sábado, 12 de setembro de 2015

O pequeno anjo da praia











                                                      Cunha  e Silva Filho


      Agora mesmo,  ouvindo uma linda canção  tocada  ao piano, nem quero   lhe dizer,  leitor,  que  o nome da canção  não  importa. O que importa é que  ela  é tão  comovente para o meu coração cansado que apenas os sons, a melodia  me falam  dos sentimentos  que nela  brotam  no meu espírito algo triste  porque   o sentimento indizível  da beleza dos sons se mistura  com  a lembrança  daquela   solitária criancinha de nome Aylan  Kurdi, um sírio de três aninhos  jogado pelas  ondas  numa praia da Turquia  por causa da insânia dos homens que fazem  guerra.
       Que culpa tem  aquele serzinho  abandonado  até que lhe chegasse um   militar que da areia o levasse para outra lugar? Que fez Aylan  para merecer  a insanidade dos que  provocam  guerras inúteis? Que  erro cometeu  a criancinha  síria para  perder  o que é mais caro  ao ser humano: o direito à vida? Que  fez ele para  ser  vítima  de  um ditador  sanguinário e de  terroristas desalmados que só por rótulo  são chamados  de membros de uma religião? Quem  tem  sua fé, seja  qual for a sua denominação, jamais  seria   capaz de  interferir nos destinos  de um povo que apenas deseja  viver em paz,  ter  sua ocupação, sua família, seus filhos,  seus  parentes e amigos.
     O pequeno Aylan, seu  irmãozinho, sua  mãe  não podem ser  culpados  pelos desatinos  dos homens  maus  de nosso  Planeta. O pai  de Aylan,  junto da cova de sua família,  afirmou que  de  lá não queria sair. Queria ficar ali  junto daqueles seres  por ele amados e mortos  por assassinos  da humanidade. Para ele tudo  acabara, pois perdera tudo. O nome do cemitério,  na Síria, bem se ajusta  ao destino  de Aylan: Cemitério  dos Mártires.
       Se a imagem  fragílima  de Aylan   se tornou  um símbolo  da tragédia  das guerras civis ou entre  países, de carrascos  travestidos   de governantes  de todos os tempos,  se o pequeno Aylan  é visto  hoje como  símbolo também  da crise dos refugiados,  é tempo e mais do que tempo de  os chefes de estados do mundo inteiro  se organizarem  a  fim de    procurarem    uma saída  para os conflitos  em processo  em várias nações. Do contrario, outros Aylans  perderão o direito à vida,  o  direito de crescer,  ficar adolescente,  adulto, envelhecer e morrer,   não por guerras ou terrorismo,  mas pela lei natural dos mortais.
    Não é possível que o mal  dure sempre. Há que haver  um tempo de trégua  para  o ser humano. Se todas as religiões  se fundamentam  no fazer  o bem, na conquista da paz,  é  mais do que hora  de acordar  para  pôr em prática  os  princípios  do amor  à vida e às pessoas,  independentemente  de  religiões,  de  crenças,  de modos de vida, de etnias. Estamos na Terra  para sermos  felizes, fazer o bem ao  próximo e conviver em paz  duradoura.
   Que a imagem  do pequenino  morto  na  praia   da Turquia modifique  os corações  dos que se dizem  responsáveis  pela  paz. O mundo está enormemente carente  de   líderes   que se empenhem  em lutar  pacificamente  pela  vitória  dos  homens de bem.
   Muitas vezes,  olhando nas TV  a multidão de refugiados    a caminho da Europa e de outros  continentes me lembra   as imagens  dos horrores  da Segunda  Guerra Mundial,  do Holocausto,   das vítimas   inocentes de Hiroshima e Nagazaki.  Esses grupos de refugiados, em fileiras ou desordenadamente,  de pessoas  sofridas  e andrajosas corridas  das guerras civis  e dos bombardeios em seus países de origem, muitas  só com  a roupa do corpo, andando a pé,  nos fazem  pensar que, em  muitos  aspectos,   estamos  vivendo  as atrocidades  de uma nova  conflagração  mundial.   Que Deus nos livre  disso!
  Me vem ainda à tona a imagem  grotesca  e desumana daquela   repórter na Hungria chutando  os que já foram  chutados dos seu próprios  países. A desumanidade está em  toda parte e em todas as profissões, em todos os gêneros. Mas,  repudiar a  passagem de refugiados  já com  as almas destroçadas  pela travessia  de fronteiras  é algo  impensável, sobretudo de   uma jornalista   violenta  e truculenta, imagem invertida  da delicadeza da mulher  em qualquer  nação. Tal comportamento de uma repórter foge a todos os padrões  de uma atividade   tão  relevante  à comunicação. O trabalho  de um  jornalista deve ser de apoio,  não  de verdugo. Seu gesto  é imperdoável e ainda pode manchar  a imagem da imprensa.
  Outra canções  continuo  ouvindo  no momento da conclusão  desta  escrita e com elas  se embaralham contraditoriamente a dor   do pequenino morto e o enlevo  dos sons. Como podem coexistir a dor e a beleza  no trabalho  com a linguagem?  As canções  continuam enquanto   prossigo meditando  sobre  a inutilidade das guerras, a  fúria dos homens e a certeza de que esses  crimes  não ficarão impunes, visto que há um  Ordem Maior acima  dos  poderosos da Terra.




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