Se há alguma coisa que me
causa um mal-estar interior de mistura com indignação, este é o fanatismo
manifestado seja de que forma for. O
indivíduo, tomado por
esse sentimento de excessos
francamente negativos e
deletérios, perde aquilo que, numa definição de
Aristóteles (384-322 a.C) encontraria correspondência na frase, ou dito, latina disseminada, e que tão bem
expressa um comportamento
prudente e saudável: "In medio stat virtus" ( A virtude está no meio). Manter a
equidistância dessa linha de extrapolação
equivaleria a livrar o mundo de
muitas desavenças, incompreensões,
conflitos e até guerras.
O fanatismo, um forma distorcida e hipertrofiada da visão
que uma pessoa tem do mundo
e de tudo que
nele existe, se mostra mais evidente e mais devastador em três dimensões principais : na religião;
na política e no esporte. De resto, toda falta de
equilíbrio demonstrado na
solução de problemas
redunda em fracasso.
Vejamos como atua cada um desses desvios de conduta
do homem vítima do fanatismo
religioso. Tome-se o exemplo do
catolicismo e do protestantismo, tendo
como palco de cenário a Irlanda do Norte, cujo povo
está fadado há longos anos aos constantes conflitos de ordem religiosa
e recrudescidos pelos de ordem política. Sabemos que
cada religião tem o seu
conjunto de princípios, dogmas e especificidades inerentes aos seus credos, os quais devem, ou deveriam, ser
seguidos à risca pelos seus
membros, pelo menos
teoricamente considerados.
No entanto, na práxis religiosa tal conduta
não existe no contexto dos dois tipos de
religião. O que, então, se
observa é que no cotidiano daquele
país, basta que haja uma insatisfação
ou um pequeno deslize numa e
noutra das religiões para que a irrupção da violência venha à tona e, neste caso, todo o corpo espiritual doutrinário entra em colapso. Na
emoção dos conflito armado, os
princípios religiosos são esquecidos e o
que passa a valer são as ações
violentas e terroristas, provocadoras
de mortes de inocentes Isso porque
nenhum dos lados cede um palmo
daquilo que pensa ser a sua verdade tomada unilateralmente, desconsiderando as diferenças do outro, os direitos do que passa a ser inimigo e por isso não pode ser levado em
conta.
O sentimento fanático
é cego, não enxerga de forma lúcida
no confronto travado entre
duas partes. Por isso, as
discussões religiosas, que deveriam ser pautadas pelo diálogo entre diferentes, mas nem tão
diferentes assim entre as duas
doutrinas fundamentadas no cristianismo, tornam-se reféns do
fanatismo, abdicam da
lógica discursiva e
partem para o campo da batalha e
da irracionalidade..
O segundo desvio, móvel irracional
que toma conta do indivíduo
presa do desequilíbrio no campo
da política e manifestado pelo fanatismo, tem muito
mais força e negatividade quando
praticado por sectários
de determinados partidos
ou de líderes que adquiriram
relevância, em geral figuras que
se aproximam do nível do
messianismo ou de salvadores da pátria tão comuns no
Terceiro Mundo.
São os fanáticos que, em
geral, não passam de eleitores convictos de que o líder
populista, junto com seu partido,
são pessoas infalíveis,
de caráter ilibado, merecedores do respeito
de seus correligionários e de
seu eleitorado. Esse indivíduos, em
geral sofrem de uma
patologia através da qual não podem
ouvir nenhuma afirmativa
de outrem que contrarie os valores e ideias de seus
líderes e partido. Encontram-se, no
Brasil, exemplos típicos
dessa situação nas figuras de um
Getúlio Vargas, de um Leonel
Brizola e de uma Lula. O exemplo do Collor passou
por perto durante a sua campanha
para presidente do país, mas, no governo, a sorte lhe foi ingrata e acabou no que
todo mundo viu, ou seja, de
caçador de marajá passou a ser
desprezado por aqueles que
ficaram fascinados com a
suas ideias de salvação
da pátria.
O terceiro desvio do sentimento de fanatismo,
no caso que escolhi
para este artigo, é o futebol,
esporte maior do povo brasileiro,
com força gigantesca
de movimentar multidões de fãs, de apreciadores normais
que sabem ver nesse
esporte o encanto de uma jogada genial e de uma craque de verdade.
Um pensador católico brasileiro,
Alceu Amoroso Lima (1893-1983) - ao
iniciar, em 1919, sua coluna de crítico
literário em O
Jornal , substituindo, se não me engano, o mordaz crítico Agripino Grieco (1888-1973), usou,
durante grande parte de sua vida de escritor, o pseudônimo de
Tristão de Athayde.
Tristão de Athayde chamou o
futebol de “O grande catalisador.” Ele sabia
o que dizia, porquanto esse
esporte, de origem inglesa, no país
foi, de início, praticado
pelas camadas altas da sociedade e, com o
tempo, ganhou o amor
do povão, da classes média, da
burguesia, de alguns intelectuais, segmentos sociais que não mais o abandonaram.
Em todos os rincões do Brasil, principalmente
entre os mais pobres,
o futebol é sempre uma festa e
uma esperança de deixar
um menino de talento futebolístico
com a esperança de se tornar um campeão, um grande jogador, a ser
disputado pelos ricos
clubes da Europa e de outras
partes do mundo. Os jogadores de
talento tornam-se ricos e por isso são disputados pelas mulheres bonitas com amor e sem amor.
Pois é esse esporte onde grassa também
o fanatismo e desse para a violência é um pulo.Hoje em dia, o fanático, em torcidas organizadas,
é um barril de pólvora, um perigo
iminente, causador de
mortes, de pancadaria, de extrema selvageria dentro dos estádios e fora deles. Esses
torcedores são igualmente
doentes, sofrem de psicopatias e
são indivíduos que devem ser vigiados
pelos órgãos de segurança, sob pena de transformar o
futebol em esporte sinônimo de extrema violência.
Como mobiliza grandes
multidões de fãs, o futebol é
facilmente instrumentalizado por estratégias
de setores do governo e da mídia que bem sabem dele tirar partido,
inclusive subliminarmente, tendo por
objetivo usá-lo como amortecedor social e dominação política no pior sentido da palavra, da
mesma maneira sendo uma forma segura
e milionária de ganhar rios de
dinheiro facilmente e de fazer a festa dos detentores do poder
econômico que administram,
promovem e estimulam
ideologicamente um esporte que não
nasceu com a vocação
de ser instrumento desse poder. No entanto, essa modalidade esportiva
deixou, a partir de certa fase de sua história, um rastro de oportunistas, prestidigitadores, cartolas,
empresários inescrupulosos e o
poder público cooptado. Tudo maravilhosamente entrosado para o bem das nações e da mídia nacional e internacional.