Cunha e Silva Filho
Agora mesmo, ouvindo uma linda canção tocada
ao piano, nem quero lhe
dizer, leitor, que o nome da canção não importa. O que importa é que ela é
tão comovente para o meu coração cansado
que apenas os sons, a melodia me falam dos sentimentos que nela
brotam no meu espírito algo
triste porque o sentimento indizível da beleza dos sons se mistura com a
lembrança daquela solitária criancinha de nome Aylan Kurdi, um sírio de três aninhos jogado pelas
ondas numa praia da Turquia por causa da insânia dos homens que
fazem guerra.
Que culpa tem aquele serzinho abandonado
até que lhe chegasse um militar
que da areia o levasse para outra lugar? Que fez Aylan para merecer
a insanidade dos que
provocam guerras inúteis? Que erro cometeu
a criancinha síria para perder
o que é mais caro ao ser humano:
o direito à vida? Que fez ele para ser
vítima de um ditador
sanguinário e de terroristas
desalmados que só por rótulo são
chamados de membros de uma religião?
Quem tem
sua fé, seja qual for a sua
denominação, jamais seria capaz de
interferir nos destinos de um
povo que apenas deseja viver em
paz, ter
sua ocupação, sua família, seus filhos,
seus parentes e amigos.
O pequeno Aylan, seu irmãozinho, sua mãe
não podem ser culpados pelos desatinos dos homens
maus de nosso Planeta. O pai de Aylan, junto da cova de sua família, afirmou que
de lá não queria sair. Queria
ficar ali junto daqueles seres por ele amados e mortos por assassinos da humanidade. Para ele tudo acabara, pois perdera tudo. O nome do
cemitério, na Síria, bem se ajusta ao destino
de Aylan: Cemitério dos Mártires.
Se a
imagem fragílima de Aylan
se tornou um símbolo da tragédia
das guerras civis ou entre
países, de carrascos
travestidos de governantes de todos os tempos, se o pequeno Aylan é visto
hoje como símbolo também da crise dos refugiados, é tempo e mais do que tempo de os chefes de estados do mundo inteiro se organizarem a fim
de procurarem uma saída
para os conflitos em
processo em várias nações. Do contrario,
outros Aylans perderão o direito à
vida, o
direito de crescer, ficar
adolescente, adulto, envelhecer e
morrer, não por guerras ou
terrorismo, mas pela lei natural dos
mortais.
Não é possível que o mal dure sempre. Há que haver um tempo de trégua para o
ser humano. Se todas as religiões se
fundamentam no fazer o bem, na conquista da paz, é mais
do que hora de acordar para
pôr em prática os princípios
do amor à vida e às pessoas, independentemente de
religiões, de crenças,
de modos de vida, de etnias. Estamos na Terra para sermos felizes, fazer o bem ao próximo e conviver em paz duradoura.
Que a imagem do pequenino
morto na praia
da Turquia modifique os
corações dos que se dizem responsáveis
pela paz. O mundo está
enormemente carente de líderes
que se empenhem em lutar pacificamente
pela vitória dos
homens de bem.
Muitas vezes, olhando nas TV a multidão de refugiados a caminho da Europa e de outros continentes me lembra as imagens
dos horrores da Segunda Guerra Mundial, do Holocausto, das vítimas
inocentes de Hiroshima e Nagazaki. Esses grupos de refugiados, em fileiras ou desordenadamente, de pessoas sofridas e andrajosas corridas das guerras civis e dos bombardeios em seus países de origem,
muitas só com a roupa do corpo, andando a pé, nos fazem
pensar que, em muitos aspectos,
estamos vivendo as atrocidades de uma nova
conflagração mundial. Que Deus nos livre disso!
Me vem ainda à tona a imagem grotesca
e desumana daquela repórter na
Hungria chutando os que já foram chutados dos seu próprios países. A desumanidade está em toda parte e em todas as profissões, em todos
os gêneros. Mas, repudiar a passagem de refugiados já com
as almas destroçadas pela
travessia de fronteiras é algo
impensável, sobretudo de uma jornalista violenta
e truculenta, imagem invertida da
delicadeza da mulher em qualquer nação. Tal comportamento de uma repórter foge
a todos os padrões de uma atividade tão
relevante à comunicação. O
trabalho de um jornalista deve ser de apoio, não de
verdugo. Seu gesto é imperdoável e ainda
pode manchar a imagem da imprensa.
Outra canções continuo
ouvindo no momento da
conclusão desta escrita e com elas se embaralham contraditoriamente a dor do pequenino morto e o enlevo dos sons. Como podem coexistir a dor e a
beleza no trabalho com a linguagem? As canções
continuam enquanto prossigo
meditando sobre a inutilidade das guerras, a fúria dos homens e a certeza de que
esses crimes não ficarão impunes, visto que há um Ordem Maior acima dos
poderosos da Terra.
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