sábado, 13 de julho de 2013

O mordomo, o salário e o senador




                                                        Cunha e Silva Filho



                   Eu me pergunto: será que um país  assim  tem  conserto? Creio que não. Quantos anos,  ou mesmo  um século,  serão necessários para que  um político brasileiro  possa  ser  levado a sério?  A curto e médio  prazos, não há vislumbre de que  alguma coisa  boa  surja da vida  política  nacional.
                  Não há manifestação  nas praças, nas avenidas,  nos morros, no planalto, na planície,  no mar, no ar, na terra que consiga   reformar  a ética e a prepotência  de quem  foi   eleito pelo povo e praticamente  nada tenha  feito  à sociedade. Mesmo quando saem de cena,  os  políticos  brasileiros deixam  seus  rebentos incrustados nos feudos   palacianos, dando continuidade à  fanfarra das mordomias,   das manobras,   das tergiversações, das  falcatruas praticada  contra  o  Erário  Público.
                Ainda este ano  saiu uma notícia   no jornal O Globo informando  ao leitor  que  o atual  Presidente do Senado,  figura  da  política  nacional  por demais  respeitada  desde os tempos  do  governo  Collor e das  rocambolecas   histórias amorosas,  além de outras  implicações de conduta  no bolo  do escândalo do Mensalão,  prodigaliza  a um  mordomo um salário  faraônico de  dezoito  mil reais,  quando  um médico,  um professor com mestrado e doutorado nem sonham  em terem  tamanho  salário  e o salário mínimo do  povão e os proventos  dos aposentados do INSS  estão  sempre aquém  de um patamar  de uma  vida  digna.              
                  Ora,  para  dar  esse salário a um mordomo  seria preciso que este  entendesse   do riscado, fosse fluente  pelo menos  em duas línguas modernas,  tivesse domínio  dos protocolos  sociais, fosse discreto,  observador, fiel, amigo da família,    e familiarizado com  todas  as  etiquetas   daqueles  velhos   mordomos   da aristocracia  inglesa. Um completo  butler, em suma.
                Este  mesmo  senador  é aquele que há poucos dias  viajou  com amigos  num  avião da FAB para  comparecer a um  casamento ou coisa  parecida. O Brasil  é uma  República ou  pensa ainda que  esteja nos tempos dos  nobres do primeiro e segundo  impérios ?
         Este ex-ministro da justiça  semelha ter  saído das páginas da ficção  dos bruzundangas  limabarretianos. Não me parece  uma pessoa física, com  nome  em cartório de registro. Para  sustentar um mordomo  deste tipo,  é mister que  o senador   ganhe rios de  dinheiro, sendo que, no caso  dele,  o dinheiro escorre  com facilidade   dos cofres  públicos...
Por que estou  implicando com  o salário  de um simples  mordomo   de um  palaciano? Simplesmente  porque,  ao conceder  um salário  nesta  proporção, o senador  brasileiro dá um  exemplo  inconteste  de  quanto  está distante   do  interesse  que  revela ter pela coletividade,  sabendo  ele que o brasileiro,   em várias  profissões,  é mal  remunerado,  pouco  valorizado, a quem  faltam hospitais,   segurança,  educação  de qualidade e transporte  de massa  à altura    do  gigantesco  número de usuários principalmente  nas grandes cidades  brasileira.
O país se revela por metonímia. Para  entender  o todo,  cumpre atentar para a parte  e é por esta que chegamos  às entranhas do todo. O exemplo do mordomo é aquela parte do iceberg, cujo  tamanho  se  esconde  até o fundo do mar (de lama, bem entendido). Juntadas  as partes, atingiremos  o todo  que nos  oferece uma triste fisionomia.
 São as partes  que devemos  examinar  com  cuidado e com profundidade e, ao  alcançarmos  o fundo do mar,  perceberemos   quão  imoral, injusto,  defeituoso  se nos apresenta. É do fundo do mar que veremos,  transparente,  todos  os  “malfeitos” (do jargão da Presidenta Dilma)  da nação, o lodo,  a sujeira, os escolhos,   o lixo  chafurdando  no lamaçal   de ausência   de  ética,    falta   de vontade  política,  protelações para que  mudanças   substanciais  nunca  ocorram e  deixem  tudo  como  está   visto que  a memória do povo  é curta e poderá  ser  presa de   sucessivas  péssimas escolhas   de  novos candidatos  que, em eleições futuras, comporão  a  política  do país.
O que não pode é mudar para melhor  a vida do brasileiro. Por isso,  a reforma  política, tanto  quanto  possível,  será  adiada e, caso não  o fosse,  como  a realizaríamos com  o conjunto  de políticos  de  fancaria de   que, em geral,  dispomos na Câmara e no Senado? Se questões de grande urgência não  serão tão cedo  discutidas  para  aprovação,  como a  reforma e atualização  do  Código  Penal,  por exemplo, assim como  leis que  venham  beneficiar  os quatro setores da  vida  nacional  (saúde, segurança,  educação e transporte ) que  exigem  dos governos federal, estadual e municipal  soluções  urgentíssimas.

Um  país tal qual o  nosso,  que tem  uma sociedade  bastante dividida socialmente - classe  miserável, classe  média,  classe burguesa,  elite econômica – não terá  nunca  força  suficiente para  se unir  e  ser solidária entre si. Se os restaurantes de alto  luxo  estão  cheios,  e cheios estão os shopping centers,  e o consumismo  dos que  têm poder de compra   continua  rolando  solto,  quando é  que  encontraremos  um  ponto   certo  para  fazermos valer  nossas reivindicações? A divisão de classes  e de níveis  culturais  faz   a felicidade  da politicalha  e, por tabela, é um porto seguro  para  a continuidade   e inalterabilidade do status quo  vigente. Ó bendita  divisão de classes, deleite dos que implantaram  o cinismo e a falta de vergonha como a melhor forma  de  governança dos tempos contemporâneos!

2 comentários:

  1. Meu amigo professor Francisco Cunha da Silva Filho, esse texto é maravilhoso, não só pela precisão dos verbos e vocábulos, mas porque desborda, com veracidade, a triste realidade da nossa podre política. Meus sinceros parabéns. Vou reler esse outra vez, por que vale a pena. O amigo foi muito feliz, como de costume em todos os outros textos de sua lavra. Ele nos leva a indagar: Que país e esse? Não tenho mais esperanças, não. Não vejo mais solução. Não acredito nos poderes constituídos do Brasil, no Legislativo, no Executivo, muito menos no Judiciário. Só podridão. O pior de tudo isso é a hipocrisia do PT. Isso é uma verdadeira pandemia, já contaminou todo o Brasil com esse vírus letal . Certa vez ouvi dizer a seguinte frase: Pobre do México. Tão perto dos Estados Unidos da América e tão longe de Deus... Apesar de não querer entrar no mérito da questão, que frase posso dizer acerca do Brasil? Ele está tão longe dos Estados Unidos da América e muito mais ainda de Deus... Ai de nós, pois só conseguimos enxergar o céu e o mar, sem sabermos que existe terra firme, terra de verdade, terra de caráter, terra de respeito ao próximo, ou melhor, ao cidadão. De uma coisa tenho certeza absoluta, (...) feliz é a nação cujo Deus é o Senhor (...), para essa referida nação basta uma Constituição com dois artigos: 1°- Amar a Deus sobre todas as coisas. 2° - Amar ao próximo como a nós mesmos. Meus sinceros abraços do seu admirador BenHur Cavalcanti.

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  2. Prezado BenHur Cavalcanti:

    O que mais deixa alguém que escreve feliz é saber que o que escrevo não foi em vão. Pôde penetrar na alma do leitor com ideias que neste tiveram algum resultado no ato da interlocução, ato que não precisa sempre ser de concordância ou de crítica construtiva, mas de tentativa de ser coerente e corajoso na discussão de temas da vida nacional. Jamais este seu colunista, acredite, escreverá com o fel da hipocrisia. Qualquer escritor que tenha respeito à sua vocação seja em que gênero for, deve ter, antes de tudo, o sentimento de expressar as verdades que professa com dignidade e respeito. O que não é isso, passa a ser mistificação e falta de caráter, quando não de coragem.
    Um abraço do

    Cunha e Silva Filho .

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