sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A TIJUCA E A CRISE ECONÔMICA: UMA METONÍMIA DO BRASIL




                                        Cunha e Silva Filho


          Acompanho  minha esposa para o médico.Estamos na Tijuca. O movimento das ruas é grande. O vaivém das pessoas  de todas as idades. Agora  mesmo, escrevendo esta crônica,  estou  ouvindo  o  tema de Lara na música  tocada ao piano. Um deslumbramento!
          Não consigo  impedir-me de associá-la   ao filme “Doutor Jivago,” adaptado do romance de Boris Pasternak (1890-1960), de título  homônimo,  aliás, filme belíssimo, que vi mais de uma vez protagonizado  brilhantemente por Omar  Sharif (1932-2015),   no papel de  um médico e poeta russo, de família aristocrata, vivendo  um amor  fatal  desencontrado  e incompleto, com a bela  Laura, enfermeira, de família   simples, tendo como  pano de fundo o tumultuado período  da  Revolução  Russa  de 1917  até o final  da Primeira  Guerra Mundial (1914-1918).
        Para mim,  a música e o ato da escrita  me  deixam  completamente  enlevado de emoções  e  sentimentos   múltiplos.  Me fazem um bem enorme o som  e o signo.
        Entramos  numa galeria  numa das lojas da qual  fica a clínica. Olho ao redor e vejo  lojas  que fecharam as portas  por causa da  famigerada  crise.Ao mesmo  tempo  penso com meus botões: como um governo  perverso e irresponsável  consegue  mudar  a vida  de um  país  e  de seu  povo! Meu Deus,  lá, a uma distância de quase  três     esquinas  do ponto em que estava  na Praça  Saens Peña, já de volta  pra  casa,   depois de ter entrado numa padaria  cheia de guloseimas,  sobretudo  produtos  açucarados  que não posso  comer,  me lembro de  que, no Shopping principal  do  conhecido e populoso bairro,   algumas  portas  de lojas foram  também  fechadas pela  crise, cujos tentáculos  vão arrasando o bolso  de todos, dos comerciantes, do povão, da sociedade  assalariada.  Por outro lado, há um contraste,  as farmácias estão  abarrotadas de remédios e  outros produtos, tudo muito caro, pela hora da morte.  Olho para  os prédios de apartamentos e vejo alguns anúncios de apartamentos  para  vender  ou alugar, dependendo  da situação de cada um. Ninguém quase compra uma vez que falta   comprador.Alugar se consegue ainda.
      Conversando com o médico, ele me diz  que a coisa está feia  e fala mal  do ex-governador  do Rio de Janeiro que deixou  o sucessor, Pezão,  a ver navios  enquanto ele,  segundo se  noticia  de vez em quando,  ficou  milionário. A Lava-Jato  passou  por ele  batida.  Vai-se entender  tudo isso, pois se está falando que,  na Câmara dos Deputados,   já estão  arquitetando um  projeto  - isso mesmo  -  para anistiar (sic!) a corja  dos corruptos  dos  escândalos financeiros. Certamente vão começar  o perdão da rapinagem desde o governo  do Lula com  o Mensalão.  Continuo  a ouvir  música  em meio a esses  pensamentos sombrios.
     Ontem mesmo,  o  Henrique Meireles, ministro da   Fazenda, mais uma vez,  justificando  as maldades, afirmou que cabe aos governadores  dos Estados  dar aumento ou não, ou melhor,  declarou, com a frieza que o caracteriza  como  ex-presidente de um  grande banco americano de que é aristocraticamente  aposentado,   que governador   não é obrigado  a dar aumento ao funcionalismo. Ora, esquece  ele de que  o governo federal  abriu  a torneira  para que o comércio, a indústria e tudo   reajustassem  os preços  de tudo que é produto, seja alimentício,  seja de outra natureza, além  da agravante de  que é o próprio   governo federal que  determina os aumentos  das tarifas  públicas, quer dizer,  o  poder central  é que  dá o primeiro  mau   exemplo.  Esqueceu ele  ainda que seu salário de ministro foi  majorado, assim como  o foram   os salários  do presidente interino  da República, dos deputados e senadores,  de todos  as categorias  da Justiça Federal.
     Ora,  novamente  repito,   isso  é injusto  e tem  o dedo da maldade e da  discriminação  contra quem  não faz parte  dos que   estão  no topo dos poderes e também do  seu entorno, os funcionários  palacianos,  os da Câmara   Federal,  do Senado, dos ministérios, dos assessores diversos. Eu me pergunto: como o  PMDB e outros  partidos  querem ganhar  eleições para vereadores  e prefeitos se o eleitorado  está  insatisfeito  e indignado  com tudo  que é imposto  pelo  governo  federal?
       A música, “a arte de expressar nossos  sentimentos   por meio de sons,”   definição daquele  livrinho de canto orfeônico do meu tempo de ginasiano  no  “Domício,”  parou. O aparelho de som  foi  desligado. Agora,  só  ouço o  som do  teclado  do meu computador.
       Os jogos olímpicos   prosseguem.Alguns  atletas chineses  se queixaram das   condições  ruins   em que estão  sendo    realizados  os jogos. Nem tanto assim. Há coisas   que devem ser elogiadas: o esforço enorme de nossos atletas. Nem sempre   fazem  o  melhor,  porém  o que  conta  é praticarmos o fairplay  em todas a modalidades   de esportes sem  o mau-caratismo  do asqueroso doping.
      Mas, não se pense que o país é só sofrimento   pecuniário. Contenção de  despesas familiares. Aperturas disfarçadas em mais uma suposta  nova classe média.  Há os indivíduos  de outras atividades  que não foram  afetados  ainda  pela  ciranda  financeira.  Há ainda muita gente  que vive  como  marajás,   como  se estivéssemos numa  Suíça,  pois os ricos e famosos se parecem e têm  gostos  praticamente iguais. Vivem bem mesmo em tempos bicudos, a começar  da classe  política  e de algumas    categorias  de cargos públicos, sempre  bem aquinhoados, no conforto   da elegância desmedida,  do requinte, dos bailes  suntuosos,    da mesa farta e pantaguélica,  assim como do far-niente dos hotéis  de  mil estrelas... Sem falar nos seus paraísos  fiscais - frutos   das propinas de corruptores e corrompidos numa simbiose  garantida   pelo  foro  privilegiado  da politicalha  nacional   e do lado  podre do  empresariado  supostamente  enjaulado no papel da burocracia    jurídica capenga do faz de conta.
        A arraia-miúda chafurda no  lamaçal, na ignorância, nos expedientes  pícaros,  na exploração  dos otários, no parasitismo familiar  ou condominial,   nas frinchas   de quem indiretamente lhes propicia vida mansa aproveitando as sobras  do sibaritismo  dos bem postos. Nouveaux-riches, emergentes, biqueiros  conhecidos  em todos os cantos da sociedade  heterogênea, desunida, classista, hipócrita e, no fundo,  nadando no elitismo   e suas variantes,  enfeudada,  trambiqueira  nos altos negócios da alta  malandragem  dos wheel-dealers.
        E eu não estou falando  de países ricos,  estou falando  dos tupiniquins,   aos quais nada falta e tudo permanece na incolumidade dos  privilégios sólidos como rochas. O país continua o mesmo, sob o comando intransigente e mandonista, travestido de  práticas  democráticas, de bom-mocismo imaculado,  sob a sua ordem imperial, despótica com os humildes e os sem  voz e sem vez, sobreviventes da miséria e da empulhação  crônica. Esta é a metonímia  do país  tendo  por parâmetro o quotidiano de  um bairro   que, no tempo  do Brasil  Império,  já foi  aristocrático.Viva o  Brasil!
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