Do convento  o assustador sino, chamando, chamando bem alto
Ressonou por toda a parte do pátio e do corredor
De forma  intensa  e  contínua
Nunca antes ouvida em qualquer tempo.

Chegara  agora a hora  combinada
Quando, sob sol ou  forte chuva,
Ou frio  do  inverno  ou calor  do verão,
Ao portão  do  convento vinham
Todos os cegos e coxos e aleijados.
Todos os  mendigos  da rua
Receberem a esmola  diária
A eles distribuída pela irmandade
O seu esmoler   era  o monge,
O qual,  ajoelhado,
Mergulhado em silente  enlevo,
No mais divino  desprendimento
A Visão e o esplendor  presenciou.

Profunda depressão e dúvida
Misturavam-se à sua louvação..
Deveria ir ou deveria  ficar?
Deveria  deixar os  pobres  esperando,
Famintos, no  portão do convento
Até que  a Visão sumisse?
Deveria abandonar seu  precioso  hóspede,
Celestial passageiro  Visitante
Esquecendo  um multidão de andrajosos grosseiros,
Mendigos à espera no  portão?
Permaneceria ali a Visão?
Será que    voltaria?

Logo depois,  dentro de seu  peito  uma voz
Murmurou, clara e audível:
“Fazei vossa  obrigação, é o mais  aconselhável.
Deixai que do resto cuide o   Senhor!”

De inopinado pôs- de pé
E com uma intenção  nos semblante ardente,
Curvado sobre a Visão abençoada,
Devagar  partiu de sua  cela
Devagar, para a sua  missão,  encaminhou-se.
Os pobres à porta aguardavam.
O gradeado de ferro  examinaram
Com os olhos atemorizados,
 Tão comum àqueles
Que, em meio às carências e aflições,
Ouvem o som  das  que se fecham
E de pés que passavam  junto   deles.
Crescidos no meio do  desprezo,
Crescidos no meio  do cheiro
Do pão pelo qual os homens morrem!
Agora,  contudo, ignoravam a razão pela qual,
à semelhança do portão  do Paraíso,
O portão do convento   abrir-se parecia,
Tal qual um divino sacramento
Se lhes  figuravam o pão e o   vinho.

Rezava  o monge verdadeiramente
Pensando nos  pobres sem teto,
O quanto sofrem e resiste,
O quanto não vemos  ou vemos..
A voz interior afirmava:
“O que quer que façais
Por menos e mais simples  que seja em Meu nome,
Fazeis por Mim.!”

Por Mim! Contudo, se a Visão  lhe tivesse
Chegado na figura de mendigo
Implorando  qual um  esmoleiro,
Teria ele, então, se  ajoelhado adorando-O
Ou te-lo-ia  ele escutado com  desdém?


Desta  forma,  o interrogava a sua consciência
Plena de sugestões  perturbadoras.
Finalmente,  com  passo  ligeiro,
Volve  o rosto  para  o seu  aposento
E contemplou do convento o brilho
De uma luz sobrenatural
Tal como uma  nuvem expandindo-se
Por sobre o chão,  a parede e o teto.
Porém, amedrontado,  deteve-se
Na soleira  de sua  porta.
Eis que a Visão ainda ali  se  encontrava.
Da mesma maneira  que a havia  ali.deixado
O assustador sino do convento
Do seu campanário chamando, chamando,
Convocou-o a alimentar os pobres.
Durante  a longa interminável hora,
Ela havia esperado  por seu  regresso.
Sentiu o monge o peito em chamas
Compreendendo, por fim,  com clareza todo o sentido
Do que  falava a Visão abençoada:
“Se tivésseis  permanecido, Eu  o teria  abandonado.”

                                                           (Trad. de Cunha e Silva Filho)









sábado, 14 de março de 2015

O porquê da passeata contra o governo Dilma amanhã, dia 15




                                              Cunha e Silva Filho


       Uma primeira resposta é porque o país,  politicamente,  está  dividido entre os que apóiam  Dilma e os  que  defendem  o  petismo. Há uma cisão ainda que não muito  clara nem  transparente entre os dois lados. Digo  isso em razão de que eleitores  há  que são contra Dilma  mas não querem  tampouco  o Aécio, ou seja,  não  dão sustentação  ao PSDB, partido que  também  não  tem  um  histórico  tão  digno de apreço de  parte dos brasileiros.
    Há acusações contra ele, contra  FHC e contra alguns  de seus  governantes. Ninguém esqueceu  a forma açodada   com que agiu o neoliberalismo   no âmbito das privatizações, o arrocho salarial  a  que  FHC  submeteu  o  funcionalismo  público  federal, o qual  amargou  muitos  anos  de  ausência  de aumentos  salariais e   a  infeliz  afirmação de haver chamado trabalhadores de “vagabundos.”   A única   vitória do seu governo   foi  a implantação  do  plano real, que teve ganhos   entre os  eleitorado   e fortaleceu, por  algum tempo,   a nova  moeda.
   Contudo,  as manifestações que haverá  amanhã contra o  atual  governo  tem sobras de razões: parte da população brasileira,  a classe média em particular e certos  setores do empresariado, não mais  aceitam   a forma como  a Presidente Dilma Rousseff   conduz  o seu governo, sobretudo porque  o nível de corrupção se aprofundou  ao extremo desde  os tempos do “Escândalo do Mensalão’ na gestão de Lula.Ou seja,  o que, a meu  ver,   desqualifica  o  PT  -  já o  afirmei  em artigos  anteriores  - , é ter perdido    credibilidade junto  à população brasileira  em  geral. Remete  esta circunstância a uma questão de quebra de ética  política, de perda de confiança dos seus  principais  protagonistas, de desmoralização  da classe política, respingando  o grosso  da falta de moral  nos  membros tanto  do  PT quanto  de outros partidos do que se chama  base  aliada do governo federal.
      Da mesma sorte,  a razão das manifestações  não é  só a questão da  imoralidade que transbordou os limites dos valores   éticos   indispensáveis  à governança  democrática, mas sobretudo os  escândalos  que  persistem,  através das  investigações da Polícia Federal,  em  novos  nomes  envolvidos  no desmonte  da Petrobrás feito  pela  cúpula   da  estatal mancomunada  com  empresas e negociatas   fraudulentas   alimentadas  pela   propina  milionária   com  destinação certa e líquida a altos dirigentes  da Petrobrás e a políticos   petistas e de outros  partidos  aliados  do  governo.
         Quer dizer,  na consciência  de brasileiros  esclarecidos,   o sucateamento  financeiro da Petrobrás, empresa historicamente associada  à  ideia de  uma  estatal com  fortes  laços de nacionalismo e de sua  importância  como  um   dos patrimônios  de  nossa  produção  petrolífera é um  dos motivos-chave da perda  de  prestígio e de aceitação   dos rumos que  o petismo  tomou   na  administração  do  governo Dilma.
      Todos  esses fatos  ocorridos  em todo  o  período do PT no  poder serviram  de combustível  à indignação   da sociedade  brasileira que, agora,   logo após a  posse  do segundo mandato    de Dilma,  viu  o engodo  do programa  de governo prometido pela Presidente. Tudo  nos leva  a crer que  o descumprimento de um projeto   de segundo mandato   tantas  vezes  reiterado na corrida à presidência sofreu  um  inflexão  na forma  de  iniciar  a administração   de sua segunda  gestão. Daí vieram  as mudanças  inopinadas e  impopulares na condução da economia,  como   alterações   nos direitos   trabalhistas,  ressurgimento do alto custo  de vida ( remédios, alimentação etc.), prejuízos para o contribuinte  no  imposto de renda,   no aumento  das taxas de juros que já eram   insuportáveis e consideradas as mais altas  do mundo, nas pensões federais e nos cortes  de gastos em setores  que, nomeados  pela própria  pela própria  Dilma,  ficariam  intocáveis. Por exemplo,  na educação, ponto de honra  de seu discurso de posse, por ela   denominado  “pátria educadora.” Sem se falar no estado de  precariedade de nosso  sistema de  saúde pública  em petição de miséria,  nos transportes de massa da mesma forma  necessitando  de  modernização  e de ampliação.
     Somando-se  a todas  esses desvios de  governança, cujos efeitos deletérios  já se fazem sentir na economia  nacional,  com  vários  tipos de  comércio  e  de negócios  fechando  as suas portas,  o Brasil se vê atualmente agravado por  outros   componentes  de natureza social: o crescimento   constante e  mesmo   desesperador da violência em todo o país, a impunidade  de criminosos  e  delinquentes  juvenis e até  infantis, a ponto de  vários  cidadãos  brasileiros se verem obrigados  a  sair do  país  visto que aqui  não encontram mais  nenhuma segurança para si e seus familiares.

    O quadro  que  tracei  acima  é suficiente  para que   a sociedade civil  se manifeste  contra  o  estado  nada animador em que  se vê enredado  o petismo,  Lula e Dilma. Que amanhã  a passeata dos  opositores  de Dilma  não fique   prejudicada  pela selvageria dos inimigos da democracia e seja  realizada  com  espírito  de indignação   mas de forma  pacífica a fim de  mostrar  a insatisfação  do povo, em todo o país,  contra  os desastres  deste  governo  que aí está contra a vontade  de tantos  brasileiros destituídos do fanatismo  cego do lulupetismo que se define  de esquerda  quando, na verdade,  nada tem   de socialismo  autêntico, mas de populismo,  de oportunismo e  de enganação  para incautos, uma vez que o lulupetismo, como  afirmou alguém,  se consolidou  com  os ganhos   da ilicitude  das propinas  e da impunidade. Seus dirigentes  não dispensam  as regalias  e a boa vida burguesa  dos capitalistas  de toda a  parte. 

quinta-feira, 12 de março de 2015

Crônica é tudo aquilo que se chama crônica




                                                             Cunha  e Silva Filho

 “Não me lembro de nenhum presidente que, após ser eleito,  desapareça da vista da  nação, como fez Dilma” (Ferreira Gullar,  Ilustrada, Folha de São Paulo, 8/02/2015).


          Aquela velhinha macérrima que, com gestos rápidos,  entrou no  banco, pegou  a senha depois de esperar uns  dois ou três minutos, foi sentar-se numa das cadeiras enfileiradas formando  um conjunto de assentos  para  serem  usados à espera  da ordem  mostrada  na tela daquela   espécie  de quadro  eletrônico  com números e prefixos  referentes  à ordem geral  das chamadas.
    Da minha parte,   já me encontrava  sentado na primeira   fileira; a velhinha  ficara atrás  de mim. Foi assim que  pude  escutar  alguns comentários   que ela  fazia  a  uma jovem  senhora  sentada ao seu lado. A velhinha  era  elétrica,  falava muito  e depressa, mas de forma  clara  e audível.  A sua conversa  girava em torno  das dificuldades   da  vida moderna, fazendo  questão  de   acentuar   os caros valores do passado que, praticamente,   já se sepultaram  na contemporaneidade  de um  bairro, no caso,  o da Tijuca:
 “Outrora,   sabe,  tudo era  melhor  em todo o sentido: não havia   esta  maldita  violência ,  esta correria,  o medo de ser  assaltada. Certa vez, não faz muito tempo,  me  roubaram  umas notas  de   reais  que deixara  numa  parte  dessa  bolsa.” Aí a velhinha   apontava  exatamente o lugar da bolsa  onde  o dinheiro  fora  surrupiado  por  uma  batedor  de carteira.                            
Continuava  a   velhinha:  “Não aguentava  mais  tanta  dificuldade  para  se   receber  um  pensão.  O pior é que todo mundo sabe  a respeito de nossos  dados  pessoais de tal  sorte que, se o gerente   não for  honesto,  é até  possível   nos  enganar,  ainda mais  sabendo  que   está lidando com uma  pessoa de  setenta e três anos.”
Foi, então, que  olhei  atentamente pra ela e  verifiquei  que a idade  mencionada  não corresponderia  à verdadeira   idade dela. Pra mim, já entrava  na casa dos  oitenta.Estava  engelhadinha, com aqueles  lindos  olhos  azuis  circundados  pela  pele  flácida. Além disso,   falava que  seu  filho mais  novo   tinha   vinte e  cinco anos (sic!)    e, sendo  inteligente, segundo  alegava, já  andava   fazendo  o segundo  curso  superior, desta vez de medicina.
“Você já viu,  hoje em   dia,  quando  um jovem  até bem vestido   olha  com atenção  pra gente,  não  é com  a ideia  de dirigir  um elogio  à nossa beleza, mas sim  pra assaltar-nos.  Ninguém hoje  confia  em ninguém e,  em assuntos de banco, algumas  gerentes  se atrapalham  com  o próprio  desempenho do que fazem. Aqui nesta  agência, havia uma gerente,  uma doce criatura,  amável,   prestativa,  resolvia  tudo pra  mim, até por telefone”
A velhota  magrinha voltava ao  tema  do passado,  expondo,   em  tom  nostálgico,  o quanto  a cidade do Rio de Janeiro era melhor:  “Podia-se  voltar  pra casa  bem tarde,  não havia  trombadinha,   assalto  à  mão armada,   enfim,  todas  essas  mazelas  atuais. Tempos bons,  tempos felizes,   quando  se podia   ficar  à vontade na rua,   na condução, em tudo.”   Mostrei com o meu  olhar  que aprovava tudo  que me dizia. A jovem senhora ao lado dela  igualmente  concordava  com  a visão da velhinha.
De repente,  ela,  mudando de assunto,   falou  que o país  estava  todo   sucateado, contudo  nesta  palavra   podia  conter  todos  os  problemas graves  que  o Brasil  atravessa: corrupção,  violência  sem precedentes,  falta  de    respeito  aos velhos,   desconfiança de  tudo  que  os políticos  afirmam nas campanhas. “Não  posso   acreditar  em  nenhum   governante. Todos são a mesma coisa. Prometem  tudo  e nada cumprem. Não viu  o que a Dilma  anda fazendo em seu governo, e logo  no início do seu  segundo mandato ?
Antes da campanha,   enumerou  um série de mudanças   que só  melhorariam  a condição do cidadão brasileiro. E veja agora,  descumpriu  tudo e sobretudo   a direção  da economia.  Mudou  o  ministro  desta  Pasta que, segundo dizem,  fica doidinho  pra cortar  despesas  e  aumentar   os impostos.  O custo de vida  está  subindo, os juros, idem.  Estão desvalorizando todo o nosso  dinheiro de pensionista federal. Estamos encalacrados.  A Dilma,   aonde vai,   é vaiada. É sinal  de que  parte do povo, ou melhor,    uma expressiva parte,  não   aprova  o que   anda fazendo.  Se fosse mais jovem, iria, no dia 15, tomar  parte  nas manifestações  contra  o  governo  Dilma lá na Zona  Sul.  É mesmo  na Zona  Sul?” Não  confirmei. Entretanto,   o que  aquela  velhinha de olhos  azuis   reclamava ninguém, em sã consciência,  pode  negar  que contrariasse     a realidade   brasileira atual.

De repente,  o quadro  eletrônico indicava o número da minha senha, ou seja, a minha  vez  de ser atendido. Tive que me   desculpar  do curso da conversa e a deixei  falando com  a senhora  ao seu lado. Imagino que  falava ainda  das misérias  de nossa   política.

domingo, 8 de março de 2015

A violência nacional e o Brasil político no Facebook



                                               Cunha   e Silva Filho


            Antes mesmo  de  começar a redigir este artigo,  me surpreendo com  as últimas chamadas de jornais  brasileiros on-line   fazendo  referências ao  discurso hoje da Presidente  Dilma no   Dia  Internacional da Mulher. As referências   não são  favoráveis ao  pronunciamento  soft  da  Presidente Dilma   que, só ligeiramente,  tratou  das aflições  de que é vítima  a mulher  brasileira hoje enfrentando  uma  situação inusitada  e recorrente: o sofrimento   da violência  e  crueldade a ela impostos   por  maridos covardes,   companheiros traídos   ou  namorados rejeitados.
        A aprovação de uma  lei  que pune  as ações cruéis contra  a mulher enquadra os infratores   machistas  como  crime  hediondo  sempre que  o ato covarde contra  a mulher  produza  um homicídio.
         Segundo  a Presidente,  a aplicação da lei será mais  rigorosa. Ninguém  contestaria   a  oportuna  aprovação  de uma lei  desse teor, mas é preciso que outras leis  venham  a ser  aprovadas  para os  outros tipos de  violência  sem  limite e abomináveis  de que a legislação  penal  não pode   abrir mão, e aí se incluem  os crimes  hediondos   praticados  por  criminosos  adultos e de menor.
       As penas devem  ser  drásticas  a ponto  mesmo  de  se poder   repensar a questão   controvertida  da prisão  perpétua cumprida  com todo  o  respeito  a  essa condição  punitiva.  E essa punição se estenderia  também  aos menores   delinquentes reconhecidamente   reincidentes  na prática  de  crimes que  causem   indignação  à sociedade  que, até  hoje no país  se vê   injustiçada com   a tão conhecida   impunidade  de facínoras  de todas  as idades.
      Os contumazes      benefícios   de  bom  comportamento,  de   redução   de pena a assassinos  desumanos devem ser abolidos. Criminoso é criminoso e, como tal,  deve ser  tratado.  Do contrário,  caso  não se   vejam  acuados   por uma   legislação  criminal    rigorosa e inibitória  que os façam   pensar  duas vezes antes  de   perpetrar  atos  de selvageria, não haverá  nenhuma melhoria   na escalada da violência   em nosso  país. Esta  é a minha  apreciação do primeiro  tema que enunciei no título   da coluna.
      O segundo  tema da discussão   que me proponho em síntese    comentar é a questão  política  do atual  governo  federal na rede  social,o Facebook. Acompanhando por algum tempo as mensagens  e  os comentários   postados   nessa rede,  diviso   duas vertentes  em que  se percebe  nitidamente    uma clivagem   entre os   usuários  do Face: os defensores   do PT  tendo  a Presidente Dilma  como   protagonista  e os   opositores   do governo. A natureza da divergência  se tornou  quase um campo de batalha  no reino da virtualidade.
       Assim como  ocorre em  outros campos  de   posições  conflitantes,  o religioso e  o  do futebol,   o  do domínio da política  se conota    de  características   que beiram  a uma espécie  de fanatismo e, como tal,   o código  linguístico de um lado e de outro  pode oscilar entre o sermo   nobilis, ou seja,    enobrecimento  da linguagem ao  do rebaixamento, sendo que o grau de acirramento  se torna mais   evidente  da parte  dos anti-petistas que não titubeiam  diante do emprego do sermo  vulgaris,  da  linguagem  chula e de uma forma    que se avizinha  de uma deformação   paródica  diante   do comportamento   dos  políticos  em geral e do   PT em  especial.
       Os alvos  principais   da  oposição  aos desmandos  do governo  federal são  o Lula e  Dilma. O nível  de  desconstrução   dessas duas   figuras   é de arrepiar  os cabelos. Neste contexto,  adentra-se   no puro  domínio    da destruição pelo  instrumento da palavra sem peias    nem  freios e mordaças.  A indignação   que tomou  conta  do antilulismo e do antidilmismo  só  encontro   parelha  em campanhas  da história  política brasileiras em regime democráticos   dos anos   quarenta e cinquenta do século passado.
      Contudo,   o  grau  de  registros linguísticos de agora  julgo ser ainda mais  desagregador  porque  se combina com  o xingamento   aberto  e desassombrado. O Face se transformou, assim,  num fórum   de expressão   de repúdio  e de  indignação   contra  o atual  governo. Creio que  provocou não apenas  divergências de ideias, mas    constrangimentos   e  inimizades   mudas,  silenciosas, subterrâneas. Como debate   político, o Face se constituiu  no espaço mais  democrático  e ao mesmo  tempo  mais demolidor  que já se  conheceu  na mídia  em nosso  país.

      De um fato  estou  certo:  o país  está  dividido, cindido e entre um lado e outro não existem   santos  nem anjos, o que nos leva a afirmar: criou-se um impasse de voz dupla entre  defensores   e adversários  ferrenhos   da situação política nacional. Aguardemos os desdobramentos.