Lembranças de parentes, Páginas atrás,
mencionei o nome do Weyden, um
primo meu, irmão do Wellington e do Norberto, todos tinham
vindo para o Rio à procura de emprego.O último veio primeiro
e foi morar provisoriamente na casa de uma tia avó, a tia
Chiquinha, do lado materno.
Norberto, depois de alguns empregos
mais modestos, entrou como praça da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Casou-se
com a Licinha, a qual, mesmo depois de casada, foi sempre residente do bairro de Oswaldo Cruz. Teve
dois filhos, um deles falecido precocemente. Hoje,
Norberto está aposentado como oficial da Polícia
Militar. Tem uma filha médica e dois netos. É um apaixonado pelo
Piauí.
O Wellington trabalhava, segundo
assinalei anteriormente nestas lembranças, no Laboratório
Silva Araújo, no escritório da Avenida Beira-Mar. O emprego fora
arranjado pela minha irmã Nélia, Depois, regressou a Teresina.
Tornou-se escrivão da Polícia Civil Constituiu família e ainda mora em
Teresina.
Tia Chiquinha morava também em Oswaldo Cruz no tempo em que vim para o
Rio.Wellington, por pouco tempo, morou também com essa
tia, uma velhinha bonita, de pele muito branca, alvinha, como se
diz no Piauí. Ela acolhia sempre os sobrinhos da irmã, a tia
Lolosa, apelido afetivo pelo qual atendia a mãe desses primos.
Quando cheguei ao Rio, o marido dela ainda era vivo. O casal teve muitos
filhos. Me parece que um só está vivo, o Jurandyr, conhecido
como Jura, que é solteirão.Tia Chiqinha morava de aluguel. No tempo em
que o casal residia no Piauí, vivia bem e confortavelmente, mas, no
Rio, sobretudo após a morte do marido, tia Chiquinha teve seu
padrão de vida reduzido.
Lolosa, cujo nome verdadeiro era
Aurora Teixeira e Silva, foi, na mocidade, uma
mulher bonita, que conquistou de imediato o coração do meu
tio Luizinho e com ele se casou. Mais tarde, modificou
o sobrenome para Aurora Cunha e Silva, omitindo o sobrenome
“Teixeira,” que, se não erro, herdara da parte do pai.
Professora
primária diplomada, ficou bem conhecida e conceituada por
suas qualidades de professora em Amarante e Teresina. Inteligente
como era, tinha facilidade para escrever e tinha
um espírito elevado. Foi uma grande mãe. Morava em Teresina, teve
dez filhos, dois deles já falecidos. Tio Luizinho, cujo nome por extenso
era Luís Cunha e Silva, era irmão de meu pai, o mais novo de três irmãos.
Era escrivão de polícia e, por algum tempo, saindo de
Teresina, foi ser delegado em Palmeirais, município do Piauí.
Tio Luizinho era um homem muito
inteligente, lido, não obstante não ter-se formado em
curso superior, assim como o tio Enoch, sobre quem
adiante me reportarei. Sabia escrever com correção, inclusive
por vezes publicava algum artigo em jornal de Teresina. Amava ouvir o
rádio, sobretudo as estações do Rio de Janeiro da época.Tinha uns
olhos azuis profundos. Ao deixar Teresina, fui me despedir dele. Se
comoveu muito e me desejou sucessos. Morreu ainda moço. Na época
escrevi para a tia Lolosa um carta de pêsames e de consolo. Ela ficou
muito feliz pelo meu gesto, de vez que a carta relembrava a figura dele, não em
termos formais, mas como um ente amado e querido pela família
e amigos.
Havia outro tio meu, o mais velho,
irmão de meu pai, e de tio Luizinho, o Enoch Cunha e Silva,
homem de estatura baixa, tinha olhos verdes. Foi
ele quem cuidou dos negócios de meu avô após o falecimento dele.
Porem, ao que todo indica, não tinha muito tino para os
negócios, o comércio, assim como meu pai e tio Luizinho.
Pessoa humana, calma, foi, por
mais de uma vez, prefeito de Amarante e, pelo resto da vida,
foi fiscal de renda. Pessoa discreta, honesta,
de princípios firmes. Casou-se com uma mulher
notável pelo valor humano, a tia Maricô, uma
mulher santa, que só enxergava nos outros bondade. Tinha belos
olhos verdes e deveria ter sido bela quanto jovem.
O casal teve três filhas: a
Dioneia, a mais velha, a Valdineia e a Maria Nilza, a mais nova e a mais
bela das três, falecida ainda moça. Maria Nilza era
professora, assim como o é Valdineia, agora aposentada e a única
sobrevivente das três. Quando adolescente, sentia-me enamorado de Maria Nilza,
talvez por sua beleza, sua doçura, sua feminilidade. Era mais
velha do que eu. Como me sentia bem sempre que ela aparecia em casa vinda do Colégio das Irmãs, na Avenida bela pessoalmente histórico-amorosa Frei Serafim.
Todas nasceram com olhos verdes,
belíssimos. Tio Enoch ainda teve dois filhos: o Valdo e o Netinho. Não me
lembro se o Valdo tinha olhos verdes, contudo, é possível que
fossem. O primeiro nasceu com um problema de nervos.
Ficara interno no Meduna, hospital psiquiátrico, em
Teresina dirigido pelo Dr. Clidenor de Freitas Santos, que
pertenceu à Academia Piauiense de Letras e era homem ilustrado. Uma vez, fui visitar o Valdo
com a minha prima, Maria Nilza, sempre linda.
Netinho, cujo nome completo era Manuel Aires Neto, possuía olhos muito azuis, tinha ótima aparência, e um palestra fascinante. Era um cronista ambulante de Amarante. Sabia tudo sobre a sua época, o passado de Amarante, a vida da política do município, a vida íntima das pessoas, as aventuras donjuanescas da rapaziada da época. Era um arquivo vivo de informações sobre a sociedade de Amarante.
Netinho, cujo nome completo era Manuel Aires Neto, possuía olhos muito azuis, tinha ótima aparência, e um palestra fascinante. Era um cronista ambulante de Amarante. Sabia tudo sobre a sua época, o passado de Amarante, a vida da política do município, a vida íntima das pessoas, as aventuras donjuanescas da rapaziada da época. Era um arquivo vivo de informações sobre a sociedade de Amarante.
Na minha infância e até no princípio da
adolescência, tio Enoch, quando vinha a Teresina, sempre visitava
meu pai. Conversavam por horas. Os dois se davam muito bem. Sua chegada à
minha casa era sempre aguardada com ansiedade e tinha um
motivo maior que fazia a alegria da criançada. Sempre
ao se despedir, abria a carteira e dela tirava uma boa
quantia em dinheiro, segundo ele, para repartir entre nós. Quanta alegria
para nós!
Meu pai e seus irmãos nasceram em
berço de ouro, em Amarante, onde meu avô era comerciante de peso e
um homem respeitado por todos. Segundo me contou meu pai, o
meu avô Manuel Alexandre e Silva, hoje nome de rua em Amarante,
era de estatura baixa, tinha olhos azuis(alguém me falou, não sei se papai ou foi dedução minha ao ver-lhe a fato de família) uma aparência
solene num rosto bonito com uma bela cabeleira. Foi assim que o vi
numa foto de família, ao lado de vovó Candinha.
Papai me dizia que meu avô foi um pai
extremoso. Gostava de tomar banho no rio Parnaíba, à noite, num tempo que
me dá inveja. Vovó Candinha, ou melhor, Cândida da Cunha e
Silva. Foi a única avó que conheci ainda viva. Tinha eu três anos e
estava perto de sair de Amarante, porquanto meus pais foram residir
em Teresina.
Em Teresinha, muito velhinha, já
prestes a se despedir desse “vale de lágrimas, a sua figura vem
à minha lembrança como algo esfumado, com alguém que não tive
o prazer mais intenso de beijar a fronte querida, os cabelos
branquinhos, a voz carinhosa, cheia de cuidados comigo, conforme
eu narrei em parte numa crônica do meu livro As ideia no tempo. (1)Papai me contou que era
descendente de cearenses. Subiu ao Céu bem idosa. Me vem agora, à
mente a tarja preta colocada numa das mangas do
paletó de meu pai, em sinal de luto. Eu era menino. Morava na
Rua 24 de Janeiro, Centro de Teresina.
O Weyden era o mais próximo amigo
meu. Companheiro das aventurosas romântico-amorosas nas noites de
Teresina, cujo epicentro era o adro e os fundos da Igreja de
São Benedito e de lá o dom-juanismo adolescente partia para
outras partes da cidade, Cada um com uma mocinha cheia
de amor para dar, ainda que fosse por uma noite só.
Éramos como dois irmãos, primos
pelo lado materno e paterno. Weyden gostava de cantar em inglês
ou cantar canções de conhecidos artistas da
época, todos praticamente do Rio de Janeiro ou São Paulo.Tinha bossa também para
fazer a gente rir das piadas que sabia tanto contar, me matando de
rir, fora as imitações que fazia de figuras diversas. Era
danado para encontrar os defeitos físicos dos outros, contrariando
a lição de Esopo, fabulista grego do século VI a. C e, com esta disposição
para brincadeiras de mau gosto, na minha
companhia, fazíamos as traquinagens, provocando,
ocultos pelas janelas ou portas semi-abertas, quem passasse
por acaso pela rua. Morria de rir de suas brincadeiras e de veia satírica..
Outro hábito que tinha era falar
em inglês comigo por onde passássemos – um forma de esnobismo
ingênuo de adolescentes sem rebeldia.Mesmo no Rio, quando
estávamos juntos, falávamos em inglês diante dos balcões de bares do
Catete, bairro da Zona Sul do Rio. Os garçons, ignorantes, se
entreolhavam embasbacados. Dizia o Weyden que era para passarmos
por gringos, tirando onda com as pessoas que se encontravam
perto de nós. Ele não tinha tanta fluência, mas dava para se safar
porque era inteligente e espirituoso.
No Rio de Janeiro, morando por pouco
tempo na casa de tia Chiquinha, Weyden, por algum tempo, continuou
com a nossa amizade. Depois, tomou rumo sozinho, foi morar
na Glória, Rua Benjamim Constant, zona sul, bairro bem perto do
Centro do Rio. Conseguiu emprego e nossos encontros foram se
rareando. Com boa voz, sempre esteve
ligado à atividade de rádio. Tornou-se radialista – suponho - primeiro em Goiânia, onde morou
depois que deixou o Rio de Janeiro e, de volta a Teresina, firmou-se
como um conhecido radialista e homem relacionado com a
imprensa local.
Desde adolescente,
demonstrara ter vocação para o rádio. Uma vez, acompanhando, em
campanha política o meu pai, candidatos a cargos políticos e
eu, numa cidadezinha do interior do Piauí, subiu a um improvisado
palco sobre um caminhão e discursou para os ouvintes
que se aglomeravam diante do carro.
Discursou, primeiro, meu pai e,
em seguida, usaram da palavra outros oradores. Ocorreu, na
ocasião, um fato pitoresco. Meu pai me pediu que usasse
também da palavra Não aceitei, alegando ser tímido, encabulado. “O que eu
tinha para falar? Nada,” pensei comigo. Me deixaram de lado, uma
vez que da minha “oratória” não iria sair nada, nem que
invocássemos o talento do grande Demóstenes. Não tinha
assunto nem interesse em dirigir algumas palavras de
agradecimentos aos que estavam formando uma
pequena assistência. Entretanto, compensei minha timidez
participando de um baile de interior, com dança, forró e tudo. O bom foi que havia
ali moças bonitas para um breve namoro de uma
única noite.
Não toquei ainda
na figura de meu avô materno, cujo nome
era Avelino Alves Setúbal. Não o conheci, dado que morrera muito jovem, com pouco mais de trinta anos. A imagem que dele
tenho é de fotos tiradas quando era um
jovem militar do Exército. Tinha boa
altura, cabelos meio crespos,
moreno, rosto fino, e bem
apessoado. Diziam ser namorador. Deve ter sido um militar disciplinado, correto, sério. Sua figura me faz lembrar, na aparência física, o meu filho mais novo, o Alexandre, que
mora comigo e é solteiro.
Por informações colhidas
por terceiros, era descendente de
portugueses e, por coincidência, de um pai ou avô militar que emigraram para o Brasil. Casou-se com uma das irmãs de Lolosa, a Cotinha, minha avó
materna que, segundo meu pai, quando mocinha, era muito bonita. Vovó Cotinha morreu de parto muito jovem. Por coincidência, meu pai,
meninote, brincara com ela e mal
previra que, anos depois, se casaria com uma filha dela, Ivone, a minha mãe. Cotinha, Lolosa,
tia Chiquinha, e mais duas tias e dois do lado materno que não tinha
ainda mencionado, tia Elira e tia
Tudinha, tio Gonçalo e um outro tio, que
foi morar no Rio Grande do Sul, eram irmãos. Tio Dico, sobre quem
anteriormente comentei, era outro
irmão de minha avó Cotinha.
Meu avô Avelino Setúbal participou da Revolução Constitucionalista de
1932, em São Paulo
e, por causa disso, galgou
a patente de oficial do Exército. Antes era primeiro sargento. Por uma razão que não me
explicaram, lhe retiram, depois, o galão de oficial, o que o deixou profundamente acabrunhado e deve ter
concorrido, a meu ver, para a sua
morte precoce.
Essa afirmação
minha tem um valor apenas de suposição e não se fundamenta, pois,
em dados pesquisados. Contudo, o
que me importa é reafirmar que meu avô
materno era homem digno e cuidadoso com a família. Um sinal de seu espírito empreendedor foi que, depois de seu falecimento, deixara
duas ou três casas em Teresina.
Logo que Cotinha faleceu, meu avô teve que cuidar de mamãe e dos outros irmãos,
o tio Zequinha, o tio Carlitos, e o tio Cláudio. Deste último
nem mesmo sei o sobrenome que lhe deram os pais adotivos.
Sentindo-se
sozinho e ainda muito moço, se uniu maritalmente com a tia Tudinha e
dessa união tiveram um
filho, o tio Ivon,, de quem já falei nestes relatos. Falecendo meu avô Setúbal, tia Tudinha
ficou cuidando de mamãe, de
tio Carlitos, e do tio Ivon.
O tio
Cláudio, ainda com meu avós vivos, for
entregue bebê a um família amiga e
vizinha do meu avô O que na verdade
aconteceu foi o seguinte: os vizinhos tanto se afeiçoaram à criança que terminaram por ficarem com ela
e a levaram para o Rio de
Janeiro. Entretanto, esta é a história
que me contaram e, na realidade, não sei
se tudo ocorreu assim..
Ainda rapazinhos, tio Carlitos e tio Zequinha se mudaram para o Rio - esta cidade que tanto atrai os nordestinos por tantos
motivos: necessidade de
encontrar trabalho melhor do eu na terra
de origem, espírito de aventura
dos jovens desejosos de conhecer
uma metrópole famosa, vontade de se
libertar da dependência da família,
entre .outras motivações. Há ainda uma razão estimuladora da migração: outros
parentes que já se encontram na grande cidade do eixo Rio-São Paulo..Até
hoje, isso acontece. O tio Ivon foi também para o Rio de Janeiro. de sorte que só minha
mãe ficou com tia Tudinha.
Perto de
morrer, me parece que meu avô Avelino se casou
no católico com tia Tudinha.Tudo
leva a crer que ela já o admirava
mesmo antes quando
minha avó Cotinha estava casada
com o meu avô.
Tudinha não era bonita
como minha avó. Magrinha, pele branca, cabelos lisos, altura média, junto com tia Elira, foram pra o Rio de Janeiro morar
algum tempo.Isso depois que tio Carlitos
e tio Zequinha já tinham ido também para
o Rio de Janeiro. Mamãe, àquela
altura, estava casada com meu pai e morando em Amarante.
Tia Elira era uma mulher
de valor, trabalhadora, habilidosa,
tornou-se costureira de mão cheia. Como fosse excelente costurei,
fazia amizades com gente de posse e terminava costurando para essa gente. Costura e também se hospedava na casa das clientes que lhe eram
mais próximas.
Era uma mulher educada, fina, vestia-se bem, tinha elegância e muito charme, sobretudo quando usava óculos escuros da moda. .Certo dia, meu pai me segredou que tia Elira, quando mocinha, tinha um a atração por ele.Porém, tudo foi muito discreto e foi esquecido com o tempo, sobretudo porque ela devotava muito carinho à minha mãe. Sempre que podia, vinha a Teresina e os sobrinhos sabiam que presentes eram coisa certa e líquida. Sempre elegante, bem penteada, com aquela pele delicada de morena clara, tia Elira me cativou e senti muito ao saber que, já velhinha, tinha morrido.
Era uma mulher educada, fina, vestia-se bem, tinha elegância e muito charme, sobretudo quando usava óculos escuros da moda. .Certo dia, meu pai me segredou que tia Elira, quando mocinha, tinha um a atração por ele.Porém, tudo foi muito discreto e foi esquecido com o tempo, sobretudo porque ela devotava muito carinho à minha mãe. Sempre que podia, vinha a Teresina e os sobrinhos sabiam que presentes eram coisa certa e líquida. Sempre elegante, bem penteada, com aquela pele delicada de morena clara, tia Elira me cativou e senti muito ao saber que, já velhinha, tinha morrido.
Ambas, após muito tempo morando no Rio, decidiram regressar
para Teresina. Primeiro, veio a
tia Tudinha, que, para sobreviver, conseguiu
um emprego público como inspetora
de alunas da Escola Normal “Antonino Freire.” Depois, veio
tia Elira. Tia Lolosa, que já estava viúva, recebeu
ambas as irmãs de braços abertos. Tia Tudinha era meio
ranzinza, gostava até de
corrigir o português dos sobrinhos. Eu
mesmo fui vítima de sua
indiscrição gramatical. Não
gostei. Ela sentiu no meu olhar. Como
no poema de Bandeira, todas estão
“dormindo profundamente.” (Continua)
(1). Op. cit., p. 30-31
(1). Op. cit., p. 30-31
Nenhum comentário:
Postar um comentário