quinta-feira, 14 de maio de 2015

Apenas memórias (16)

 Lembranças de parentes, Páginas atrás, mencionei  o nome do  Weyden, um primo  meu, irmão do Wellington e do Norberto,  todos  tinham vindo  para o Rio  à procura de emprego.O último veio  primeiro e foi  morar provisoriamente na casa de uma  tia avó, a tia  Chiquinha,  do lado materno.
     Norberto, depois de alguns empregos mais modestos,  entrou  como  praça  da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Casou-se com a Licinha, a qual, mesmo depois de casada, foi sempre  residente do bairro de Oswaldo Cruz. Teve dois  filhos, um deles falecido  precocemente. Hoje,  Norberto  está  aposentado como oficial  da Polícia Militar.  Tem uma filha médica e dois netos.  É um apaixonado pelo Piauí.   
    O Wellington trabalhava, segundo assinalei anteriormente nestas lembranças,   no  Laboratório Silva Araújo,  no escritório da Avenida Beira-Mar. O emprego fora  arranjado pela minha irmã Nélia, Depois,  regressou  a Teresina. Tornou-se  escrivão  da Polícia Civil  Constituiu família e ainda  mora em Teresina.  
    Tia Chiquinha  morava  também em Oswaldo Cruz no tempo em que vim para o Rio.Wellington,  por pouco tempo,  morou  também com  essa tia,  uma velhinha  bonita, de pele muito branca, alvinha, como se diz no  Piauí. Ela acolhia  sempre os sobrinhos da irmã, a tia Lolosa, apelido afetivo  pelo qual atendia a mãe desses primos.    Quando cheguei ao Rio, o marido dela ainda era vivo. O casal teve muitos filhos.  Me  parece que um só está vivo, o Jurandyr,  conhecido  como Jura, que é solteirão.Tia Chiqinha morava de aluguel. No tempo em que  o casal residia no Piauí,  vivia bem e confortavelmente, mas, no Rio,  sobretudo após a morte do marido,  tia Chiquinha  teve seu padrão de vida reduzido.
    Lolosa, cujo nome verdadeiro era  Aurora  Teixeira e Silva,  foi, na mocidade, uma   mulher  bonita, que conquistou de imediato  o coração do meu tio Luizinho   e com ele se casou. Mais tarde,  modificou  o sobrenome para  Aurora  Cunha e Silva, omitindo o sobrenome “Teixeira,” que, se não erro,  herdara  da parte do pai.  
     Professora  primária diplomada,  ficou  bem conhecida e conceituada por suas qualidades de  professora  em Amarante e Teresina. Inteligente como  era,   tinha  facilidade para escrever  e tinha um espírito elevado. Foi uma grande mãe.  Morava em Teresina,  teve dez filhos, dois deles já falecidos. Tio Luizinho, cujo nome por extenso  era Luís Cunha e Silva, era irmão  de meu pai, o mais novo de três irmãos. Era escrivão de polícia  e, por algum tempo,  saindo de Teresina,  foi  ser delegado  em Palmeirais, município do Piauí.
   Tio Luizinho era  um homem  muito inteligente, lido,  não  obstante  não ter-se formado em curso  superior, assim como o  tio   Enoch, sobre quem adiante  me reportarei. Sabia escrever com  correção, inclusive  por vezes  publicava algum artigo em jornal de Teresina. Amava ouvir o rádio, sobretudo as estações  do Rio de Janeiro da época.Tinha uns olhos  azuis  profundos. Ao deixar Teresina, fui me despedir dele. Se comoveu muito e me desejou  sucessos. Morreu ainda  moço. Na época escrevi para  a tia Lolosa um carta de pêsames  e de consolo. Ela ficou muito feliz pelo meu gesto, de vez que a carta relembrava a figura dele, não em termos formais,  mas como  um ente  amado e querido pela família e amigos.
   Havia outro  tio meu, o mais velho, irmão de meu pai, e de tio Luizinho,  o Enoch  Cunha e Silva,  homem de estatura  baixa, tinha   olhos  verdes. Foi ele quem  cuidou dos negócios de meu avô após o falecimento  dele. Porem, ao que todo  indica,  não tinha muito tino  para os negócios,  o comércio, assim como meu pai e tio Luizinho.
    Pessoa  humana, calma, foi, por mais de uma vez,   prefeito de Amarante e, pelo resto da vida,  foi  fiscal de renda. Pessoa  discreta,   honesta,  de  princípios   firmes. Casou-se  com uma mulher notável  pelo valor  humano,   a tia  Maricô, uma mulher santa,  que só enxergava nos outros  bondade. Tinha belos olhos  verdes e deveria ter sido bela quanto   jovem.
   O casal teve três  filhas:  a Dioneia, a mais velha,  a Valdineia e a Maria Nilza, a mais nova e a mais bela das três,  falecida ainda  moça. Maria  Nilza  era professora,  assim como o é Valdineia, agora aposentada e a  única sobrevivente das três. Quando adolescente,  sentia-me enamorado de Maria  Nilza, talvez por sua  beleza,  sua doçura,  sua feminilidade. Era mais velha do que eu. Como me  sentia bem sempre que   ela aparecia em casa vinda do Colégio das Irmãs, na Avenida  bela pessoalmente  histórico-amorosa  Frei Serafim.
   Todas nasceram com  olhos verdes, belíssimos. Tio Enoch ainda teve dois filhos: o Valdo e o Netinho. Não me  lembro se o Valdo  tinha  olhos verdes,  contudo, é possível que fossem. O primeiro  nasceu com  um problema  de nervos. Ficara  interno  no Meduna,  hospital psiquiátrico, em Teresina dirigido  pelo  Dr. Clidenor de Freitas Santos,  que pertenceu à Academia Piauiense de Letras e era homem  ilustrado. Uma vez,  fui  visitar   o Valdo com a minha prima, Maria Nilza, sempre linda.   
  Netinho, cujo nome completo era Manuel Aires Neto, possuía olhos muito azuis, tinha  ótima aparência, e um  palestra   fascinante. Era um  cronista ambulante de Amarante.  Sabia  tudo sobre a sua época, o passado de Amarante,  a vida da política  do município, a vida  íntima das pessoas, as aventuras  donjuanescas da rapaziada da época. Era um arquivo  vivo  de informações  sobre a sociedade de Amarante.    


    Na minha infância e até no princípio da adolescência,  tio Enoch, quando  vinha a Teresina, sempre visitava meu pai. Conversavam  por horas. Os dois se davam muito bem. Sua chegada à minha casa era sempre aguardada  com  ansiedade e tinha  um motivo  maior  que fazia a alegria da  criançada. Sempre  ao se despedir,  abria a carteira e dela tirava uma  boa   quantia em dinheiro, segundo ele,  para repartir entre nós. Quanta alegria para nós!
    Meu pai e seus irmãos  nasceram em berço de ouro, em Amarante,  onde meu avô era comerciante  de peso e um homem respeitado  por todos.  Segundo me contou meu pai,  o meu avô  Manuel  Alexandre e Silva, hoje nome de rua em Amarante,  era de estatura baixa,  tinha olhos  azuis(alguém me falou, não sei se papai ou foi dedução minha ao ver-lhe a fato de família) uma  aparência solene num rosto  bonito com uma bela cabeleira. Foi assim que o vi  numa foto  de família, ao lado de  vovó  Candinha.
   Papai me dizia que meu avô foi um pai extremoso. Gostava de  tomar banho no rio Parnaíba, à noite, num tempo que me dá inveja. Vovó Candinha,  ou melhor,  Cândida  da Cunha e Silva.  Foi a única avó que conheci ainda viva. Tinha eu três anos e estava perto de sair  de Amarante, porquanto meus pais foram  residir em Teresina.
    Em Teresinha, muito velhinha, já prestes a se despedir  desse “vale de lágrimas, a sua figura vem  à  minha lembrança como  algo esfumado, com alguém  que não tive o  prazer  mais  intenso de beijar a fronte querida, os cabelos branquinhos,  a voz  carinhosa, cheia de cuidados comigo, conforme eu  narrei em parte numa  crônica do meu  livro  As ideia no tempo. (1)Papai me contou  que era descendente de cearenses. Subiu ao Céu  bem  idosa. Me vem agora, à mente   a tarja  preta colocada numa  das mangas  do paletó de meu pai, em sinal de luto. Eu era menino.  Morava na  Rua  24 de Janeiro, Centro de Teresina.
  O Weyden era o mais  próximo  amigo  meu. Companheiro  das aventurosas  romântico-amorosas nas noites de Teresina, cujo  epicentro  era o adro e os fundos  da Igreja de São Benedito e de lá o dom-juanismo  adolescente  partia  para outras  partes da cidade, Cada um  com uma  mocinha  cheia de amor para dar, ainda que fosse por uma noite  só.   
     Éramos como dois irmãos,  primos pelo lado materno e paterno. Weyden  gostava de cantar  em inglês ou  cantar canções de  conhecidos   artistas da época,  todos praticamente  do Rio de Janeiro ou São  Paulo.Tinha bossa também  para fazer  a gente rir das piadas que sabia tanto  contar, me matando de rir, fora as imitações que  fazia de figuras  diversas. Era danado  para encontrar os defeitos físicos dos outros,  contrariando  a lição de Esopo, fabulista grego do século VI a. C e, com esta disposição para brincadeiras  de mau gosto, na minha companhia,  fazíamos as traquinagens,  provocando,  ocultos  pelas janelas ou portas semi-abertas,  quem  passasse por acaso  pela rua. Morria de rir de suas  brincadeiras e de  veia satírica..
    Outro hábito que tinha era  falar em inglês  comigo por onde passássemos – um forma de  esnobismo  ingênuo de adolescentes   sem rebeldia.Mesmo no Rio,  quando estávamos juntos,  falávamos em inglês diante dos balcões de bares do Catete, bairro da Zona Sul do Rio. Os garçons,  ignorantes,  se entreolhavam embasbacados. Dizia o Weyden  que era para passarmos  por gringos, tirando  onda com  as pessoas  que se encontravam  perto de nós.   Ele não tinha tanta fluência, mas dava para se safar porque era  inteligente e  espirituoso.
    No Rio de Janeiro, morando por pouco tempo na casa de tia Chiquinha, Weyden,  por algum tempo,  continuou com a   nossa amizade. Depois, tomou  rumo sozinho,  foi morar na Glória, Rua  Benjamim Constant, zona sul,  bairro bem perto do Centro   do Rio. Conseguiu emprego e nossos  encontros foram se rareando.  Com boa  voz, sempre  esteve  ligado  à atividade de rádio. Tornou-se radialista – suponho -  primeiro em  Goiânia,  onde morou depois que deixou o Rio de Janeiro e, de volta a Teresina,  firmou-se como  um conhecido  radialista e homem  relacionado com a imprensa local.
    Desde adolescente,  demonstrara  ter vocação para o rádio. Uma vez,  acompanhando, em campanha política   o meu pai, candidatos a cargos   políticos e eu, numa cidadezinha do interior do Piauí,  subiu a um improvisado  palco  sobre  um caminhão e discursou  para  os ouvintes que se aglomeravam diante  do carro.
    Discursou, primeiro,   meu pai e, em seguida,  usaram da palavra outros   oradores.  Ocorreu, na ocasião,   um fato pitoresco.  Meu pai me pediu que usasse também da palavra Não aceitei, alegando  ser tímido, encabulado. “O que eu tinha para falar? Nada,”  pensei comigo. Me deixaram de lado,  uma vez que  da minha “oratória” não iria sair nada,  nem que invocássemos  o talento do grande  Demóstenes.  Não tinha assunto nem interesse  em dirigir  algumas  palavras  de agradecimentos  aos que  estavam  formando  uma pequena   assistência. Entretanto, compensei minha timidez participando de um baile de interior, com  dança,  forró e tudo. O bom  foi que havia ali  moças bonitas  para um  breve namoro  de   uma única noite.
    Não toquei ainda na figura de meu avô  materno, cujo nome era Avelino Alves Setúbal. Não o conheci, dado que morrera muito jovem, com  pouco mais de trinta anos. A imagem que dele tenho é de fotos tiradas quando  era um jovem  militar do Exército. Tinha boa altura,  cabelos  meio crespos,  moreno, rosto  fino, e bem apessoado. Diziam ser namorador. Deve ter sido um militar disciplinado,  correto, sério. Sua figura me  faz lembrar, na aparência física, o  meu filho mais novo, o Alexandre, que mora  comigo e é solteiro.
    Por informações colhidas por terceiros,  era descendente de portugueses e, por coincidência, de um pai ou avô  militar que emigraram para o  Brasil. Casou-se com  uma das irmãs de Lolosa, a Cotinha, minha avó materna que, segundo meu pai,  quando  mocinha, era    muito bonita. Vovó Cotinha morreu  de parto muito jovem. Por coincidência, meu  pai,  meninote,  brincara  com ela e mal  previra que, anos depois, se casaria com uma filha  dela, Ivone, a minha mãe. Cotinha,  Lolosa,  tia Chiquinha, e mais duas tias e dois do lado materno que não tinha ainda mencionado,  tia Elira e tia Tudinha, tio Gonçalo e um outro  tio, que foi morar no Rio Grande do Sul, eram irmãos. Tio Dico,  sobre quem  anteriormente  comentei, era outro irmão de  minha avó Cotinha.
  Meu avô Avelino Setúbal  participou da Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo e,  por causa disso,   galgou  a patente de oficial do Exército. Antes era  primeiro sargento. Por uma razão que não me explicaram,  lhe retiram, depois,  o galão de oficial, o que o deixou  profundamente acabrunhado e deve ter concorrido, a meu ver,   para  a sua  morte  precoce.
   Essa afirmação minha  tem um valor apenas de  suposição e não se fundamenta,  pois,  em  dados pesquisados. Contudo, o que me importa  é reafirmar que meu avô materno  era homem digno  e cuidadoso com a família.  Um sinal de seu  espírito empreendedor foi que,  depois de seu falecimento,  deixara  duas ou três casas  em Teresina.
   Logo que Cotinha faleceu,  meu avô teve que cuidar de     mamãe e dos outros  irmãos,  o tio Zequinha, o tio Carlitos, e o tio Cláudio.   Deste  último nem mesmo sei  o sobrenome  que lhe deram os pais adotivos.
 Sentindo-se sozinho e ainda muito  moço,  se uniu maritalmente com a tia  Tudinha e  dessa união  tiveram um filho,  o tio Ivon,, de quem  já falei nestes  relatos. Falecendo meu avô Setúbal,  tia Tudinha  ficou  cuidando de mamãe, de tio  Carlitos, e do tio Ivon.   
        O tio Cláudio, ainda com meu avós vivos,  for entregue bebê a um  família amiga e vizinha do meu  avô O que na verdade aconteceu foi o seguinte: os vizinhos tanto se afeiçoaram   à criança que terminaram  por ficarem  com ela  e a levaram  para o Rio de Janeiro. Entretanto,  esta é a história que me contaram e, na realidade, não sei  se tudo  ocorreu  assim..
     Ainda rapazinhos,  tio Carlitos e tio  Zequinha se mudaram para o Rio  - esta cidade que tanto  atrai os nordestinos  por tantos  motivos:  necessidade de encontrar  trabalho melhor do eu na terra de origem,     espírito   de aventura  dos jovens  desejosos de conhecer uma  metrópole famosa, vontade de se libertar da dependência  da família, entre  .outras  motivações. Há ainda uma razão  estimuladora da migração: outros parentes  que já se encontram  na grande cidade do eixo Rio-São Paulo..Até hoje, isso  acontece. O tio  Ivon foi também  para o Rio de Janeiro. de sorte que só minha mãe ficou com  tia Tudinha.
    Perto de morrer,  me parece que  meu avô Avelino  se casou  no católico com tia  Tudinha.Tudo leva a crer que ela já o admirava  mesmo  antes  quando  minha avó Cotinha  estava casada com  o meu avô.
   Tudinha não era bonita como minha avó. Magrinha,  pele branca,  cabelos lisos, altura média, junto com  tia Elira, foram pra o Rio de Janeiro morar algum tempo.Isso depois que tio  Carlitos e tio Zequinha já tinham  ido também para o Rio de Janeiro. Mamãe,  àquela altura,   estava  casada com meu pai e morando em Amarante.
  Tia Elira era uma mulher  de valor,  trabalhadora,  habilidosa,  tornou-se costureira de mão cheia. Como fosse excelente  costurei,  fazia amizades com  gente  de posse e terminava  costurando para essa gente. Costura e também  se hospedava na casa das clientes  que lhe eram  mais  próximas. 
    Era uma mulher  educada,  fina,  vestia-se bem,  tinha   elegância e muito charme, sobretudo quando  usava  óculos escuros  da moda. .Certo dia,  meu pai  me segredou  que tia Elira,  quando mocinha,  tinha um a atração  por ele.Porém, tudo foi muito discreto  e foi esquecido com o tempo, sobretudo  porque ela devotava   muito carinho à  minha mãe. Sempre que podia,  vinha a Teresina e os sobrinhos sabiam  que  presentes  eram coisa certa  e líquida. Sempre  elegante,  bem  penteada, com aquela  pele delicada de  morena clara, tia Elira   me cativou e senti muito   ao saber que,  já velhinha,  tinha morrido.
  Ambas,   após muito tempo  morando no Rio, decidiram  regressar  para  Teresina. Primeiro, veio a tia Tudinha, que,  para sobreviver,   conseguiu  um emprego público  como  inspetora  de alunas da Escola Normal  “Antonino  Freire.” Depois, veio  tia Elira. Tia Lolosa, que já estava viúva,  recebeu  ambas as irmãs de braços abertos. Tia Tudinha  era meio  ranzinza,  gostava até de corrigir  o português dos sobrinhos. Eu mesmo  fui  vítima de sua  indiscrição  gramatical. Não gostei. Ela sentiu  no meu olhar. Como no  poema de Bandeira,  todas  estão  “dormindo  profundamente.” (Continua)

(1). Op. cit., p. 30-31

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