Time and patience conquer everything.
JOHN PAYNE
Cunha e Silva Filho
Ingresso na Universidade: 1966.
Chegara o dia do resultado das provas
para o ingresso no curso de letras. Não é preciso dizer que meu coração batia
acelerado a fim de ver, afixado, num lado da entrada da Casa d’Italia, o resultado dos exames com a lista dos aprovados e classificados. Na Casa d’Italia,
que pertencia à Embaixada da
Itália, funcionavam os cursos de
letras e outros cursos de bacharelado e
licenciatura, como química, física,
biologia, entre outros que compunham
a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.
Estava
acompanhado de minha ainda namorada, a Elza. Entramos no prédio e logo divisamos várias
folhas de tamanho ofício na parede, ao lado esquerdo de quem entra. Procurei pelo
meu curso, olhando atentamente as
modalidades oferecidas:
português-literatura,
português-francês,
português-latim.. e parei numa
lista, a que me interessava: a da
modalidade português-inglês.A princípio, não vi meu nome entre os primeiros
classificados,. Fui baixando os olhos até encontrar - que alegria e alívio! – o meu nome por
extenso na lista dos classificados. De
repente, o meu colega e amigo Dirceu, presidente da CESB, aparece no recinto e, vendo minha
alegria, me deu um abraço
caloroso, fraterno, de amizade pura,
de companheirismo: “Parabéns,
Francisco! Alegria geral. Um
colega, por sinal piauiense,
educado e inteligente que chegara pouco
depois, foi ver também o resultado dos
exames.Optara pelo curso de
português -literatura. Entretanto,
seu nome não constava da lista dos classificados naquela
modalidade. Mas, a roda da vida tem seus mistérios e suas surpresas, além de alegrias
e sucessos futuros.Engolira a decepção.
Soube que tentara provas para o mesmo curso noutra
universidade federal e,
nesta, saiu-se bem e classificado. Anos
depois, se tornara professor no mestrado e no doutorado de uma
conceituada universidade pública. Fez
carreira brilhante, publicou livros,
enfim, foi um vitorioso porque tinha vocação e talento
genuínos para os estudos literários em alto
nível.
Ainda morava na CESB naquele ano.
Porém, não posso me furtar a
retroagir ao ano de 1965 e sobre ele narrar alguns fatos
que julgo dignos de
relembrar neste vaivém que são
estas anotações.
Já aludi
às circunstâncias da minha
preparação ao ensino superior de letras, e por isso convém
frisar bem a importância
enorme que dei ao meu convívio na CESB.
Dirceu, um apaixonado pela oratória, não perdia vezo de mostrar suas qualidades de
tribuno e de dinamizador cultural da Casa. Juntou, uma noite, um grupo de colegas da Casa para uma tertúlia
literária, na qual cada um
poderia dar sua contribuição, seja
discutindo sobre um tema, seja recitando uma poesia de um autor preferido, seja apenas participando como
assistente. Formava um mesa. Presidia os
trabalhos. A mim coube recitar de cor
um poema, o célebre soneto “Saudade,” de Da Costa e Silva ( 1885-1950),
o poeta mais festejado do Piauí, que,
anos depois, seria matéria do minha
pesquisa de Mestrado na UFRJ, num estudo
que tem como recorte o tema
da saudade na obra do poeta
Dirceu abriu a sessão e, em seguida, recitou um poema de Castro Alves.Fomos
aplaudidos. A noite foi festiva e o
clima transpirava só literatura.
Dirceu
ainda fundou um jornalzinho cultural da CESB. Não me lembro do nome que lhe deram,
contudo, não passou do primeiro número.Nele colaborei com um artigo de cujo tema não mais me recordo. A
edição era artesanal, com os
textos impressos em mimeógrafo. Fora bem planejado graficamente, tudo a cargo do
inquieto e zeloso Dirceu. Constava de
poucas páginas, na primeira das quais
exibia um texto editorial escrito por
Dirceu. Naqueles anos não havia o
costume de se xerocar documentos ou
algum texto do qual desejássemos uma cópia.
Por
não ter tempos atrás, mesmo nos anos de
1970, o costume de tirar cópias de algum artigo ou textos é que perdi vários artigos de jornais de Teresina com
publicações minhas, as primeiras e outras posteriores dos anos de 1970, 1980 e 1990, inclusive um
artigo saído no Estado
do Piauí, sobre o romance de Oscar
Wilde, The portrait of Dorian Gray.
No Arquivo
Público do Piauí, não o encontrei e, até hoje, sinto a falta
do artigo, que foi tão bem
recebido por um leitor meu,
o Jeremias Abreu, cuja memória reverencio do fundo do coração, jornalista que publicou um
bilhete para meu pai, em que falava
bem do meu artigo. Jeremias, a
quem infelizmente nunca conheci pessoalmente, era um intelectual que usava o pseudônimo de Drumond. Na
realidade, eu tinha o artigo
guardado comigo, mas, uma
vez, o emprestei a uma coordenadora de um Colégio na Penha, bairro
da Leopoldina, subúrbio do Rio de
Janeiro Entretanto, ela não o
devolveu a mim. Alegou que o tinha
perdido sem querer. Naquele Colégio, trabalhei como
professor de português,
literatura e inglês.
No ano de 1965, alguém me falou ou eu
mesmo li em jornal - que o IBEU (Instituto Brasil-Estados
Unidos) abrira inscrição para seleção de candidatos a um curso chamado de undergraduate,
a ser feito numa universidade norte-americana. Duraria um ano e meio.Aquela
instituição ficaria encarregada de realizar as provas dos candidatos. Haveria três
etapas: uma prova escrita e de múltipla
escolha, uma prova de conversação e uma
entrevista. Não pensei duas vezes, me
inscrevi na sede do IBEU, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana.
Marcaram uma manhã para a prova escrita, se me recordo bem, com
100 questões. Depois da prova escrita,
faria a prova de conversação. Combinaram
o dia do resultado dessas provas para outro dia. Por mim,
tinha me saído bem na prova escrita e um pouco menos na prova oral.
Voltei ao
IBEU para saber o resultado dos
exames. Havia sido aprovado. E mais. gabaritei a prova escrita e, na oral, obtive
sete. Marcaram outro dia, uma
semana depois, se a memória não me falha a memória, para a entrevista e me avisaram que teria
que preparar um curriculum vitae em inglês e juntar a ele cartas de recomendações de antigos professores
meus para serem entregues no dia da entrevista a ser realizada um mês
depois, se tanto.
Ora, no meu caso, tinha
um bom vocabulário adquirido com muita leitura que fizera em Teresina
e que sempre fiz pela vida afora.
Tinha uma fluência razoável e pouca ou quase nenhuma experiência
de composição escrita. Posto
tenha sido aluno excelente em inglês em
Teresina, as aulas de inglês, nos moldes tradicionais da época, não
exercitavam nem a conversação nem a redação no idioma de Keats. Essa última habilidade só se fazia em bons
cursos
de ensino de inglês, que não havia
em Teresina ainda até o meu período de curso científico.
Todavia,
assim mesmo, me abalancei com
todo o empenho a redigir o curriculum
vitae. Tinha consciência de que o
texto continha alguns senões
de construção frasal, de uso
incorreto de preposição.Era o que podia
apresentar na entrevista. Ainda o mostrei,
a pedido do meu amigo Antônio de Almeida, a uma conhecida dele para
que desse alguma opinião acerca do
meu texto..
Era uma
moça que tinha feito curso
de especialização ou mestrado na França
na área de história natural. Me parece que, como assistente, dava já
aulas, no curso de sua especialização, na Faculdade Nacional de Filosofia. Ela olhou
o texto e me fizera uma observação, no meu entender, um tanto crítica: “Esse
teu curriculum dá bem a entender que foi escrito em inglês por um
brasileiro.” Não lhe dei
resposta à ironia.
Quanto às cartas de recomendação, logo
escrevi a meu pai para que ele solicitasse ao meu professor de inglês, o
único que tive em Teresina, meu saudoso
mestre Francisco Viveiros. Não demorou nem um mês a fim de que chegassem
às minhas mãos, além das carta do
professor Viveiros, duas outras cartas mais, para a minha grande
alegria e honra. A do professor Viveiro era
escrita em inglês, em rigoroso estilo de
carta oficial. Me vêm à memória alguns fragmentos
do seu conteúdo “To whom
it may concern: Francisco da Cunha e Silva Filho
was an exceptional student during
all the time I was his high school
English
instructor. [...] I am sure he will certainly be a good representative of a Brazilian student in the United States. […] He is congenial
[…]” As duas outras cartas foram dos profesor Lysandro
Tito de Oliveira, meu
professor de geografia no Domício
(Ginásio Des. Antônio Costa) e do professor Domício Melo
Magalhães, de história. Ambas
recomendando-me efusivamente ao governo
norte-americano devido aos meus méritos de bom estudante do meu tempo de
ginasiano.Vibrei com as cartas e é pena que não tivesse tirado cópias delas
para o meu arquivo futuro, mas naquele tempo...
No dia aprazado para a entrevista no
IBEU, atendeu-me uma senhora de meia idade, muito
fechada, secarrona e muito impessoal, desse tipo tão encontradiço de Mises no circuito do meio educacional em todos os níveis de ensino. Leu meu curriculum
e fez o seguinte reparo: “Por que você não
pediu alguém que melhorasse a construção
em inglês? Há alguns erros de sintaxe. Em seguida, me fez
uma série de perguntas pessoais.
Acrescentara que o curso undergraduate seria em forma de bolsa, ou seja,
gratuito e incluía alojamento numa universidade, mas as despesas pessoais ficariam por minha conta. Não lhe dei nenhuma resposta sobre esse último item. Finalmente, ela me
dissera que aguardasse o resultado
final da entrevista dentro de alguns dias.
Meus amigos
da CESB e outros do
Calabouço estavam todos felizes
e torcendo pelo curso que
iria fazer na América.Já tinha mesmo
sabido que embarcaria num navio da
marinha americana. Inclusive, já estava em ritmo de despedida com meus amigos e conhecidos. No
entanto, o carteiro bate à porta da velha CESB com a correspondência endereçada aos moradores. Uma das cartas era
para mim e, pelo endereço do remetente, vi que era do IBEU. Abri,
nervosamente, a carta, que me dizia mais
ou menos, entre outras coisas isso: “Prezado Francisco da Cunha e Silva Filho; Lamento dizer-lhe que sua bolsa para
cursar o undergraduate não foi aprovada. No entanto, Você, se
quiser, pode tentar outra vez no próximo ano, já que suas possibilidades
não foram canceladas”
Para
um jovem de dezenove anos aquilo foi um jato de água fria, um desapontamento. Uma
quebra de sonhos e ilusões . No ano seguinte, não mais tentei, porquanto ingressara no curso de letras.Tinha um longa e penosa estrada a percorrer pela frente e com muitos dissabores,
lutas, cansaços
e perseverança inquebrantável. No curso de letras, teria que ser uma rocha para resistir
a tantos embaraços e incompreensões
de
alguns mestres, do sistema burocrático
superior e mesmo de injustiças.(Continua)
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