segunda-feira, 11 de maio de 2015

Apenas memórias (14)



                             
                             Time  and patience conquer everything.
                                            JOHN   PAYNE


        Cunha e Silva Filho


Ingresso na Universidade: 1966. Chegara o dia do resultado das provas  para o ingresso no curso de letras. Não é preciso  dizer que meu coração  batia  acelerado a fim de ver, afixado, num lado  da entrada da Casa d’Italia, o resultado  dos exames com a lista dos  aprovados e classificados. Na Casa d’Italia, que pertencia à Embaixada da  Itália,   funcionavam os cursos de letras e outros cursos  de bacharelado e licenciatura, como  química,  física,  biologia,  entre outros que  compunham  a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.  
        Estava  acompanhado de minha ainda  namorada, a Elza. Entramos  no prédio e logo divisamos  várias  folhas  de tamanho  ofício na parede, ao lado  esquerdo de quem  entra. Procurei  pelo  meu curso, olhando atentamente  as modalidades  oferecidas: português-literatura,  português-francês,  português-latim..  e parei numa lista, a  que me interessava: a da modalidade português-inglês.A princípio, não vi meu nome entre os primeiros classificados,. Fui baixando os olhos até encontrar  - que alegria e alívio! – o meu nome por extenso na lista dos  classificados. De repente,  o meu  colega e amigo Dirceu, presidente da  CESB, aparece no recinto e, vendo minha alegria,   me deu um  abraço  caloroso, fraterno,  de amizade  pura,  de companheirismo: “Parabéns,   Francisco! Alegria geral. Um  colega, por sinal  piauiense, educado e  inteligente que chegara pouco depois,  foi ver também o resultado  dos  exames.Optara pelo   curso de português -literatura. Entretanto,  seu  nome não  constava da lista dos classificados naquela modalidade. Mas, a roda da vida tem seus mistérios e suas surpresas, além  de alegrias  e sucessos  futuros.Engolira a decepção. Soube que tentara provas para o mesmo curso  noutra  universidade  federal e, nesta,  saiu-se bem e classificado. Anos depois,  se tornara  professor no mestrado e no doutorado de uma conceituada  universidade pública. Fez carreira  brilhante, publicou livros, enfim,  foi um  vitorioso porque tinha vocação  e talento  genuínos  para  os estudos literários  em alto  nível.
     Ainda morava na CESB naquele ano. Porém,  não posso me furtar  a  retroagir ao ano de 1965 e sobre ele narrar alguns  fatos  que julgo  dignos  de  relembrar neste vaivém  que são estas anotações.     
   Já aludi  às circunstâncias  da minha preparação ao ensino superior de letras, e por isso  convém  frisar bem  a importância enorme  que  dei ao meu convívio na CESB.
   Dirceu, um apaixonado pela oratória,  não perdia vezo de mostrar suas qualidades de tribuno e de dinamizador  cultural  da Casa. Juntou, uma noite,  um grupo de colegas da Casa para  uma tertúlia  literária, na qual  cada um poderia  dar sua contribuição, seja discutindo sobre um tema,   seja  recitando uma poesia de um autor  preferido, seja apenas participando  como  assistente.  Formava um  mesa. Presidia  os  trabalhos. A mim coube recitar de cor  um  poema, o célebre soneto  “Saudade,” de Da Costa e Silva ( 1885-1950), o poeta mais festejado  do Piauí, que, anos depois, seria  matéria do minha pesquisa de Mestrado na UFRJ, num estudo  que tem como  recorte o tema da  saudade na obra do poeta
   Dirceu abriu a sessão e, em seguida,  recitou um poema de Castro Alves.Fomos aplaudidos. A noite foi festiva  e o clima  transpirava só  literatura.
   Dirceu ainda  fundou um  jornalzinho cultural  da CESB. Não me lembro do nome que lhe deram, contudo,  não passou   do primeiro número.Nele  colaborei com um  artigo de cujo tema não mais me recordo. A edição  era artesanal,  com  os textos   impressos em  mimeógrafo. Fora bem  planejado graficamente, tudo a cargo do inquieto e zeloso  Dirceu. Constava de poucas  páginas, na primeira das quais exibia um texto  editorial escrito por Dirceu. Naqueles anos  não havia o costume de se xerocar  documentos  ou  algum  texto  do qual desejássemos uma cópia.
    Por não  ter tempos atrás, mesmo nos anos de 1970, o costume de  tirar cópias  de algum artigo ou   textos é que perdi  vários artigos de jornais de Teresina com publicações minhas, as primeiras e outras posteriores dos anos  de 1970, 1980 e 1990, inclusive um artigo  saído no  Estado do Piauí, sobre o  romance de Oscar Wilde,  The portrait of  Dorian  Gray.
   No Arquivo  Público do Piauí, não o encontrei e, até hoje,  sinto a falta  do artigo, que foi tão bem  recebido  por um leitor  meu,  o  Jeremias  Abreu,  cuja memória  reverencio do fundo do coração, jornalista  que publicou um bilhete para meu  pai, em que  falava  bem do meu  artigo. Jeremias, a quem infelizmente  nunca conheci  pessoalmente, era um intelectual  que usava o pseudônimo de Drumond. Na realidade,  eu tinha  o artigo  guardado  comigo, mas, uma vez,   o emprestei  a uma coordenadora de um Colégio na Penha, bairro da Leopoldina, subúrbio do  Rio de Janeiro Entretanto,  ela não o devolveu  a mim. Alegou que o tinha perdido sem querer. Naquele  Colégio, trabalhei  como  professor de  português, literatura e inglês.
   No ano de 1965, alguém me falou ou eu mesmo  li em jornal -  que o IBEU (Instituto Brasil-Estados Unidos)  abrira  inscrição para seleção de candidatos a um  curso chamado de   undergraduate, a ser feito numa universidade norte-americana. Duraria um ano e meio.Aquela instituição   ficaria encarregada de  realizar as provas dos candidatos. Haveria três etapas: uma prova  escrita e de múltipla escolha, uma prova  de conversação e uma entrevista. Não pensei duas vezes,  me inscrevi na sede do IBEU, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana.
  Marcaram uma manhã para a prova   escrita, se me recordo bem,  com  100 questões. Depois da prova escrita,  faria a prova de conversação. Combinaram  o dia do resultado dessas provas para outro  dia. Por mim,  tinha me saído bem na prova escrita e um pouco  menos na prova oral.
   Voltei ao  IBEU para saber o resultado  dos exames. Havia sido aprovado. E mais.  gabaritei a prova  escrita e, na oral,  obtive  sete. Marcaram  outro dia, uma semana  depois,  se a memória não me falha  a memória,   para a entrevista e me avisaram que teria que  preparar um curriculum vitae em inglês e juntar a ele  cartas de recomendações de antigos professores meus para  serem entregues  no dia da entrevista a ser realizada um mês depois, se tanto.
   Ora, no meu caso,  tinha  um bom vocabulário adquirido com muita leitura que fizera  em Teresina  e que sempre  fiz pela vida afora. Tinha uma  fluência  razoável e pouca   ou quase nenhuma   experiência  de composição  escrita. Posto tenha sido  aluno excelente em inglês em Teresina,  as aulas  de inglês, nos moldes tradicionais  da época,  não  exercitavam nem a conversação nem a redação no idioma de  Keats. Essa última habilidade só se fazia em bons  cursos  de ensino de inglês, que não havia  em Teresina ainda até o meu período de curso  científico.
    Todavia,  assim mesmo,  me abalancei com todo o empenho  a redigir  o curriculum vitae. Tinha consciência  de que o texto  continha  alguns senões  de construção   frasal, de uso incorreto de  preposição.Era o que podia apresentar na entrevista. Ainda  o mostrei, a pedido do meu amigo Antônio de Almeida, a  uma conhecida dele    para que  desse alguma opinião acerca do meu  texto..  
   Era uma  moça que tinha feito  curso de  especialização ou mestrado na França na área de história  natural.  Me parece que, como assistente,   dava já aulas,  no curso de sua especialização,  na Faculdade Nacional de Filosofia. Ela olhou o texto e me fizera uma observação, no meu entender, um tanto crítica: “Esse teu  curriculum  dá bem a entender que foi  escrito em inglês  por um brasileiro.” Não lhe dei   resposta  à ironia.
  Quanto às cartas de recomendação,  logo  escrevi a meu pai para que ele solicitasse ao meu professor de inglês, o único que tive  em Teresina,  meu saudoso  mestre Francisco Viveiros. Não demorou nem um mês a fim de que chegassem às minhas  mãos, além das carta do professor  Viveiros,  duas outras cartas mais, para a minha grande alegria e honra. A do professor  Viveiro era escrita em inglês, em rigoroso  estilo de carta oficial. Me vêm à memória  alguns fragmentos do seu  conteúdo  “To whom  it may concern: Francisco da Cunha e Silva  Filho  was an  exceptional student during  all the time  I was  his  high  school  English  instructor. [...]  I am sure he will certainly be  a good representative   of a Brazilian  student in the United States. […] He is congenial […]” As duas   outras cartas  foram dos profesor  Lysandro  Tito de Oliveira, meu  professor  de geografia no Domício (Ginásio  Des.  Antônio Costa) e do professor Domício Melo Magalhães, de história. Ambas  recomendando-me  efusivamente  ao governo  norte-americano devido aos meus méritos de bom estudante do meu tempo de ginasiano.Vibrei com as cartas e é pena que não tivesse tirado cópias  delas  para o meu arquivo futuro, mas naquele tempo...
  No dia aprazado para a entrevista no IBEU,  atendeu-me uma senhora  de meia idade,  muito  fechada, secarrona e muito impessoal,  desse tipo  tão encontradiço  de Mises  no circuito do meio educacional em todos os níveis de ensino. Leu meu  curriculum e fez  o seguinte reparo: “Por que você não pediu alguém que  melhorasse a construção em inglês? Há alguns erros de sintaxe. Em seguida,  me fez  uma série de   perguntas pessoais. Acrescentara que o curso  undergraduate seria  em forma de bolsa,  ou seja,  gratuito e incluía alojamento numa universidade,  mas as despesas  pessoais ficariam  por minha conta. Não lhe dei nenhuma  resposta sobre  esse último  item. Finalmente,  ela me  dissera que aguardasse  o resultado final  da entrevista dentro de alguns dias.
    Meus amigos  da CESB e outros   do Calabouço  estavam todos  felizes  e torcendo  pelo curso que iria  fazer na América.Já tinha mesmo sabido  que embarcaria num navio  da  marinha  americana. Inclusive,  já estava em ritmo de despedida   com meus amigos e conhecidos. No entanto,  o carteiro  bate à porta da velha CESB com a correspondência  endereçada aos moradores. Uma das cartas era para mim e, pelo endereço do remetente, vi que era do IBEU. Abri, nervosamente,  a carta, que me dizia mais ou menos, entre outras coisas  isso: “Prezado  Francisco da Cunha e Silva Filho; Lamento  dizer-lhe que sua   bolsa  para cursar o undergraduate não foi  aprovada. No entanto,  Você, se  quiser,  pode  tentar  outra vez no próximo ano, já que suas possibilidades não foram  canceladas”

    Para um jovem de dezenove anos aquilo foi um jato de água fria, um desapontamento. Uma  quebra de sonhos e ilusões  . No ano seguinte,  não mais tentei, porquanto  ingressara no curso de letras.Tinha  um longa e penosa  estrada a percorrer pela frente e com  muitos  dissabores,   lutas,   cansaços  e perseverança inquebrantável. No curso de letras,  teria que ser uma rocha  para resistir  a tantos   embaraços  e  incompreensões  de  alguns mestres,  do sistema  burocrático  superior e mesmo de injustiças.(Continua)

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