Cunha e Silva
Filho
Estive lendo uma entrevista com um
cientista político e
professor brasileiro, estudioso
e pesquisador da realidade cultural e social brasileira. Seu nome, Jessé Souza. A entrevista foi feita pelo jornalista Marcelo Coelho, da Folha de São Pulo( Ilustríssima, domingo, 10/01/2016).
Tocando em
pontos cruciais da formação
cultural e social do Brasil, com perguntas bem
formuladas e provocativas do
entrevistador, em linhas gerais o cientista político a propósito de um livro dele
recém-publicado, A tolice da inteligência
Brasileira (Editora Leya, 272 p.),
propõe suas ideias na contramão de autores brasileiros (só abrindo
exceção para Florestan Fernandes, 1920-1995) que já se debruçaram sobre
temas semelhantes, como Sérgio
Buarque de Holanda (1902-1982) Raymundo Faoro (1925-2003), Roberto DaMatta entre outros que cita de
passagem. Ele poderia, ao menos, ter
mencionado, Gilberto Freyre ( 1900-1987)
As minhas considerações exaradas neste artigo são preliminares e não são abrangentes, trazendo à tona apenas alguns pontos da entrevista porque
não li o livro do professor Jessé de Souza. Apenas me fundamento
nas suas respostas fornecidas na entrevista.
O eixo de sua argumentação, que, de resto,
traz originais contribuições ao debate
das questões ventiladas, é
que o Brasil tem sido
estudado apenas sob óticas
nas quais não se toca no
cerne da questão de nosso atraso
e dependência cultural: a crônica
exclusão de nossa população
marginalizada. Argumenta Jessé de Souza
que estamos até ao pescoço subordinados
a culturas de países
desenvolvidos, com muita ênfase
para os Estados Unidos. Em outras palavras,
ele torna evidente o nosso excesso de admiração pelos paraísos culturais das grandes nações. Sofremos de complexos
de inferioridade, de ‘complexo de
vira-lata,’ designação que
criticamente remete ao
pensamento do historiador e grande
erudito Sérgio Buarque de Holanda, autor de livros fundamentais, como Raízes do Brasil (1936) Visão do paraíso (1959) entre outros títulos de grande relevo, inclusive na
crítica literária.
Tal
postura acadêmica de Jessé de Souza
vai na direção contrária do
ufanismo brasileiro apregoado
pelo conde de Afonso Celso (1860-1938) no já velhusco livro Por que me ufano de meu país, um exemplar do qual havia na biblioteca de meu pai. Por
sinal, ao me recordar desse ufanismo, não posso deixar de registrar
um fato: a média do brasileiro não é tão assim
cabisbaixa no tocante ao país, sobretudo
no que concerne às belezas do Brasil, às riquezas minerais, à fauna e flora,
à grandeza de nossa hidrografia, à grande extensão territorial, à ausência
aqui de terremotos, de
vulcões e de outros acts
of God destruidores em grande escala.
O nosso alegado
complexo de vira-lata, por confronto, pode também ser
analisado do ponto de vista dessa concepção ufanista
que ainda depreendemos na admiração
do brasileiro por seu país, excetuado o tempo presente, que é de maior indignação
pelas políticos e governantes nossos e por outros males que
infestam a nossa terra. Uma outra
obra, O pais do futuro, de Stefan Zweig,
de algum modo contribuiu
para o sentimento de esperança
que o brasileiro tem
(ou tinha) pelo país.
Ao abordar o conceito teórico de Max Weber
de “patrimonialismo,” aliás, mal
aplicado por alguns de nossos
estudiosos, segundo Souza, o cientista
político discorda de que nos
Estados Unidos não exista tal uso pelo
Estado americano. Em outros
termos, é por essa razão que o
cientista aí desfere a sua crítica aos "liberais brasileiros,” os quais,
“candidamente” (Será mesmo que os nossos liberais são tão ingênuos assim?) supõem que os EUA sejam um “paraíso.”Creio que não. A esperteza faz parte do patrimônio individual ou grupal nacional. Ora, tanto nos EUA quanto no Brasil
a interferência do privado no
público são realidades comuns.Quer dizer, o pessoal da “grana” é muito poderoso a ponto de sempre
existir um acordo entre o Estado e
o setor da alta economia, dos big
shots.
Jessé de Souza propõe a seguinte tese: a
de que o patrimonialismo, no
Brasil, atende a duas práticas:
a) demoniza o Estado por sua ineficiência e a sua dimensão corrupta, a “mercantilização,” via
privatização, de todos os setores (educação, saúde etc); b) funciona como ‘senha’ a fim
de privilegiar o que
ele chama de 1% dos que detêm o
“dinheiro,” os políticos (financiados pelo setor privado) e o poderosa
influência da mídia. Para o cientista
político os veículos que “mandam
no Estado” “sem voto,” quer
dizer, direcionam a galera eleitoral (os “tolos” da classe média
tanto quanto do povão) para certos
partidos e candidatos. Em suma,
essas forças é que, segundo o cientista, determinam
a sorte dos governos e dos políticos.
com o suporte indefectível da “grossa corrupção.”
Dá-me
a entender que reiterando a corrupção
histórica no país de alguma forma
relativiza ou suaviza certos governantes
citados: Getúlio Vargas, Jango, Lula e
Dilma, nos quais reconhece algum avanço de melhoria da população
carente brasileira. Por outro lado,
acentua que a “senha’ do patrimonialismo tem “sido acionada com sucesso” naqueles governos. Conclui, então, por uma crítica à sociedade de classe
média, a quem chama de tola, ele inclusive, que, como professor universitário, se inclui nessa classe, a menos que seja rico por laços familiares..
Sintetizando os amplos desdobramentos de Jessé
de Souza, penso que a sua grande
crítica à sociedade brasileira,
visando sobretudo à classe média, repito,
se dirige a certos comportamentos
dela com relação a posições
políticas e a movimentos reivindicatórios que, para o cientista político,
redundam em prejuízos para essa “tola”classe média. Por exemplo, quando
ataca o Estado Brasileiro, os
políticos, não percebem que
um outro segmento da sociedade, o
que detém o 1% da lucratividade da Nação, é que
poderia ser alvo duríssimo de suas indignações, não só os governos.
Entretanto,
é nessa posição do cientista político que vejo algumas lacunas dignas
de reflexão. A “tola’ classe média não é tão míope assim. Ela tem consciência
do entrelaçamento e conluio dos
governos com o poder econômico. Embora
estime essa classe certas
fatuidades, espírito de hedonismo,
consumismo, produtos de certo
valor, vida individual mais circunscrita aos familiares e outros atrativos que constituem as delícias de suas vida: o turismo internacional, os saborosos almoços nos fins de
semana, as conversas fúteis
sobre tantos temas
subalternos e inócuos, um certa ingenuidade pretensamente religiosa, conselheira coletiva atávica, desde
quando aportou Pedro
Álvares Cabral com a primeira
missa no Brasil.
A minha compreensão geral da
entrevista me leva a tecer essas ponderações finais. Para o
cientista político, o grande mal da sociedade brasileira está nos privilégios intransferíveis
a qualquer custo de um minoria endinheirada que domina
todos os outros setores da vida social e cultural brasileira.
Domina pelos lucros
auferidos pela altos preços de nossos
produtos, domina pelas decisões tomadas
via conluio com o Estado, domina
pelo concurso e apoio da mídia, domina pela
manipulação dos eleitores,
sobretudo tendo em vista a classe média,
cuja luta, segundo ele, se volta contra ela mesma, de vez que essa
classe não vai questionar maduramente
o grande capital e os produtos do
consumismo tão aderentes ao gosto da classe, ou melhor de
todas as classes, até da ralé, que procura “imitar,” via critérios
“kitsch,” os modos dos “bacanas,”
do ricos e famosos, claro, dentro de suas limitações e arranjos.
Não vejo com tanta originalidade
alguns aspectos ventilados
pelo cientista político que,
em certos pontos, me parece
um tanto inclinado a um petismo fase inicial de organização e programas
com vistas a transformações
alvissareiras para os segmentos desfavorecidos
da nossa sociedade.Por exemplo, a
discussão do” racismo cultural,” do “racismo racial,” do que
ele insinua ao falar de uma
determinação do governo Dilma
para peitar os manda-chuva da minoria
privilegiada do país. Com o que se sabe das posições e atitudes da presidente Dilma não há
como confiar que ela
tenha tido a vontade política
de inverter toda essa pirâmide social.
Os percalços de natureza espúria do governo do lulismo-dilmismo não são contemplados pelo cientista de forma imparcial e explícita, porque no cientista em questão os vieses de uma “esquerda” disfarçada são notórios. Não só de teorias weberianas “bem aplicadas” por ele como embasamento de suas argutas argumentações vive a realidade brasileira sentida por todos aqueles que, convivendo, no dia-a-dia dessa Nação, têm tanto a ensinar também aos teóricos que foram lá fora estudar ciências políticas para, depois, antropofagicamente, assimilar a sociedade brasileira e seus fundamentos históricos. É preciso ir ao exterior para pensar o país com melhores lentes? Tenho minhas dúvidas.Por isso mesmo, vou ler o livro.
Os percalços de natureza espúria do governo do lulismo-dilmismo não são contemplados pelo cientista de forma imparcial e explícita, porque no cientista em questão os vieses de uma “esquerda” disfarçada são notórios. Não só de teorias weberianas “bem aplicadas” por ele como embasamento de suas argutas argumentações vive a realidade brasileira sentida por todos aqueles que, convivendo, no dia-a-dia dessa Nação, têm tanto a ensinar também aos teóricos que foram lá fora estudar ciências políticas para, depois, antropofagicamente, assimilar a sociedade brasileira e seus fundamentos históricos. É preciso ir ao exterior para pensar o país com melhores lentes? Tenho minhas dúvidas.Por isso mesmo, vou ler o livro.
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