terça-feira, 19 de janeiro de 2016

MAIS UMA VEZ A AMIZADE PARTIDA




                           Cunha e Silva Filho


           Volto à questão  transcendente da amizade no mundo de hoje. A minha discussão parte do seguinte princípio: o mundo atual, que já foi  atual  para outras gerações,  para outros  tempos históricos, é o dos isolamentos,   dos afastamentos  explícitos ou silenciosos,  sem uma razão  plausível. De repente, não mais que de repente,  como diria o  poetinha, uma pessoa, que julgávamos  ser nossa  amiga, sai de nosso convívio.
               Por convívio, significo  a troca  de notícias,  de uma linha que seja,  de um telefonema que seja,  de um e-mail que seja, de  alguém que   sai de nossa vista  ou vida  e não sabemos por que agiu assim. Sai  para outro lado qualquer. Sai para não mais se  congregar, ainda que virtualmente conosco, sai  pelo mero ato espontâneo de sair. Sai porque  saiu, sem explicação,  sem nada. Deixou apenas o silêncio que é uma forma de  separação,  de adeus,  de despedida  em vida, que é a pior e mais dolorosa, visto que deixa o sabor acre  do abandono, da indiferença, do descarte.
          Me pergunto: Por que o afastamento,  a falta de noticia,  o silêncio  voluntarioso? Será que a amizade tem validade? Eis uma  pergunta que  daria  espaço e duração  a discutir algum dia. Por vezes, sou forçado a afirmar que sim,   tem data  de validade. Os sinais são  já conhecido:  falta  de tempo,  falta  de saúde,  falta disso , falta daquilo e, se formos ver  o outro lado da história,  não  é nada disso,  É  ato voluntário,  ou motivado  por alguma razão  que desconhecemos, por um deslize nosso que cometemos ou  porque quis se livrar de nós por não  acharem  mais razão de prolongar  a convivência de perto, de longe,  de distâncias continentais, de tudo.  
          Acredito seja esse comportamento social uma característica da pós-modernidade que pauta seus  compromissos  pela imediatismo,  pela pressa,  pela falta de  dar uma paradinha e conversar com  alguém conhecido. Julgo que o espírito gregário  não mais se manifesta  como  outrora. Tudo se  modificou,  tudo  se esfumou, até as relações  interpessoais,  hoje mais  feitas  da virtualidades por força  da pressa e do frenesi  dos tempos que correm não sei  para onde.
            Ao percebermos que o outro lado  se  esquivou  da continuidade  do   relacionamento,  somos tentados a fazer  o mesmo, contaminados  pelo  mesmo   vírus  dos descartes  das pessoas  entre si.  Não vivemos mais  para os outros naquele sentido  antigo  que está completamente sepultado  da sociabilidade  hodierna.
                Não nego que em parte tenho culpa disso, mas os outros também têm o seu quinhão  de   culpa. Por procuraram apenas a vitória de si mesmos  é que talvez elas sejam  forçadas  a se  distanciarem de vez ou  pouco a pouco, até que não  sobra nada dos laços  passados. Sinal dos tempos! Talvez, mas que me deixa  perplexo,  descontente,   decepcionado.
             Ora,  essa  situação de isolamento  voluntário  ou  movido  por um ou outro motivo   parece prevalecer  agora. Foi pensando  nisso que  resolvi  dar uma   olhadela em torno do meu mundo afetivo do prisma  da amizade. Logo me convenci de  que  cada vez mais me senti com menos  amigos,  menos conhecidos,  e o que poderia chamar de “amigo” às vezes me dá a impressão de que não passa de uma  formalidade, de uma gentileza,  de um gesto automático.
            Será que  toda essa  separação   do espírito da amizade  vai perdendo força  com a chegada  da velhice ou é porque a verdadeira amizade não se forjou  com  toda a força  de suas prerrogativas de antanho?
       Vivemos os tempos  das superficialidades, até na  formação educativa e intelectual. A juventude sabe menos  do que há décadas no que concerne aos estudos  em profundidade. As humanidades estão rareando. Um conhecido  há dias me fez um comentário: “Meus alunos estão menos preparados, têm menos leitura, têm menos conhecimentos. Os cursos estão mais fracos,  mais flexíveis  e resistentes às exigências  profundas.  
          Muitas vezes  andando  pela cidade ou mesmo  pelo meu bairro  sempre muito  cheio de gente indo e vindo,  vejo  que  a única coisa que nos  torna filhos da mesma  pátria é a língua, mas não os indivíduos. Em toda os cantos do mundo,  as pessoas vão e vêm nas ruas. Somos iguais  nesse sentido  de movimentação, mas não somos  unidos.
         Todos  temos nossa  própria  vida e o desconhecido  na rua  talvez nunca mais  o veremos. O sentimento de pátria  não é mais o mesmo. Somos todos  ilhas  pessoais  diante dos outros  que não nos veem mais, que passam  céleres em sua  tremenda  individualidade, na solidão das ruas  das grandes urbes.  
       O que me faz  refletir: a pátria  é uma abstração. Só  sentimos que  existe  quando  há o encontro  casual  de duas pessoas. Por isso,  o motivo de tanta carência  de comunicação  num mundo  em que a comunicação, por contradição,   passa a ser prioridade  entre os habitantes da Terra.  
    No entanto,  como somos sozinhos,  jogados  na multidão, na anomia dos isolados, dos esquecidos,  só nos restando adaptarmos, contra a nossa vontade,  a  esse comportamento coletivo  individualizado (com o perdão  do oximoro). 
      Esse não é o mundo que  gostaria de ter, ou seja,  o mundo das  divisões,  das desigualdades,  dos confrontos entre irmãos, entre “amigos,”  entre países,  entre partidos,   entre ideologias,  entre religiões em guerra  declarada  ou  silenciosa. Mundo amorfo,  sem graças por lhe escassear  o calor  humano  há tanto tempo  sepultado em nossas dita  civilização contemporânea.
      Ora,  direi sem rebuços,  com tanta  ausência de humanidade,  de amizade  fraterna  não é de se   estranhar  que  as interações  pessoais sejam  duradouras. Tempo de validade   é a medida de nosso sentimento  de amizade. Tenho, agora, que conviver cm isso, de assimilar  o que  detesto, de  conviver   na hipocrisia   da sociedade  sem rumo, a caminho de não sei o quê, mas desejando  viver intensamente  o hic et nunc (Tristão de Athayde) como   o pensamento da infância. O presente é o primado  do  existir,  do estar vivo. Só isso importa,  tem peso entre os contemporâneos. O passado? O futuro?    Ninguém quer dele saber. Já basta o carpe diem. O futuro fica para depois. Só a Deus pertence.
    Em meio ao primado do presente,  tão característico  de nossos  dias, o sentimento da amizade tenderá  a sofrer  inflexão, a piorar,  a enfraquecer ou  apagar os últimos  resquícios  dos laços de amizade, que se esgarçaram  por outros  motivos  inconfessáveis,    perdidas que  estão as pessoas  envoltas na sua auto-centralidade individualista, na luta  pela vida, pelo sucesso, pelas luzes da ribalta, pelos holofotes,  pela  pressa  de um  alcance além das estrelas, dos astros em geral  no  espaço, segundo os cientistas,   crescente  do Universo.A amizade? Ora bolas,  acabou na  data de  validade.



Nenhum comentário:

Postar um comentário