segunda-feira, 4 de maio de 2015

À margem da leitura do poema "(In)decisão", de Dílson Lages Monteiro

                                                      Cunha e Silva Filho


(IN)DECISÃO


Cai o sereno nas notas da noite
e o coração do sol se assombra.

Cai sobre a máscara do mar
e a face cega do amor
canta uma canção de despedida.

Cai sobre as pálpebras da boneca
despenteada pelo calor dos olhos.

Cai sobre as mãos
que acenam o adeus.    


       Poemas há que se dirigem diretamente a uma realidade palpável, ainda que subjetiva.Poemas outros existem apenas para exprimir sensações indizíveis, nas quais as palavras valem por si mesmas. Os últimos são da linha de poemas feitos dos impulsos estéticos, ou seja, de criar uma realidade que, sem declinar de ser humana, sem desdenhar a sensibilidade de atos comunicativos, se ocultam, criam imagens sinestésicas e visam a um estado d'alma de uma geografia humana universal. São os que estão mais próximos dos velhos simbolistas.
      Ao primeiro tipo pertencem os românticos do século 19. Ao segundo  tipo se filiam os poemas modernos, já completamente despojados da métrica e da rima tradicionais.
      Desta forma, diria que os modernos, aqui usando o termo num sentido bem elástico, sem as muletas dos traços distintivos da métrica clássico, são de fatura  distinta,em que o poema assume  outros modos de expressão poética,  seja na forma, seja na sua materialidade  física e  na sua capacidade de traduzir  os tempos  de hoje pela palavra,  pela construção  e ousadias  das imagens, embaralhamento   dos planos dos sentidos   e das  sensações  estranhas   provocadas  pelo  poeta.
    O poema moderno  comunica-se por caminhos  transversais, onde a busca  da mensagem tem como epicentro   a aparente  incomunicabilidade entre o  emissor, “eu  subjetivo”e o receptor – elemento este que, de fora  da realidade do poema,  torna-se  um dado  relevante  de apreensão  dos  seus sentidos e de suas múltiplas formas  de leituras. 
   Isso não significa que o verso moderno seja de elaboração mais fácil ou mais  complexa, pois suficiente seria enunciar frases dando-lhes a espacialização grafica de um poema nos moldes antigos. Esta aparente facilidade de compor um poema como se fosse enunciados ou afirmações   da prosa é  a sensação que se tem  ao lermos uma poema  contemporâneo.
  Aí, porém, reside o risco, já que o verso moderno se apoia num ritmo nascido das necessidades rítmicas do poeta, semelhante ao conceito "Cria o teu próprio ritmo" da lição dos modernistas de 1922.
  Pura ilusão: seria hipoteticamente mais complexa a composição de um poema moderno por múltiplas razões que não me caberia aqui nomear.
   O poema de Dílson Lages "In(decisão)" exemplificaria bem o alcance do poema moderno. Não se enquadraria nunca num poema de corte clássico e não seria este, no meu juízo, o propósito do poeta.
   Já pelo título, feito à maneira dos concretistas, quebra-se qualquer alusão de cunho conservador.
   O vocábulo bipartido sinaliza para o duplo sentido, quer dizer, há dois conceitos aqui levados em conta tanto pelo "eu subjetivo" quanto pela eu receptivo. Este fato já coloca sua leitura em dois polos , em duas saídas para interpretação ou leitura mais funda do poema, visto que o leitor ou intérprete é senhor de tomar um dos caminhos hermenêuticos, o que o coloca no impasse dos sentidos potencializados na estrutura geral do poema.
   Visualmente, o poema forma-se de três estrofes de dois versos e de uma só estrofe de três versos. Entretanto, há semelhanças de natureza estilístico-fônico-sinestésica que se harmonizam no todo do poema e lhe dão consistência de forma, i.e., lhe dão unidade própria e, ipso facto, valorizam o resultado da estética do poema.
   A anáfora verbal "Cai", repetida quatro vezes no poema, não lhe é gratuita. Reduplica o sentido da queda do fenômeno natural "sereno." Veja-se que o "sereno" contrapõe a "noite" ao "dia" representado pelo "sol", mas um sol "assombrado," humanizado.
  O "sereno", "tênue vapor atmosférico noturno" (Aulete) é a força-motriz  que propicia  a realização do poema.
  No conjunto dos versos, há um ambiente físico -  suave -  que reforça outros elementos naturais e humanos do poema, formando um todo de metáforas bem originais, tais como " coração do sol", "máscara do mar", que acentuam essa característica de afastamento,  de partida, de sentimento de solidão(amorosa)    
  Constelado de fonemas sibilantes, de fricativas alveolares surdas, a musicalidade da peça poética salta à vista e robustece a ideia da própria natureza da poesia, ou seja,  faz do poema  uma canção, à qual está  com frequência  tão  ligada  a criação  poética. 
   O título corresponde,  dessa maneira, ao significado do poético que  não é unívoco, mas se alimenta das hesitações tanto existenciais, sentimentais e afetivas  quanto da própria criação de um poema, um ato sempre suscetível aos sentidos plurais, às  abstrações,  ao enigmático  da natureza  poética e, portanto,  humana. 


Nota do  colunista: Esses comentários,   numa versão  aqui melhorada e um pouco  ampliada,  foram  feitos  na seção Comentário” do blog do poeta  Elmar Carvalho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário