Cunha e Silva Filho
Não serei eu seguramente, nem você,
leitor brasileiro, ou não, nem mesmo os antropólogos que iremos explicar os motivos mais recônditos da disseminação do celular. A Humanidade é a mesma,
aqui ou nos confins do mundo. Existem, é
óbvio, as diferenças de alguns costumes,
de visões religiosas, de sistemas de governo, de culturas tribais na África, de modus
vivendi variado, exótico, na Ásia, em partes do Oriente, de estereótipos, culturas diferentes.
O que, a meu ver, mais nos iguala é um
traço fundamental que nos separa, conforme no ensina a linguística, dos
irracionais: a linguagem humana, não obstante se tenha de aprender algumas
línguas modernas principais a fim de reduzir essa desvantagem.
Todavia, com a globalização advinda do
avanço formidável da comunicação, em suas várias formas: jornal,
telefone, cinema, rádio, televisão, a intenet, trazida esta pelo computador e que, segundo penso,
tenha sido a maior invenção do homem depois da Imprensa de Gutemberg, o mundo
pós-moderno, o homem global, se tornou bem mais igual, mesmo em países bastante
diferentes dos Estados Unidos – o traço de união do fenômeno da planetarização
dos costumes e hábitos da maioria dos países.O exemplo mais insofismável disso
é o o do uso indiscriminado do celular.
Há pouco menos de uma década tinha lido
um pequeno texto em inglês para uso dos meus alunos que dizia ser o
celular, se usado com muita frequêcia, um mal para o funcionamento saudável do
aparelho auditivo, inclusive argumentava o texto que o celular poderia causar câncer.
Com a intensificação do uso desse aparelho,
hoje em dia, um companheiro inseparável
da infância velhice, ninguém , segundo me parece, abriu a boca para falar mal desse aparelho que, ao contrário, ganhou
novas configurações, tamanhos, utilidades, podendo–se se afirmar mesmo que,
quando é de última geração, ele pode substituir os outros aparelhos de
comunicação, comportando nele sozinho as funções exercidas antes separadamente
pelos outros meios de comunicação, tais como o rádio, o disco, o CD, o
computador, livro, revista, jornal etc., etc., etc. É o caso de se poder
exclamar:”Meu reino por um celular!”
O celular ganhou as metrópoles, as
cidades, o interior, as selvas, as aldeias indígenas. Funciona hojena terra, no mar e no ar. Está por
toda a parte, pelos países afora. Conquistou o mundo, o capitalismo, onde
certamente teve seu berço. Conquistou os países comunistas, as ditaduras, as religiões, os ateus, os políticos, os criminosos, a direita, a
esquerda, a extrema-direita, o centro, os ambientalistas, os pedófilos, os escroques,
os terroristas, os estupradores, os psicopatas,
os refugiados, os encarcerados, os assaltantes, as falsas democracias, os
católicos, os protestantes, os pastores, os puros, os inocentes, os
salafrários, os sequestradores, os ricos,
os pobres, as minorias, o povão, os esbulhados,
os espertalhões, os enamorados, as famílias. Lá está ele na escola, na
fábrica, no trem, no metrô, no ônibus, no táxi, no navio, no
avião. Tornou-se fetiche.Ganhou os
mortais. Ganhou o mundo. Ficou mundano. Contam-se aos milhões.
Com esse aparelho, ninguém ficou mais
sozinho. Virou nossa companhia inseparável, pronto a ser usado a qualquer
instante de dor, de alegria, de saudade,
de comunicação com alguém perto, longe,
muito distante, sem fronteiras, no aquém--mar e no além -mar.
Já se disse muito que o maior amigo do homem é o cão. Não sei não.
Acho que o maior amigo do homem, agora,
é o celular. Alguém há de me
contestar por essa declaração, talvez até um filósofo, mas, infelizmente não
tenho nenhum amigo filósofo, o qual seria talvez o primeiro a me contrariar. Não vá, leitor, pensar que eu
seja um desafeto desse aparelho.
Alinhavei estas digressões e me esqueci de
falar sobre a minha relação com o celular. Nem mesmo sei usar de algumas
vantagens que ele me pode dar. Tenho dificuldade até de gravar o número do telefone de um amigo, o que me
deixa um pouco constrangido. Entretanto,
não tenho pudor de confessar que não o
domino sabendo o quanto de utilidades ele me possa proporcionar.
No entanto, devo confessar que ainda não
fui tomado desse fetiche, dessa febre de celular. Faço, muitas vezes, tudo para
não o usar. Reconheço, porém, o alto
valor dele para algumas situações da realidade que nos cerca e por vezes nos apavora.
Muitas vezes, o celular pode salvar vidas, resolver situações que, sem
ele, seriam desastrosas para muita
gente.
Há algo que ainda me causa estranheza com
a presença desse aparelho tão ubíquo no cotidiano mundial. Ele mexeu com o
comportamento dos usuários no sentido da redução do contato presencial, do
aconchego que só o encontro ao vivo é possível de ser sentido, do olho no olho,
do abraço amigo, do calor do convívio, da importância de saber que alguém a
quem amamos ou admiramos está ali bem perto de nós com a voz, os gestos, o
olhar, a atenção física, o congraçamento,
o aperto de mão ou o beijo na face. Disso o celular não é capaz de realizar
porque ele é simplesmente um objeto de consumo...
Há que se estudar ainda o que mudou no ser
humano com o surgimento de tantos aparelhos eletrônicos. Na minha humilde
condição de leigo em questão de psicologia humana, o celular tanto quanto utros gadgets provenientes da alta
tecnologia e avanços incessantes da eletrônica, não veio para melhorar as relações
sociais posto que reconheça nele vários benefícios do chamado conforto
material. Parto do princípio de que o domínio
da máquina exerceu uma influência redutora no campo da sensibilidade
entre os indivíduos de tal sorte que o convívio de múltiplas parafernálias,
dessa engrenagem crescente de um espaço
tentacular, provoca no espírito e na sensibilidade do ser humano uma espécie de
diminuição pelo que seja o mundo sensível, surgindo um embotamento imperceptível
do que possa ser a parte mais humana do indivíduo.
Cercados de tanta tecnologia, o indivíduo,
independente de sua vontade, pod-se, assim, dizer, se brutaliza, e se coisifica ante o seu
semelhante numa relação em cadeia que, primeiro, atinge o antes saudável contato entre dois seres humanos e, em seguida,
contamina a família, o círculo de amizades e, por extensão, a sociedade.
É dessa perspectiva que vejo a mudança comportamental e o apego a esse aparelhinho,
que é o celular, como poderiam ser outros meios eletrônicos que, sub-repticiamente,
estão desagregando o antigo, sadio e fraternal convívio entre as pessoas num
mundo já robotizado que mais valoriza, diga-se a bem da verdade, a posse de um
carro – isso é só um exemplo entre tantos da vida contemporânea - do
que um bate-papo descontraído num bairro boêmio ao cair de uma tarde numa
sexta-feira de uma grande cidade.
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