Cunha e Silva Filho
Aquele que estudava
Letras no final dos anos 1960 e nas décadas
de 1970 e 1980, aproximadamente, dificilmente não conheceu as primeiras obras do ensaísta, historiador e crítico Massaud Moisés, falecido hoje, dia 11 de abril,
aos 90 anos mal completados no dia 9 de abril. Massaud Moisés, nascido em São Paulo em 1928, foi um dos mais eminentes
professores e pesquisadores nas áreas de teoria literária, de literatura portuguesa e de literatura brasileira da Universidade de São Paulo.
Já estava
aposentado na condição de professor titular de literatura portuguesa da
universidade desde 1995. Daí para diante, só deu continuidade às suas pesquisas
nas áreas de literatura portuguesa e brasileira, domínios de estudos no quais se
distinguiria, no país e no exterior,
de modo crescente à medida que escrevia
novos trabalhos e lançava novas edições
de suas principais obras, sobretudo as de caráter didático para estudantes de Letras. Era
imbatível como autor didático e por isso
seus livros tiveram sucessivas edições.
Seria quase
impossível não haver, nas listas bibliográficas
apresentadas por professores universitários daqueles anos,
a inclusão de, pelo menos, quatro
obras de Moisés, a Criação literária
– Introdução à Problemática da Literatura (1968), o Guia prático de análise literária, o Pequeno dicionário de literatura brasileira e o Dicionário de termos literários.
A criação literária - Introdução à
Problemática da Literatura foi primeiro lançada pelas Edições Melhoramentos (1967).
A edição que consultei nos anos setenta
foi a segunda edição revista (1968). Convém aqui registrar que essa notável obra teve uma
edição em que o autor a dividiu em três volumes, um abordando só a poesia, outro, a
prosa I, e um terceiro, prosa II, todos editados pela Cultrix e todos
alcançando várias edições.
Todavia,
em 2012, pela Cultrix, o autor
reuniu novamente a poesia e a prosa num
só volume com o título A criação
literária - poesia e prosa, edição revista e
atualizada. As outras três obras seriam o Guia prático de análise literária (1969), uma obra utilíssima a
quem está dando os primeiros passos na
aprendizagem de análise de um texto
literário, o Pequeno dicionário de
literatura brasileira (1967), que
chegou até à 7ª edição, 2008, obra coletiva da qual foram
organizadores e colaboradores Massaud Moisés
e José Paulo Paes e, finalmente, o Dicionário
de termos literários (Cultrix,1974; 16ª edição, 2013), obra de referência inestimável sob todos os
aspectos e ao que me parece, ainda a
única no gênero editado no país.. Com o falecimento deste último, Moisés ficou como organizador e colaborador.
Com A
criação literária, obra resultante inegavelmente de incansáveis leituras
nas mais atualizadas, óbvio na época de sua
escrita, fontes bibliográficas mais
importantes no campo dos estudos literários destinados às nossas
universidades e aos especialistas em geral,
Moisés, a meu juízo, atingiu o
ponto mais altaneiro de toda a sua obra
produzida, se excetuarmos a sua História da literatura brasileira sobre
a qual comentaremos adiante.
Mobilizando
um imenso espectro no seu corpus de exposição sobre a
estrutura da obra literária, Moisés
expõe, com mão de mestre, tópicos nucleares, tais como conceito de literatura, gêneros literários, poesia e prosa, teoria da
poesia, espécies poéticas: o lírico e o épico, formas poéticas, formas em
prosa, o conto, a novela, o romance, a
prosa poética, o ensaio, a crônica, o teatro, outras formas híbridas, a crítica
literária. Creio que essa obra foi pioneira entre nós no seu gênero. Suas
análises didáticas sobre poesia e ficção
são evidências de sua habilidade e sutileza em
penetrar nos pontos mais recônditos
das significações e das diversas camadas constitutivas do fenômeno
literário.
Conforme ele
próprio salienta no seu precioso Guia prático de análise literária, qualquer tentativa de ensinar o estudante a
analisar um texto, nada substitui a competência
literária (no sentido usado por Vítor Manuel de Aguiar e Silva) individual do talento de
um analista. Quando muito, o professor de literatura orienta, ensina a teoria,
mas não pode ir além disso. Todo trabalho hermenêutico, se assim podemos
inferir dos ensinamentos judiciosos de Massaud Moisés, vai depender das
potencialidades inatas e da cultura
adquirida de modo contínuo do
futuro intérprete, ensaísta ou crítico.
O Pequeno dicionário de
literatura brasileira se me afigura outra
obra a que Moisés está intimamente associado, porquanto ele com o ensaísta e crítico José Paulo Paes tiveram a brilhante ideia de
organizar um dicionário de literatura
brasileira com a colaboração de vários
autores de renome. A despeito de José
Paulo Paes (1926-1998)) e Massaud Moisés,
num prefácio à 1ª edição do dicionário, terem declarado que a obra não era mais do que um “panorama
sumário,” o dicionário tem um alcance muito mais
vasto dada a alta qualidade com que os respectivos verbetes sobre autores
e obras nacionais foram elaborados, além de virem acompanhados de bibliografia ativa e passiva dos autores e
obras. É um livro de muita relevância
para estudiosos de todos os níveis - e poderia até acrescentar
– uma espécie de obra de referência, do tipo
vade-mécum para consultas e pesquisas de fácil alcance, de presença obrigatória nas bibliotecas
particulares de estudiosos de literatura
brasileira.
O Dicionário de termos literários (Cultrix,
1974; 16 ª edição, 2013) se insere no tipo
de obra que faz falta em qualquer literatura nacional. Mais uma vez, Massaud Moisés dá prova de sua
incessante labuta com a pesquisa minuciosa
de autores estrangeiros e
nacionais a fim de dar à publicidade uma obra
essencial aos estudantes de Letras
no país. A obra vale também como
um manual de teoria literária voltado
para elucidar a imensa e complexa terminologia de termos literários cujas acepções são
rigorosamente conceituadas até ao nível etimológico. Não conheço outra
obra similar que tenha sido
publicada no país. Obra de
consulta obrigatória a qualquer estudioso dos fatos literários. Somente o
empenho e a inegável capacidade de pesquisador
produziriam uma obra dessa
natureza útil em qualquer tempo.
Afora as obras
de cunho didático dirigida aos
estudos superiores de Letras, Massaud Moisés publicou a sua monumental História da literatura brasileira (Cultrix,1983-1989) em 5 volumes ,inclusive com outras edições. Posteriormente, pela mesma editora, foi publicada, a partir de 2001, em 3
alentados volumes, revistos e atualizados, tanto no conteúdo como na
bibliografia, indo das origens da literatura brasileira até ao Modernismo. Uma obra
abrangente escrita só por ele como foi por muito tempo a maneira de nossos historiadores mais velhos escreverem
histórias da literatura brasileira levadas a cabo por um único autor. A
começar do velho historiador maranhense,
Francisco Sotero dos Reis(180-1871) com o seu Curso de literatura portuguesa e brasileira (1866-1873), em 5 volumes. O historiador, ensaísta e
crítico literário Afrânio Coutinho (1911-2000) julgava que em obras de grande envergadura e demandando
tantas leituras e pesquisas exaustivas seria melhor que fossem
feitas com a colaboração de vários autores, o que efetivamente aconteceu
com a sua A literatura no Brasil (1955-1959) em 4 volumes, uma fundamental obra coletiva
organizada magistralmente por
ele.
Com essa obra
Massaud Moisés, mais uma vez, se mostrou
um poderoso pesquisador de nossa história literária e, anda que
possamos não concordar em alguns aspectos com esse trabalho hercúleo, é negável
a capacidade individual desse
estudioso de nossas letras para levar
adiante um projeto desta monta. E ele o realizou com muito
empenho e sucesso, uma vez que dispunha de vasta erudição e experiência
com os estudos literários dentro do país e fora dele, haja vista as diversas universidades em que lecionou suas especialidades como professor visitante.
No campo da
literatura brasileira bastava a sua História da literatura brasileira
para considerá-lo um analista profundo e vocacionado para o
deslinde e a complexidade de
entendimento e de elucidação do texto literário, um autor atualizado
com o que de mais moderno havia
lido no campo da teoria literária, segundo se pode constatar examinando
a enorme messe de autores estrangeiros
consultados por ele, como sinais indicadores do seu
persistente interesse em
devassar o texto literário.
Outra obra de
vulto que nos deixou Massaud Moisés foi o Simbolismo
(São Paulo, Cultrix, 1966, 2 ª edição 1967 ), volume IV de A literatura brasileira, um fecundo
e meticuloso ensaio sobre o movimento
simbolista brasileiro, desde as sua origens até surgir no Brasil. Para mim,
esse ensaio, depois do indispensável
Panorama do movimento simbolista
brasileiro (1952), de Andrade Muricy (1895-1984), foi o que de melhor
li entre nós sobre o assunto e
faço questão de assinalar que,
durante a minha pesquisa de Metrado analisando a saudade do poeta piauiense Da Costa e Silva (1885-1950), a essa obra de Moisés recorri muito e com
enorme proveito. Convém lembrar, que no prefácio da obra Simbolismo, Moisés inclusive cita a obra de Andrade Muricy.
Nestas breves nota
que me ocorrem a propósito da notícia do falecimento do Professor
Massaud Moisés, não desejo finalizar antes de fazer uma pequena referência a uma das obras mais bem escritas por esse autor: Literatura: mundo e forma (Cultrix/EDUSP, 1980). Considero essa obra de altíssima reflexão sobre o fenômeno literário como um das mais bela leituras que fiz
sobre questões relacionadas a esse tema. Uma requintada e percuciente sondagem nos fundamentos das
formas literárias, da realidade
física versus da realidade
virtual, abstrata, imaginária, contudo, não menos “real,”
segundo argumenta logo no início do ensaio.
Livro denso, iluminador,
pleno de energia meditativa tanto quanto de exaustiva
pesquisa nas fontes originais do conhecimento literário-estético-filosófico, uma
abissal penetração nos mais recônditos espaços do universo da Literatura,
um mergulho fundo,
epistemológico, nos meandros da criação
literária e na exegese dos
labirintos mais intrincados da
criatividade artística, quer na poesia, quer na ficção, um ensaio do qual o leitor especializado sai
daquelas regiões onde a poesia e sua formas
parecem nos surgir na sua gênese
e nos seus efeitos no espírito do
leitor. Obra que merece ser lida e relida, obra de amadurecimento de um
professor-teórico a ensinar a todos
nós seus admiradores.
O país, intelectualmente,
perde um dos seus mais eméritos
estudiosos da Literatura, um modelo de scholar
no sentido mais genuíno do termo.
Deixou-nos um legado de obras indispensáveis ao conhecimento dos
estudos literários no país e, na
bibliografia didática universitária, a
sua contribuição será, por muito
tempo, uma brilhante referência para
o estudiosos das novas gerações que seguramente
consultarão aquelas quatro obras mencionadas atrás visto que marcarão
época e se firmaram na história dos estudos literários entre nós.
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