sexta-feira, 25 de junho de 2010

Henry Wadsworth Longfellow

A Psalm of Life


Tell me not, in mournful numbers,,
Life is but an empty dream!
For the soul is dead that slumbers,
And things are not what they seem.

Life is real! Life is earnest!
And the grave is not its goal;
“Dust thou art, to dust returnest,”
Was not spoken of the soul.

Not enjoyment and not sorrow,
Is our destined end or way
But to act that each to-morrow
Find us further than to-day.

Art is long, and Time is fleeting,
And o our hearts, though stout and brave,
Still, like muffled drums, are beating
Funeral marches to the grave.

In the world’s broad field of battle,
In the bivouac of life,
Ben ot like dumb, driven cattle!
Be a hero in the strife!

Trust no future, howe’er pleasant
Let the dead Past bury its dead!
Act – act in the living Present!
Heart within, and God o’erhead!


Lives of great men all remind us
We can make our lives sublime;
And, departing, leave behind us
Footprints on the sands of time –

Footprints that perhaps another,
Sailing o’er life’s solemn main,
A forlorn and shipwrecked brother,
Seeing, shall take heart again.

Let us then be up and doing!
With a heart for any fate;
Still achieving, still pursuing,
Learn to labour and to wait.



Um Salmo à Vida

Não me faleis, em enlutados versos,
Que um sonho vazio seja a vida!
Pois morta é a alma que adormece
E as aparências enganosas são.

Genuína, a vida! Vida, coisa séria!
O fim último o túmulo não é;
“Sois pó e ao pó retornais”,
Assertiva não condizente à alma.

Nem só de alegrias ou de tristezas
Se traçam nossos destinos
Mas de atos cumpridos a fim de que cada amanhã
Um passo melhor do que hoje seja.

Longa é a tarefa e fugaz é o Tempo,
Nosso corações, posto fortes e valentes,
Como tambores surdos ainda tocam
Marchas fúnebres a caminho do túmulo.

Que no amplo campo de batalhas do mundo
No bivaque da vida,
Não sejais gado inerte e submisso!
Um herói sede na luta!

Ainda que promissor, no Futuro não confieis!
Deixai que o Passado morto os que se foram sepulte!
Agi – no Presente em vida, agi!
Com o coração aberto e com Deus no Alto!

Recordar nos fazem todos os grandes homens
Que podemos tornar sublimes nossas vidas;
E, na despedida, deixar devemos
Nas areias do tempo nossas marcas –

Marcas que, quiçá, um outro ser,
Da vida velejando sobre o mar solene,
Um irmão, náufrago à deriva,
Avistando-as, a esperança há de reaver.

Em alerta e em ação permaneçamos sempre.
Com o coração a qualquer situação pronto
Alcançar procurando, perseguindo sempre,
A lutar e a esperar aprendei..

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

terça-feira, 22 de junho de 2010

A ducha de água fria

Cunha e Silva Filho


O jovem tinha apenas dezoito anos. Estava a caminho da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Naquela época, a entrada era bem mais amistosa, sem tanta burocracia e cuidados com segurança, que hoje em dia inibem e constrangem o visitante, o pesquisador ou usuário A desconfiança e a violência ainda não haviam surgido com tanta intensidade na vida carioca e no país inteiro.
Logo ao chegar ao velho, belo e imponente prédio, situado no centro da cidade, de frente para a Cinelândia, deixava sua mochila com o atendente de portaria, no balcão que ficava à direita de quem entra para o saguão da entrada. O atendente, solícito, a recebeu, guardando-a numa das divisões de madeira numeradas e entregava ao jovem uma ficha redonda de papel duro com o número nela inscrito correspondente à divisão onde colocara o pertence do visitante que, aliás já conhecia de tanto o ver na famosa Biblioteca, point certo de numerosos estudantes recém-vindos do interior do país.
Algum tempo mais tarde, o atendente se lhe tornaria aluno de aulas particulares de inglês ministradas na própria residência do funcionário da Biblioteca, no bairro de Irajá, subúrbio do Rio.O bom era que, além de receber pelas aulas de inglês, o aluno ainda lhe oferecia um gostoso lanche nos dois dias de aula por semana.
Com a ficha o jovem entrava na arejada e espaçosa sala principal de leitura, na qual mais de uma dezena de mesas com cadeira se encontrava disposta em fileiras, sem, no entanto, ocupar toda a sala, deixando um espaço em que se destacavam as muitas estantes dos fichários das obras. Não havia ainda computadores para localizarem autores e obras do rico acervo.
O leitor dirigiu-se logo a uma mesa central posta sobre um estrado, de frente para as mesas de leitura. Lá um dos dois ou três funcionários lhe entregou um pequeno formulário de pedido de livro que seria preenchido com o nome do usuário, o endereço, telefone (se houvesse), o título do livro ou livros escolhidos, o número da mesa e os dados técnicos de catalogação e posição da obra nas numerosas estantes que ficavam em andares superiores da biblioteca. Os livros pedidos desciam por uma espécie de pequeno elevado,r que ficava perto da mesa dos funcionários. O sobe-e-desce dos pedidos não cessava durante o horário normal da Biblioteca.
Preenchido o formulário, o usuário o entregava a um dos funcionários e ia para sua mesa aguardar a entrega do livro.
Naquela manhã, o jovem tinha escolhido um volume que ele encontrara numa das gavetinhas de fichas dos catálogos indicadas por ordem alfabética. Naquele tempo, era o próprio leitor que fazia esse trabalho de pesquisa e rastreamento que, às vezes, demorava mais de uma hora. E o fazia em pé com paciência de Jó. Por vezes, ia até à mesa dos funcionários pedir alguma ajuda. Era um volume que lhe chamou a atenção: um livro didático para o ensino do inglês do professor Kurt Adler. Esse autor - soubera depois -, era austríaco e emigrara para o Brasil há muitos anos, logo estabelecendo-se no Rio. Dirigia o seu curso de inglês, chamado “Westminster English Course”, que se localizava na Rua Erasmo Braga, no Castelo, centro do Rio.
O jovem gostou tanto do livro, uma série em cinco volumes, que, vendo o endereço do curso indicado na contracapa, anotou-o para, outro dia, procurá-lo. Estava disposto a fazer o curso completo, cuja abordagem se chamava então semi-dirct method, isto é, utilizava, no ensino da língua estrangeira, uma mistura de explicações em inglês e em português, assim como exercícios de versão e outras estratégias criadas pelo autor .Tempos depois, utilizou-se de filmes didáticos, em desenhos animados. Contudo, a estrutura básica dos livros didáticos não sofreu nenhuma alteração. Era um eficiente curso para o tempo.
No dia seguinte, o jovem fora ao endereço do curso. Tomou o elevador que o deixou no andar indicado no painel do saguão do edifício. Na secretaria do curso, foi atendido por um professor, um moço educado usando óculos, mais parecendo um inglês, que lhe perguntou:
“Então, deseja falar com o prof. Adler?” “Sim. Gostaria de estudar inglês neste curso.” “O prof. Adler, infelizmente, não está hoje. Amanhã, com certeza, pode encontrá-lo.”
“Virei, então, amanhã.” “Espere, você quer adiantar a sua entrevista com ele?” “Sim quero.” “Pois lhe vou aplicar dois testes, um escrito e outro oral. Em que nível de prova gostaria de fazer?” Há cinco níveis”. “O quinto, professor.”
O professor lhe pediu que aguardasse um pouco, visto que iria buscar o modelo de teste escrito de nivelamento. Faria com ele também o teste oral, que seria um bate-papo informal na língua estrangeira. Este teste oral era muito importante já que a tônica da aprendizagem ali era a conversação. Daí serem os volumes intitulados Manual de inglês – conversação do Prof. Kurt Adler.
O professor, com quem o jovem fizera os testes, lhe falara um pouco do diretor, lhe contara que este tinha morado muitos anos na Inglaterra. No Brasil, além de ter seu curso e ter-se tornado autor didático, dera aulas de conversação inglesa na PUC-Rio.
O jovem terminou os testes. O professor-examinador lhe dera nota máxima. Acertara todas as questões escritas. No teste oral, também se saíra muito bem. Nunca o jovem se sentira tão orgulhoso. Entretanto, havia um problema. Não podia custear o curso.
“Você tem direito a estudar neste curso. You’re entitled to ask for a scholarship. You deserve it”, concluía o simpático professor parecido com um inglês. “Olhe, meu jovem, isso só o diretor pode resolver e não perca a esperança, já vi casos aqui em que o estudante, sem condições de pagar, conseguiu gratuidade.Não custa você conversar com o prof. Adler.”
O professor Kurt Adler, um senhor de meia idade, sisudo, de boa altura e voz firme, mas de semblante frio, recebeu o jovem por detrás do balcão da secretaria. Dirigiu-se-lhe em inglês. Perguntou-lhe pelo nome. Foi apanhar numa gaveta uns papéis (viu o jovem que se tratava de sua prova escrita). Olhou-os cuidadosamente e, depois de alguns minutos, lhe dissera que o teste escrito estava muito bom. “Infelizmente, este ano não estou concedendo bolsas a alunos. Passe aqui no ano que vem.”
O jovem agradeceu-lhe a atenção, despediu-se, desceu o elevador sozinho (da mesma forma que nele subira também sozinho), e sumiu, desolado, na multidão.

domingo, 20 de junho de 2010

Futebol e constrangimento

Cunha e Silva Filho



Até hoje não sei explicar direito por que nunca fui dado a torcer por times de futebol, logo este o mais amado esporte brasileiro a ponto de se confundir com a própria imagem do país aqui ou além-mar. Em geral, gente do meio literário dificilmente não estima este “esporte das multidões”. Vários são os exemplos: Nelson Rodrigues, o pai e o filho, Tristão de Athayde, José Lins do Rego, um grande torcedor e muitos e muitos outras figuras da cultura brasileira.
Desnecessário dizer que a bola fascina multidões e individualidades. É algo impregnado na consciência do nosso povo que, junto com o samba e o carnaval, formam o tripé dos admiradores de nossas manifestações culturais mais arraigadas no quotidiano das pessoas em todos os níveis sociais. Chega mesmo a ser aquele ‘catalisador” de que nos fala Tristão de Athayde.
As origens do futebol remontam ao século III. a.C., .na velha China. No Brasil, tem origem nobre e estrangeira, pois foi para aqui trazido por Charles William Miller (1874-1953), nascido em São Paulo, filho de escocês e mãe brasileira, mas de ancestrais ingleses Era, pois, primeiro um esporte praticado pelas classes elevadas, porém se disseminou e se consolidou nas camadas pobres da sociedade brasileira. Não há como sonegar um dado primordial: o futebol encanta, em suas linhas gerais, os indivíduos e, entre nós, há um forte elo de natureza lúdica entre esse esporte e a fase de nossa infância. Na adolescência, nem se fala, pois é aqui que a ubíqua bola conquista a simpatia dos jovens, muitas vezes transformando estes em grandes torcedores dos diversos times , quer em nível nacional, quer em nível regional.
Quem não aprecia dar uma bola de futebol pra uma criança? Que criança recusaria uma bola como presente? Nenhuma. Em casa, na rua, na calçada, nos descampados, nas quadras esportivas, não faltam crianças e jovens batendo uma bola. Daí a popularidade deste esporte. Daí seu atrativo. Daí ainda ser um tópico de conversação excelente pra entabular uma conversa com um estranho ou com alguém conhecido muito mais forte do que iniciar uma conversa com um inglês sobre a condição atmosférica.
Certa vez, numa colônia de férias fiquei isolado de um grupo de associados porque dissera que não sabia jogar futebol e, por não aceitar jogar uma pelada com eles, quase brigaram comigo.
Confesso que o futebol nunca me fez vibrar como torcedor dos chamados campeonatos regionais ou nacionais. Por algum tempo, andei inventando que era flamenguista só para evitar a pressão de grupo. Ou melhor, era uma forma de eu me manter socialmente simpático com os outros, porquanto os sabia doentes pelos seus times e alguns atingiam as raias do fanatismo.
Tive um amigo professor de português e literatura que era doente mesmo pelo fluminense. Mas, essa condição de torcedor o ajudava enormemente a manter uma boa disciplina escolar com seus alunos, visto que nada melhor para o relacionamento entre ele e as turmas do que levantar o tema do futebol com seus alunos. Assim fazendo, conquistava didaticamente a atenção e o apoio do seu alunado. Eu, que não era dado a esse esporte, tinha que usar outros expedientes menos aliciantes para captar a adesão dos jovens para a minha causa - poder ministrar minhas aulas sem quebra do manejo de turma.
Havia, porém, uma exceção ao meu absenteísmo concernente ao grande esporte da brasilidade.Era por ocasião das Copas Mundiais. Aí sim, me descobria na condição de torcedor, não do simples tradicionalismo dos campeonatos brasileiros ou regionais, mas de componentes psíquicos que vinham à tona e só Freud explicaria ( ou não explicaria). De repente, o evento mundial me mudava o comportamento. Até alguém poderia dizer que ali estava um torcedor, desses fanáticos que vibram, gritam, pulam e choram com a vitória dos seus times.
A coluna de esportes dos jornais – que nunca praticamente lia - já me interessava . Me transformava, lia sobre a programação dos jogos, os dias, as horas, o local, os times adversários. Lia também sobre a biografia dos nosso jogadores, dos jogadores estrangeiros. Assistia a programas na TV sobre debates de futebol. Tudo me era necessários saber. E não estou ainda falando dos dias em que nosso país jogava com os adversários estrangeiros. Não me reconhecia, pois pulava, gritava, me indignava, xingava os gringos, comovia-me com os grandes dribles de Rivelino, de Tostão, de Zico. Enfim virava “brasileiro”, virava torcedor, virava fanático. Eita esporte danado de bom! E, assim, o grande catalisador me ganhava por inteiro. Viva o nosso futebol! Viva o Brasil! Nas minhas aulas, chegava ao cúmulo de discutir fanaticamente pelo nosso futebol, pela nossa seleção com tanta vibração que mais parecia uma grande torcedor do esporte.
Hoje, não estou vibrando tanto pelas nossas seleções. Até isso tiraram do meu pobre e frágil modo de sentir a grande arte da bola. Não consigo dissociar a prática do futebol com o componente capitalista em que ele se viu transformado. Esse é o meu nó górdio da questão e que explica a minha quase aversão ao assunto. A verdade, leitor, é que o grande esporte foi assimilado pela engrenagem ideológico-capitalista, transformando o que era simples, espontâneo, amor à bola, em matéria-prima do mercantilismo, num intrincado cipoal de bastidores e de vias subterrâneas que seria difícil elucidar, sobretudo agora que não tenho mais a chama olímpica de torcedor bissexto de Copas Mundiais.
O exacerbado matrimônio entre o jogador e o vil metal embaralharam o meu tênue fio de torcedor de Copas. Há no ar um pesador clima de desordenada e injustificada mitificação de uns poucos e desleal divisão dos louros. Não gosto disso e, por isso, o melhor pra mim é o recolhimento e a prudência de vibrar nas Copas com uma certa fleuma inglesa sem grandes estardalhaços nem saudosas alegrias nascidas da pureza dos dribles geniais de um Garrincha ( “alegria do povo”) ou de assemelhadas grandes figuras brasileiras de um esporte no qual o que importava eram as jogadas magníficas de nossos velhos craques tão distantes dos gramados enxovalhados por moedas milionárias e coisificados troca-trocas de bons jogadores a serviço de um cartolismo internacional cooptando mesmo aqueles outrora bem-intencionados craques nacionais. A carne é fraca e o dinheiro é forte.
Isso, por linhas tortas, explicaria porque não vingou em mim o sentimento de amor incondicional, sopitado que ficou numa relação ambígua de aversão e amor, como também justificaria porque não me tornaria jamais aquele torcedor alegre e descontraído gritando das arquibancadas dos meus sonhos no sexagenário Maracanã.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

As lágrimas, o texto e a música

Cunha e Silva Filho


Um amigo pela Internet nos envia uma mensagem que, por sua vez, lhe tinha sido remetida por outro amigo do amigo do amigo do amigo, do amigo etc, de propósito aqui imitando, sem, é claro, qualquer efeito irônico do poema, aquela sequência, mise-en-abyme, de orações adjetivas iniciadas pelo pronome relativo “que” no poema de Drummond, “Quadrilha,” num fio de comunicação perdida na multiplicidade conseguida pelo primeiro remetente. Isso está sendo muito comum entre navegantes virtuais. Amigos meus têm-me enviado dezenas de e-mails acompanhados de um texto sobre diferentes temas que a vida oferece.
Para completar o prazer de ler esses textos, os quais podem ser de autoria anônima, ou de pensadores, filósofos, poetas, escritores, enfim, de pessoas que amam transmitir mensagens de estímulo, de conforto, de alegria, de confiança que, pelo alto significado filosófico ou cultural, ou de orientação, ou de simples sentimento ou emoção desencadeados por situações variadas da vida, no seu âmago têm unicamente o desejo de enviar mensagens que possam atingir os corações de pedra tão comuns no mundo das relações desfibradas de hoje.
Os textos, em geral bons e iluminadores, vêm com esplêndidos fundos musicais, inebriantes, nos transportando a outros páramos, a outros mundos que não os dias rotineiros com os quais qualquer ser humano convive em grande parte de sua vida. Esse fundos musicais podem ser uma canção que há muito não escutávamos, a qual nos vem despertar ressonâncias de tempos e lugares díspares ,indefinidas, sugestivas, sinestésicas, a nos lembrarem logo certas fruições dos velhos poemas simbolistas e que, pelo condão de sua emotividade ou vaguidade, têm o poder de levar-nos a doces e incontidas lágrimas. Encantatória essa força resultante da palavra e do som que, bem combinadas e ainda misturadas às nossas mais íntimas vivências, produzem as lágrimas. São puras lágrimas brotando de instantes de enleio com motivações que, adormecidas, de súbito, surgem à superfície da vida exterior e nos dão algum sentido ao viver.
Me ensinava um velho livro de canto orfeônico (do qual ainda hoje me ficou na memória esse fragmento: “Les petits chanteurs à la croix de bois” ) dos tempos ginasianos, em Teresina, que a música é “a arte de expressar nossos sentimentos por meio de sons’. Como os sentimentos são universais, por aí se entende que, ouvindo uma música cantada em língua estrangeira que não conhecemos bem ou dela nada conhecemos, e o mesmo se aplicaria a uma música orquestrada, temos a intuição de que os sons produzidos em harmonia nos comunicam conteúdos de natureza linguística. Ainda que a decodificação não seja explícita, os sons, transformados em música, nos permitem uma forma de interpretação, ainda que indefinida, da existência ou de aspectos da vida e das ações e sentimentos do homem.
Quando ouço algumas músicas preferidas, cantadas ou não, muitas vezes me dou conta de que lágrimas se derramam por minha face e então sou invadido por um profundo estado de emoção diante do drama da existência, da natureza e de tudo que existe na face da Terra.
A música, a palavra e a paisagem ( a natureza viva ou mesmo cenográfica,coreográfica ou cinematográfica, não importa) possuem essa potência irradiadora dos sentimentos humanos, sobretudo de um dos mais caros a nós, o amor. Este, irmanado à palavra e à imagem, é capaz de, a qualquer momento, enlevar o indivíduo com elas sintonizado, a recapturar situações distantes no tempo e no espaço, a preencher pedaços da vida estilhaçados pelo tempo e pela memória.
Neste processo de apreensão do vivido ou sentido, do que foi experimentado pela visão e compreensão do visto no mundo empírico ou referencial, ou do visto e sentido pela imaginação da arte, seja ficcional, seja dramática, seja musical, seja da dança, da pintura, da escultura, do cinema, da fotografia, não importando que formas possam ter todas essas expressões artísticas, novas, ou passadas ou mesmo revolucionárias, se opera, não diria simplesmente o “milagre’ da compreensão do sentimento amoroso, mas toda a gama dos sentimentos positivos manifestados e fruídos pela alma humana.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Diálogo sobre os eleitos

Cunha e Silva Filho


Adiante, o leitor encontra uma possível (entendendo este termo no sentido literário de arte da imaginação) conversa entre dois personagens cujo interesse cultural mais preponderante é o vasto campo da literatura sem limites de fronteiras:

Personagem 1: - Você já reparou, amigo, quantos escritores no mundo podemos eleger como os melhores, os sempre lembrados, os que são a ratio prima de grupos de fãs que se formam mundialmente para render-lhes homenagens, ou para, em torno de sua obra, realizar comemorações, seminários, noites de homenagens, com palestras, recitais, músicas, e divertidos bate-papos que se prolongam madrugada adentro regadas a bebida e a vinhos especiais. Costumo chamar a esses happy few da burguesia mundial como os Pelés da vida, eternamente incensados em detrimento de tantos outros grandes autores, talvez melhores mesmo do que eles. Vá-se entender essa vida, amigo, e você fica num mato sem cachorro para justificar seus descaminhos e excentricidades, digo, da vida e dos humanos.

Personagem 2: Você não está é com inveja de não serem estes escolhidos os que você gostaria de que formassem outros tantos grupos de escolhidos e privilegiados? Não é pura inveja e despeito?

Personagem 1: Não, porque vejo tudo isso como injustiça aos demais representantes das letras mundiais (e nacionais também, por que não?). E esse tipo de comportamento dos homens e mulheres não se aplica só aos escritores mas a outros segmentos da vida, nos esportes, na música, na dança, nas artes plásticas, no cinema, no teatro, enfim, em todas as manifestações culturais. Fulano é o melhor, os outros não, são apenas medianos que jamais atingirão um nível mais alto, serão apenas “mais um”.
Personagem 2; Para mim, não passa de inveja sua, de puro ressentimento tanto por não pertencer a esses grupos quanto por não constituir o objeto de fetiche desses grupos, não é?

Personagem 1: Você está redondamente equivocado com as minhas intenções genuínas. Nada disso, o que reprovo nem mesmo chega a ser tais grupos ou clubes de fãs de artistas e escritores famosos. O que condeno, ou melhor, o que não acho certo é o reduzido número dos que, pelo destino ou pelas mãos de não sei quem, são bafejados pela, chamemos, sorte, por serem sempre os lembrados, os que merecem os tributos perenes da aclamação e voto da humanidade. É isso, amigo, que me toma de certa quase indignação. Abomino a injustiça, seja de que forma ela se manifeste.

Personagem 2: Então, você é contra as homenagens, por exemplo, de fãs de James Joyce, de Eça de Queirós, de Dostoiévski, de Cervantes, de Thomas Mann, de Skakespeare, de Fernando Pessoa, de Carlos Drummond de Andrade, de Clarice Lispector, de Euclides da Cunha, de João Cabral, de Jorge Amado, de Machado de Assis, entre outros? Há também os regionais, mas não vou citá-los, para não dar o gosto ao leitor.

Personagem 1: Não exatamente assim. O que, porém, não é certo é que são muito poucos os sempre eleitos. Por que não haveria de ser maior o número das homenagens em forma de fãs-clubes? Assim, deixaria de haver estrelatos, panelinhas, grupinhos, igrejinhas, feudozinhos, enturmados e sinônimos.

Personagem 2: E como você gostaria de que fosse mesmo isso?

Personagem 1: Essa é a condição da vida em sociedade. Você bem sabe que esse tipo de comportamento se estende a outros setores da vida cultural, da burocracia, da política etc. Se estende igualmente e em doses cavalares aos jornais, às revistas, loteamentos da mídia complacente e cúmplice. Sempre haverá os que ficam à margem, os que são vítimas de preconceitos, os que não pertencem às tribos, em geral não oriundos da sociedade do bom tom, dos borbulhantes, dos desenraizados, dos desasilados, dos globe trotters da cultura, dos bem-nascidos à sombra dos cruzamentos culturais brasílico-europeizantes ou brasílico-norte-americanos ou de outras plagas brasílico-estrangeiras, desde que sejam plagas que confiram status de superioridade, muito ao gosto de um certo pensamento mediano-tupiniquim que vê nos “adiantados” de fora uma chancela segura para o sucesso, vampirizantes figuras alçadas aos píncaros dos saberes e do talento pelo merchandising e compadrio nos backdrops da vida.

Personagem 2; Meu caro amigo, você realmente não passa de um enjeitado armado do complexo de inferioridade dos que mandam, podem e ditam o que se deve aplaudir, totemizar ou refugar. Vá plantar batatas, que estou farto de tanta chroradeira de quem não conseguiu o que queria. Isso é inveja ao quadrado. Fim de papo e até breve, companheiro infortunado.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Vocação, humanidades e ciências

Cunha e Silva Filho


Num ensaio recentemente publicado pelo caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo, o documentarista João Moreira Salles, a convite da Academia Brasileira de Ciências, aborda o relacionamento entre os que fazem ciências e os que produzem trabalhos referentes à cultura humanística. O conferencista, embora pertencente ao grupo dos que militam na área das humanidades, deplora, no entanto, o descompasso comunicativo entre os dois grupos mencionados. Sem tomar partido claro de um dos dois lados, embora o tom do ensaio possa ser entendido como uma crítica ao excesso dos que professam a atividade humanística , Moreira Salles lamenta que no país a porcentagem dos que abraçam a carreira das ciências stricto sensu é numericamente bem menor do que os que optam pelos estudos das humanidades. Esta é a parte nuclear de sua conferência. Ele vê nesse desnível uma lacuna que deveria ser contornada caso se desse maior ênfase, sobretudo no campo de orientação educacional dos jovens brasileiros em direção aos estudos das ciências.
As estatísticas aí estão revelando o reduzido número de jovens que ingressam nos curso das áreas científico-,tecnológicas a ponto de nossas universidades apresentarem altos déficits de graduados em matemática, engenharia, física e outras áreas do saber científico. O olhar do conferencista é francamente de reprovação e crítica a esta realidade da educação brasileira.
Tocando, porém, no quesito do relacionamento entre cientistas e intelectuais das humanidades, o que mostra o autor não é nada animador Nenhum dos dois campos parece desejar saber do que está acontecendo nos seus respectivos campos de ação produtiva ou de desenvolvimento em pesquisas.
Eu me lembro de uma vez alguém da área científica demonstrar pouco caso de quem se encaminha aos estudos de humanidades e, da parte de alguns que estão do lado destas, há até um certo latente complexo de inferioridade quando declaram, em forma de desabafo, que, na realidade, quem atua no terreno científico-tecnológico se julga mesmo superior aos, por exemplo, da área de letras. Quer dizer, um Ph.D. em letras teria menos peso do que um Ph.D. em física, o que é uma insensatez.
O certo é que não vejo como um cavalo de batalha tanta preocupação entre os diversos setores da atividade humana. É bem verdade que as autoridades educacionais do país devem ter em mira ensejar todas as condições de orientação junto aos jovens e mesmo de incentivar a importância dos estudos das ciências como determinantes do desenvolvimento e progresso de uma nação. Todavia, não há como pressionar ou forçar vocações unilateralmente. Aos dezoito anos, um jovem entra para a universidade supondo ter feito uma escolha certa para desenvolver seus estudos. Como há também aqueles jovens que desistem, no segundo ano de um curso, para ingressarem em outra área, do mesmo modo como ainda existem aqueles jovens de inteligência múltipla que se sentem à vontade em vários campos do saber.
Conforme salientei atrás, não é correto forçar vocações e todos sabemos, a partir de nossos próprios professores, que nem todo mundo sente alguma atração por determinadas disciplinas ou áreas de estudos. O assunto é tão complexo que, mesmo entre as áreas humanas ou científicas, há subáreas para as quais os jovens têm maior afinidades e é nisso que reside, a meu ver, o ponto crucial da questão da vocação.
Talvez tenha sido o próprio avanço das ciências exatas que tenha levado as humanidades a se armarem de estratégias semelhantes às do campo das ciências a fim de não perderem o status nos estudos e pesquisas, a ponto de se falar hoje, por exemplo, em ciência da literatura, ciência disso ou daquilo.
Quanto à questão de estreitar os laços entre cientistas e humanistas, vejo que só com uma melhoria de nosso precário sistema de educação fundamental e média pois nessas duas fases de estudos é que devemos ter o máximo cuidado de proporcionar aos estudantes brasileiros um ensino moderno, atuante e dando, aí sim, aos alunos a necessária visão da importância dos estudos das ciências, como a matemática, a física, a biologia, a química, mostrando-lhes que tudo que lhes é ensinado nessas fases vai ter uma importância enorme para a sua vida futura e mesmo para os estudos universitários seja de que área for.Estas duas fases são mesmo decisivas e mesmo vitais ao progresso futuro dos alunos.
Não há dúvida de que há premência de aproximar estudiosos do campo das ciências e, do lado das humanidades, as artes, letras e demais áreas afins. Não há por que um se considerar inferior ao outro. Ambos os campos se interpenetram , sobretudo porque entre um e outro existe o veículo maior das possibilidades do avanço em todas as áreas: a linguagem humana, que deve ser bem cuidada, estudadae preservada e valorizada. A linguística, se não é ciência exata, é uma ciência que trabalha com estratégias científicas no mais elevado sentido do termo. Ela permeia todos os campos do saber humano.
Quanto ao fato de não se saber quem são os grandes cientistas do país e do mundo, isso não é culpa das humanidades, mas da formação cultural do indivíduo. Ou seja, por que as pessoas valorizam tanto alguns setores da vida, como esportes, ou mesmo no mundo artístico e não se sabe quem inventou a penicilina? Não é só a Academia de Ciências que é desconhecida do grande público. A Academia Brasileira de Filologia, que é uma entidade congregando grandes pesquisadores e estudiosos da língua e da filologia, é também pouco conhecida e assim outras entidades de alta relevância. A medida da valorização da mídia não é a mesma que a das ciências. Ainda bem.A mídia é impulsionada por outros componentes, ligados mais ao lucro, às modas, ao espetáculo, aos mecanismos subliminares, ao marketing, ao hedonismo e aos prazeres efêmeros. Seu alvo principal são as massas em todos seus níveis econômicos e de formação ou ausência de formação cultural. Cientistas e humanistas, o que têm a fazer é se darem as mãos, interpenetrarem-se, eliminarem as torres de marfim e se deixarem permear pelas vias da multidisciplinaridade e da transversalidade do saber - bem comum a serviço da Humanidade.

domingo, 6 de junho de 2010

"Lo Tirtzakah!"

Cunha e Silva Filho


O ato indigno não é de hoje. Vem de longe, de muito longe, desde as tábuas de Moisés, por este recebidas de Deus no monte Sinai. Os Dez Mandamentos resumem tudo o que agrada ou repugna aos desejos do Criador. Entretanto, o 5º Mandamento, “Não matarás” provavelmente é aquele que mais se transgride na história da Humanidade. Ele próprio foi transgredido logo de início por Moisés, diante dos adoradores do bezerro de ouro. Moisés, presa da indignação dos sacrílegas adoradores de ídolo, e auxiliado pela tribo de Levi, usando da espada, levou à morte vinte e três mil hebreus.
Assim, toda a história do homem sobre a Terra está manchada de sangue por mil razões diferentes, até as mais absurdas, desde atos hediondos até motivos fúteis. Tem sido desta forma e não acredito que muito se alterará no futuro.Guerras, revoluções, brigas familiares, altercações entre desafetos, discussões na rua, vingança, morte sob a égide da lei dos Estados, mortes por razões religiosas, genocídios, por acidentes nas estradas e nas ruas causados pela irresponsabilidades dos indivíduos, enfim, são muitas as motivações. Não vejo que o ser humano tenha aprendido com tanta carnificina ao longo dos séculos.
Veja-se, agora, o incidente ocorridos com embarcações que levavam ajuda humanitária às população palestinas da Faixa de Gaza, território cuja entrada é controlada pelos israelenses. Atos de selvageria que resultaram na morte de inocentes que estavam prestando serviço aos habitantes daquele lugar, de uma população que tem direito à sobrevivência, ao alimento, a levar uma vida sem ameaça constante do governo de Israel. Essa ações de pirataria oficializada pelas autoridades de Israel denigrem a imagem dos judeus, povo historicamente sofrido tanto no passado do período narrado pelo Velho Testamento quanto pelo crime nazista conhecido como o Holocausto. Não é isso que se poderia esperar dessa nação.
O governo de Israel, ao agir militarmente, justifica a indignação e o comentário incisivo do Premier turco, Recep Tayyp Erdogan, quando este afirmou que Israel traiu a própria religião no ataque à Frota da Liberdade em águas internacionais. Indignado com o ato ignominioso dos judeus, o Premier turco endereçou-lhes, e usando de seus dotes de conhecedor de línguas, estas palavras nas quais o tom de exaltação vale pela veracidade e justeza de sua mensagem, proferidas com exaltação d’alma, a fim de não deixarem qualquer incompreensão de barreira lingüística, uma mesma frase desde os velhos tempos bíblicos - “Não matarás” - primeiro em inglês, segundo na própria língua dos judeus, o hebraico: “Lo Tirtzakh”! Parece, ao que tudo indica, que o uso da função metalingüística jakobsoniana não obteve o resultado esperado. A indiferença do outro interlocutor virou babel mouca e afásica já que só tem função linguística quando está se transmuda em ato criminoso e desumano pelos disparos de balas assassinas e impiedosas diante de indefesos a serviço do bem. Há uma frase de Shakespeare que costumo usar para situações como estas: “The evil that men do lives after them”.(“O mal que os homens praticam sobrevive a eles”).
Desde que o povo palestino em Gaza tem sofrido o embargo judeu, a economia e todos os setores da vida da população têm sido arrasados, sendo que os que mais sofrem no caos instalado são as crianças. De resto, ontem e hoje as guerras e os massacres não poupam nem os mais inocentes nestas desavenças político-econômico-ideológicas pelo mundo afora. O mais pungente, leitor, é que os EUA e as autoridades israelenses ainda por cima se defendem e mesmo julgam certos os procedimentos belicistas e homicidas de suas determinações político-militares. Aonde iremos chegar se os donos do mundo se mantiverem nesta linha de ação contra vidas humanas e crianças inocentes?

sábado, 5 de junho de 2010

Terry Eagleton e a leitura poética

TERRY EAGLETON E A LEITURA POÉTICA


Cunha e Silva Filho



Com sua vasta experiência de teórico da literatura e seu não menos tirocínio como professor de literatura inglesa da Universidade de Manchester, o renomado crítico marxista Terry Eagleton, entre outras obras, é autor de The English novel (2004), Sweet violence: the Idea of the tragic, The idea of culture (2000), Scholars and rebels in nineteenth-century Ireland (1999), Literary theory: na introdution (1996, 2. edição; há tradução para o português, São Paulo:3. ed. editora Martins Fontes, 1997), The illusion of Postmodernism (1996).
Uma outra obra sua, objeto deste artigo, de título How to read a poem (USA/UK/Austrália: Blackwell Publishing, 2007, 182 p.) foi elaborada tendo como público-alvo estudantes e leitores em geral, i.e., jovens iniciantes nos domínios deste campo de estudos. Uma das premissas do autor teria como finalidade primordial mostrar que é possível quebrar a resistência muitas vezes alegada por algumas pessoas, a considerar a leitura de poesia como algo “temeroso” ou difícil. Reconhecendo, todavia, na brevíssima introdução do livro, que, em alguns capítulos o leitor se defrontará com aspectos expositivos mais intrincados, Eagleton propõe que a leitura deste estudo seja feita na ordem em que os capítulos se apresentam.
Desta forma, distribuiu o conteúdo da obra em seis capítulos: s) A função da crítica; 2) O que é poesia?; 3) Formalistas; 4) À procura da Forma; 5) Como se lê um poema, que dá título ao livro; 6) Quatros poemas sobre a Natureza. O volume também inclui, no final, um sucinto e proveitoso glossário sobre termos técnicos da Teoria literária, cabendo fazer especial menção aos seguintes termos, desconhecidos na terminologia do estudo da versificação clássica: “bathos”, para definir “um movimento do sublime ao lugar-comum ou ridículo”; “incarnational fallacy”, cunhagem formulada pelo autor para significar “a falsa crença de que palavras em poesia de certo modo ‘contêm’, ou formam uma parte orgânica das coisas a que se referem”; “inscape”, um termo cunhado pelo poeta Gerard Manley Hopkins “para denotar ou a forma interior típica de um fenômeno”; “textura”, para definir “o modelo de sons de um poema”. Traduzo o termo em inglês sempre que não comporta dificuldade de equivalência léxica.
A obra se propõe a oferecer uma visão geral dos estudos de literatura e particularmente do gênero poético, chamando ainda a atenção para o fato de que atualmente existe premente necessidade de professores de literatura que sejam competentemente ensinados a exercerem a atividade da crítica literária. Ele próprio se define como alguém que fora preparado para essa função.
Foi em razão dessa deficiência nos estudos literários na formação dos docentes que ele se decidiu a escrever esta obra, em particular porque, segundo ele, a crítica literária, “como o trabalho de cobertura de colmos e a dança de sapateado”, parece ser uma arte que tem seus dias contados, o que vejo ape nas como um desabafo retórico vindo de um dos mais proeminentes teóricos da atualidade.
Terry Eagleton está longe de ser aquele crítico preso unicamente a uma compreensão do fenômeno literário de base marxista. Ao contrário, toda a sua exposição densa e erudita sobre o que pensa desse campo de estudos denuncia antes um teórico aberto profundamente às leituras das diferentes correntes do pensamento crítico contemporâneo.
O eixo central desta pequena obra seria discutir o que vem a ser a análise de poesia, ou seja, como pode o candidato a crítico e o leitor em geral melhor se acercarem de uma abordagem aberta e fecunda pra o aprofundamento de um produto de um gênero literário, que é o poema.
Por isso, um dos capítulos mais úteis de seu livro – o quinto, - “Como se lê um poema” - , é justamente aquele ao qual destina uma especial atenção por nele desenvolver a discussão de aspectos cruciais ao processo de criação poética como a subjetividade da crítica e suas extrapolações, o sentido e a subjetividade, os conceitos de “tone”, “mood’ e “pitch”, os quais, de resto, estão definidos no citado glosssário, intensidade e medida, textura, sintaxe, gramática e pontuação, ambiguidade, rima, ritmo e metro, imagismo. Eagleton aí demonstra o quanto pesa na análise do poema todo esse conjunto de elementos estruturais e de aspectos capitais ao exegeta.
Sua visão teórica patenteia uma profunda preocupação com os chamados elementos intrínsecos da close reading de procedência -norte-americana, alguns dos quais já explorados no new criticism de igual origem. O próprio Eagleton, nas magníficas análises dos quatro poemas sobre a Natureza, no último capítulo, declara realizá-las através daquela abordagem .
Todo o procedimento de discussão sobre diferentes approaches nos estudos da literatura aponta para um teórico que não professa estreitezas dogmáticos. Antes, procura extrair da diversidade de aportes terminológicos uma forma pessoal de compreender. A obra literária.
Antes de formular um caminho objetivo no debate sobre poesia da literatura em geral, Eagleton se fundamenta numa formação cultural sólida combinando tradição e áreas humanas afins, sem dispensar, enfatizo, as conquistas de outras correntes e visões críticas sem limites de alcance interpretativos num esforço reflexivo democraticamente arejado e corajosamente disponível ao entrecruzamento das diversas contribuições dos pensadores mais atuantes do Ocidente, inclusive os nomeando : os formalistas russos, Bakhtine, Adorno, Walter Benjamin, Derrida, Genette, Hardman, Kristeva, Frederic Jameson, Barthes, Iser, Cioux, Hillis Miller, entre outros.
Sua escolha de poeta da língua inglesa, do passado e do presente, que servirão às análises de alta complexidade, bem mostram a sua real disponibilidade a ver na produção literária, no objeto concreto, o poema, assunto fulcral do livro, uma multi-direcional perspectiva, na qual a arte e a realidade são convocadas a exercerem, cada uma com suas estruturas específicas, um papel no qual a vida não se dissocia da arte, e mais ainda, a poesia, “ que não pode dar as costas para a história, também é fonte de conhecimento e nas suas formas de composição, através da linguagem-objeto,” não está ausente os correlativos sociais e ideológicos dos autores e das suas correspondentes visões do mundo.
As argutas análises de quatro poemas sobre a natureza confirmam o esforço deste teórico e crítico para uma compreensão amadurecida e original de poeta como William Collins, William Wordsworth, Geraldo Manley Hopkins e Edward Thomas. A bem verdade, ao longo do desenvolvimento da exposição, todos os temas abordados pelo autor não são mais do que complementados com outras tantas análises e comentários férteis de autores de primeira grandeza tanto ingleses quanto americanos.
Não sem razão conclui Eagleton seu breve estudo assinalando a relevância dos dados da experiência e da realidade como componentes inescapáveis da arte literária, segundo vemos nesta observação final de sua obra: “Escrever a história das formas poéticas é uma maneira de escrever a história das culturas políticas. Contudo, para consegui-lo, temos que primeiro atribuir àquelas formas a sua realidade material”.(p. 164).

sexta-feira, 4 de junho de 2010

LOUCOS À SOLTA

Loucos à solta


Cunha e Silva Filho

É cada vez mais frequente um tipo de criminoso que atua especialmente nas grandes cidades do mundo, o de psicopatas que, sem razão aparente, saem às ruas armados, seja de arma de fogo, seja de arma branca, e, sem nenhum motivo, começam a atirar em pessoas que estejam à sua frente., ou a enfiar faca em quem encontre ao seu alcance. O espaço pode ser, por exemplo, um supermercado, uma escola, ou mesmo a rua.
Saem matando a esmo inocentes que nem mesmo têm tempo de refletir sobre o que sofreram. Matam, em geral, várias pessoas sem dó nem piedade como se estivessem se divertindo com esses estranhos e abomináveis jogos eletrônicos cujo objetivo é matar o máximo possível de gente no seu espaço virtual. O desfecho da atrocidade tem sido o mesmo: os matadores, depois de saciados os seus atos diabólicos, cometem suicídio. Ou seja, esses psicopatas têm como certa a sua impunidade diante da justiça já que não há ser vivo a julgar. Tragédia dos tempos de hoje!
Tenho por mim que esses psicopatas praticam tais selvagerias por várias razões que, no seu cérebro insano, lhes parecem justificadas. Seria uma forma de se vingar de algum trauma, decepção, humilhação, insatisfação diante de uma sociedade moderna regida por interditos incalculáveis, por condições de vida altamente burocratizada, pelo autoritarismo da máquina do Estado, pela superpopulação restringindo o espaço físico do indivíduo, por uma vida moderna muitas vezes sem perspectivas , sem sentido e insolidária, na qual o individualismo e a competição exacerbados atropelam todos e tudo numa corrida louca para lugar algum, numa pressa descabida, numa pressão sem limites para ações imediatistas sob a égide do estresse e da iminência do colapso nervoso. Os ingleses têm uma expressão - rat race - que resume todo esse desconforto do sujeito urbano
A civilização contemporânea é o maior exemplo da incivilidade e da ausência dos laços de ternura.. A sociabilidade há muito está se esgarçando, se diluindo, separando as relações interpessoais, onde todos em geral se afastam de todos, evitam intimidades, cumprimentos, ou aproximações que não estão situadas no espaço restrito do conhecimento interpessoal. O indivíduo é apenas um ponto obscuro na anomia dos seres que caminham nas solitárias multidões das urbes e megalópoles.
O mundo de hoje, para citar uma afirmação do grande cineasta português, Manuel de Oliveira, agora com cento e dois anos, é o da “queda do homem”. Esse homem insulado, ou emparedado, perde suas referências mais caras: o sentimento de respeito ao próximo, à vida do semelhante, o sentido de fraternidade. Sem esses valores mínimos e indispensáveis, a subjetividade se estilhaça, levando-o à desrazão, ao surgimento de patologias e à alienação absoluta.
Um outro fator desagregador da sanidade do indivíduo estaria, para mim, ligado a um mundo altamente tecnologizado, sob o império da automação, mundo que do homem fez uma espécie de máquina álgida, sem alma, reificado, onde não há lugar para a comiseração e, sem piedade e compreensão com o próximo, só pode gerar mais e mais indivíduos revoltados, com ódio à humanidade, levados a diferentes patologias e a cometerem atos de barbáries seguidos de suicídios.
A sociedade está, pois, sujeita, a qualquer momento, a ser vítima dessas aberrações que a espreitam em todos os lugares. Haverá algum modo de minimizar ou prevenir tais crimes? Uma das saídas poderia ser um controle mais rígido de vendas de armas. Nos Estados Unidos qualquer pessoa praticamente pode comprar armas. Isso faz parte da cultura americana. Uma outra sugestão seria uma vigilância mais efetiva de todos no sentido de identificar pessoas com comportamento estranho ou antissocial. Os membros das famílias poderiam ser úteis auxiliando os órgãos de segurança pública tão logo detectassem anormalidades no comportamento de parentes, amigos conhecidos, vizinhos, fazendo tudo isso sem exageros paranoicos. É preciso haver tato e discrição na observação de pessoas. Reconheço serem difíceis soluções definitivas para ações decorrentes de patologias mentais. As pessoas, porém, devem estar atentas quer na rua, quer em lugares fechados, de modo a , pelo menos, tentarem escapar de algum movimento inusitado partindo de desconhecidos. Afinal, viver no tumulto e na correria das cidades é o preço que se paga pelos tempos modernos. Tempos impessoais e desagregadores. Ai dos civilizados!

terça-feira, 1 de junho de 2010

COMO ESTAR CONTENTE?

COMO ESTAR CONTENTE?

Cunha e Silva Filho


Me pergunto se em nosso tempo brasílico ou global ainda é possível estar feliz quando tudo à nossa volta conspira contra nossas vidas. No país, em pré-campanha (nunca vou entender o que seja essa fase se ela própria já na prática é campanha declarada com todas as letras) presidencial, ficamos sem saber a quem dar nosso voto, quando não sabemos mais onde começa a direita e onde acaba a esquerda.
Quanto ao centro, deixo isso pros futurólogos ou pras cartomantes. De permeio, há os liberais, da direita, da esquerda, sendo que cada um se diz democrata ou, para não parecer muito inconseqüente, se diz socialista.
Fala-se em esquerda e novamente me pergunto o que seja esta . Seriam o comunismo, o socialismo? E onde fica o anarquismo? Diacho, fico sem saber quem é quem e o que é quê. Penso que nem o melhor estrategista do tabuleiro de xadrez resolveria o imbróglio e conseguiria entender tanta mixórdia, para não dizer mistificação entre realidade e abstração, entre a prática da vida, os costumes sociais, os gostos burgueses, a dolce vita a qualquer preço e aética, as mordomias e a desgastada insipidez vermelha. Não passaria tudo isso de um uma grande faz de conta, em escala mundial, que, para se perpetuar nas regalias de todos as cores políticas, que o Sistema global, sob a batuta do capital ( de Marx? - mas, nesse caso, seria com letras iniciais maiúsculas), estaria indefinidamente engabelando a todos nós mortais enquanto a vida cá na Terra durar?
Como estar contente quando nos tiram seis meses do ano para pagarmos o imposto de renda, que, assim, vira uma prestação alta e compulsória cuja destinação ninguém sabe ao certo qual é. Dou razão a James Brown que, certa vez, declarara, por ato de desobediência civil, não concordar que lhe cobrassem o imposto de renda uma vez que o EUA, segundo ele, nada fizeram por ele, por sua formação, por sua sobrevivência, por suas conquistas feitas só com o suor do seu rosto, sem a ajuda do Estado. Preferiu ser preso a pagar imposto ao governo.
Como estar contente quando a saúde pública nossa é precária e funcionários que atendem à população humilde ainda insultam os doentes ? Como estar contente quando os ricos roubam os cofres públicos e não vão para a cadeia ? Como estar contente quando não temos segurança nas ruas, nos nossos lares, nas nossas cidades? Como estar contente quando só os espertalhões se dão bem em nosso país? Como estar contente quando sabemos que o uso da droga é altamente consumido por executivos, que têm dinheiro para seu consumo e, então, se tornam grandes responsáveis pela difusão maldita das drogas e da manutenção do tráfico, conforme foi recentemente comentado numa crônica de Ferreira Gullar no caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo?
Como estar contente quando países como a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, que deveriam ser unidos, vivem mutuamente mostrando suas presas afiadas, sempre em pé de guerra? Como estar contente quando uma embarcação pacífica a serviço de uma ONG, levando suprimentos para populações palestinas , é assaltada por ações de pirataria a serviço do governo judeu matando quase uma dezena de pessoas inocentes em águas internacionais? Onde estão os princípios religiosos do judaísmo e intenções de promover a paz entre esses dois povos? Como pode o embaixador de Israel, em Brasília, reiterar que a ação sangrenta seja correta? Meu Deus, quanta insensibilidade! Então, é certo matar inocentes e indefesos? Se matar pessoas inocentes se justifica, como fica a dignidade judia quando entram em discussão os crimes nazistas do infausto período do Holocausto? Para ser respeitado, é preciso respeitar o maior bem do Homem, que é a vida.
Com estar contente quando persistem as atrocidades no Afeganistão, no Paquistão, na Índia, no Tibete, ou o terrorismo de esquerda e de direita? Como ficar contente quando não se cessa de matar animais já em estado de extinção pelo mundo afora, sobretudo por países que se dizem civilizados? Acompanhe o leitor o que constantemente a Humane International Society informa sobre as atrocidades cometidas contra os animais e o meio ambiente no mundo.
Como estar contente quando pais encomendam mortes de filhos ou vice-versa só para se apoderarem de fortunas ganhas em loterias? Como estar contente com a escassez do sentimento de solidariedade, de respeito, de cooperação entre nações altamente desenvolvidas pelo menos do ponto de vista intelectual?
Como estar contente com a falta de boa convivência entre vizinhos, entre funcionários de uma mesma repartição, de uma mesma empresa, quando cada um só pensa em si e em derrubar alguém que ao ver deles seja considerado uma ameaça à sua posição?
Todo esse estado de descontentamento chegou a uma fase aguda, de ameaça à convivência entre pessoas, parentes, membros de famílias, entre nações, governos, autoridades, líderes religiosos, intelectuais, cientistas, enfim, em tudo onde há a presença do ser humano quando este tenta agir socialmente à procura da convivência pacífica e duradoura e o seu semelhante o impede de fazê-lo. Não acontecendo esse desejado encontro entre os dois lados, não haverá salvação para a Humanidade.