Cunha e Silva Filho
Volto
à questão transcendente da amizade no
mundo de hoje. A minha discussão parte do seguinte princípio: o mundo atual, que
já foi atual para outras gerações, para outros
tempos históricos, é o dos isolamentos,
dos afastamentos explícitos ou
silenciosos, sem uma razão plausível. De repente, não mais que de
repente, como diria o poetinha, uma pessoa, que julgávamos ser nossa
amiga, sai de nosso convívio.
Por
convívio, significo a troca de notícias,
de uma linha que seja, de um telefonema que seja, de um e-mail que
seja, de alguém que sai de nossa vista ou vida e não sabemos por que agiu assim. Sai para outro lado qualquer. Sai para não mais
se congregar, ainda que virtualmente
conosco, sai pelo mero ato espontâneo de
sair. Sai porque saiu, sem explicação, sem nada. Deixou apenas o silêncio que é uma
forma de separação, de adeus, de despedida
em vida, que é a pior e mais dolorosa, visto que deixa o sabor acre do abandono, da indiferença, do descarte.
Me pergunto: Por que o afastamento, a falta de noticia, o silêncio
voluntarioso? Será que a amizade tem validade? Eis uma pergunta que
daria espaço e duração a discutir algum dia. Por vezes, sou forçado a
afirmar que sim, tem data de validade. Os sinais são já conhecido: falta de tempo,
falta de saúde, falta disso , falta daquilo e, se formos
ver o outro lado da história, não é
nada disso, É ato voluntário, ou motivado
por alguma razão que desconhecemos, por um deslize nosso que
cometemos ou porque quis se livrar de nós
por não acharem mais razão de prolongar a convivência de perto, de longe, de distâncias continentais, de tudo.
Acredito seja esse comportamento social
uma característica da pós-modernidade que pauta seus compromissos
pela imediatismo, pela
pressa, pela falta de dar uma paradinha e conversar com alguém conhecido. Julgo que o espírito gregário não mais se manifesta como
outrora. Tudo se modificou, tudo
se esfumou, até as relações
interpessoais, hoje mais feitas
da virtualidades por força da
pressa e do frenesi dos tempos que
correm não sei para onde.
Ao percebermos que o outro lado se esquivou da continuidade do
relacionamento, somos tentados a
fazer o mesmo, contaminados pelo
mesmo vírus dos descartes
das pessoas entre si. Não vivemos mais para os outros naquele sentido antigo
que está completamente sepultado
da sociabilidade hodierna.
Não nego que em parte tenho culpa disso,
mas os outros também têm o seu quinhão
de culpa. Por procuraram apenas
a vitória de si mesmos é que talvez elas
sejam forçadas a se
distanciarem de vez ou pouco a
pouco, até que não sobra nada dos
laços passados. Sinal dos tempos!
Talvez, mas que me deixa perplexo, descontente,
decepcionado.
Ora,
essa situação de isolamento voluntário
ou movido por um ou outro motivo parece prevalecer agora. Foi pensando nisso que
resolvi dar uma olhadela em torno do meu mundo afetivo do
prisma da amizade. Logo me convenci de que
cada vez mais me senti com menos
amigos, menos conhecidos, e o que poderia chamar de “amigo” às vezes me
dá a impressão de que não passa de uma formalidade, de uma gentileza, de
um gesto automático.
Será que
toda essa separação do espírito da amizade vai perdendo força com a chegada
da velhice ou é porque a verdadeira amizade não se forjou com
toda a força de suas
prerrogativas de antanho?
Vivemos os tempos das superficialidades, até na formação educativa e intelectual. A juventude
sabe menos do que há décadas no que
concerne aos estudos em profundidade. As
humanidades estão rareando. Um conhecido
há dias me fez um comentário: “Meus alunos estão menos preparados, têm
menos leitura, têm menos conhecimentos. Os cursos estão mais fracos, mais flexíveis e resistentes às exigências profundas.
Muitas
vezes andando pela cidade ou mesmo pelo meu bairro sempre muito
cheio de gente indo e vindo,
vejo que a única coisa que nos torna filhos da mesma pátria é a língua, mas não os indivíduos. Em
toda os cantos do mundo, as pessoas vão
e vêm nas ruas. Somos iguais nesse
sentido de movimentação, mas não
somos unidos.
Todos
temos nossa própria vida e o desconhecido na rua
talvez nunca mais o veremos. O sentimento
de pátria não é mais o mesmo. Somos
todos ilhas pessoais
diante dos outros que não nos
veem mais, que passam céleres em
sua tremenda individualidade, na solidão das ruas das
grandes urbes.
O que me faz refletir: a pátria é uma abstração. Só sentimos que
existe quando há o encontro
casual de duas pessoas. Por isso, o motivo de tanta carência de comunicação num mundo
em que a comunicação, por contradição, passa a ser
prioridade entre os habitantes da Terra.
No entanto, como somos sozinhos, jogados
na multidão, na anomia dos isolados, dos esquecidos, só nos restando adaptarmos, contra a nossa
vontade, a esse comportamento coletivo individualizado (com o perdão do oximoro).
Esse não é o mundo que gostaria de ter, ou seja, o mundo das
divisões, das desigualdades, dos confrontos entre irmãos, entre “amigos,” entre países,
entre partidos, entre ideologias, entre religiões em guerra declarada
ou silenciosa. Mundo amorfo, sem graças por lhe escassear o calor
humano há tanto tempo sepultado em nossas dita civilização contemporânea.
Ora,
direi sem rebuços, com tanta ausência de humanidade, de amizade
fraterna não é de se estranhar
que as interações pessoais sejam duradouras. Tempo de validade é a medida de nosso sentimento de amizade. Tenho, agora, que conviver cm
isso, de assimilar o que detesto, de
conviver na hipocrisia da sociedade
sem rumo, a caminho de não sei o quê, mas desejando viver intensamente o hic
et nunc (Tristão de Athayde) como o
pensamento da infância. O presente é
o primado do existir,
do estar vivo. Só isso importa,
tem peso entre os contemporâneos. O passado? O futuro? Ninguém quer dele saber. Já basta o carpe diem. O futuro fica para depois. Só
a Deus pertence.
Em meio ao primado do presente, tão característico de nossos dias, o sentimento da amizade tenderá
a sofrer inflexão, a piorar, a enfraquecer ou apagar os últimos resquícios dos laços de amizade, que se esgarçaram por outros
motivos inconfessáveis, perdidas que estão as pessoas envoltas na sua auto-centralidade individualista,
na luta pela vida, pelo sucesso, pelas
luzes da ribalta, pelos holofotes,
pela pressa de um alcance além das estrelas, dos astros em
geral no
espaço, segundo os cientistas,
crescente do Universo.A amizade? Ora
bolas, acabou na data de validade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário