Cunha e Silva Filho
Temer é interino. Todos sabem
disso. Já compôs o seu ministério. Inclusive diminuiu uns dez. O seu
governo teoricamente já está
organizado e, bem ou mal,
dando seus resultados, ainda que descontentando parte
do eleitorado, sobretudo petista.
Somos dilmistas ou somos temeristas Que valham os neologismos. Afinal, a
gramática da língua já entrou no rol das flexibilizações. Está terceirizada.
Os usos da língua se tornaram funcionalmente políticos. Nada a obstar. Nihil obstat, conforme o
figurino dos maristas na aprovação de uma obra
a ser editada há décadas, na famosa
coleção antiga da F.T.D. Os
erros, a agramaticalidade está na
ordem do dia. Ela é inclusiva e, neste
sentido, é petistas. Não gosta das
tmeses ( vi essa palavra usada, pela
primeira vez, por um secretário de um deputado da ARENA) consideradas hoje
coisa de museu da norma culta e
gozação dos novos conhecedores do vernáculo.
Uma senadora inova a língua por influxo,
analogia ou contaminação da flexão
empregada por Dona Dilma, a presidenta,
embora isso não seja um
erro, mas passou a ser estranho
que a política
partidária mudasse a língua no
seu uso mais consagrado. Nunca vi uma
ideologia política ser tão linguística. Penso: o que é capaz de
fazer uma esquerda tupiniquim servida a caviar e com temperos à la propina.
Contudo,
essa introdução já vai me cansando e, quem sabe, cansando igualmente o leitor. A minha “narrativa” (esse termo
está na moda. Hoje, tudo se resume a “narrativas.”) versa sobre a
hipótese de Dilma voltar do afastamento legal. Primeiro, constato uma premissa: a
volta de Dilma,no mínimo, seria o
maior evento piadístico
que o Brasil poderia introduzir nos anais da história
política brasileira.
O leitor já imaginou a situação
excêntrica de, mais uma vez, reforçar-se
a ideia cristalizada no inconsciente
brasileiro a partir da célebre frase
de De Gaulle 1890-1970): “Brésil n’est pas un pays sérieux.” Como
iríamos enfrentar essa reviravolta digna
de uma comédia de Martins Pena (1815-1848)? Gargalhadas gargantuanas se espalham, reboando pelos quatro
cantos do planeta: “Dilma voltoooooou!” Tudo vai ser revertido para a estaca zero. Um furdunço, uma
embrulhada geral, um país às avessas, um povo entre o espanto e a alegria
do populacho - epicentro da
desordem político-social-econômica. Manchetes de jornais estrangeiros morrendo de rir. A piada
universal.
Eis o leit-motif:
os senadores, no último instante, viraram a casaca e deram um voto de confiança à presidenta. Temer seria destronado, assim como seus ministros.
O Meireles, então, sairia
cabisbaixo, sem aquele modo de, friamente, dizer que, se precisar, vai
aumentar impostos, tudo por
amor ao emblemático “ajuste fiscal” - a pedra
de toque da administração Temer.
Dona
presidenta baixou o primeiro decreto: “Tudo vai ser como sempre foi: ajudar os pobres e ao mesmo
tempo enriquecer mais os ricos.” As migalhas ( “Minha Casa, Minha
Vida,” o bolsa-família, o bolsa-estudo no exterior, as cotas, a Lei Rouanet, a bolsa-gás e quejandos) ficarão imunes a retrocessos. Serão causas pétreas em sua nova fase de governo. “O salário mínimo - prossegue a primeira mandatária -, não se preocupem com ele, vou aumentar, já para este segundo semestre, por decreto, para
R$3.000,00 (Três mil reais).
Os empresários que se virem para pagá-lo.” E as pedaladas,
senhora presidenta: “Ora, darei continuidade e até a intensificarei.”
E a dívida pública? “Essa é o que de menos
me preocupa. Vou mandar
fazer dinheiro na Casa da Moeda sempre que necessitar. Não tenho que dar contas ao Tribunal de Contas”. E a Previdência, os altos juros, os maiores do mundo,
a educação pública, a saúde em
pandarecos, presidenta, a insegurança das pessoas nas ruas, em casa, em qualquer lugar? “Isso não são grandes problemas, darei conta de tudo isso
com uma canetada só.”
Só para finalizar, mais uma
pergunta, presidenta: como enfrentará a oposição agora mais raivosa, indignada e humilhada do
que antes tendo que, legalmente, interromper o brevíssimo
tempo de interinidade do Temer? “Isso é
o de menos, pois agora vou mesmo agir
como o Maduro, o bigodudo. Tudo será conseguido na marra, para isso tenho as Forças Armadas de unhas e dentes. Ninguém me
manda e eu sou a “cara”( mais uma neologismo dílmico que vai repercutir
às gargalhadas entre os brasileiros
da oposiição).
Faria voltar todos os ex-ministros,
inclusive o José Dirceu para a
direção da Casa da Moeda. Todos os implicados no “Mensalão”, no Petrolão e em
outros escândalos serão readmitidos com cargos do primeiro
escalão. O primeiro a ser cogitado foi Lula. Para onde? Para a Casa Civil e
ponto final. As afirmativas de Lula “Eu sou o Brasil. Não posso ser preso” tornar-se-iam o bordão do ex-sindicalista
e, hoje,
um cidadão bem endinheirado,
assim como sua família nuclear.
A Polícia
Federal, o Ministério Público, os
incriminados e tornados réus, por pior
que fossem, seriam beneficiados com a anistia geral e irrestrita.
O Nordeste, sobretudo, faria um carnaval durante uma semana celebrando a volta da presidenta Dilma. Tudo
é consumado. “Vou engarrafar
o vento. Vou falar como bem quero a ‘última flor do Lácio, inculta e
bela” e vou continuar a viajar com
largas comitivas (incluindo sempre o Mercadante) e me hospedar nos melhores hotéis
do mundo. Continuarei a ajudar os
médicos cubanos. Darei apoio ao Irã”.
“Darei apoio ao ditador Maduro e, se possível, ao Estado
Islâmico. Só terá vez comigo, seja para que for, se for pobre ou rico. Classe média, nem que a vaca tussa.Ninguém, de agora em
diante, terá o topete de me enfrentar.
Sou ilibada. Vou cumprir inteirinho o
que me falta e aviso: Lula, alegria do povo e dos intelectuais da esquerda, no pais e fora dele, voltará
eleito, como meu sucessor, em
2018.É só ver para crer. Quem manda aqui
(traduza-se Palácio do Planalto) sou eu” (soltando uns palavrões).
Com o retorno de todos os ministros da primeira fase do seu segundo mandato de governo, Dilma recriou
todos os inúmeros ministérios
anteriores. Fez mais: aumentou em
mais cinco do antigo ministério, um deles com o nome de Ministério da Propina, incluindo os Departamento de
Vigilância contra a
Honestidade, e criou
um outro departamento, o Departamento contra
as Investigações do tipo Lava-Jato.
O ministério Público se calou, assim como outros órgãos da Justiça. O Supremo teve um desfalque. Aquele ministro que denominou o governo petista
de “governo da cleptocracia” foi destituído para o bem do serviço público.
O empresariado vinculado aos maiores
escândalos contra a economia brasileira
foram todos regiamente beneficiados com uma lei de anistia sine diem..
Declarou
Dilma: ao lhe ser devolvido o mais alto
cargo da nação: “Tudo que faço é pensando no bem do Brasil e da
felicidade geral da Nação. Todos são livres para fazerem o que bem quiserem.Se fui afastada por pedaladas fiscais,
outros, que me precederam,
inclusive o FHC, já haviam feito o mesmo e ninguém piou, muito menos o Tribunal de Contas.
Não sou
alegre nem sou triste, sou
presidenta com “a” mesmo e que se lixem
os gramáticos que nem estou aí.
Vou continuar cometendo meus
solecismos, silabadas, flexionais,
léxicos, semânticos e o escambau, e tudo
o mais que me dê na telha. Minha língua é minha pátria. A educação faz o ladrão. No entanto, a pátria continua
educadora. Lula, bem posto no cargo da Casa Civil, com foro
privilegiadíssimo, blindadíssimo e, numa voz entre estentória e rouquenha, esbraveja, furioso, aos quatro ventos: “Ninguém me manda. Sou o
segundo pai dos pobres” ( e eu com os meus botões, acrescento: e dos ricos
também). Viva o povo brasileiro! [Este é um texto ficcional (quase uma crônica à clef. Qualquer dessesemelhança é quase
uma mera incoincidência.]
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