.
A denominação atribuída por
Tristão de Athayde à crítica de Álvaro Lins de “humanismo crítico,” assim como
de outros críticos a ele semelhantes, implica um entendimento mais profundo do
que a militância de Lins significa em termos de
abordagem do fenômeno literário .Em outras palavras, o alcance da
visão de Lins sobre a obra literária não
se cinge apenas a uma compreensão
dessa arte por paradigmas conceituais de
cunho subjetivista ou da importância
que o crítico dava ao estudo da personalidade literária, do autor e do próprio crítico,
este na condição de agente
mediador privilegiado para
atingir, tanto quanto possível, o cerne da obra em exame.
Se Lins, desde o início de sua atividade
crítica não dispensava a relevância dos componentes do estilo, da forma,
conceitos, de resto, que por vezes nele se misturavam
e se tornavam confusos,
segundo anotou Adélia
Bolle, ensaísta tantas vezes aqui
citada mercê do instigante trabalho
que escreveu sobre a crítica de
Lins, já podemos neste ponto deduzir o interesse teórico dele
de valorizar a dimensão estética e, portanto,
estrutural, como fator decisivo na verificação da qualidade
ou da fraqueza de uma obra.
Aqui podemos
falar daquela harmonia que o crítico trazia à
discussão teórica, na qual os conceito
de estilo, forma, unidade, este
último depreendido seguramente
do pensamento aristotélico da Poética,
bem podem acenar
para uma crítica de natureza estética e não só
biográfica, sociológica, psicológica e
historicista.
A
trajetória crítica de Lins é infensa ao imobilismo teórico. Ela atua num ritmo
dinâmico, ou seja atento às
possibilidades de que o crítico pode lançar
mão na interpretação e julgamento de uma
obra, ou segundo vemos nas palavras do crítico:
(...) Ela [a crítica] tem duas faces: a
interpretação e o julgamento, Interpretação deve-se entender como a sua fonte
criadora, como a força poética que existe em todas as atividades literárias. : é a compreensão, é a
penetração, é a análise, é a reconstituição, é a revelação, é o senso psicológico,
é o poder sugestivo, é o jogo e o debate das ideias.A faculdade crítica
mais necessária, para esta descoberta de alma e ideias, é a intuição. Para o
julgamento, ao contrário, a faculdade dominante será a razão[1].
Não obstante ser tachado de
Impressionista - reconhecemos -, de ser nítida a linha de, na
essência, manter-se no paradigma
subjetivista, sua crítica não é fechada
a novas leituras que lhe viessem enriquecer
o background cultural no terreno
teórico no decorrer da vida. Ou seja, se a marca do Impressionismo lhe era
evidente, é também verdade
que se mostrava ativo com o que já estava se modificando no campo do pensamento
crítico universal (e no seu conhecimento
de novos autores que despontavam
na alta literatura ocidental) autores
que ainda eram pouco conhecidos e mesmo
desconhecidos no Brasil e é o
próprio Lins que se incumbe de
relacionar alguns deles:
A crítica científica, dogmática,
didática - esta se encontra sempre falida, desacreditada, A crítica como uma
aventura da personalidade, como uma arte, como um gênero literário de criação –
eis como concebemos o nosso ofício. Não é uma concepção pessoal e tem para
sustentá-la e autorizá-la a obra de grandes críticos modernos, as obras de André
Gide, de Charles de Bos, de Gabriel Marcel, de André Rousseau, de Benjamin Crémieux, de Ramón Fernandez e também dos
mais novos, de um Jean-Pierre Maxence, de um Thiers Maulnier. E
ainda as obras críticas de grandes
poetas como Paul Valéry e Paul
Claudel.[2]
Essa tácita recusa de Lins a
cultivar um mero Impressionismo é que seguramente o conduziu a estar atento e atualizado para a
época em que viveu e por isso não lhe
foram estranhas ao conhecimento as leituras
de outros autores-chave do
pensamento crítico avançado independentemente
de posições crítico-ideológicas, como Croce,
Matthew Arnold, Ezra Pound, T. S.Eliot, Lukács, Auerbach, David Daiches, Alfonso Reyes, E. Falci, R.M Albérès, Cesare Pavese, Richard
Mckeon, Stanley Edgar Hyman, este ultimo autor da obra Armed vision, segundo Lins “uma espécie de bíblia para os mais
fechados e exaltados ortodoxos do “new-criticism.”[3] E, para completar, um
recuo necessário a um reforço
teórico, na tradição da grande crítica, em autores como
Coleridge, Aristóteles, Platão,
entre outros.
Basta dizer que, ao eleger Marcel
Proust como autor de uma tese de concurso ao Colégio Pedro II, Lins já dava
sinais evidentes do que de melhor existia no Ocidente como matéria de pesquisa
de alta complexidade, como é resultado o seu
ensaio A técnica do romance de
Marcel Proust (1951). A bibliografia estrangeira e nacional que consta no
final desse estudo reafirma o alcance e o nível de atualidade para a
época de sua publicação.
As ideias de um crítico arejado, posto que muitas vezes teoricamente
assistemático, sendo mesmo rotulado até de dogmático, confirma algumas
analogias - o que só faz dele um progressista – com certos autores que não chegou a conhecer. Consoante ressalta a ensaísta
Adélia Bolle, as formulações da Moderna Teoria da Comunicação, da Estilística
Estrutural de Rifaterre do ‘princípio de estranhamento’ dos formalistas
russos i.e., cada uma dessas situações provoca este questionamento: “Não (...) levariam a uma
posição mais diferenciada nessa
condenação em bloco do ‘impressionismo’?[4]
(grifo nosso).
Em poesia, aquela ensaísta, a propósito de uma análise de Lins da poesia
de Thiago de Mello, vê, na expressão empregada pelo crítico – “emprego de
surpresa” - um equivalente ao efeito de “estranhamento” de Rifaterre.[5]
Bolle infere um dado revelador, segundo o qual os formalistas russos, que são “antipsicologistas” levam em
consideração o “problema da
“percepção,” sendo que essa percepção
transfere o “centro da gravidade do
texto para o receptor.”[6]
A ensaísta ainda aponta essas aproximações
entre a crítica de Lins e procedimentos
do formalismo russo no que
concerne, por exemplo, à obra de ficção.
Para Lins, - lembra ela -, um romance
nunca é “cópia da vida”, pois ele diferencia ‘matéria e ‘construção’ e,com base
na obra de Jorge Amado, o crítico
considera o autor “incompleto e mutilado,” introduzindo “assunto” e “problemas
em estado natural, como a pedir os
necessários envolvimentos”[7]
Para Adélia Bolle, essas
considerações “extremamente operativas” segundo os formalistas russo, equivalem aos conceitos de “sujet” e “fable”
no seguinte esquema: “sujet” =
construção; “fable”= matéria.[8]
Este
questionamento se prende ao fato de que,
como se sabe, o Impressionismo resulta, em primeira instância, de uma
reação ou “impressão” do crítico
diante da obra, a qual pode ser positiva
ou negativa. É claro que também a “impressão,” que mexe com a sensibilidade do
crítico ou leitor, não responde pelo
julgamento final da obra.
Já afirmamos que Lins trabalha, no
exercício da crítica, sob três aspectos: interpretação, sugestão e julgamento. O ponto de partida da
leitura, tanto para Lins quanto para quem
quer que seja crítico, é a
primeira leitura, que pode ser seguida de outra ou outras ou de partes pontuais para
atender àquele tríplice aspecto.
Por outro lado, Adélia Bolle
lamenta que Lins não tenha sido mais aberto às “contribuições positivas” do New Criticism. Esse particular fechamento
de Lins, segundo ela, deveu-se à polêmica de natureza teórico-biográfica da
doutrinação enfática e por vezes
acirrada de Afrânio Coutinho: “É pena que ele [Álvaro Lins] se tenha fechado às
contribuições positivas do ‘new criticism’, em virtude do aspecto polêmico da
campanha jornalística empreendida com muita
agressividade e envolvimento pessoal por Afrânio Coutinho.”[9]
Essas analogias ou aproximações de equivalência de
expressões de natureza teórica
que aparecem nos exemplos suscitados pela ensaísta sinalizam mudanças
que já se estavam efetivando na
análise de Lins matizadas de
elementos formalistas desvelando
mais os
recursos estéticos no desenvolvimento
analítico do poema. Estas mudanças de técnicas de análise reiteram o fato
de que a classificação de
impressionista em Lins não pode ser tomada “em bloco.”
De nossa parte, acrescentaríamos que Lins
tinha já consolidada uma formação intelectual marcada, numa primeira fase, pela
leitura e familiaridade com os grandes críticos do século XIX (Saint-Beuve, Anatole France, Jules
Lemaître, Brunetière etc) aliada a posteriores leituras daqueles
que lhe eram contemporâneos, sem
se falar nas influências recebidas
dos nacionais: José Veríssimo, a quem admirava muito e a quem substituiu na cadeira de literatura
do Colégio Pedro II, o próprio Sílvio
Romero e Tristão de Athayde, circunstância, na formação intelectual de Lins, já assinalada
anteriormente.
Lins prefere os críticos franceses
mencionados no parágrafo anterior, aos críticos deterministas, cientificistas também franceses, tais como Taine, Brunetière. O seu subjetivismo
repudiava a objetividade científica. Por conseguinte, ao se deparar com o New Criticism que se ia insinuando na
formação dos jovens críticos a partir da década de 1950, graças sobretudo ao seu
principal introdutor no país,
Afrânio Coutinho, o crítico pernambucano, em posição antagônica,
manter-se-ia ainda na linha de orientação
que o consagrara.
Não tivesse havido a polêmica – o que
apenas é uma hipótese provavelmente,
quem sabe, teria, com o tempo,
aderido, se não ao New Criticism anglo-saxônio ou norte-americano, a uma de outras vertentes de novos métodos
críticos abrangidos pelo que Coutinho chamava de Nova Crítica.
Entretanto, nos anos de 1950,
sobretudo, a atitude de Lins foi bem compreensível em se tratando de sua
personalidade de crítico pronta a desconfiar de uma novidade que se ia implantando sob a égide de uma corrente
crítica liderada por Coutinho, cujo epicentro se assentava no exame da obra
literária em si, considerada como objeto estético, autônomo, relegando os elementos
extrínsecos a um segundo plano, sem, todavia, desprezá-los e deles se utilizando quando fossem convenientes à exegese da obra literária. Esse foi - não custa repisar - o núcleo
central da Nova Crítica de base aristotélica da qual Coutinho nunca se
afastou. A recorrência de Coutinho a temas nos quis o centro das discussões era a doutrinação dos
postulados da Nova Crítica, quer em
artigos de jornal, quer em livros ou na cátedra, serviam-lhe como forte
estratégia a fim de colimar seus
objetivos, ou seja, vencer
as resistências do Impressionismo crítico.
Por
outro lado, as ideias psicológicas, sociológicas, históricas, biográficas, que
tinham lugar privilegiado junto ao componente estético e conjugadas entre si,
ainda tinham peso suficiente para Lins mesmo
quando, nos últimos
tempos, começasse a dar sinais de que sua crítica avançava para uma
interpretação e julgamento de notação
formalista, tal como se pode depreender de seus sagazes e criativos ensaios de poesia sobre Carlos
Drummond de Andrade, João Cabral de Melo
Neto, Murilo Mendes etc, os
poetas da geração de 45 e escritores que, anunciando novas formas de técnicas de
construção ficcional, demandariam novas formas
de interpretação e julgamento, novos recurso críticos.
É em meio a este estágio de sua atividade critica que ele se
vai afastando, até pela doença e morte relativamente prematura, de sua judicatura crítica. A guinada nos estudos literários e linguísticos com o surgimento do estruturalismo à altura dos
anos de 1970 já não o alcançaram.
Contudo, não devemos deixar de consignar mais algumas reflexões desta
parte do capitulo que, em nosso juízo, servem como balizas indicativas de sua permanente
curiosidade não só pela atividade crítica, tendo por referência primordial
a sétima série do Jornal de
crítica, que insere estudos dele
datados de 1952 a
1957 e da quinta parte da obra O relógio e o quadrante, sob o título geral “Teoria literária,” que vai do capítulo 26 ao capítulo 30.
Nessa quinta parte se incluem estudos
que vão de 1940 a 1960. Assim, podemos
afirmar que, combinando a sétima série
do Jornal
de crítica com a quinta parte
de O relógio e o quadrante,
conseguimos discernir os estudos de acento mais teórico de Lins e
daí avaliar o quanto suas
perquirições sempre buscaram
se sustentar em reflexões profundas
sobre o fenômeno literário em
toda a sua extensão e,
surpreendentemente, constatar que aquele
Impressionismo por que é rotulado
pela historiografia literária está muito aquém
do pensamento teórico e da práxis de sua crítica.
Ainda no mesmo sentido de não ceder ao imobilismo crítico que evidentemente
levaria Lins à estagnação de seus
recursos e princípios empregados na sua
crítica, é que percebemos como ele amiúde
se portava com um espírito inquieto e disponível a experimentar
novas formas que o afastavam de um Impressionismo
preso a uma camisa de força na esterilidade vazia do mero subjetivismo que ia
perdendo, com o tempo e com a campanha
cerrada que lhe moviam
as gerações mais novas, reforçada
ainda pelos ataques de Coutinho contra a crítica de rodapé.
Lins estava convencido de
que perdia terreno
para a nova corrente e, já na década de 1960, era fácil discernir
a sua eficácia e o seu esforço de pretender
ainda terçar armas contra
a crítica da cátedra versus crítica de rodapé. O espaço da
universidade já se impunha
à medida que a resistência
crítica de Lins se ia exaurindo,
posto que resistindo enquanto
forças dispunha para demonstrar que
estava em combate.
Esta consciência lúcida de que
algo novo se estava processando no domínio da crítica literária e dos estudos literários em geral pode-se bem
avaliar pelos artigos e ensaios publicados por Lins
na década de 1950.
Contudo, a sua visão teórica
básica ainda se mantinha presa, em síntese, ao binarismo terminológico
chamado por ele ‘biografia’ e
‘historicismo’ que, segundo ele, equivaleriam a ‘personalidade’ e “realidade social”
ou, em outros termos, “uma substituição do relato biográfico e da crônica histórica pela estrutura psicológica do autor
e caracterização sociológica”[10].
No mesmo parágrafo, ainda acentua de forma tautológica: “Há que
estudar-se numa obra, legitimamente, ou melhor,
necessariamente, tanto a personalidade do autor como o seu conteúdo social”[11]
Além disso, nesse jogo de substituição, Lins leva seu argumento para o
plano filosófico no tocante ao conceito de “literatura,” que ele denomina “o
duplo e amplo conhecimento filosófico” compreendendo “o que é” (essência) e o
“ato de ser” (existência). Por falar de “personalidade,” termo reiteradamente
invocado em seus estudos, veja-se como
Lins reforça essa questão:
Personalidade autêntica: eis a substância
psicológica, na verdade como que cada autor há de impregnar a sua obra; eis a
matéria humana que é lícito
a cada um de nós procurar e
exigir numa obra literária – seja Romance, ou Poesia, ou Teatro. Ou também Crítica,
ainda mesmo no campo daqueles que têm da Crítica o conceito de que ela não é
criação, mas outra coisa qualquer, de acordo com as suas convicções doutrinárias ou com
os seus interesses utilitários de baixa espécie[12] (grifos nossos)
Como sempre, na polêmica, o que
se poderia discutir somente no plano das
ideias e do equilíbrio, Lins não perde azo para
alfinetar, em tom mordaz, como também
era próprio de seu temperamento
combativo, tanto quanto o do seu adversário, sobre as quais teoricamente divergiam: crítica criadora,
princípios doutrinários ou de política literária, visões bem diferentes de
autores, por exemplo, Lins exaltava a
crítica de José Veríssimo, Coutinho lhe fazia, porém, reservas, embora, em artigos posteriores, procurou
reavaliar de forma bem mais positiva
o legado crítico deixado por José Veríssimo, numa
atitude correta e séria de ajuizamento crítico
de Coutinho.[13]
Em muitos ângulos percebemos evidências
de sintonia do pensamento crítico de Lins que ensejam uma
forma de ultrapassagem do mero
Impressionismo em questões que, somente anos depois,
estariam no debate
acadêmico-universitário, sob novos
enfoques no domínio da investigação literária em tempos de
pós-modernidade: a “indústria cultural,”
a morte do autor, a “morte do
escritor,” apagamento do autor,” “autoria,” “autoridade” etc.
Nesta direção, guardadas as
devidas características temporais, estavam nas preocupações de Lins[14]
tópicos como a “Literatura industrial” (da qual já falava Saint-Beuve na sua
época), “uma história sem nome e sem biografias,” uma análise de um
poema não levando em conta a
biografia de ”poetas” e, “em alguns
aspectos,” a própria personalidade
deles, citando, como exemplo,
Mallarmé na literatura francesa e, na
literatura inglesa, John Keats. Isto tudo a propósito da ideia de que
os “críticos mais ortodoxos do New Criticism” costumavam realizar análises formais ou
estilística utilizando-se mais do
gênero poético:
Além disso, há
certos atores – e fixemos, corretamente, o caso dos poetas, pois com os poetas
e com as obras em versos, de preferência ou quase exclusivamente, é que lidam
os críticos mais ortodoxos, do ‘new criticism’ – cujas obras melhor se prestam
aos estudos de estilista formal e análise objetiva dos respectivos textos.[15]
As afirmações de Lins
supra-citadas mereceram, no
entanto, esta correção de Coutinho:
A renovação empreendida pela nova crítica
aparentemente só se aplicava à poesia, É o que afirmam os que não estão a par
dos trabalhos e resultados da nova crítica, com certeza por e os estudos sobre
a poesia saltam mais à vista. Mas, em verdade, a ficção está sendo objeto de trabalhos tão revolucionários talvez até mais do que a poesia. O importante é
que não limitemos a nossa compreensão da nova crítica aos estudos da linguagem
e estilo. Mas, inclusive nesse aspecto, são de
maior alcance os resultados já obtidos no que concerne à investigação
das características da linguagem da ficção. A bibliografia nesse terreno é já bastante considerável.[16]
(Grifos nossos)
No mesmo artigo, do qual extraímos o trecho acima, Coutinho menciona
alguns aspectos que a nova
crítica tem enfocado: o estilo segundo
o conceito, não mais da
“gramática,” mas da nova “ciência de
estilo”, “(...) inspirados no conceito de que a estiologia começa onde a
gramática termina.” [17]
Outros tópicos teóricos
da estrutura da narrativa são
realçados pela nova abordagem
crítica, como o ponto de vista, a ordem da narrativa, a ironia, o paradoxo, a
ambiguidade, a linearidade de estilo,
enfim, todos os recursos provenientes de novas
maneiras de analisar
a ficção, de compreendê-la na
sua totalidade, com técnicas e artifícios
que, quando bem utilizados pelo artista, resultam na composição artística de um romance, de um conto,
ou seja, de uma obra literária elevada ao estatuto estético[18].
Voltemos a Álvaro Lins. A demonstração
mais cabal de que as últimas
pesquisas teóricas empreendidas
por Lins, em parte, sugerem que
as suas derradeiras leituras se dirigiam a autores-chave do New Criticism, elegendo T.S.Eliot como autor
de referência para externar
algumas reflexões acerca da nova
corrente crítica, notadamente no ensaio
dividido em três partes que se encontra na obra O relógio e o quadrante: “O autêntico
new criticism no estrangeiro,” “A desimportância do new criticism em arrivistas e carreiristas dentro do Brasil” e “Relógio universal e quadrante brasileiro.”[19] Este ensaio de Lins, um estudo comparativo
sobre dois ensaios em que de T.S Eliot enfoca o New Criticism, editados em
diferentes épocas, com os títulos
“The function of criticism” e “The
frontiers of criticism,” comentaremos mais adiante.
Também em O relógio e o quadrante, há um artigo “Uma História sem nomes e sem
biografias,” no qual Lins se refere a um
estudo de T.S.Eliot sobre o poeta Dante.
O estudo objetiva uma
comparação de Dante com
Shakespeare mediante um enfoque que não
admitiria, a princípio, não lançar
mão de elementos extrínsecos,
visto que para o crítico “quanto menos soubesse
sobre o autor e sua obra,” tanto
melhor seria ao desenvolvimento de seu ensaio. Afirma Eliot:
Em minha própria experiência de
apreciação de poesia, tenho verificado
que, quanto menos sei acerca do poeta e
da sua obra, antes de iniciar a leitura, tanto melhor. Uma citação, uma
observação crítica, um ensaio entusiasta poderiam ser a razão de levar alguém a
ler um determinado autor: porém,
ser-me-ia um obstáculo o uso de
conhecimentos históricos e
biográficos de uma esmerada estratégia.[20]
Adverte-nos Lins que, um pouco adiante,
Eliot se depara com “situações e problemas” de natureza intrínseca, mas também extrínseca
em sua análise, ou seja, como trabalhar os
“contrastes” de ordem estilística
de Dante na comparação com Shakespeare, tanto quanto no “confronto” do poeta da Divina Comédia frente ao “espírito” da Idade Média. Diante
dessas dificuldades, Lins, com
sutil ironia, até mesmo finalizando o parágrafo com reticências, conclui que
uma saída para Eliot – como realmente ocorreu - foi aprofundar-se no conhecimento
da “personalidade” desse poeta e estudar
as “condições sócio-históricas” da sua
obra, assim como recorrer, em
larga escala, à sua biografia e ao
conhecimento da sua época, i.e.,
utilizar-se de aportes historicistas.
Cumpre acentuar que, em outra obra, Os mortos de sobrecasaca, Lins escreveu
dois artigos-ensaios censurando o
que lhe parecia o uso deformado
do New Criticism, de títulos
“Ah, logrados indígenas!” e “Um povo
jovem ante fórmulas requintadas, belas, estratificadas e mortas.”[21]
Esses trabalhos datam de 1958 a 1960.
Em todos
os artigos e ensaios de Lins em que levanta a questão do new criticism, reconhecendo
embora a validade dessa corrente
do pensamento crítico, de sua importância e de seus grandes seguidores, sua finalidade maior é
a de mostrar ser esse novo
movimento mal assimilado
no país. Ora, essa atitude de Lins exprime mais um desconforto
dele para com a novidade que certamente
alteraria o quadro de liderança
na condução da atividade crítica entre nós.
Tendo por adversário Afrânio Coutinho, Lins sabia que este crítico
tinha firme a sua decisão de
realizar uma mudança efetiva nos estudos literários brasileiros que, por seu
turno, repercutiria negativamente
na prática da crítica de rodapé, reduzindo o poder de
liderança de Lins, cuja influência
era notória no período de 1940 a 1950, pelo menos.
O crítico e ensaísta João Cezar de
Castro Rocha, em Crítica literária:
em busca do tempo perdido?[22] - um longo, moderno (particularmente na forma
original de apresentação das partes da obra) e notável ensaio sobre a crítica
literária no Brasil, apresenta uma chave diferente quanto à atitude de Lins de
rebater os ataques de Coutinho.
Castro Rocha depreende nos
textos de Lins concernentes à polêmica com
Coutinho uma forma de
“mimetizar” a linguagem acadêmico-universitária, ou seja, a cátedra
em oposição à crítica de rodapé, as
citações que faz de grandes críticos americanos pertencentes ao grupo do New Criticism em sentido lato, as
citações de T. S. Eliot etc. Veja-se o
que afirma Castro Rocha:
Contudo, em 1958, para
reafirmar a legitimidade da mesma crítica de rodapé, Álvaro Lins não encontrou
melhor recurso do que mimetizar o discurso universitário e, ao fazê-lo,
reconheceu, malgrado seu propósito, o triunfo da cátedra [23]
Entretanto, em nosso entendimento,
a circunstância de Lins mostrar
que não havia perdido o bonde da história, por enumerar
e emitir ligeiros juízos sobre
obras que formavam
um seleto grupo de críticos e ensaístas de língua inglesa, tais como I. A. Richards, René
Wellek, Austin Warren Edmund Wilson, Granville Hicks, Kenneth Burke e sobretudo, o que ele escolheu como eixo central do já citado
ensaio, “O autêntico new criticism
no estrangeiro,” foi de meramente
demonstrar que não era nenhum old-fashoned crítico de rodapé. Era um crítico que
continuava lendo e ainda atuante no
jornal e no livro.
E o exemplo maior que ilustra são
essas suas reflexões assimiladas das
leituras de “new critics” de língua inglesa, tendo, à frente, a figura respeitada de T. S. Eliot.
Sobre o que linhas atrás denominamos,
nesta seção de capítulo, “ultrapassagem” do mero Impressionismo, não intentamos
dizer que Lins tenha deixado os traços
essenciais do seu pensamento crítico de fundo humanista, mas uma tomada de
consciência lúcida de que deveria compreender os sinais do tempo e da sua própria judicatura crítica, i. e., renovar-se sem perder as características primordiais
da sua compreensão da literatura
e da crítica.
Reconhecer também, à semelhança daquele personagem-escritor de O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa, que novos tempos se abriam
no domínio da criação literária e, por extensão,
do pensamento crítico, o que quer
dizer, isso modifica tudo, mesmo as suas antigas concepções da arte literária.As
considerações que Lins faz
sobre o New Criticism, de
certa forma, nos parecem um gran
finale às avessas, nem
inteiramente melancólico, nem
inteiramente feliz, no qual a ironia
paradoxalmente se mistura à seriedade, numa peça ensaística que, pelo tom da exposição, nos lembra uma defesa de um
tribuno – e aqui nos recorda
aquele epíteto que lhe deu Otto Maria Carpeaux ao acentuar ser a verdadeira vocação de
Álvaro Lins a de um “tribuno.”[24]
Vários motivos - e
podemos frisar ter sido isso uma boa estratégia para falar
da Nova Crítica que se estava implantando no país graças
sobretudo aos esforços ingentes e doutrinários de Afrânio Coutinho -, levaram
Lins a empreender uma análise de dois
importantes ensaios de T. S. Eliot,
já anunciados linhas atrás, “The
function of criticism”, da obra Selected essays (1932) e outro, “The
frontiers of criticism,” da obra On poetry and poets (1957).
A opção de Lins por analisar o New Criticism de T.S.Eliot seria uma
forma indireta e sutil para discutir o pensamento crítico brasileiro dos adeptos da Nova Crítica encabeçada por Coutinho
e ao mesmo tempo para realçar os
princípios estéticos de Eliot, que, por sinal,
fora também vítima de ataques reacionários
de uma crítica estabelecida que se opunha ao New Criticism ” eliotiano, o qual para Lins
representava o verdadeiro e
autêntico New Criticism no exterior.
Fora uma estratégia inteligente
de Lins em face do que ele não aceitava dos postulados da Nova Crítica brasileira, ou, em outros termos, Lins
sagazmente usara as armas do inimigo para defender sua própria pele e ninguém melhor do que
o peso de Eliot para tentar vencer
o prélio. No fundo, tinha consciência de que sairia
chamuscado e de certa maneira incompreendido pelas novas gerações que já
fechavam o cerco a caminho de outra liderança
no campo da crítica literária
no país.
Essa estratégia, ademais, serviria
mais para reforçar a crítica de Lins contra os que
desejavam desqualificar o seu Impressionismo, nunca afirmado por Lins nem
tampouco por ele negado. Ao eleger T. S. Eliot como objeto de
sua investigação e ao
considerá-lo como o mais indicado
na época - os anos de 1950 - para
estabelecer o que para ele seria
o verdadeiro movimento da crítica moderna anglo-americana, Lins - aduzimos -,
punha mais lenha na fogueira
do embate polêmico entre as duas correntes. Não sonegava
validade ao New Criticism, mas também batia forte contra aqueles
seguidores, que, na sua ótica, não haviam corretamente assimilado os
princípios reais daquela corrente em suas fontes anglo-saxônias e norte-americanas.
Os dois artigos-ensaios de Lins
reforçam a sua combatividade, sobretudo tendo em vista
que as ideias estéticas
de Eliot não eram imobilistas,
mas souberam discernir elementos tradicionais e modernos.
A par disso, Lins ainda por cima não se opunha a mudanças que
deveriam ser aqui feitas
no campo dos estudos universitários
de letras, no país. Agradava-lhe a ideia de ver numa só pessoa, como era o caso
de T.S.Eliot, críticos-professores universitários e críticos-artistas. Por
isso, para ele eram auspiciosos e necessários aos novos tempos a criação de Faculdade
de Letras, não sua multiplicação desordenada e sem aparelhagem, mas cursos
superiores de letras que mantivessem
professores competentes e atualizados. Donde se vê
que, nesses questões, suas ideias
se equivaliam às propugnadas
por Afrânio Coutinho.
A grande validade dos
artigos-ensaios sobre Eliot se fundamenta em princípios
de crítica literária sustentados
por esse poeta e ensaísta que
culturalmente, segundo Lins,
fundiu duas culturas literárias,
a americana e a inglesa, mas sem nunca
se afastar completamente das suas vivências espirituais e
intelectuais dos Estados Unidos,
ou melhor, nas palavras de Lins referentes a Eliot: ”Participante da cultura
inglesa, e nela integrado, em sua crítica, porém, conservou a alma e o corpo do
New Criticism na força originária e
na forma mais genuinamente
norte-americana”[25] ( grifo
do autor).
Lins
mostra que a luta de Eliot,
no início de sua
defesa do New Criticism, não foi assim
fácil, pois teve desentendimentos
de ideias estéticas com, por exemplo,
o crítico Middleton-Murray,
da mesma
forma que, no Brasil, foi tormentosa para
Coutinho alcançar suas metas de divulgação e implantação da Nova Crítica.
Lins não abre mão, contudo, de outros condicionamentos que só
atrapalham a vida literária e sobretudo
o desenvolvimento do
pensamento crítico moderno, que não
pode esquecer contribuições
de movimentos críticos anteriores, como,
no caso, o Impressionismo, uma vez que, à altura da
refrega sem trégua da Nova
Crítica, não se tratava só de
uma única abordagem dela, consoante tantas vezes
reiterava seu principal defensor, Afrânio Coutinho. Em toda a sua
campanha, corajosa em defesa da Nova Crítica,
o autor de Correntes cruzadas
assinalava o fato relevante, conforme se pode comprovar na citação dos dois
parágrafos seguintes do artigo “Ainda
equívocos”:
A propósito da nova crítica –
isto e, das correntes de renovação da crítica – uma série de equívocos ainda continuam
a aparecer sob a pena de comentários ou mesmo críticos, toda vez que ao
problema se referem. É bom sempre
tentar o esclarecimento, insistindo
em pontos já por vezes muito batidos, a
fim de que não se enraízem os enganos.
Primeiramente, a nova crítica não se resume
unicamente no grupo anglo-americano do ‘new-criticism.’ Este é apenas um dos
aspectos ou correntes das tentativas renovadoras, Entre os próprios ingleses e
norte-americanos há outros grupos renovadores infensos ao chamado ‘new criticism.’[26]
Lins, ao centrar seu enfoque
nas ideias estéticas de Eliot, não perde
tempo para alfinetar
seu mais conhecido adversário no campo intelectual, já que,
naqueles anos de 1950, a peleja estava a pleno
vapor e ainda contava com os seguidores,
em muitos aspectos, do
pensamento renovador de Coutinho.[27]
Na discussão do ensaio “A
desimportância do new criticism em
arrivistas e carreiristas dentro do Brasil” sobre Eliot, Lins ataca autores
como o velho crítico J. E. Spingarn que, em 1910, proferira uma “conferência-manifesto” com o
título de “The New Criticism,” segundo
Lins “um desafio escandalosamente ousado naquele distante 1910, hoje
quase uma velha peça documental para os arquivos.”[28]
Conforme frisa Lins, Spingarn
era do tipo de crítico que
formulava técnicas de análises de obras
sem, contudo, pô-las em prática,
servindo apenas para “provocar debates.”[29]
Coutinho, diante dessas afirmações de Lins, procura
pôr os pingos nos is e, em
vigoroso artigo de 1958, de título “O Velho e o novo Eliot,” com farta
bibliografia, um traço
característico de seus textos
em geral - vale repetir -, chama
a atenção de Lins acerca da expressão “the new criticism.”[30]
O crítico baiano, então, esclarece
ser aquela denominação incorreta para
designar “o moderno movimento da crítica
anglo-americana.” Contudo, a participação de Spingarn tinha finalidade diversa dos fundamentos
centrais do New Criticism. Informa Coutinho que “... a expressão ‘the new critcism’ foi empregada duas vezes
diferentes, para designar dois movimentos distintos da crítica moderna.” [31]
As ideias críticas de Spingarn se
alicerçavam nas lições que aprendera na Itália com o filósofo
Benedetto Croce, ou seja, o
crítico norte-americano, segundo
Coutinho, reagia contra o academicismo e o positivismo, os
fatores estéticos se sobrepunham à “pesquisa moral, social e psicológica.” [32] Spingarn
defendia uma formulação estética haurida no expressionismo de Croce. Coutinho também
faz referência a outro nome da
crítica norte-americana que partilhava dos mesmos princípios estéticos de Spingarn; era Edwin Berry Burgam,
influenciado igualmente pelas
ideias de Croce.[33]
Ao contrário de Lins,
Coutinho reconhecia a influência
que aqueles dois críticos norte-americanos significaram para um ‘novo
movimento de new criticism,’ ocorrido
de 1930 a
1940. O rótulo New Criticism deve-se
a uma das suas figuras de relevo, John Crowe Ransom, autor da obra The new criticism (1941).[34]
Aprofundaremos este tópico do New Criticism
no próximo capítulo.
Por outro lado, a razão dessa referência a Spingarn prende-se ao fato de que este crítico
‘nunca pôde demonstrar a técnica que preconizava, limitando suas funções
a provocar debates.’[35]
No mencionado ensaio, “A
desimportância do new criticism, em
arrivistas e carreiristas, dentro do Brasil,” Lins também verbera um estado de permanência da ‘crítica da crítica
por um crítico,’ ou o que, segundo ele, “(...) já se classificou, em caso semelhante, como uma crítica de oficina, ‘workshop criticism,’[36]
na mesma direção de procedimentos analíticos utilizados pelos “primeiros
críticos norte-americanos”[37]
do New Criticism, os quais,
consoante assinalou Morton Dauwen Zabel, crítico e historiador
norte-americano, que, por sinal,
lecionou literatura americana no curso de letras da Faculdade Nacional de Filosofia Universidade do Brasil: “Ensinavam, corrigiam e debatiam,
mas pouco lucravam os leitores em conhecimentos práticos dos métodos e técnicas
literárias”[38]
Ora, todas essas alusões ao lado
improdutivo da militância do New
Criticism tiveram, em nosso juízo, a
intenção da parte de Lins de revidar o ataque
de Coutinho contra o Impressionismo
e sua
prática crítica nos rodapés de jornais..
Por outro lado, de caso
pensado, cita o nome do crítico David Daiches, autor do Critical approaches to
literature, estudo teórico que aliava
a teoria do New Criticism à
prática de análises, como o fez em The novel and modern world, levando a efeito o que menos se fazia, ou seja, utilizar
os procedimentos de exegese do New Criticism em obras de ficção, fruto
da “experiência’ de Daiches em cursos da
Universidade de Chicago.[39] A
questão de se alegar que o New Critcism unicamente
tratava de poesia foi
rebatida por Coutinho, segundo vimos
numa citação dele linhas atrás.
Já nos reportamos acerca da
classificação de Otto Maria Carpeaux atribuída a Lins, ou seja, a de uma
vocação de tribuno. Examinando com cautela os artigos-ensaios de Lins, que constituem o seu ensaio acerca da crítica
de T. S.Eliot, a sensação que temos é a
de que o autor de A
técnica do romance em
Marcel Proust
está proferindo uma peça
oratória. Usa de artifícios retóricos, visíveis naquela forma de expor o
argumento da opção por T. S. Eliot a fim de desdobrar as suas ideias concernentes ao pensamento
crítico do autor dos Selected essays.
A estratégia de Lins é a de chamar a atenção
do leitor para a ideia dessa escolha, e não de outros grandes críticos de
língua inglesa por ele citados. A estratégia funciona como um movimento
que aparentemente intenta retardar
a justificativa da escolha,
porém avança no seu desenvolvimento explanatório. Citamos abaixo, as cinco
vezes em que essa
estratégia é utilizada:
1.
“De onde surgiu, porém, a ideia, a sugestão de
aproximar os dois ensaios [de T.S.Eliot] para este estudo comparativo?”[40]
2. “Poderá
um leitor, nesta altura, levantar uma pergunta, e essa pergunta a mim mesmo já
formulei: por que a escolha de T.S.Eliot
para a empresa de examinar-se, por intermédio do seu estudo a frio e do brilho
ornamental do seu conceito de crítica em matéria de literatura, aquela grande questão do problema geral e do estado atual,
da chamada nova crítica...” [41]
(grifo do autor)
3. Por
que a escolha de T. S. Eliot, e não de outro mais audaz, porque mais jovem, em
explorações no território ainda com algumas
zonas virgens da crítica contemporânea?”[42]
4. “De
fato, por que a escolha de T. S. Eliot, e não de outro qualquer representativo
de alguma das correntes mais numerosas ou das experiências mais espetaculares
do new criticism...” [43]
(grifo do autor)
5. “Por
que, então, a escolha de T. S. Eliot, e não a de outra personalidade, um grande
nome representativo, ou uma valiosa obra marcadamente expressionista, ou um
assinável grupo de jovens lucidamente fixados
em conjunto – tudo isto, ou qualquer deles, nos domínios e horizontes do próprio new criticism?[44] (grifo do autor)
A estratégia de cunho retórico a
que nos referimos atua no ensaio de Lins
da seguinte forma: enquanto, hesita ou retarda a escolha e ao mesmo tempo a explica ao leitor, o crítico faz crescer a importância e a chancela que o nome
de Eliot confere ao seu ensaio, quer dizer, sem negar a importância de grandes nomes do New Criticism anglo-americano, ele traz para sua discussão as ideias e os
princípios defendidos por Eliot que, em síntese,
interessariam aos próprios fundamentos
do pensamento crítico de Lins. Em
outras palavras, ao privilegiar o New Criticism geral,
reconhecendo-lhe as várias variantes
nos Estados Unidos e na Inglaterra, Lins
aponta como eixo central do seu ensaio as ideias estéticas de Eliot:
Não, nenhuma hesitação ou dúvida seria
razoável, nenhuma escola estaria mais indicada para os nossos objetivos do que
a figura de T.S. Eliot; nenhuma obra mais apropriada ao tipo e à natureza do
ensaio, que ora empreendemos, do que a obra do autor de The use of poetry e The use
of criticism, de On poetry and poets e
dos Selected essays.[45]
Por isso foi encontrar em Eliot
algumas aberturas que se harmonizavam com alguns dos seus princípios estéticos e de visão mais arejada do seu humanismo crítico bem mais evoluído, sobretudo naquele aspecto que
para Eliot era incompatível ao
entendimento (understanding) e fruição (enjoyment)
na leitura de uma obra literária., levando-o, de acordo com Lins, a se afastar
do “estreito didatismo e do seco formalismo que ele intitulou com espírito
satírico e demoniacamente devastador – The
lemon-squeezer school of critcism . Ou seja, apenas isto: ‘a escola
espreme-limões da crítica’ “ [46]
Lins, desta forma, não cedeu um
palmo naquilo que, como instrumento de sua crítica integral, psicológica,
culturalista, impressionista-humanista, em elevado nível exegético de
resultados de prática crítica,
estivesse exaurindo-a dos
componentes de natureza extrínseca,
que, por nenhuma razão, deveriam ser
alijados da interpretação,
análise e julgamento, ou seja, sua
compreensão do fenômeno literário, por
ter um sentido plural, eclético, não
podia limitar-se àquela ”crítica objetiva,” imanente, da obra
literária propugnada pelo New Criticism.Atente-se
para o enunciado de derradeiro parágrafo
de seu ensaio sobre Eliot:
Por
outro lado – e continuando nesta mesma direção – podemos analisar o dizer tudo
o que significa uma obra de criação literária, mas esvaziando-a do prazer que
ela é susceptível de oferecer-nos. E fruir
assim uma obra poética com base na ininteligência do que ela é como substância
e realidade, isto seria fruir, na
verdade, apenas uma outra coisa. Isto é: mera projeção de algum entendimento
lógico, histórico, gramatical, formalista e extrovertido.[47] (grifos do autor)
Desta maneira, ao validar o New Criticism de Eliot e de outras figuras eminentes dessa corrente crítica, Lins
aproveita a oportunidade para
censurar a “nova crítica” que se desejava adotar no ensino superior de letras e que, segundo ele, aqui
foi distorcida e mal assimilada. Ele bem sabia que não era
nada disso, que a Nova Crítica era uma realidade ainda que com todas as suas
limitações de práxis inicial no país.
De outra parte, no ensaio de Lins existe um ponto crucial digno de
atenção do analista literário. A escolha
recaindo sobre Eliot, num momento de grande efervescência da polêmica com
Coutinho e os seus seguidores ou simpatizantes da Nova Crítica - anos
de 1950 – reveste-se de um golpe
de mestre na peleja literária. Sabia Lins que Eliot, na primeira fase de sua
pregação do New Criticism, tinha
sofrido muitas incompreensões e
ataques da parte dos críticos tradicionalistas, i.e., dos
impressionistas norte-americanos.
A admiração que Lins manifestava
por Eliot significa que esse crítico jamais repudiou o New Criticism, mas sim, como adverte Adélia Bolle, ‘certos
representantes indígenas.’ [48] A
ensaísta toca numa questão também
essencial no que concerne à posição
de Lins de não ter aderido à “nova
crítica”: a “ (...) repulsa por uma crítica objetiva, pela imposição de
leis, regras e normas à atividade
literária.”[49]
Julgamos que essa “repulsa”
estaria visceralmente relacionada à própria
formação intelectual de Lins, ainda mesmo quando deu demonstração
cabal de que a sua prática crítica não
seria a mesma de tempos atrás, após
novas leituras que lhe iam insinuando
a necessidade de novas visões
e de novos aportes teóricos no
domínio do pensamento crítico ocidental
.
Por analogia e ironia do destino,
Afrânio Coutinho sofrera incompreensões e também lutara com unhas e dentes
contra as formas envelhecidas do Impressionismo crítico brasileiro, ou seja, numa polêmica
aguerrida, porém em sentido inverso
dos objetivos que Lins direcionava seu ensaio: louvar em Eliot o que desaprovava em Coutinho.
Da mesma forma, com respeito às mudanças que ocorreram
com a prática crítica de Eliot, no tocante à sua posição
acerca das relações entre o crítico-universitário e o jornalismo
literário, o “periodismo,” podemos
distinguir algumas semelhanças
com o pensamento a este respeito de Coutinho ao discutir as diferenças de qualidade de crítica entre o crítico universitário e o reviewer, o crítico de
rodapé.
Em outras palavras, tanto em Eliot
quanto em Coutinho havia a segurança de visões de que poderia haver bons ou
medíocres praticantes de crítica em
jornais ou em livros. E
seria essa também a opinião de Lins, que reprovava duramente os maus críticos de jornais quando se vulgarizavam “(...)
na ligeireza e na superficialidade do chamado ´periodismo’ crítico.”[50] A resistência de Lins, por mais vigorosa que fosse, no final,
não lograra êxito. Porém,
tanto Lins quanto Coutinho - cumpre
constatar -, dentro de seus métodos críticos e de visões do fenômeno
literário, à parte as divergências
e escaramuças pessoais ou no
nível das discussões teóricas,
lutavam por uma
causa nobre, séria e responsável,
se vista do ângulo do pensamento crítico
em fase de grandes mudanças na época da polêmica entre eles.A polêmica entre os dois
antes se inscreve como uma luta
intelectual e com propósitos elevados no campo da crítica literária brasileira
e, assim, não deve ser interpretada como mera disputa de perdedores
ou ganhadores.
A questão da polêmica
torna-se um dado positivo na medida em que o debate deflagrado se insere no circuito da história
literária de um país. No mínimo, o seu
valor funciona, de certa forma, como o
fluxo contínuo das ideias estéticas, históricas e culturais que só
fazem avançar, no caso
específico, os estudos literários e das artes em geral sem fronteiras e, de
preferência, sem ranços de
chauvinismos de qualquer espécie
que só retardam o processo da comunicação artística no plano universal e
na era digital de um mundo globalizado..
Os opositores de Lins, sobretudo as novas gerações daquela época do
final dos anos de 1940 e da década de
1950 que aderiram à campanha de
Coutinho para verem postos em prática, no meio literario brasileiro, os postulados fundamentais
do New Criticim, já
estavam tomando conta do novo espaço teórico. Lins não
desejou baixar a guarda, mantinha-se convicto de que o método de análise de uma
obra literária não podia se submeter ao império da autarcia do objeto literário.
Seu tempo de apogeu no rodapé já
estava perdendo chão, porquanto o próprio jornalismo literário
viria sofrer as consequência da crítica da cátedra universitária. Não tardaria que o aparecimento de novas formas
de abordagem crítica surgidas no exterior fossem divulgadas no meio intelectual
brasileiro - o estruturalismo, a desconstrução, o pós-estruturalismo, a
fenomenologia, a teoria da recepção, a teoria feminista, o novo historicismo, a
teoria pós-colonial, o discurso das minorias, a queer theory, os estudos narratológicos, os estudos semióticos,
os estudos da análise do discursos -,
enfim, que novos movimentos do pensamento crítico
universal proliferassem.[51]
Lins não os alcançou, uma vez que, já nos meados da década de 1960, não
mais produzia. Estava solitário e
doente, vindo a falecer em 1970.
* NOTA DO AUTOR: Este texto é uma subseção de um capítulo do meu estudo de Pós-Doutorado submetido à Faculdade de Letras da UFRJ.
[1]
LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante. Op. cit., p. 376-377.
[2] Idem , p.370.
[3]Idem,
p. 414.
[4]MENESES BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p. 68.
[5] Idem, p. 80.
[6]
Idem, p. 68.
[7]
Apud. MENESES BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit.,
p. 78.
[8]
Idem, ibidem.
[9]
Idem, p. 80.
[10]
Cf. LINS, Álvaro. Uma história sem nome
e sem biografia. In: _. O relógio
e o quadrante, Op. cit., p. 364.
[11]
Ibidem.
[12]
Ibidem, p. 365.
[13]
COUTINHO, Afrânio. José Veríssimo, Prós e Contras. In: ___. Crítica
& críticos. Op. cit., p. 220-244.
[14]
LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante. Op. cit., p. 344-351.
[15] Idem, p. 365-366.
[16]
COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos.
Op. cit., p. 140-143.
[17]
Idem, p. 141.
[18]
Idem, p. 142-143.
[19]
Cf. LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante.
Op. cit. Os três ensaios, na ordem mencionada acima, em conjunto, vão da
página 383 à página 414..
[20]Apud
LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante,
Op. cit., p. 366. .Cf. o original em
inglês:
“ In my own experience of the appreciation of poetry I have always found
that the less I knew about the poet and his work, before I began to read it,
the better. A quotation, a critical remark, an enthusiastic essay, may be the
accident that sets one to reading a particular author: but an elaborate
preparation of historical and biographical knowledge has always been to me a
barrier”.
[21] Cf. LINS, Álvaro. Os mortos de sobrecasaca, Op. cit. Ver, respectivamente, páginas
p. 434-435 e p. 440-442.
[22]
CASTRO ROCHA, João Cezar de. A crítica
literária: em busca do tempo perdido? Op. cit.
[23]
Idem, p. 199.
[24]CARPEAUX,
Otto Maria. Apud LINS, Álvaro. A glória de Cesar e o punhal de Brutus. (1939-1959).
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. Trata-se de uma epígrafe
extraída do capítulo “Álvaro Lins e a literatura brasileira,” da
obra de Carpeaux, Origens e fins, Rio de Janeiro, 1943. Ver Bibliografia Geral no
final deste estudo.
[25]
LINA, Álvaro. O relógio e o quadrante,
Op. cit., p. 392.
[26]
COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos.
Op. cit., p. 133-136.
[27]
Cf. o que afirmamos anteriormente às páginas 21-23 deste estudo.
[28]
LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante.
Op. cit., p. 404.
[29]
Ibidem.
[30]
COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos.
Op. cit., p. 200.
[31]
COUTINHO, Afrânio. O velho e o novo Eliot. In:__Crítica & críticos. Op.
cit., p. 200-209.
[32]
Idem, p. 201
[33]
Ibidem.
[34]
Ibidem.
[35] Apud
LINS, Álvaro. O relógio e o
quadrante, Op. cit., p. 404. Essa
citação. é de Morton Dawen Zabel. Lins
deve ter lido provavelmente o ensaio de Zabel em tradução portuguesa, já que se
encontrava traduzido desde 1947; se
considerarmos que tenha lido no original
em inglês, a tradução de Lins pouco
difere da tradução de Célia Neves. O ensaio se encontra na obra de Zabel A literatura
dos Estados Unidos e tem o título “A crítica literária nos Estados
Unidos,” capítulo XXIV, p.
526-574.
[36]
Ibidem.
[37]
Ibidem.
[38]
Ibidem.
[39]
Ibidem.
[40]
LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante Op.
cit., p. 386.
[41]
Idem, p. 389.
[42]
Ibidem.
[43]
Idem, p. 390.
[44]
Idem, p. 391.
[45]
Idem, p. 391-392.
[46]
Idem, p. 414.
[47]
Idem, p. 414.
[48]MENESES BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p.
61.
[49]
Ibidem..
[50]
LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p.388.
[51] CULLER,
Jonathan. Teoria literária.: um
introdução. Trad. de Vanda Vasconcelos. São Paulo: Beca,
1999, p. 118-126.
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