Cunha e Silva Filho
Acompanho minha esposa para o médico.Estamos na Tijuca.
O movimento das ruas é grande. O vaivém das pessoas de todas as idades. Agora mesmo, escrevendo esta crônica, estou
ouvindo o tema de Lara na música tocada ao piano. Um deslumbramento!
Não consigo impedir-me de associá-la ao filme “Doutor Jivago,” adaptado do
romance de Boris Pasternak (1890-1960), de título homônimo, aliás, filme belíssimo, que vi mais de uma vez
protagonizado brilhantemente por
Omar Sharif (1932-2015), no papel de um médico e poeta russo, de família aristocrata,
vivendo um amor fatal desencontrado e incompleto, com a bela Laura, enfermeira, de família simples, tendo como pano de fundo o tumultuado período da Revolução Russa de 1917
até o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Para mim, a música e o ato da escrita me
deixam completamente enlevado de emoções e
sentimentos múltiplos. Me fazem um bem enorme o som e o signo.
Entramos numa galeria numa das lojas da qual fica a clínica. Olho ao redor e vejo lojas
que fecharam as portas por causa
da famigerada crise.Ao mesmo tempo
penso com meus botões: como um governo
perverso e irresponsável
consegue mudar a vida
de um país e de
seu povo! Meu Deus, lá, a uma distância de quase três
esquinas do ponto em que estava na Praça
Saens Peña, já de volta pra casa,
depois de ter entrado numa padaria
cheia de guloseimas, sobretudo produtos açucarados
que não posso comer, me lembro de
que, no Shopping principal do conhecido e populoso bairro, algumas
portas de lojas foram também fechadas pela
crise, cujos tentáculos vão arrasando
o bolso de todos, dos comerciantes, do
povão, da sociedade assalariada. Por outro lado, há um contraste, as farmácias estão abarrotadas de remédios e outros produtos, tudo muito caro, pela hora
da morte. Olho para os prédios de apartamentos e vejo alguns
anúncios de apartamentos para vender
ou alugar, dependendo da situação
de cada um. Ninguém quase compra uma vez que falta comprador.Alugar se consegue ainda.
Conversando com o médico, ele me diz que a coisa está feia e fala mal
do ex-governador do Rio de
Janeiro que deixou o sucessor, Pezão, a ver navios
enquanto ele, segundo se noticia
de vez em quando, ficou milionário. A Lava-Jato passou
por ele batida. Vai-se entender tudo isso, pois se está falando que, na Câmara dos Deputados, já estão
arquitetando um projeto - isso mesmo
- para anistiar (sic!) a
corja dos corruptos dos escândalos financeiros. Certamente vão começar
o perdão da rapinagem desde o governo do Lula com
o Mensalão. Continuo a ouvir
música em meio a esses pensamentos sombrios.
Ontem mesmo, o Henrique Meireles, ministro da Fazenda, mais uma vez, justificando
as maldades, afirmou que cabe aos governadores dos Estados
dar aumento ou não, ou melhor,
declarou, com a frieza que o caracteriza
como ex-presidente de um grande banco americano de que é aristocraticamente
aposentado, que governador não é obrigado a dar aumento ao funcionalismo. Ora, esquece ele de que
o governo federal abriu a torneira
para que o comércio, a indústria e tudo
reajustassem os preços de tudo que é produto, seja alimentício, seja de outra natureza, além da agravante de que é o próprio governo federal que determina os aumentos das tarifas
públicas, quer dizer, o poder central
é que dá o primeiro mau
exemplo. Esqueceu ele ainda que seu salário de ministro foi majorado, assim como o foram
os salários do presidente
interino da República, dos deputados e
senadores, de todos as categorias
da Justiça Federal.
Ora,
novamente repito, isso
é injusto e tem o dedo da maldade e da discriminação
contra quem não faz parte dos que
estão no topo dos poderes e também do seu entorno, os funcionários palacianos,
os da Câmara Federal, do Senado, dos ministérios, dos assessores
diversos. Eu me pergunto: como o PMDB e outros partidos querem ganhar
eleições para vereadores e
prefeitos se o eleitorado está insatisfeito
e indignado com tudo que é imposto
pelo governo federal?
A música, “a arte de expressar
nossos sentimentos por meio de sons,” definição daquele livrinho de canto orfeônico do meu tempo de
ginasiano no “Domício,”
parou. O aparelho de som
foi desligado. Agora, só
ouço o som do teclado
do meu computador.
Os jogos olímpicos prosseguem.Alguns atletas chineses se queixaram das condições
ruins em que estão sendo
realizados os jogos. Nem tanto
assim. Há coisas que devem ser elogiadas: o esforço enorme de
nossos atletas. Nem sempre fazem o melhor,
porém o que conta
é praticarmos o fairplay em todas a modalidades de esportes sem o mau-caratismo do asqueroso doping.
Mas, não se pense que o país é só sofrimento pecuniário. Contenção de despesas familiares. Aperturas disfarçadas em
mais uma suposta nova classe média. Há os indivíduos de outras atividades que não foram
afetados ainda pela
ciranda financeira. Há ainda muita gente que vive
como marajás, como
se estivéssemos numa Suíça, pois os ricos e famosos se parecem e têm gostos
praticamente iguais. Vivem bem mesmo em tempos bicudos, a começar da classe
política e de algumas categorias
de cargos públicos, sempre bem
aquinhoados, no conforto da elegância
desmedida, do requinte, dos bailes suntuosos,
da mesa farta e pantaguélica, assim como do far-niente dos hotéis de mil
estrelas... Sem falar nos seus paraísos
fiscais - frutos das propinas de
corruptores e corrompidos numa simbiose
garantida pelo foro
privilegiado da politicalha nacional
e do lado podre do empresariado
supostamente enjaulado no papel
da burocracia jurídica capenga do faz
de conta.
A arraia-miúda chafurda no lamaçal, na ignorância, nos expedientes pícaros,
na exploração dos otários, no
parasitismo familiar ou condominial, nas frinchas
de quem indiretamente lhes propicia vida mansa aproveitando as
sobras do sibaritismo dos bem postos. Nouveaux-riches, emergentes, biqueiros conhecidos
em todos os cantos da sociedade
heterogênea, desunida, classista, hipócrita e, no fundo, nadando no elitismo e suas variantes, enfeudada,
trambiqueira nos altos negócios
da alta malandragem dos wheel-dealers.
E
eu não estou falando de países ricos, estou falando
dos tupiniquins, aos quais nada falta e tudo permanece na incolumidade
dos privilégios sólidos como rochas. O país
continua o mesmo, sob o comando intransigente e mandonista, travestido de práticas
democráticas, de bom-mocismo imaculado, sob a sua ordem imperial, despótica com os
humildes e os sem voz e sem vez, sobreviventes
da miséria e da empulhação crônica. Esta
é a metonímia do país tendo
por parâmetro o quotidiano de um
bairro que, no tempo do Brasil Império,
já foi aristocrático.Viva o Brasil!
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário