quarta-feira, 31 de agosto de 2016

EM TEMPOS DE ÓPERA-BUFA









 Cunha e Silva Filho


           A divisão entre quem é lulista-dilmista e suposta   oposição  da políticagem nacional,   em nosso país politicamente caricato  não é uma meia-verdade. É uma flagrante verdade. Basta ver um   cena hilariante, num dos intervalos  do julgamento  de Dona Dilma em que ela e seu “arqui-inimigo” peessidebista, Aécio Neves, e um outro  senador, olham entre si sorridentes, quase se abraçando,  mas visivelmente se  cumprimentando   como se o  ambiente do “tribunal  de exceção” (sic!),  segundo chamou  uma  das conhecidas senadoras  petistas exaltadas, num átimo se transformasse numa  festa de confraternização, onde tudo seria dito e, depois, seria esquecido, permanecendo  como  verdade   o ilusionismo que vai servir  como combustível aos manifestantes  contra o impeachment na Avenida  Paulista.
          Oh, pobres diabos alheios ao bas-fond dos  bastidores da politicalha. Afrontam a polícia paulista, levam jatos d’água,  gás lacrimogêneo e são escorraçados  pelas forças   de segurança. Enquanto  isso,  Lula,  o Chico  Buarque e outros  medalhões e encasacados  do petismo   continuarão vivendo sua  vida, com as suas regalias,   com o seu pé-de-meia já bem   polpudo, durável até à terceira ou quarta descendência.
         Ah, já nem sei  mais quem  é   quem  nesta mixórdia ou nesse caldeirão  diabólico de contradições  e de subtextos. Agora, é mais do que tempo para empreenderem-se complicadas análises do discurso ou outros approaches hermenêuticos  de que o pensamento crítico  contemporâneo ocidental  anda cheio até à borda. Como explicitar termo mais em moda quanto “narrativa” disso ou daquilo na boca dos nossos  políticos, sociólogos,  cientistas políticos e até juristas? 
        De repente, tudo é “narrativa.” O modismo  do linguistiquês, tão palatável entre nações que não amadureceram  culturalmente, é ainda pior do que o do estruturalês. Haja saco  para  ouvirmos  o mesmo termo na boca de qualquer um  a fim de se mostrar modernoso (ou modernês?). Que diacho,  nem eu sei mais o que dizer dessa barafunda misturando  politicalha com  narratalha. O resultado é a manutenção   do esbulho como matéria  substantiva para explicar  o crônico atraso  cultural em que  ainda estamos  engolfados.
      O certo, leitor,  é que o julgamento de Dona Dilma lembra mesmo  uma  ópera-bufa, um circo mambembe, um espetáculo de prestidigitação,  uma autêntica  comédia de Martins Pena (1815-1848), autor brasileiro  que  me vem logo à cabeça quando  encaro o tema  da política  brasileira.
       O mais  cômico é mesmo  quando  ouvimos  tantos tratamentos cerimoniosos e trocas   das expressões formais  de tratamento entre os  senadores por  outras menos formais. O mais hilário  é que quem preside  o julgamento   entre técnico e político  são os tais  adjetivos  laudatórios, meramente  formais e vazios  de conteúdo:: “ilustre” senador,  “eminente” senador, "Vossa Excelência' (às vezes erroneamente  trocada, no calor da oratória,  por "Sua Excelência").  Ou seja,  para quem não conhece  o nível  intelectual de alguns  senadores, poder-se-ia  imaginar que  ali  se reúnem  verdadeiros   sábios com competência  e caráter  ilibado, verdadeiros modelos  de ética e de brasilidade  envolvendo  as suas  lídimas figuras  com  um background   de sabedoria e conhecimento  do tamanho da erudição de  um  Rui Barbosa (1845-1923)...
      Por se limitar o julgamento  de uma presidente  a apenas  três pedaladas e seguir uma ritualística  formatada  e cronometrada, seguindo  um normatividade  de acusação e  defesa, colocando a Dona Dilma numa situação de maratona  olímpica,  cujo maior mérito  é a redundância,  a repetição ad nauseam  de perguntas e respostas  já sobejamente  cediças   a quem  assiste de casa pela televisão ou  no interior  do plenário, o que é  essencial não se toca,   é assunto  para outros  ambientes  e assistências.
     Ora,  sendo assim,   ficam de lado  como  um cipó  jogado ao chão  os verdadeiros motivos  da saída da presidente Dilma. Quer dizer, todo um conjunto de desmandos e de  desídias   cometidos  durante  o tempo do petismo  como  dono do poder  absoluto brasílico.
    Esqueceram-se as falcatruas, a ascensão   de Lula  a uma condição de  homem  rico, a compra de políticos  a fim de  fortalecer  a  base de sustentação petista,  a gastança pantagruélica palaciana, as viagens  da presidente e sua  portentosa  comitiva  regadas  a peso  de ouro nas hospedagens parisienses  com diárias milionárias  pagas  pelo  bolso  de milhões de brasileiros, e bem assim   os escândalos  financeiros, as campanhas  milionárias  às expensas de cambalachos do petismo  mediante propinas  de certo empresariado corrupto, de diretorias de estatais mancomunadas com  grandes empreiteiras.
  Além disso, contribuíram  para  o desmoronamento moral  do PT  os megaescândalos  do Mensalão e  do Petrolão.  Para  piorar   a decadência moral do  petismo,  veio a público  o diálogo comprometedor de um   telefonema entre Dilma e Lula  através do qual ela dizia estar mandando para ele um termo de nomeação para o alto cargo de ministro da Casa Civil beneficiando-o,  destarte, com  o instituto do foro  privilegiado que o livraria  de um provável  pedido de  prisão decretado  pelo  juiz Sergio Moro.
       Esqueceram-se, reforcemos, os grandes males (descomunal violência urbana  e no interior do pais,  saúde sucateada, aumento do narcotráfico, educação  pública em estado  de precariedade,  baixos salários dos professores,  transporte ainda deficiente  nas grandes cidades, desemprego em massa, lojas e fábricas   fechando suas portas,  carestia de preços de alimentos,  remédios, aumentos de  tarifas  de gás,  luz e água, planos de saúde,   juros  altíssimos só para citar  alguns setores da realidade brasileira)    que o  país atravessa decorrentes  de todas as rapinagens  praticadas  por um  partido hegemônico e outros  partidos  da chamada base aliada, na qual se incluem  políticos  também  denunciados   pela Operação  Lava Jato. Em outras palavras, do julgamento  de Dona Dilma Rousseff saem políticos  acusados  de  malversações e ficam  políticos  que participaram   do desgoverno  petista. Enfim,  um saco de gatos  não confiável em grande parte.
     No entanto,  nada disso  se  inclui  no julgamento  da presidente. O que nos dá a sensação de que todas as desgraças por que  passamos  em razão da má  gestão do governo   federal não se discutem  no julgamento graças aos protocolos  e regras   estabelecidas pelo ritual  do julgamento. Ora, a queda da presidente Dilma,  na realidade  não  foi só pelas chamadas  pedaladas fiscais, mas pelo  que  o governo fez de errado, principalmente pela ausência de ética,  de moralidade   e de respeito  ao trato da coisa pública.
     O formalismo regimental  obedecido  pelos senadores  e conduzido pelo presidente da Suprema Corte é apenas um dado pleno de  simbolização,  de alegoria,  quando, na verdade,  o todo é silenciado  para  que  a parte  menor  seja  o desfecho de uma  encenação necessária e urgente.Com a saída  de Dona Dilma, não se pense que  o país  irá virar um paraíso de honestidade e de amor acendrado  à democracia. Fiquemos atentos, sobretudo porque a ópera-bufa  ainda não saiu  da cena brasileira.

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