terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A RAZÃO DE CADA UM




                             Cunha e Silva Filho


       Estive lendo uma entrevista  com um   cientista  político e professor  brasileiro,  estudioso  e pesquisador da realidade cultural e social   brasileira. Seu nome,  Jessé Souza. A entrevista  foi feita pelo jornalista Marcelo Coelho, da Folha de São Pulo( Ilustríssima, domingo, 10/01/2016).
       Tocando em  pontos cruciais da formação  cultural e social  do Brasil,  com perguntas    bem  formuladas e  provocativas do entrevistador,  em linhas gerais  o cientista  político  a propósito de um livro dele recém-publicado, A tolice da inteligência Brasileira (Editora Leya, 272 p.),  propõe suas ideias na contramão de autores brasileiros (só abrindo exceção para Florestan Fernandes, 1920-1995) que  já se debruçaram  sobre  temas semelhantes, como  Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) Raymundo Faoro (1925-2003),  Roberto DaMatta entre outros que cita de passagem. Ele poderia, ao menos,  ter mencionado, Gilberto Freyre ( 1900-1987)
     As minhas considerações  exaradas neste artigo  são preliminares e não são abrangentes,  trazendo à tona  apenas alguns   pontos da entrevista   porque  não li  o livro do professor  Jessé de Souza. Apenas me  fundamento  nas suas  respostas   fornecidas  na entrevista.
  O eixo de sua argumentação, que, de resto, traz originais contribuições ao debate  das questões  ventiladas, é que  o Brasil  tem sido  estudado  apenas sob  óticas   nas quais  não se  toca no  cerne da questão de nosso atraso  e  dependência cultural: a crônica exclusão de nossa  população marginalizada. Argumenta  Jessé de Souza que estamos  até ao pescoço  subordinados  a culturas de países  desenvolvidos,  com muita ênfase para os Estados Unidos.       Em outras palavras,  ele torna evidente  o nosso  excesso de admiração  pelos paraísos culturais   das grandes nações. Sofremos de complexos  de inferioridade,  de ‘complexo de vira-lata,’ designação que  criticamente  remete ao pensamento  do historiador  e grande  erudito Sérgio Buarque de Holanda, autor de livros  fundamentais, como Raízes do Brasil (1936)   Visão do paraíso (1959) entre outros títulos de grande relevo, inclusive na crítica literária.
  Tal  postura acadêmica de Jessé de Souza  vai na direção  contrária do ufanismo  brasileiro  apregoado  pelo conde  de  Afonso Celso (1860-1938) no  já velhusco livro Por que me ufano de meu país, um exemplar   do qual havia na biblioteca de meu pai. Por sinal, ao  me recordar   desse ufanismo, não posso deixar de registrar um fato: a média do brasileiro não é tão assim  cabisbaixa no tocante ao país, sobretudo  no que concerne às  belezas  do Brasil,  às riquezas minerais, à fauna  e flora,   à grandeza de nossa hidrografia, à grande extensão territorial,  à ausência  aqui de  terremotos, de vulcões  e de outros   acts of God  destruidores  em grande escala.
   O nosso  alegado  complexo de vira-lata,  por confronto, pode também   ser  analisado  do ponto de vista  dessa concepção  ufanista   que ainda  depreendemos  na admiração  do brasileiro  por seu país,  excetuado o tempo   presente, que é de  maior   indignação  pelas  políticos  e governantes nossos e por outros males  que  infestam  a nossa terra. Uma outra obra,  O pais do futuro, de Stefan Zweig,  de algum modo contribuiu  para  o sentimento  de esperança  que  o brasileiro  tem  (ou tinha) pelo  país.
 Ao abordar o conceito teórico de Max Weber de “patrimonialismo,” aliás, mal  aplicado por alguns de  nossos  estudiosos, segundo  Souza,  o cientista  político discorda  de que nos Estados Unidos não exista tal  uso  pelo  Estado americano.  Em outros termos, é por essa razão que   o cientista  aí desfere a sua crítica  aos "liberais brasileiros,” os quais, “candidamente” (Será mesmo que os nossos liberais são  tão ingênuos assim?) supõem que os EUA  sejam  um “paraíso.”Creio que não. A esperteza  faz parte do patrimônio  individual ou grupal nacional. Ora,  tanto nos EUA quanto no  Brasil  a interferência  do privado no público  são realidades comuns.Quer dizer,  o pessoal da “grana”  é muito poderoso a ponto de  sempre  existir  um  acordo entre o  Estado e  o setor da alta economia, dos big shots.
  Jessé de Souza propõe a seguinte tese: a de que o patrimonialismo, no   Brasil,  atende a duas práticas: a)  demoniza o Estado por sua ineficiência e a sua dimensão  corrupta, a “mercantilização,” via privatização,   de  todos os setores (educação,  saúde etc); b) funciona como ‘senha’ a fim de  privilegiar  o que  ele chama de 1% dos que detêm  o “dinheiro,”  os políticos (financiados pelo setor privado) e o poderosa  influência da mídia. Para o cientista  político  os veículos que “mandam no Estado”  “sem voto,”  quer  dizer,  direcionam  a galera eleitoral (os “tolos” da classe média tanto quanto do povão)  para  certos  partidos e candidatos. Em suma,   essas forças é que, segundo o cientista,   determinam  a sorte dos governos  e dos políticos. com  o suporte  indefectível da  “grossa corrupção.”
     Dá-me a entender que  reiterando a corrupção histórica no país de alguma  forma relativiza  ou suaviza certos governantes citados: Getúlio Vargas,  Jango, Lula e Dilma, nos quais reconhece algum avanço de melhoria  da população   carente brasileira. Por outro lado,  acentua que a “senha’  do  patrimonialismo  tem   “sido acionada com sucesso” naqueles  governos.   Conclui, então,  por uma crítica à sociedade de classe média,  a quem  chama de tola, ele inclusive, que, como  professor universitário,  se inclui nessa classe, a menos que seja   rico por laços familiares..
   Sintetizando  os amplos desdobramentos     de Jessé  de Souza, penso que  a sua grande crítica à sociedade brasileira,  visando  sobretudo  à classe média,  repito,  se dirige a certos comportamentos  dela com relação  a posições políticas e a  movimentos  reivindicatórios que, para o cientista  político,   redundam em  prejuízos para  essa “tola”classe média. Por exemplo,   quando   ataca o Estado  Brasileiro, os políticos,   não  percebem que  um outro segmento da sociedade,  o que detém o 1% da lucratividade da Nação, é que  poderia ser  alvo  duríssimo de suas   indignações, não só os governos. 
  Entretanto,  é nessa posição do  cientista  político que vejo algumas  lacunas  dignas  de reflexão. A “tola’ classe média não é tão míope assim. Ela tem  consciência  do entrelaçamento  e conluio dos governos com o poder econômico. Embora   estime essa classe certas  fatuidades,  espírito  de hedonismo,  consumismo,   produtos  de certo  valor, vida individual  mais   circunscrita   aos familiares e outros atrativos  que constituem as delícias  de suas vida: o turismo  internacional,   os saborosos almoços nos fins de semana,  as conversas  fúteis  sobre  tantos  temas  subalternos e inócuos,  um certa  ingenuidade  pretensamente  religiosa, conselheira coletiva atávica, desde quando  aportou  Pedro  Álvares Cabral  com a primeira missa no  Brasil. 
      A minha compreensão geral da entrevista  me leva a tecer  essas ponderações finais. Para o cientista  político,  o grande mal  da sociedade brasileira está nos privilégios intransferíveis a qualquer custo de um minoria  endinheirada  que domina  todos  os outros  setores da vida social e cultural  brasileira.  Domina pelos lucros  auferidos  pela altos preços de nossos produtos,   domina  pelas decisões  tomadas  via conluio com o Estado, domina  pelo concurso  e apoio da mídia,  domina  pela  manipulação  dos eleitores, sobretudo tendo em vista a classe média,  cuja luta, segundo ele, se volta contra ela mesma, de vez que essa classe não vai  questionar   maduramente  o grande capital e os produtos  do consumismo   tão  aderentes ao gosto da classe, ou melhor de todas as classes, até da ralé, que procura “imitar,”  via critérios  “kitsch,”  os modos dos   “bacanas,”  do  ricos e famosos, claro,  dentro de suas  limitações e arranjos.
    Não vejo   com  tanta  originalidade  alguns  aspectos  ventilados  pelo cientista  político  que,  em certos  pontos,  me parece  um tanto  inclinado  a um petismo      fase inicial  de organização e  programas   com vistas  a transformações alvissareiras para os segmentos desfavorecidos  da nossa  sociedade.Por exemplo, a discussão  do” racismo  cultural,” do “racismo racial,”   do que ele insinua  ao falar  de uma  determinação  do governo Dilma para  peitar  os manda-chuva  da minoria   privilegiada  do país. Com  o que se sabe das posições  e atitudes da presidente Dilma não há como  confiar que  ela  tenha tido   a vontade  política  de  inverter   toda essa pirâmide social. 
   Os percalços  de natureza espúria  do governo do lulismo-dilmismo   não  são contemplados pelo cientista de forma  imparcial  e  explícita, porque no cientista em questão  os vieses  de uma “esquerda” disfarçada  são notórios. Não só de teorias weberianas “bem  aplicadas”  por ele   como embasamento de suas argutas  argumentações  vive  a realidade brasileira sentida por todos aqueles que, convivendo,   no dia-a-dia  dessa Nação,   têm  tanto a ensinar  também  aos teóricos   que foram lá fora  estudar  ciências políticas para, depois,  antropofagicamente,  assimilar a sociedade brasileira e seus  fundamentos  históricos.  É preciso ir ao exterior para  pensar o país  com melhores lentes? Tenho minhas dúvidas.Por isso mesmo,  vou ler o livro.
   
      
   
     

        

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