CUNHA E SILVA FILHO
Já chega a ser um truísmo a citação de Aristóteles ao afirmar, na Política,
que o homem é um animal político. O
Estado é uma criação natural e foi criado, segundo ele, para que a vida fosse possível e nos trouxesse a felicidade. O home sem o
Estado, ou melhor, fora deste, seria um
ser superior ou inferior. Se não for
capaz de convivência em sociedade, acrescenta o filósofo, será auto-suficiente, um Deus, ou será um animal.
Aristóteles, pois,
se posiciona a favor do Estado, cuja função para ele visa a alcançar a felicidade. É no Estado que
nossas possibilidades de concretizar objetivos
se tornam realidades. Deve-se
frisar que essas possibilidades
se referem a todas as nossas capacidades humanas, (apud Mondin, Battista. Curso
de filosofia. OS filósofos do Ocidente Trad. de Benôni Lemos. Vol. 1, 2 ed., São Paulo: Edições Paulinas, 1981, p.103-104).
Fundamentado no princípio de que a finalidade do Estado
seja propiciar a “consecução do bem-comum,” o pensador
grego propõe o que chama de “constituições possíveis”: as justas e injustas. As justas, assim
como as injustas, apresentam
três formas. As justas são: 1) A monarquia; b) a aristocracia; c) a
república ou politía. Todas,
ressalte-se, as três são voltadas ao bem-comum. As injustas são: a) a tirania; b) a oligarquia; c) a democracia.
A par disso, há uma certa mancha do seu
pensamento filosófico, que é aceitar a escravidão com o argumento
de que “...alguns homens são por natureza livres e outros escravos.”(idem,
ibidem).
As três formas de constituições mencionadas
conceitualmente são ainda atuais,
necessitando só de certos ajustes
temporais e de desenvolvimento humano. Se na monarquia o poder é exercido por
uma só pessoa, se na aristocracia, temos os melhores, os mais virtuosos, cuidando
do bem-comum, se na república tem-se o gerenciamento de um
“governo popular”, então esta se
distingue da democracia apenas pela substituição do “popular” por “massa popular” (grifos meus), que, de
alguma maneira, se põe um tanto contraditória.
Ter-se-ia aqui que esclarecer
mais cautelosamente o sentido
semântico de “popular” e de “massa”, ou seja, cria-se uma complexidade para se precisar
a acepção, nos dois sintagmas nominais e sendo um constituído um pouco diferente do outro.
No primeiro sintagma, temos
“governo popular,” onde o
substantivo é determinado pelo adjetivo
“popular;” no segundo sintagma, o substantivo
o (“governo”) é determinado pela expressão de sentido
possessivo: “da massa,” situação
de linguagem na qual subtextualmente,
há que se fazer uma diferenciação
entre os dois exemplos a fim de
aclarar e tipificar plenamente
a diferença semântica envolvida e
ideologicamente também diferente.
O “governo popular” pressuporia uma
administração de um governante (termo que não
especifica com rigor o que seja tal governante visando ao bem do povo, enquanto “governo da massa” pressuporia
um administração em que este
termo, o substantivo “massa” aqui
empregado, teria uma equivalente semântico de “povão” - a desempenhar um papel de liderança, de um
corpo político-administrativo com poder de mando. Num e noutro acaso, se
vislumbraria uma certa vaguidão de sentido no conceito aristotélico.
A democracia, desta forma, no exemplo brasileiro, me
parece situar-se, quanto a sua “práxis,”
numa imprecisão tamanha que bem poderia
explicitar a sua lamentável aplicabilidade no gerenciamento do Estado brasileiro tendo em vista que, e
mais uma vez voltamos a Aristóteles, a democracia
no Brasil, está há anos
seguidos contaminada até ao cerne de desfigurações que,
em muitos aspectos, a rebaixariam
nos seus princípios basilares.
Ou seja,
o nosso chamado governo democrático contém secularmente os dois outros tipos perversos
de governos: a tirania e a oligarquia. Diante deles dificilmente poderíamos denominar a
nosso sistema político de
democracia plena.
Estas considerações que acabo de fazer são,
na verdade, apenas pretextos para que historicamente situe o que pretendo falar adiante acerca do
comportamento de nossos políticos no que tange aos mais novos, sobretudo os bem
moços. Lembro-me, a este respeito, de uma
frase antiga que punha ênfase na importância que se devia dar aos mais jovens, seja numa emprego qualquer, seja numa função mais relevante, a saber, a dos políticos: “Ele é sangue novo.”
Longos anos de observação sobre essa ideia de que o novo vai ser melhor, mais honesto e mais aplicado aos seus compromissos assumidos não
passa de uma balela, precisamente porque, no
país, ainda está bem sólida a velha prática da oligarquia das heranças políticas
de pais a netos, bisnetos etc.
Os velhos políticos que são substituídos
pelos jovens políticos transmitem aos descendentes, à semelhança de genes, os piores defeitos e espertezas dos mais velhos, obstando que,
assim, nada mude substancialmente da
tradição política ancilosada e nefasta. São muitos os exemplos e são bem
conhecidos por qualquer eleitor um pouco
mais informado sobre a vida política nacional.
O fato é tão gritante que muitos desses
mais novos já foram denunciados pela
Operação Lava-Jato, o que põe por terra qualquer argumento em favor daquele mencionado sangue novo nos vários partidos atualmente
existentes. É óbvio que há exceções que
fogem a essa deformidade moral
de jovens políticos.
Enquanto
houver esse tipo de degradação da vida política no país dificilmente
os novos quadros políticos se traduzirão em aperfeiçoamento moral de nossa democracia, uma vez que esta estará sendo realimentada pela mesma
orientação elitista de velhos
caciques ou sobas nacionalmente identificáveis pela sociedade civil que se eternizaram no poder e, assim o fizeram em relação aos seus filhos e netos aos
quis inoculam a demagogia, as maquinações e os piores defeitos de
conduzirem a vida púbica. Como vê o
leitor, nas eleições os descendentes são majoritariamente os
detentores dos ovos mandatos à custa da ignorância
do povo, da compra de votos de cabresto,
do coronelismo político-eleitoreiro. Por isso, pode-se inferir por que
as reformas políticas não se
materializam e são empurradas para as calendas gregas. Mudar esse estado de coisas será um enfrentamento difícil enquanto a consciência do eleitorado não se pautar
pela escolha de nomes competentes
e éticos que possam conduzir o país a um bem-estar com dignidade, justiça social
e patriotismo de servir o Estado
e seu povo.
Aquelas constituições de que fala
Aristóteles, as injustas, teimam em
se perpetuar no poder de uma pseudo-democracia inçada de tiranias e oligarquias,
i.e., o Estado Brasileiro permanece como uma rocha à prova
de mudanças verdadeiramente democráticas.
Esse é o seu maior legado
da corrupção e da
impunidade, da cultura da propina entre o público e o privado que se instalou em Brasília e nos estados da
Federação, da promiscuidade que os órgãos
independentes do Judiciário procuram eliminar das práticas
criminosas da nossa política desmoralizada na visão dos brasileiros sérios e desejosos de viverem numa país digno.
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