quinta-feira, 26 de abril de 2018

RETRATO DE UM POLÍTICO JOVEM




                                                                     CUNHA E SILVA FILHO

        Já chega a ser um truísmo  a citação de Aristóteles ao afirmar,  na Política,   que o homem é um animal político. O Estado é uma  criação natural e foi  criado, segundo ele,  para que a vida fosse possível e   nos trouxesse a felicidade. O home sem o Estado, ou melhor,  fora deste, seria um ser superior ou inferior. Se não for  capaz de convivência em sociedade, acrescenta o filósofo,  será auto-suficiente, um Deus,  ou será um animal.
      Aristóteles,  pois,  se posiciona a favor do Estado, cuja função para ele  visa a alcançar a felicidade. É no Estado que nossas possibilidades  de concretizar  objetivos  se tornam realidades. Deve-se  frisar que  essas possibilidades se referem a todas as nossas capacidades humanas, (apud Mondin, Battista. Curso de filosofia. OS filósofos do Ocidente Trad. de Benôni Lemos. Vol. 1, 2 ed.,  São Paulo: Edições Paulinas, 1981,   p.103-104).
      Fundamentado  no princípio de que a finalidade do Estado seja  propiciar  a “consecução do bem-comum,” o pensador grego  propõe  o que chama de “constituições possíveis”: as justas e injustas.  As justas, assim como  as injustas,  apresentam  três formas. As justas são: 1) A monarquia; b) a aristocracia; c) a república ou politía. Todas, ressalte-se,  as três são  voltadas ao bem-comum. As injustas são: a)  a tirania; b) a oligarquia; c) a democracia. A par disso,  há uma certa mancha  do seu  pensamento  filosófico,  que é aceitar a escravidão com  o argumento  de que “...alguns homens são por natureza livres e outros escravos.”(idem, ibidem).
       As três formas de constituições  mencionadas  conceitualmente são  ainda atuais, necessitando  só de certos ajustes temporais e de desenvolvimento humano. Se na monarquia o poder é exercido por uma só pessoa,  se na aristocracia,   temos os melhores, os mais virtuosos, cuidando do bem-comum, se  na república   tem-se o gerenciamento   de um  “governo  popular”, então esta se distingue da democracia apenas pela  substituição do “popular” por “massa popular” (grifos meus), que, de alguma maneira, se põe um tanto contraditória.
    Ter-se-ia aqui que esclarecer mais  cautelosamente o sentido semântico  de “popular” e de  “massa”, ou seja,  cria-se uma complexidade  para se  precisar  a acepção, nos dois sintagmas nominais e sendo um  constituído um pouco diferente  do outro.  No primeiro sintagma, temos  “governo popular,” onde  o substantivo é determinado pelo  adjetivo “popular;” no segundo sintagma,   o substantivo  o (“governo”)  é determinado pela expressão  de sentido  possessivo: “da massa,” situação de linguagem na qual subtextualmente,    há que se fazer uma diferenciação  entre os dois  exemplos a fim de aclarar  e tipificar  plenamente  a diferença semântica envolvida  e ideologicamente    também  diferente. 
      O “governo popular” pressuporia uma administração de um governante (termo que não  especifica com rigor o que seja tal governante  visando ao bem do povo, enquanto  “governo da massa”  pressuporia  um  administração em que este termo, o substantivo “massa” aqui  empregado, teria uma equivalente semântico  de “povão” -  a desempenhar um papel de liderança, de um corpo  político-administrativo   com poder de mando. Num e noutro acaso,   se vislumbraria  uma  certa vaguidão    de sentido no conceito aristotélico.
     A democracia,  desta forma, no exemplo brasileiro, me parece  situar-se, quanto a sua “práxis,” numa imprecisão tamanha   que bem   poderia   explicitar  a sua  lamentável aplicabilidade  no gerenciamento  do Estado brasileiro tendo em vista que, e mais uma vez voltamos  a   Aristóteles,   a democracia  no  Brasil, está há anos seguidos  contaminada até ao cerne  de desfigurações  que,  em muitos aspectos,  a rebaixariam nos seus princípios basilares.
      Ou seja,  o nosso  chamado  governo democrático  contém secularmente os dois outros tipos perversos de governos: a tirania e a oligarquia. Diante deles  dificilmente poderíamos denominar a nosso  sistema político de democracia   plena.
      Estas considerações que acabo de fazer ⁢são, na verdade, apenas pretextos para que historicamente situe  o que pretendo falar adiante acerca do comportamento de nossos  políticos  no que tange aos mais novos, sobretudo os bem moços. Lembro-me, a este respeito, de uma  frase antiga que punha ênfase na importância que se devia  dar aos mais jovens, seja numa  emprego qualquer, seja numa função mais  relevante, a saber,  a dos políticos: “Ele é sangue novo.”  
       Longos anos de  observação sobre  essa ideia de que o novo vai ser melhor,  mais honesto e mais  aplicado aos seus compromissos assumidos não passa de uma balela, precisamente porque, no  país,  ainda está bem  sólida  a velha prática da oligarquia das heranças políticas de pais a netos, bisnetos etc.  
   Os velhos políticos que são substituídos pelos jovens políticos transmitem aos descendentes, à semelhança de genes,  os piores defeitos  e espertezas dos mais velhos, obstando que, assim,  nada mude substancialmente da tradição política  ancilosada  e nefasta. São muitos os exemplos e são bem conhecidos  por qualquer eleitor um pouco mais informado  sobre a vida política nacional.
    O fato é tão gritante que muitos desses mais novos  já foram denunciados pela Operação Lava-Jato, o que põe por terra  qualquer  argumento em favor  daquele  mencionado sangue novo nos vários partidos atualmente  existentes. É óbvio que há exceções que fogem  a essa deformidade  moral  de jovens políticos.
    Enquanto  houver  esse tipo  de degradação da vida política no país dificilmente os novos  quadros políticos  se traduzirão em aperfeiçoamento  moral de nossa  democracia, uma vez que  esta estará sendo realimentada  pela mesma  orientação  elitista  de  velhos caciques  ou sobas nacionalmente  identificáveis  pela sociedade civil  que se eternizaram  no poder e, assim  o fizeram em relação aos seus filhos e netos aos quis inoculam   a demagogia,  as maquinações e os piores defeitos de conduzirem  a vida púbica. Como vê o leitor,   nas eleições  os descendentes são majoritariamente  os  detentores  dos ovos mandatos à custa  da ignorância  do povo,  da compra de votos de cabresto, do coronelismo  político-eleitoreiro. Por  isso, pode-se inferir  por que  as reformas políticas  não se materializam e são empurradas para as calendas gregas. Mudar esse estado de coisas  será um enfrentamento difícil enquanto   a consciência do eleitorado  não se pautar  pela escolha de nomes competentes  e éticos que possam conduzir o país   a um bem-estar  com dignidade,  justiça  social  e patriotismo  de servir o Estado e seu povo.
    Aquelas constituições de que fala Aristóteles, as injustas, teimam em se perpetuar no poder de uma pseudo-democracia inçada de tiranias e oligarquias, i.e.,  o Estado Brasileiro  permanece como uma rocha   à prova  de mudanças  verdadeiramente democráticas.
      Esse é o seu maior  legado  da corrupção  e da impunidade,   da cultura da  propina  entre o público e o privado  que se instalou em Brasília e nos estados da Federação,   da promiscuidade que  os órgãos  independentes do Judiciário   procuram  eliminar  das  práticas criminosas  da nossa política  desmoralizada na visão dos brasileiros  sérios e desejosos  de viverem numa país  digno.
 
     

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