quinta-feira, 12 de abril de 2018

MASSAUD MOISÉS E SUA IMPORTÂNCIA NOS ESTUDOS LITERÁRIOS DO BRASIL



                                                                                       
                                                                                           Cunha e Silva Filho

         Aquele que estudava Letras no final dos anos 1960 e nas décadas  de 1970 e 1980, aproximadamente, dificilmente  não conheceu as primeiras obras  do ensaísta, historiador e crítico  Massaud Moisés, falecido hoje, dia 11 de abril,   aos 90 anos mal completados no dia 9 de abril.  Massaud Moisés,  nascido em São  Paulo em 1928, foi um dos mais   eminentes  professores e pesquisadores nas áreas de teoria literária,  de literatura portuguesa  e de literatura  brasileira da Universidade de São Paulo.
             Já estava aposentado na condição de professor titular de literatura portuguesa da universidade desde 1995. Daí para diante, só deu continuidade às suas pesquisas nas áreas de literatura portuguesa e brasileira, domínios de estudos no quais  se  distinguiria, no país e no exterior,  de modo crescente à medida que  escrevia novos trabalhos e  lançava novas edições de suas principais obras, sobretudo as de caráter  didático para estudantes de Letras. Era imbatível como  autor didático e por isso seus livros  tiveram  sucessivas edições.
      Seria quase impossível não haver, nas listas bibliográficas  apresentadas por professores universitários  daqueles anos,  a inclusão de, pelo menos,   quatro obras de Moisés, a Criação literária – Introdução à Problemática da Literatura (1968), o Guia prático de análise literária, o Pequeno dicionário de literatura brasileira e o Dicionário de termos literários.
        A criação literária - Introdução à Problemática  da Literatura foi  primeiro lançada pelas Edições Melhoramentos (1967).  A edição que consultei nos anos setenta foi a segunda edição revista (1968). Convém aqui  registrar que essa notável obra teve uma edição em que o autor a dividiu em três   volumes, um abordando só a poesia, outro, a prosa I,  e um terceiro, prosa II,  todos editados pela Cultrix e todos alcançando  várias edições.  
           Todavia,  em 2012,  pela Cultrix, o autor reuniu novamente  a poesia e a prosa num só volume com o título A criação literária -  poesia e prosa, edição  revista e  atualizada. As outras três obras seriam o Guia prático de análise literária (1969), uma obra utilíssima a quem está dando os primeiros passos  na aprendizagem  de análise de um texto literário, o Pequeno dicionário de literatura brasileira (1967), que  chegou até  à   7ª edição, 2008, obra coletiva da qual foram organizadores e colaboradores  Massaud Moisés e José Paulo Paes e,  finalmente,   o Dicionário de termos literários (Cultrix,1974; 16ª edição, 2013),  obra de referência inestimável sob todos os aspectos e ao que me parece,  ainda a única no gênero editado no país.. Com o falecimento deste último,  Moisés ficou como  organizador e colaborador.
      Com  A criação literária, obra resultante inegavelmente de incansáveis leituras nas mais atualizadas, óbvio  na época de sua escrita, fontes bibliográficas mais  importantes no campo dos estudos literários destinados às nossas universidades e aos especialistas em geral,  Moisés, a meu juízo,  atingiu o ponto mais altaneiro de toda a sua obra  produzida, se excetuarmos  a sua História da literatura brasileira sobre a qual comentaremos adiante.
       Mobilizando um  imenso  espectro no seu corpus de exposição sobre  a estrutura da obra literária,  Moisés expõe, com mão de mestre,   tópicos  nucleares, tais como    conceito de literatura,  gêneros literários, poesia e prosa, teoria da poesia,  espécies poéticas:  o lírico e o épico, formas poéticas, formas em prosa,  o conto, a novela, o romance, a prosa poética, o ensaio, a crônica, o teatro, outras formas híbridas, a crítica literária.  Creio que  essa obra foi pioneira entre nós  no seu gênero. Suas análises didáticas sobre  poesia e ficção são evidências de sua   habilidade e  sutileza em  penetrar nos pontos mais recônditos  das significações e das diversas camadas constitutivas do fenômeno literário.
        Conforme ele próprio  salienta  no seu precioso  Guia  prático de análise literária,  qualquer tentativa de ensinar o estudante a analisar um texto, nada substitui  a competência  literária (no sentido usado por Vítor Manuel  de Aguiar e Silva) individual do talento de um   analista. Quando muito,  o professor de literatura  orienta, ensina   a teoria,  mas não pode ir além disso. Todo trabalho hermenêutico, se assim podemos inferir dos ensinamentos judiciosos de Massaud Moisés, vai depender das potencialidades  inatas  e da cultura  adquirida de modo contínuo  do futuro  intérprete, ensaísta ou crítico.
      O Pequeno dicionário de literatura brasileira se me afigura outra  obra a que Moisés está  intimamente  associado, porquanto ele com  o ensaísta e crítico  José Paulo Paes tiveram a brilhante ideia de organizar um  dicionário de literatura brasileira com  a colaboração de vários autores de renome. A despeito  de José Paulo Paes (1926-1998)) e  Massaud Moisés, num prefácio à 1ª edição do dicionário, terem  declarado que a obra não era mais do que um “panorama  sumário,”  o dicionário tem um alcance muito mais vasto  dada  a alta qualidade  com que os respectivos verbetes sobre autores e obras nacionais  foram   elaborados, além de virem   acompanhados de  bibliografia ativa e passiva dos autores e obras.  É um livro de muita relevância para estudiosos de todos os níveis - e poderia até   acrescentar – uma espécie de obra de referência, do tipo  vade-mécum para consultas  e pesquisas de fácil  alcance, de presença obrigatória nas bibliotecas particulares de  estudiosos de literatura brasileira.
         O Dicionário de termos literários (Cultrix, 1974; 16 ª edição, 2013) se insere no tipo  de obra que faz falta em qualquer literatura nacional. Mais uma vez,  Massaud Moisés dá  prova de sua  incessante labuta  com a pesquisa  minuciosa  de autores estrangeiros  e nacionais  a fim de  dar à publicidade  uma obra  essencial  aos estudantes  de Letras  no país.  A obra vale também como um manual de teoria literária  voltado para  elucidar  a imensa e complexa terminologia  de termos literários cujas acepções são rigorosamente   conceituadas  até ao nível etimológico. Não conheço outra obra similar  que tenha   sido  publicada  no país. Obra de consulta  obrigatória  a qualquer  estudioso dos fatos literários. Somente o empenho e a  inegável capacidade  de   pesquisador  produziriam uma  obra dessa natureza útil  em qualquer tempo.        
        Afora as obras  de cunho didático  dirigida aos estudos superiores de Letras, Massaud Moisés publicou a sua monumental História da literatura brasileira (Cultrix,1983-1989) em 5 volumes ,inclusive com outras edições. Posteriormente, pela mesma  editora,  foi publicada, a partir de 2001, em 3 alentados volumes, revistos e atualizados, tanto no conteúdo como na bibliografia, indo das origens da literatura brasileira até ao Modernismo.  Uma  obra abrangente escrita só por ele como foi por muito tempo a maneira de nossos  historiadores mais velhos  escreverem  histórias da literatura brasileira levadas a cabo por um único autor. A começar do velho historiador maranhense,  Francisco Sotero dos Reis(180-1871) com o seu Curso de literatura portuguesa e  brasileira (1866-1873),  em 5 volumes. O historiador, ensaísta e crítico literário Afrânio Coutinho (1911-2000) julgava que em obras de  grande envergadura   e demandando  tantas leituras e pesquisas exaustivas seria melhor  que fossem  feitas com a colaboração de vários autores, o que efetivamente aconteceu com a sua  A literatura no Brasil (1955-1959) em 4 volumes, uma  fundamental obra  coletiva  organizada  magistralmente por ele.
       Com essa obra Massaud Moisés, mais uma vez, se mostrou   um  poderoso pesquisador  de nossa história literária e, anda que possamos  não concordar  em alguns aspectos com  esse trabalho hercúleo,  é negável  a capacidade  individual desse estudioso  de nossas letras para levar adiante um  projeto  desta monta. E ele o realizou  com muito  empenho e sucesso, uma vez que dispunha de vasta erudição  e experiência  com os  estudos literários  dentro do país e fora dele, haja vista  as diversas universidades em que lecionou  suas especialidades como professor  visitante.
     No campo da literatura brasileira bastava  a sua História da literatura brasileira para   considerá-lo um  analista profundo e vocacionado para o deslinde e a complexidade  de entendimento  e de elucidação  do texto literário, um autor  atualizado  com o que de mais  moderno  havia  lido no campo da teoria literária, segundo se pode constatar  examinando  a enorme  messe de autores  estrangeiros  consultados por ele, como  sinais indicadores   do seu  persistente interesse  em devassar  o texto literário.
        Outra obra de vulto que nos deixou Massaud Moisés foi o Simbolismo (São Paulo, Cultrix, 1966, 2 ª edição 1967 ), volume IV de A literatura brasileira, um fecundo  e meticuloso ensaio sobre o movimento  simbolista brasileiro, desde as sua origens até surgir no Brasil.   Para mim,  esse ensaio, depois do indispensável  Panorama do movimento simbolista brasileiro (1952), de Andrade Muricy (1895-1984), foi o que  de melhor  li entre nós sobre o assunto e  faço questão de  assinalar que, durante a minha pesquisa de Metrado analisando a saudade do poeta piauiense  Da Costa e Silva (1885-1950),   a essa obra de Moisés recorri  muito e com  enorme proveito. Convém lembrar, que no prefácio da obra Simbolismo, Moisés inclusive cita  a obra de Andrade Muricy.
     Nestas breves nota que me ocorrem a propósito da notícia do falecimento do  Professor  Massaud Moisés,  não desejo  finalizar antes de  fazer uma  pequena referência a uma das obras mais  bem escritas por esse autor: Literatura:  mundo e forma (Cultrix/EDUSP, 1980). Considero essa obra  de altíssima reflexão sobre  o fenômeno literário como um  das mais bela leituras  que fiz  sobre  questões  relacionadas a esse tema. Uma requintada  e percuciente sondagem nos fundamentos das formas literárias,  da  realidade  física versus da realidade virtual,  abstrata,  imaginária, contudo, não menos “real,” segundo argumenta logo no início do ensaio.
    Livro denso, iluminador,  pleno de energia meditativa  tanto quanto de  exaustiva  pesquisa nas fontes originais do conhecimento  literário-estético-filosófico, uma abissal   penetração nos mais  recônditos espaços do universo da Literatura,  um mergulho   fundo, epistemológico,  nos meandros   da criação  literária e na  exegese dos labirintos mais intrincados  da criatividade artística, quer na poesia, quer na ficção, um ensaio  do qual o leitor especializado  sai  daquelas regiões onde  a poesia  e sua formas   parecem nos surgir  na sua gênese e nos seus   efeitos no espírito do leitor. Obra que merece ser lida e relida, obra de amadurecimento  de um  professor-teórico a ensinar a todos  nós seus admiradores.
      O país, intelectualmente, perde um dos seus mais  eméritos estudiosos  da Literatura, um modelo de scholar  no sentido mais  genuíno do termo. Deixou-nos um legado de obras indispensáveis ao conhecimento  dos  estudos literários  no país e, na bibliografia didática universitária,  a sua contribuição  será, por muito tempo,  uma brilhante referência para o   estudiosos  das novas gerações que seguramente consultarão aquelas  quatro obras   mencionadas  atrás visto que marcarão época e se firmaram na história dos estudos literários entre nós.


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