domingo, 30 de novembro de 2014

Os senadores, os deputados e o judiciário brasileiros







                                                Cunha e Silva Filho


        Mal  foram  concluídas, as eleições presidenciais e as dos  novos governadores  e eis que, usando de suas prerrogativas, os senadores,  deputados federais e juízes federais já deram sinal  de que querem  aumentar seus salários.
        Nem bem foram definidos os novos ministros,  nem tampouco   houve a   posse ainda da Presidente Dilma e a avidez da pecúnia já tomou  força  de dois  poderes da  República. No mínimo,  é uma insensatez  e uma ação insensibilidade  de nossos  homens públicos que legislam  e fazem  julgamentos.
        Nem mesmo sabendo  que o país  atravessa  um série   de  tormentas  geradas  pela corrupção,  pela dinheirama  surrupiadas por corruptos  da Petrobrás,  de grandes empreiteiras e  de intermediários  coadjuvados com  alguns  políticos de mais de um partido,  inclusive do PT, esses donos do poder   não  se  sentem  constrangidos   em   proclamar   seu direito  por  aumentos salariais,  logo eles que são uma “elite”  de  indivíduos   que percebem  altos salários do governo  federal.
A insensatez  desses senhores,   que deveriam dar  um bom exemplo  em tempos de  Brasil  moral e politicamente   decadente,   provém de um   direito -  nem bem sei qual  é o termo  legal  para isso -,  o de se darem os próprios aumentos, quando,  a racionalidade  e  as supostas  leis  não  poderiam permitir   essa aberração  que vai  de encontro  à regra geral  de reajuste  de salários  tanto dos funcionários  públicos  menos   aquinhoados  quanto  mesmo  do setor  privado.
Por outro lado,  há que  considerar mais um contra-senso. Esse grupo de homens públicos  determina seus aumentos salariais quando os outros setores públicos nem  mesmo têm tido  aumento há uns três anos  pelo menos.Ou seja, o au mento  deles se dá anualmente, ao passo que o do resto do funcionalismo  fica ao sabor  da situação   financeira  do país. É uma insânia   tal comportamento    dos privilegiados tupiniquins.
O que agrava mais  a  situação  criada  é que  o percentual  não  se pauta  por  índices  da inflação   por que passa  o país, mas  por  altos   percentuais, entre 20%  e 30%  só para mais, já que o para menos  só vale para  as porcentagens   eleitorais  de candidatos  a políticos.  Se, por exemplo, um classe de trabalhadores em greve  de categorias sem  muito  poder de barganha política  reivindicasse aumentos compatíveis  com o alto custo  de vida,  o Tribunal do Trabalho   seria célere em considerar   o pleito  abusivo. Dura lex sed lex, o que se há de fazer?
Essa forma de deputados, senadores  e juízes se darem o próprio aumento  é um aleijão   do ponto de vista   legal e, se o fato  é amparado  por lei, que se  modifique  tal lei. É bem  interessante que  os  contemplados   por  esse tipo  de  reajuste, e aí  incluo, os políticos, os juízes,  em geral  não se   mostram contrários  a  esse tipo  de majorar  salários, i.e., ficam  calados,  embora  possa m alguns deles   particularmente   serem  contrários   a esse absurdo  que só  desmoraliza   os detentores   desse grupo de privilegiados, o que  outrora,   na  era  Collor,  chamava-se marajá. Atente-se, o leitor,   para a circunstância de que , além dos vencimentos   propriamente ditos, que já são polpudos,   os deputados e senadores e mesmo os juízes federais, ainda  têm  outros direitos  régios, como  verbas  parlamentares,  auxílio moradia, entre outras  regalias.Quer dizer,  somando-se tudo,  o salário real  atinge cifras   altíssimas e o custo para o  Erário Público  atinge cifras de milhões por ano.
 Enquanto isso,  o aumento  dos barnabés,   dos baixa renda, dos  escalões inferiores do  funcionalismo  federal, ou de  níveis médios  de outras categorias profissionais,  até nas Forças Armadas,  se  dá  por decreto   do  Executivo. 
Se o país almeja  melhorar  sua  democracia,  que se comece pela reformulação   das regras  de reajustes salariais e suas   gritantes  diferenças  entre  os salários do cidadão brasileiro do setor  público. Claro, de acordo com a relevância e a alta responsabilidade dos cargos,  tem que haver  diferenças, mas que não sejam  tão  injustas se comparadas, por exemplo, com o brasileiro comum  aposentado  pelo  INSS,  que  percebe migalhas.
Agora, me lembro de um senhor aposentado que, ao ser  recentemente perguntado por um repórter de tevê  se estava contente com a sua aposentadoria,  qual  não foi a sua    resposta: “Estou feliz com dois salários mínimos,”   afirmou sorrindo.  De loucos todos temos um pouco. Para os governantes,  uma resposta como  essa é a medida  de todas as coisas.
Fica  difícil,  portanto,   acreditar  em  mudanças  num país que, antes das eleições,   seus candidatos prometem mundos e fundos,  manipulam   dados estatísticos, exibem um  Brasil  mágico e edulcorado, um paraíso,  onde tudo  está  funcionando  quase  perfeitamente. As grandes questões  e seus gravíssimos desafios  passam  pela tangente,   ardilosamente   sabendo  que, ao enfrentá-las com  objetividade  e  seriedade,  perderão as eleições. 
E esse comportamento  do político brasileiro vem de longe,  enquanto um povo alegre,  festivo,  cordial, carnavalizado  dança o samba do crioulo doido diante dos donos do poder.   Haja  Black Friday  da momice  consumista ianque-brasileira a sustentar  o status   quo do nosso Planalto e da Praça dos Três Poderes.Como reflexões ao brasileiro,  que tal o  “homo eroticus” e  o conceito de  ‘laboratório da pós-modernidade’ do sociólogo  francês Michel Maffesoli, que esteve recentemente no  país para  conferências?





quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Os Estados Unidos precisam de um novo Martin Luther King, sem sangue




e



                                      Cunha e Silva Filho


           Desde os  esforços  de Martin Luther King (1929-1968), nos anos  de 1960, o maior líder negro da história  norte-americana,  com a sua luta, com a sua oratória  convincente, carismática e portentosa,  a favor dos direitos civis, sobretudo dos negros, que  eram  tratados como  gente de segunda classe, a pátria de Lincoln precisa  reavaliar  de forma urgente  o que  se poderá  fazer, nos poderes  Executivo Legislativo e Judiciário, para melhorar   a situação ainda presente, que é    injusta e  discriminatória contra os  negros  no país. Sabemos  que a morte de MLK não foi  em vão. Seu legado  foi construtivo se comparado com  a situação em que  se viam  os negros americanos antes  da atuação  desse  grande líder, um verdadeiro  apartheid  plantado  em solo americano
Seria conveniente  reler  os seus escritos, os seus discursos,  o seu ideário a fim de que possamos,  em tempos atuais   levar adiante  o que  ele  conquistou  para o bem do  povo americano. Seu famoso pronunciamento  “I have a dream,” serve como excelente  material  para  reflexão sobre o tema  do racismo  e dos  direitos  de cidadania  não só  do povo americano mas de qualquer  povo  que  aspire a alcançar  os inalienáveis direitos  civis em situação  de igualdade, ou seja,  sem  nenhuma   pretensão  de   daquela  ideia   absurda de  “iguais  tratados como  desiguais,” tão .comum em alguns  países, inclusive  o Brasil.
Os confrontos decorrentes de crimes de policiais  americanos  brancos contra negros  e pobres, sendo  exemplos  os de 1989, 1992, 2012 e, agora,  2014,  constituem  casos  flagrantes  da ainda  frágil   posição  em que  se situa  o  homem  negro americano,   sobretudos adolescentes.
 Ora,  quem há de  acreditar nas afirmações  de policiais  brancos  que,   respondendo  a perguntas  da imprensa confessam  que teriam agido  da mesma forma  se a vítima  fosse um branco? Como  explicar  o fato  de   que o policial  atire  não sei quantas  vezes contra alguém que está desarmado. Por si próprio,  o policial   já tem um treinamento de um candidato para uma atividade cujo perfil seja  o de prontidão   à violência e,  no caso de ser um  policial  mal treinado e desequilibrado,   essa predisposição  ainda  é bem  maior, tanto  no Estados Unidos quanto  em qualquer  parte  do mundo.  Pessoas  pacíficas em geral  não  procuram  a carreira de policial.
O cinema americano mostra essa faceta de alguns policiais, quer dizer,  o seu  lado  violento, agressivo, sem falar  da dimensão corrupta de alguns. Qualquer pessoa bem informada,  sabe que, no cinema,  na  literatura,  no teatro, nas novelas, o bad side  de parte da  polícia  não é mera  coincidência, mas   relatos fictícios  fundamentados  na realidade empírica.
O  Presidente Obama,  ele mesmo  detentor de um Nobel  de Paz,  não pode ser leniente quanto aos acontecimentos   de natureza  racista  que  estão ocorrendo  nos EUA. Não é preciso  apenas de “calma” para   aquietar os ânimos exaltados dos afro-americanos  diante da  injustiça do homem  branco.
 Compete ao líder  americano,  que é negro,   ter uma posição  mais firme  e corajosa   concentrando  seu prestígio  junto à  comunidade negra americana   no sentido de  provocar mudanças  nas leis  americanas levando em conta   pontos cruciais  dos quais apontaria   primeiro,    humanizar o  treinamento de  seus  policiais  tornando-os  não  inimigos   entre os negros, mas   pessoas   mais sensibilizadas e mais   equilibradas  diante  de  situações  de conflito, usando  a arma de fogo  só em  última  instância.
 Segundo,  fazer   pesada   campanha publicitária   de  pacificação  dos ânimos  entre  negros e brancos  para que  os dois lados  se tornem  indivíduos  e cidadãos   ligados  por um sentido  de   fraternidade, de respeito   recíproco   pelas diferenças  meramente   epidérmicas.  
Finalmente,  urge que os EUA   invistam  na melhoria das condições do negro  americano, reduzindo  as situações   de  abandono,  de miséria, de falta de  habitação   adequada,  de aperfeiçoamento  de suas escolas  públicas,  preparando os seus jovens  a um acesso  melhor    nos estudos   e na possibilidade  de um emprego   decente ou de  ingresso  em  boas universidades.
Ao  realizarem  essa melhoras de cunho social, de cidadania,  evitar-se-ão  mortes   covardes  contra a  população  negra e,  em consequência,   impedirão  os confrontos   perigosos  multirraciais  que, se alastrando,   só têm a  dar prejuízos  à nação americana,  acumulando desnecessariamente perdas materiais e principalmente  humanas.

Que não se deixe de relembrar  as lições  de paz e de união  que ainda ecoam  nos  espíritos   do nobre  povo americano.  Não são elas palavras ocas de um  líder populista, mas de um pensador que conquistou   novas leis  contra a segregação  dos  negros americanos,   leis de direitos  civis e de possibilidade  de os negros  poderem  ter  direito ao voto e de se tornarem,  assim,   cidadão  americano. Essas  vitórias  conquistadas não podem  se  perder; elas foram    conseguidas  graças  ao combate   ingente de Luther King  desde os meados dos anos de 1950. O seu assassinato,  em 1968,  é prova   incontestável  de  sua  luta corajosa e sobretudo do  seu  nível  de reação  contra   a discriminação   racial  nos  EUA.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

O Papa tem razão






                                      Cunha e Silva Filho


           Não quero estar na pele do Papa Francisco. Ele já deu  provas mais do que  evidentes  e insofismáveis de que  as alternativas são escassas tanto no que concerne à ausência de solidariedade no mundo quanto no se que se  refere à fome, às guerras e,  por último,  à falta d’água para consumo humano, a chamada  água  potável provinda dos  rios. Suas  advertências  são  firmes  e suas palavras  têm o peso da  sabedoria tanto  no sentido de  observar  os erros  materiais  quanto  no de  perscrutar  os complexos  problemas  que podem  levar  os habitantes do  planeta Terra a um beco sem saída.
           O Papa  Francisco tem os olhos para Deus como  ainda os tem para os males  da vida  leiga,  para o lado prático   desta,   para uma espécie de  conhecimento, digamos,  fora do  epicentro  teológico. Sua visão se me mostra aberta, acessível,  sem  esoterismos   nem excessos  teóricos. Seus pronunciamentos não me parecem  dirigidos apenas aos iniciados, aos eruditos católicos do clero  regular e dos pensadores  laicos mais  afeitos   às abstrações  filosóficas ou teológicas.
           Sua evangelização, suas prédicas  se  dirigem ao homem da rua, aos humildes,  aos famintos, aos ainda milhões  que não têm o que comer  enquanto  outros    se refestelam    no puro  consumismo das sociedades hedonísticas,   principalmente   de natureza capitalista do Ocidente tanto quanto em parte do Oriente.  Ora, tal  exacerbado   modo de vida epicurista,  sibarita, perdulária,  indiferente à sorte dos despossuídos tem suas raízes  na exploração   dos mais fracos,  na acumulação  da riqueza às custas   de meios  ilícitos,  corruptos,  frutos de falcatruas, de conchavos  feitos entre governantes  e  empreiteiras com a intermediação    de  políticos  que venderam alma  e a  dignidade  à diferentes  máfias  das sociedades,  cujo alvo  são o lucro fácil e a  ganância  pantagruélica geradores do individualismo  com  ausência de  parâmetros  de vida  ética e de moralidade  nas ações  do homem contemporâneo.
           Quanto às guerras   que despontam aqui e ali  no mundo,  não antevejo  para elas  melhoras   em direção  à paz  duradoura. Os organismos  internacionais de paz fazem sua parte, contudo  as soluções  concretas,  os conflitos  não dão sinal  de  chegarem  a compromissos  de  pacificação   dos espíritos. Os exemplos  estão aí,  na  Ucrânia,  na Síria,  no Afeganistão,  na Coreia do Norte,  em Israel e na Palestina só para mencionar  uns poucos   exemplos de  regiões conflagradas.
         O pior de tudo  é que  jovens  ingleses, americanos,  franceses ou de outras nacionalidades,   se bandeiam para  o fanatismo   de terroristas  muçulmanos, dos jihardistas,  do  denominado  Estado  Islâmico, com  pretensões  expansionistas de natureza  geopolítico-religiosa. Sem  disporem de amadurecimento ideal  a uma compreensão   equilibrada   dos  problemas  do mundo, esses  mesmos   novos   ocidentais,    escolados   pelos  terroristas   e fanáticos,  se  transformam  em verdugos e  degoladores encapuzados  com sotaque  britânico em cenas humilhantes e   horripilantes vistas pelas tevês mundiais,  com aquelas figuras  mascaradas e vestes  pretas,  prontas a se tornarem   executores das ações covardes   contra    jovens  ocidentais, alguns dos quais   jornalistas.   
       Os pais dos que se  convertem  ao  islamismo deformado  pelo fanatismo,  são deixados  para trás  em desconsolo  pela  opção  religiosa (?) dos filhos; ficam   sem saber o que fazer e procuram   os motivos   que  levaram seus filhos  a conversões  religiosas e ideológicas. Os terroristas que  determinam as  ações de bárbaros contra o ser humano põem a culpa  nos  Estados Unidos, que, segundo eles,   andam  bombardeando  regiões   onde  se   homiziam   grupos terroristas. Homens que se tornam   terroristas  escudados  por  supostos  princípios  religiosos na realidade   não são  verdadeiros   praticantes do islamismo São contrafações  religiosas. O mundo fica, assim, de ponta cabeça.
       O terceiro problema,  lembrado  pelo  Santo Papa,   que  assombra  o mundo,  é  a água. Esse líquido  precioso,  condição  essencial  da vida,  já está dando sinais de escassez, e, aqui no  Brasil,  tem   assustado  a população, sobretudo  a de São Paulo. Todos nos lembramos  do  chamado  polígono das secas,  flagelo  do Nordeste  brasileiro e ao mesmo  tempo  regalo de  políticos    que se aproveitaram  do que se chamou   “indústria  da seca.”  Quem  já imaginou  o grande estado de São Paulo,  a sua capital  e o seu interior  às voltas com   a gravidade  da falta d’água.       Para muitos  politiqueiros de má índole,  a seca do Nordeste  era um  prato  cheio para manter permanentemente sob sua  dependência  e cabresto  político-eleitoreiro,  os flagelados   dessa desgraça   que tanto  assola  aquela região. Foi a falta d’água,  de chuva, com a sua consequência,  a seca,  que, no  Nordeste, inspirou o clássico romance  Vidas secas, de Graciliano  Ramos.
         A saga de Fabiano é a do retirante acossado  pela fome, pela seca e pelo descaso  governamental.  No Oriente, regiões antes desérticas,  se transformaram em  solos férteis. No Brasil, ao contrário,   a falta d’água,   agora se transfere para a “locomotiva do país.”
        Os governos de São Paulo  foram  imprevidentes  e  incompetentes, botando toda a culpa  na falta de chuva, na estiagem, quando se sabe que as razões são mais profundas e estão, pois,  ligadas  à falta de cuidados   com  os rios que abastecem  São Paulo, na capital e no  interior.
         Uma   outra  causa  de  desídia  governamental  é a completa ausência  de  planejamentos   para  salvar  as fontes  hídricas do  Tietê que,  no coração    paulistano,  se transformaram  em vergonha  nacional, com o rio poluído,  lugar de  despejo de sujeira  industrial, de lixo urbano, decorrente da  ignorância  de seus habitantes,   ou seja, de falta de educação e  carinho  para com   o Tietê.
         Como contrasta tudo isso com  os  rios europeus e  norte-americanos e de outros  países!. O  Tâmisa,  o Sena,   o Danúbio,  o Mississipi,  o Nilo,  o Tejo, por exemplo,  são, à vista dos nossos,  modelos de  preservação   de suas nascentes,  são parte  viva  de seus  povos   que  os tratam  de forma  humana, i.e.,  como dádivas  da natureza  em benefício de  povos  civilizados.
          O mesmo  poder-se-ia afirmar do rio  São Francisco, do outrora  famoso Velho  Chico, o  "rio   da integridade  nacional.” O governo  Lula, com  o populismo de sempre,   resolveu   desviar  o curso  desse  rio, não atendendo  aos  apelos de um  defensor, se não me  engano,  um  padre,   da integridade física e navegável  do  grande rio,  fazendo até  greve de fome.
          O objetivo  do governo  era  levar água  para  áreas do  Nordeste secularmente   assoladas  pela seca. Até agora,  a obra não   foi  concluída e o que se fez  resultou  num  gravíssimo     crime,  o de que a nascente principal   do São Francisco  já secou ou está secando. São Paulo,  na capital e no  interior,  hoje está   fortemente  dependente das bênçãos divinas,   da  permissão de São Pedro para que  faça  chover  em São Paulo a fim  de  auxiliar o que pouco  se tem de reservas d’água pressionada por uma   capital  altamente  demográfica  e  sem planejamento   urbano   adequado.
          Do Norte já sinalizam  problemas  da bacia Amazônica. O maior  rio do mundo em  volume d’água já se  ressente com  a criminosa depredação do homem  brasileiro, através das queimadas,  do   desmatamento.  O “pulmão do mundo”  é uma riqueza  inestimável  e responsável  pelo  equilíbrio  do meio ambiente em nível  planetário.
        Durante a recente campanha  presidencial nenhuma  dessas questões   que afligem  a saúde  de nossas  reservas  hidrográficas  se discutiu, o que é muito   grave. As vozes  politiqueiras   se calam  diante  dos magnos  problemas nacionais, pois estão  mais pensando em  macroeconomia,  superávit primário,   divisão  orçamentária, aumento  de salários de deputados e de benefícios  para eles   como  o auxílio moradia   e quejandos. 
        Como aumentar salários  desses políticos  que, mesmo   sem  aumento,  já desfrutam de uma vida   de nababos? É por isso  que, nas redes sociais,   cresce assustadoramente  o número de  cidadãos  brasileiros indignados  contra  os nossos  políticos e os  nossos   governantes, contra igualmente   novas  mordomias  para juízes federais que  estão  pleiteando  auxílio-moradia, eles próprios que já  percebem  altos salários diametralmente   injustos  se comparados aos salários   dos barnabés, dos  aposentados pela Previdência  Social  e de outros   salários  de órgãos  vitais  ao progresso  da nação, com militares das Forças  Armadas, Polícia  Federal,  professores  do ensino fundamental e médio  federal,  médicos federais e outros profissionais do setor  federal. Esses cidadãos, através de coletas de assinaturas  virtuais, estarão encaminhando, por via  judicial,   aos governantes  e  políticos  que  suspendam suas pretensões descabidas  de  fortalecerem  seus  privilégios   em detrimento   do bem-estar do povo brasileiro. 
         Vejam  outra  gritante    injustiça  que se comete  neste país: um funcionário  de uma estatal como a Petrobrás,  e não estou falando  de executivos do alto escalão,  recebe  sessenta mil  reais  mensais, como é exemplo um deles  implicado nos  escândalos  da Petrobrás. Imagine-se o que  não  recebem os   altos funcionários  daquela estatal que,  não satisfeitos com  os  seus salários de marajás, ainda   por cima   se envolvem   em  falcatruas  com  empreiteiras  e  políticos   inescrupulosos. A ganância deles não tem tamanho e o seu  limite são os  milhões  ou bilhões  desviados  para   bancos   estrangeiros e a ostentação  desavergonhada de uma vida-paraíso  aqui  na  Terra.

        Para eles,  só uma  solução:  que mofem  em masmorras sem direito a progressão  da sentença. Desta forma, ajudarão  a  minimizar  a impunidade  brasileira.  

sábado, 15 de novembro de 2014

É de estarrecer!








                                  Cunha e Silva Filho


              A coisa anda feia no país.  Hoje, o jornal O Globo surpreende, na primeira página,  o  leitor com  vinte e quatros  fotos  de gente ligada ao  grande  empresariado  e de altos funcionários da Petrobrás  envolvidos  em  negociatas com  partidos  políticos do PMDB, PP e  do  PT. Numa  mega-operação  de uma segunda fase   da Lava-Jato, foram mobilizados 300  policiais da  Polícia Federal,  50 agentes da Receita Federal em diferentes partes do  Brasil. Fundamento  da operação:  corrupção  na Petrobrás com  altos executivos  de empresas  em conluio  com  executivos  da Petrobrás.  Aqueles são acusados de   pagarem  propinas a  executivos  do alto  escalão  da Petrobrás e a  políticos  do PT,  do PP e do PMDB.  Várias  páginas  daquela jornal  são  reservadas  a reportagens   que  esmiúçam os meandros  da roubalheira   nacional    num escândalo, talvez ainda pior do que o do Mensalão e dos  anos sombrios   do governo  Collor.
               Como contraponto aos escândalos  da Petrobrás, o  mencionado  jornal  refresca a memória  do leitor,   lembrando  que os membros  do governo  petista  e de outros partidos que foram  presos no Mensalão, após um só ano  de detenção,   sete  presos   já andam  livres  e fagueiros   distantes  da prisão.                 Ora, ao cidadão  brasileiro que  se depara com  tanta   malandragem   da  politicalha nacional  e com  o que  resultou  de denúncias,  investigações    policiais  e  encarceramento   dos   sentenciados não resta senão   manifestar  sua  indignação  contra  julgamentos   que  resultaram  praticamente  em flagrante  impunidade.
             Como se há de confiar num  governo  que  age  dessa forma  no que  diz respeito  a práticas  reconhecidamente  identificadas como   delituosas   e nocivas ao  dinheiro  público, i,e,  terminam num simulacro de  penalidades   que recebem o nome  de  “prisão domiciliar”? Onde fica o peso da Lei, onde  fica a Justiça   que deveria dar  exemplo  de  sua  imparcialidade e de sua  obrigação  de   fazer  valer  a essência da Lei e o respeito  à Constituição?
            O que mais  me   causa   espécie  é o fato  de que  os prosélitos   do  PT fecham os olhos  a todo esse quadro  de  quebra de decoro   político  e faz ouvidos de mercador   a todas  as  maquinações,   imposturas  e mentiras   do governo federal.   
           Reconhecer realizações importantes do governo federal, a partir das administrações  do Lula e da Dilma em alguns   setores pontuais,   melhorando   a vida   de  parte da pobreza  brasileira através   de  benefícios  sociais ainda que   populistas   nas suas motivações,   ou  constatar-se a multiplicação   de   cursos  superiores    federais  e  escolas   técnicas, com  algum  ganho  salarial  bem mais significativo do que  era no  governo   FHC,  que  deixou  o funcionalismo  federal   por mais de uma  década  sem  nenhum aumento, é algo que não  podemos   omitir. 
          Mas,  a melhoria   de  setores   da  estrutura  governamental  federal  não  pode nem deve  ser  um biombo   com o qual  possamos   esconder os   problemas  cruciais e de  alta  gravidade que afligem hoje  o  Estado   Brasileiro:  a violência  sem precedentes  na história da  criminalidade   brasileira,   a precariedade dos  transportes de massa,   o sucateamento de hospitais,  a impunidade generalizada  pondo em descrédito as intenções e os  planos do governo em   quererem  efetivar  reais  mudanças  nos  pontos mais críticos   de sua governança.
        Nenhum brasileiro  sensato  e  avisado  pode desejar  para o  país   rupturas  do  sistema democrático  posto que  este ainda  se apresente lamentavelmente  com  tantas falhas não só no  Poder    Executivo,  mas também no  Judiciário e  Legislativo. Daí a necessidade  premente de  reformas  nos  três e reformas que venham  a  fortalecer   o  regime democrático,   modernizando-o  deveras,  tornando-o atuante, capaz de  minimizar  as  tremendas    mazelas  da sociedade brasileira. 
      O salto  maior de qualidade  para   aperfeiçoar   a democracia  brasileira  somente  será   dado  quando  os nossos  políticos  forem  outros, ou seja,  forem  homens  compenetrados   profundamente com o bem-estar  do povo  brasileiro. Esses novos homens, o que não quer dizer simplesmente que sejam  novos  só na idade, porquanto  existem   políticos  jovens que  já  abraçam  a carreira pública com vícios  ancestrais,  com  formação  viciada e corrompida. Sendo  assim,  de nada adianta dizer-se como é lugar-comum: "Têm  sangue novo". Ora,  isso nunca foi   atestado  de integridade moral para ninguém. A ética não  se conta  pela idade.    O homem  digno  para exercer  um cargo  público é fruto de uma solida formação  moral,  combinada  com  competência    e espírito   cívico e uma boa dose de liderança, amor  à causa  pública,  respeito  à Lei.  É  desses componentes formadores   de  grandes  homens que  o  país tanto   precisa e com  urgência
    Em que  terreno   poder-se-ia semear homens  desse quilate? No da educação integral,   nos estudos sérios,  na prática do  humanismo. Daí   depender essencialmente esse terreno  do sistema educacional modernizado,  feito  com   plena convicção   de que  somente o conhecimento profundo e contínuo,  desde o  ensino  fundamental e médio   até à universidade,   aliado  a princípios  éticos e morais, é capaz de .levar adiante  a melhoria do país. Ao  empreender  essa mudança  modernizadora,  a Escola   será sempre  o grande  instrumento  da formação  de homens  sérios,   leais,  humanos  e sensíveis às  agruras  da sociedade e sobretudo  dos mais  necessitados. O político  ideal pode,  sim,  não ser apenas  uma utopia, porém um fato concreto. O pilar principal da  Política e do  político  depende dessa  condição inestimável  e inarredável. A felicidade de um povo   pressupõe  a existência de homens de caráter que, no exemplo brasileiro,  não passa atualmente de  um wishful thinking.
   Sem um  sistema de educação   visto  pelo  político como  um investimento  tão ou mais importante que  o crescimento   econômico de um país, não se há de  conseguir  vencer a batalha  da  politicalha, da corrupção  e da impunidade.  Sem educação aprimorada, o  país continuará a  renovar  o que de pior  possa    nos representar  no  Congresso e  na Casa Legislativa e o mesmo vale para os outros dois  poderes. A unidade  e grandiosidade dos poderes   de uma Nação  é produto  do tipo de  formação   educacional  e familiar  que tiveram seus  membros.
      Por que nos   surpreendemos  tanto  quando   nos  decepcionamos  com  um  jurista, um  professor,   um  engenheiro, um advogado, entre outras   atividades,  que  dão mau  exemplo  de atitudes  no exercício de suas  função. Por isso,  não é só a competência,  a formação   austera   intelectual  que faz  de um indivíduo  uma   pessoa  justa,   correta,  digna e  honesta. É preciso  que  o indivíduo tenha  na sua  mente e nas sua alma  o compromisso  com  a  verdade que seja o  instrumento   do bem  e a serviço da comunidade. É necessário  que  a competência   seja   regulada  pela grandeza  das ações,  das atitudes  e do  respeito  ao outro, que pode ser  uma  só  pessoa,  uma grupo,  uma   sociedade,  uma  universalidade  de  povos.
   Não se quer   significar com isso que   eu esteja  advogando  um  tipo de governança feita na base de um elitismo  de competência, mas  de um  elitismo  de  indivíduos   respeitados    e respeitadores   numa sociedade  livre  e pacífica.




domingo, 9 de novembro de 2014

Álvaro Lins: além do Impressionismo crítico*


               A denominação atribuída por Tristão de Athayde à crítica de Álvaro Lins de “humanismo crítico,” assim como de outros críticos a ele semelhantes, implica um entendimento mais profundo do que a militância de Lins significa em termos de  abordagem  do fenômeno  literário .Em outras palavras, o alcance da visão de Lins sobre a obra literária  não se cinge  apenas a uma compreensão dessa  arte por paradigmas conceituais de cunho subjetivista ou   da  importância  que o crítico dava ao estudo da personalidade  literária, do autor e do próprio crítico, este  na condição de  agente  mediador privilegiado  para atingir, tanto quanto  possível,  o cerne da obra em exame.
               Se Lins, desde o início de sua  atividade  crítica não dispensava a relevância dos componentes do estilo, da forma, conceitos, de resto,  que  por vezes nele  se misturavam  e se tornavam  confusos, segundo  anotou  Adélia  Bolle, ensaísta tantas vezes aqui  citada mercê do   instigante   trabalho  que escreveu   sobre a crítica de Lins,  já podemos  neste ponto deduzir o interesse teórico dele de valorizar a dimensão estética e, portanto,   estrutural, como  fator  decisivo na verificação  da qualidade  ou  da  fraqueza de uma obra.
              Aqui  podemos  falar daquela  harmonia que o crítico trazia à discussão teórica, na qual os conceito  de estilo, forma,  unidade, este último  depreendido  seguramente  do pensamento aristotélico da Poética, bem  podem  acenar  para uma  crítica  de natureza estética e não só biográfica,  sociológica, psicológica e historicista.
               A trajetória crítica de Lins é infensa ao imobilismo teórico. Ela atua num  ritmo  dinâmico, ou seja atento  às possibilidades  de que o crítico  pode  lançar mão na interpretação e julgamento  de uma obra, ou segundo  vemos nas palavras  do crítico:

 (...) Ela [a crítica] tem duas faces: a interpretação e o julgamento, Interpretação deve-se entender como a sua fonte criadora, como a força poética que existe em todas as atividades  literárias. : é a compreensão, é a penetração, é a análise, é a reconstituição, é a revelação, é o senso  psicológico,  é o poder sugestivo, é o jogo e o debate das ideias.A faculdade crítica mais necessária, para esta descoberta de alma e ideias, é a intuição. Para o julgamento, ao contrário, a faculdade dominante será a  razão[1].
            
               Não obstante ser tachado de Impressionista - reconhecemos -, de ser nítida a linha de,  na  essência,  manter-se no paradigma subjetivista, sua crítica  não é fechada a novas leituras  que lhe viessem  enriquecer  o  background  cultural  no terreno  teórico  no decorrer da vida.  Ou seja, se a marca do Impressionismo lhe era evidente, é  também  verdade  que se mostrava ativo com o que já estava se modificando no campo  do pensamento  crítico universal (e no seu conhecimento  de novos autores   que despontavam na alta  literatura ocidental) autores que ainda eram pouco conhecidos e mesmo  desconhecidos no  Brasil e é o próprio  Lins que se incumbe de relacionar alguns deles:
        A crítica científica, dogmática, didática - esta se encontra sempre falida, desacreditada, A crítica como uma aventura da personalidade, como uma arte, como um gênero literário de criação – eis como concebemos o nosso ofício. Não é uma concepção pessoal e tem para sustentá-la e autorizá-la a obra de grandes críticos modernos, as obras de André Gide, de Charles de Bos, de Gabriel Marcel, de André Rousseau, de Benjamin  Crémieux, de Ramón Fernandez e também dos mais novos,  de um  Jean-Pierre Maxence, de um Thiers Maulnier. E ainda as obras críticas de grandes  poetas como  Paul Valéry e Paul Claudel.[2]
              
               Essa tácita recusa de Lins a cultivar um mero Impressionismo é que seguramente o  conduziu a estar atento e atualizado para a época  em que viveu e por isso não lhe foram estranhas ao conhecimento as leituras  de outros  autores-chave do pensamento  crítico avançado independentemente de posições crítico-ideológicas, como Croce,  Matthew Arnold, Ezra Pound,  T. S.Eliot,  Lukács, Auerbach, David  Daiches, Alfonso Reyes, E.  Falci, R.M Albérès, Cesare Pavese, Richard Mckeon, Stanley Edgar Hyman, este ultimo autor da obra Armed vision, segundo Lins “uma espécie de bíblia para os mais fechados e exaltados ortodoxos do “new-criticism.”[3]  E, para completar,  um  recuo necessário a um reforço  teórico, na tradição da grande crítica, em autores  como  Coleridge, Aristóteles, Platão,  entre outros.
               Basta dizer que, ao eleger Marcel Proust como autor de uma tese de concurso ao Colégio Pedro II, Lins já dava sinais evidentes do que de melhor existia no Ocidente como matéria de pesquisa de alta complexidade, como é resultado o seu  ensaio A técnica do romance de Marcel Proust (1951). A bibliografia estrangeira e nacional que consta no final desse estudo reafirma o alcance e o nível de atualidade  para a  época de sua publicação.
               As ideias de um crítico arejado, posto que muitas vezes teoricamente assistemático, sendo mesmo rotulado até de dogmático, confirma algumas analogias - o  que  só faz dele um  progressista – com certos  autores que não chegou  a conhecer. Consoante ressalta a ensaísta Adélia Bolle, as formulações da Moderna Teoria da Comunicação, da Estilística Estrutural de Rifaterre do ‘princípio de estranhamento’ dos  formalistas  russos i.e., cada uma dessas situações provoca este  questionamento: “Não (...) levariam a uma posição mais diferenciada nessa condenação em bloco do ‘impressionismo’?[4] (grifo nosso).
               Em poesia, aquela ensaísta, a propósito de uma análise de Lins da poesia de Thiago de Mello, vê, na expressão empregada pelo crítico – “emprego de surpresa”  - um equivalente  ao efeito de “estranhamento” de Rifaterre.[5] Bolle infere um dado revelador, segundo o qual os formalistas  russos, que são “antipsicologistas” levam em consideração  o “problema da “percepção,”  sendo que essa percepção transfere  o “centro da gravidade do texto para o receptor.”[6]             
            A ensaísta ainda aponta essas aproximações entre a crítica de Lins e procedimentos  do formalismo  russo no que concerne,  por exemplo, à obra de ficção. Para Lins, -  lembra ela -, um romance nunca é “cópia da vida”, pois ele diferencia ‘matéria e ‘construção’ e,com base na obra de Jorge Amado,  o crítico considera o autor “incompleto e mutilado,” introduzindo “assunto” e “problemas em estado  natural, como a pedir os necessários envolvimentos”[7]
              Para Adélia Bolle, essas considerações “extremamente operativas” segundo os formalistas russo,  equivalem aos conceitos de “sujet” e “fable” no seguinte esquema: “sujet” =   construção; “fable”= matéria.[8]
               Este questionamento se prende ao fato de  que, como se sabe,  o Impressionismo  resulta, em primeira instância,  de uma  reação ou “impressão” do  crítico diante da obra, a qual  pode ser positiva ou negativa. É claro que também a “impressão,” que mexe com a sensibilidade do crítico ou leitor, não responde  pelo julgamento  final  da obra.
              Já afirmamos que Lins trabalha, no exercício da crítica, sob três aspectos: interpretação,  sugestão e julgamento. O ponto de partida da leitura, tanto para Lins quanto para quem  quer que seja  crítico, é a primeira leitura, que pode ser  seguida de outra ou outras ou  de partes pontuais  para  atender  àquele tríplice  aspecto.
               Por outro lado, Adélia Bolle lamenta que Lins não tenha sido mais aberto às “contribuições positivas” do New Criticism. Esse particular fechamento de Lins, segundo ela, deveu-se à polêmica de natureza teórico-biográfica da doutrinação  enfática e por vezes acirrada de Afrânio Coutinho: “É pena que ele [Álvaro Lins] se tenha fechado às contribuições positivas do ‘new criticism’, em virtude do aspecto polêmico da campanha jornalística empreendida com muita  agressividade e envolvimento pessoal por Afrânio Coutinho.”[9]
               Essas analogias  ou aproximações de equivalência  de  expressões de natureza  teórica que aparecem nos exemplos  suscitados  pela ensaísta sinalizam  mudanças   que já se estavam efetivando  na análise  de Lins matizadas  de  elementos  formalistas desvelando mais  os  recursos estéticos no desenvolvimento  analítico do  poema.  Estas mudanças  de técnicas de análise reiteram  o fato  de que a classificação de  impressionista em Lins não pode ser tomada “em  bloco.”
              De nossa parte, acrescentaríamos que Lins tinha já consolidada uma formação intelectual marcada, numa primeira fase, pela leitura e familiaridade com os grandes críticos do século  XIX (Saint-Beuve, Anatole France, Jules Lemaître, Brunetière etc) aliada a posteriores leituras  daqueles  que lhe eram  contemporâneos, sem se falar  nas influências  recebidas  dos nacionais: José Veríssimo, a quem admirava  muito e a quem substituiu na cadeira de literatura do Colégio Pedro II,  o próprio  Sílvio  Romero e Tristão de Athayde, circunstância, na formação  intelectual de Lins, já assinalada anteriormente.
               Lins prefere os críticos franceses   mencionados no parágrafo anterior, aos críticos deterministas,  cientificistas também  franceses, tais como  Taine, Brunetière. O seu subjetivismo repudiava a objetividade científica. Por conseguinte, ao se deparar com o New Criticism que se ia insinuando na formação dos jovens críticos a partir da década de 1950, graças sobretudo  ao seu  principal  introdutor  no país,  Afrânio Coutinho, o crítico pernambucano, em posição antagônica, manter-se-ia  ainda na linha  de orientação  que o consagrara.
               Não tivesse havido a polêmica – o que apenas é uma hipótese  provavelmente, quem sabe,   teria, com o tempo, aderido,  se não ao New Criticism anglo-saxônio ou norte-americano,  a uma de outras vertentes de novos métodos críticos  abrangidos pelo que Coutinho  chamava de Nova Crítica.
               Entretanto, nos anos de 1950, sobretudo, a atitude de Lins foi bem compreensível em se tratando de sua personalidade de crítico pronta a desconfiar de uma novidade que se  ia implantando sob a égide de uma corrente crítica liderada  por  Coutinho,  cujo epicentro se assentava no exame da obra literária em si, considerada como objeto estético, autônomo, relegando os  elementos  extrínsecos  a um segundo plano, sem, todavia,  desprezá-los e deles  se utilizando quando  fossem  convenientes à exegese da  obra literária. Esse foi  - não custa repisar -  o núcleo  central da Nova Crítica de base aristotélica da qual Coutinho nunca se afastou. A recorrência de Coutinho a temas nos quis o centro  das discussões  era a doutrinação   dos  postulados da Nova Crítica, quer em  artigos de jornal, quer em livros ou na cátedra, serviam-lhe como  forte   estratégia a fim de  colimar  seus   objetivos, ou seja,  vencer as  resistências   do Impressionismo   crítico.
               Por outro lado, as ideias psicológicas, sociológicas, históricas, biográficas, que tinham lugar privilegiado junto ao componente estético e conjugadas entre si, ainda tinham peso suficiente para Lins mesmo  quando,  nos  últimos  tempos, começasse a dar sinais de que sua crítica avançava para uma interpretação e julgamento de notação  formalista, tal como se pode depreender de seus   sagazes e criativos ensaios de poesia sobre  Carlos  Drummond de Andrade, João Cabral de Melo  Neto, Murilo  Mendes etc, os poetas da geração de 45 e escritores que, anunciando novas formas de técnicas de construção  ficcional, demandariam  novas formas  de  interpretação  e julgamento, novos recurso críticos.
             É em meio a este  estágio de sua atividade critica que ele se vai afastando, até pela doença e morte relativamente  prematura, de sua judicatura  crítica. A guinada nos estudos  literários e linguísticos com  o surgimento do estruturalismo à altura dos anos  de 1970 já não o alcançaram.
            Contudo, não devemos deixar de consignar mais algumas reflexões desta parte do capitulo que, em nosso juízo, servem como balizas indicativas de sua permanente curiosidade não só pela atividade crítica, tendo por referência  primordial  a sétima série do Jornal de crítica, que insere estudos  dele datados de 1952 a 1957 e da quinta  parte da obra  O relógio e o quadrante,  sob o título geral  “Teoria literária,” que vai do capítulo  26 ao capítulo  30.
               Nessa quinta parte se incluem estudos que vão de 1940  a 1960. Assim, podemos afirmar que, combinando  a sétima série do Jornal  de crítica com  a quinta parte de O relógio e o quadrante, conseguimos  discernir  os estudos de acento mais teórico de Lins e daí avaliar  o quanto  suas  perquirições  sempre  buscaram  se sustentar  em reflexões  profundas  sobre o fenômeno literário  em toda a sua  extensão e, surpreendentemente, constatar que aquele  Impressionismo  por que é rotulado pela historiografia literária está muito aquém   do pensamento  teórico e  da práxis de sua crítica.
              Ainda no mesmo sentido de não ceder ao imobilismo crítico que  evidentemente  levaria Lins à  estagnação de seus recursos e princípios  empregados na sua crítica, é que percebemos como ele amiúde  se  portava com um espírito  inquieto e disponível a experimentar novas  formas que o afastavam de um Impressionismo preso a uma camisa de força na esterilidade vazia do mero subjetivismo que ia perdendo, com o tempo e com a campanha  cerrada  que lhe  moviam  as gerações  mais novas, reforçada ainda pelos ataques  de Coutinho  contra a crítica   de rodapé.
               Lins estava convencido de que  perdia  terreno  para  a nova corrente  e, já na década de 1960, era fácil  discernir  a sua  eficácia e o seu esforço  de pretender   ainda   terçar  armas contra  a crítica da cátedra  versus crítica de rodapé. O espaço da universidade  já  se impunha  à medida que a resistência  crítica de Lins se ia exaurindo,  posto que  resistindo  enquanto  forças   dispunha  para demonstrar  que  estava  em combate.
               Esta consciência lúcida de que algo novo se estava processando no domínio da crítica  literária e dos estudos  literários em geral  pode-se bem  avaliar  pelos  artigos e ensaios publicados  por Lins  na década de 1950.
              Contudo, a sua visão teórica básica ainda se mantinha presa, em síntese, ao binarismo  terminológico  chamado por ele  ‘biografia’ e ‘historicismo’ que, segundo ele, equivaleriam a ‘personalidade’ e “realidade social” ou, em outros termos, “uma substituição do relato biográfico e da crônica  histórica pela estrutura psicológica do autor e caracterização sociológica”[10]. No mesmo  parágrafo, ainda  acentua de forma tautológica: “Há que estudar-se numa obra, legitimamente, ou melhor,  necessariamente, tanto a personalidade do autor como  o seu conteúdo social”[11]
              Além disso, nesse jogo de  substituição, Lins leva seu argumento para o plano filosófico no tocante ao conceito de “literatura,” que ele denomina “o duplo e amplo conhecimento filosófico” compreendendo “o que é” (essência) e o “ato de ser” (existência). Por falar de “personalidade,” termo reiteradamente invocado em seus estudos, veja-se como  Lins  reforça essa questão:

 Personalidade autêntica: eis a substância psicológica, na verdade como que cada autor há de impregnar a sua obra; eis a matéria humana que  é  lícito  a cada um de nós  procurar e exigir numa obra literária – seja Romance, ou Poesia, ou Teatro. Ou também Crítica, ainda mesmo no campo daqueles que têm da Crítica o conceito de que ela não é criação, mas outra coisa qualquer, de acordo com as suas convicções doutrinárias ou com os seus interesses utilitários de baixa espécie[12] (grifos nossos)

               Como sempre, na polêmica, o que se poderia  discutir somente no plano das ideias e do equilíbrio, Lins não perde azo para  alfinetar, em tom  mordaz,  como também  era  próprio de seu  temperamento  combativo, tanto quanto o do seu adversário,  sobre as quais   teoricamente divergiam: crítica criadora, princípios doutrinários ou de política literária, visões bem diferentes de autores, por exemplo, Lins  exaltava a crítica de José Veríssimo, Coutinho lhe fazia, porém, reservas, embora,  em artigos posteriores,  procurou  reavaliar de forma bem mais positiva  o legado  crítico   deixado por José Veríssimo, numa atitude  correta  e séria de ajuizamento  crítico   de Coutinho.[13]
               Em muitos ângulos percebemos evidências  de sintonia  do  pensamento crítico de Lins que ensejam  uma  forma de ultrapassagem  do mero  Impressionismo em questões que, somente anos  depois,  estariam no debate  acadêmico-universitário, sob novos  enfoques no domínio da investigação literária em tempos de pós-modernidade: a “indústria cultural,”  a morte do autor, a  “morte do escritor,” apagamento do autor,” “autoria,” “autoridade” etc. 
               Nesta direção, guardadas as devidas características temporais, estavam nas preocupações de Lins[14] tópicos como a “Literatura industrial” (da qual já falava Saint-Beuve na sua época), “uma história sem nome e sem biografias,” uma análise de  um  poema não  levando em conta a biografia  de ”poetas” e, “em alguns aspectos,” a  própria personalidade deles, citando,  como exemplo, Mallarmé  na literatura francesa e, na literatura inglesa,  John  Keats. Isto tudo a propósito da ideia de que os “críticos mais ortodoxos do New Criticism costumavam realizar análises formais ou estilística  utilizando-se  mais do gênero  poético:

Além disso, há certos atores – e fixemos, corretamente, o caso dos poetas, pois com os poetas e com as obras em versos, de preferência ou quase exclusivamente, é que lidam os críticos mais ortodoxos, do ‘new criticism’ – cujas obras melhor se prestam aos estudos de estilista formal e análise objetiva dos respectivos textos.[15]

               As afirmações de Lins  supra-citadas  mereceram, no entanto,  esta correção  de Coutinho:
 A renovação empreendida pela nova crítica aparentemente só se aplicava à poesia, É o que afirmam os que não estão a par dos trabalhos e resultados da nova crítica, com certeza por e os estudos sobre a poesia saltam mais à vista. Mas, em verdade, a ficção está sendo objeto de trabalhos tão revolucionários  talvez  até mais do que a poesia. O importante é que não limitemos a nossa compreensão da nova crítica aos estudos da linguagem e estilo. Mas, inclusive nesse aspecto, são de  maior alcance os resultados já obtidos no que concerne à investigação das características da linguagem da ficção. A bibliografia  nesse terreno é já bastante considerável.[16] (Grifos nossos)
                        
                         
               No mesmo artigo, do qual  extraímos o trecho acima, Coutinho   menciona  alguns   aspectos que a nova crítica tem  enfocado: o estilo  segundo  o conceito, não mais  da “gramática,”  mas da nova “ciência de estilo”, “(...) inspirados no conceito de que a estiologia começa onde a gramática termina.” [17] Outros   tópicos  teóricos  da estrutura da  narrativa  são   realçados  pela nova  abordagem  crítica,  como  o ponto de vista,  a ordem da narrativa, a ironia, o paradoxo, a ambiguidade,  a linearidade de estilo, enfim,  todos os  recursos provenientes  de novas  maneiras   de  analisar  a ficção,  de compreendê-la na sua  totalidade, com técnicas  e artifícios  que, quando bem   utilizados  pelo artista, resultam  na  composição  artística de um romance,  de um conto,  ou seja, de uma obra literária elevada ao estatuto  estético[18].
               Voltemos a Álvaro Lins. A demonstração mais cabal de que as últimas  pesquisas  teóricas  empreendidas  por Lins, em parte, sugerem que  as  suas  derradeiras leituras se dirigiam  a autores-chave do New Criticism, elegendo T.S.Eliot como  autor  de referência  para  externar  algumas  reflexões acerca da nova corrente crítica, notadamente no  ensaio dividido  em  três partes que se encontra na obra O relógio e o quadrante:  “O autêntico  new criticism  no estrangeiro,”  “A desimportância do new criticism em arrivistas e carreiristas  dentro do Brasil”  e “Relógio universal e quadrante  brasileiro.”[19]  Este  ensaio de Lins, um estudo  comparativo  sobre  dois   ensaios em que   de T.S Eliot enfoca  o New  Criticism, editados  em   diferentes  épocas, com os títulos “The function  of criticism” e “The frontiers of criticism,” comentaremos mais adiante.  
               Também em O relógio e o quadrante, há um artigo “Uma História sem nomes e sem biografias,” no qual  Lins se refere a um estudo de  T.S.Eliot sobre o poeta Dante. O estudo  objetiva    uma  comparação de Dante com  Shakespeare mediante um enfoque que não  admitiria, a princípio,  não  lançar  mão de elementos  extrínsecos, visto que  para  o crítico “quanto menos  soubesse  sobre o autor   e sua obra,” tanto melhor seria   ao desenvolvimento  de seu ensaio. Afirma Eliot:

        Em minha própria experiência de apreciação de poesia, tenho  verificado que,  quanto menos sei acerca do poeta e da sua obra, antes de iniciar a leitura, tanto melhor. Uma citação, uma observação crítica, um ensaio entusiasta poderiam ser a razão de levar alguém a ler um  determinado autor: porém, ser-me-ia um  obstáculo o uso de conhecimentos  históricos e biográficos  de uma esmerada  estratégia.[20]


               Adverte-nos Lins que, um pouco adiante, Eliot se depara com “situações e problemas” de natureza intrínseca, mas também extrínseca em sua análise, ou seja, como  trabalhar  os  “contrastes” de ordem  estilística de Dante  na comparação com  Shakespeare, tanto quanto  no “confronto” do poeta da Divina Comédia  frente ao “espírito” da Idade Média. Diante dessas  dificuldades, Lins, com sutil  ironia, até mesmo  finalizando o parágrafo com reticências,  conclui que  uma saída para Eliot  – como  realmente ocorreu - foi aprofundar-se no conhecimento da “personalidade” desse  poeta e estudar as “condições sócio-históricas” da sua  obra, assim como  recorrer, em larga escala,   à sua biografia e ao conhecimento da sua época, i.e.,  utilizar-se de aportes historicistas.
               Cumpre acentuar  que, em outra obra, Os mortos de sobrecasaca,  Lins escreveu  dois artigos-ensaios censurando  o que lhe parecia  o uso  deformado  do  New Criticism,  de títulos “Ah, logrados indígenas!” e  “Um povo jovem ante fórmulas requintadas, belas, estratificadas e mortas.”[21] Esses  trabalhos  datam de 1958 a 1960.
               Em todos  os artigos e ensaios de Lins em que levanta  a questão do new criticism, reconhecendo  embora a validade dessa  corrente do pensamento crítico, de sua importância e de seus  grandes seguidores, sua  finalidade  maior  é a de mostrar  ser  esse novo  movimento  mal  assimilado  no país. Ora, essa atitude de Lins exprime mais um  desconforto  dele para com  a novidade que  certamente  alteraria  o quadro de liderança na condução  da atividade  crítica entre nós.
               Tendo por  adversário Afrânio Coutinho,  Lins sabia que este  crítico  tinha  firme a sua  decisão de  realizar  uma mudança  efetiva nos estudos  literários brasileiros que, por seu turno,  repercutiria  negativamente  na  prática  da crítica de rodapé, reduzindo o poder  de  liderança de Lins,  cuja  influência  era  notória no período de 1940 a 1950, pelo menos.
               O crítico e ensaísta João Cezar de Castro Rocha, em Crítica literária: em busca do tempo perdido?[22]  - um longo, moderno (particularmente na forma original de apresentação das partes da obra) e notável ensaio sobre a crítica literária no Brasil, apresenta uma chave diferente quanto à atitude de Lins de rebater os ataques  de Coutinho.
               Castro Rocha depreende nos textos de Lins concernentes à polêmica com  Coutinho uma forma de  “mimetizar”  a linguagem  acadêmico-universitária, ou seja, a cátedra em oposição à crítica de rodapé,  as citações  que faz de grandes críticos  americanos pertencentes ao grupo do New Criticism em sentido lato, as citações de T. S. Eliot  etc. Veja-se o que afirma Castro Rocha:

Contudo, em 1958, para reafirmar a legitimidade da mesma crítica de rodapé, Álvaro Lins não encontrou melhor recurso do que mimetizar o discurso universitário e, ao fazê-lo, reconheceu, malgrado seu propósito, o triunfo da cátedra [23]
              
               Entretanto, em nosso  entendimento,  a circunstância de Lins mostrar  que não havia perdido o bonde da história, por  enumerar  e emitir  ligeiros  juízos sobre   obras  que  formavam   um seleto grupo de críticos e ensaístas de língua  inglesa, tais como I. A. Richards, René Wellek, Austin Warren Edmund Wilson, Granville Hicks, Kenneth Burke e  sobretudo, o que ele escolheu como  eixo central do  já citado  ensaio, “O autêntico  new criticism no estrangeiro,” foi de meramente  demonstrar  que não era nenhum old-fashoned  crítico de rodapé. Era um crítico que continuava  lendo e ainda atuante no jornal e no livro.          
              E o exemplo maior que ilustra são essas suas reflexões  assimiladas das leituras  de “new critics” de língua inglesa, tendo,  à frente, a figura respeitada de T. S. Eliot.
               Sobre o que linhas atrás denominamos, nesta seção de capítulo, “ultrapassagem” do mero Impressionismo, não intentamos dizer que Lins tenha deixado os traços  essenciais  do seu pensamento  crítico de fundo humanista, mas uma tomada de consciência lúcida de que  deveria  compreender os sinais do  tempo e da sua  própria judicatura  crítica, i. e., renovar-se sem perder  as características   primordiais  da sua compreensão  da literatura e da crítica.
               Reconhecer  também, à semelhança daquele  personagem-escritor de O feijão e o sonho, de Orígenes Lessa, que novos tempos se abriam no domínio  da criação literária e,  por extensão,  do pensamento  crítico, o que quer dizer,  isso  modifica tudo, mesmo as  suas antigas concepções da arte literária.As considerações  que Lins  faz  sobre o New Criticism, de certa forma,  nos parecem  um gran finale às avessas, nem  inteiramente  melancólico, nem inteiramente  feliz, no qual a ironia paradoxalmente se mistura à seriedade, numa peça  ensaística que, pelo  tom da exposição, nos lembra uma defesa  de um  tribuno – e aqui  nos recorda aquele  epíteto que lhe deu  Otto Maria Carpeaux ao acentuar  ser a verdadeira vocação  de  Álvaro Lins a de um “tribuno.”[24]
               Vários motivos  -  e podemos  frisar  ter sido isso uma  boa estratégia para  falar  da Nova Crítica  que se estava  implantando no país  graças  sobretudo aos  esforços  ingentes e doutrinários  de Afrânio Coutinho -,  levaram  Lins a  empreender uma análise  de dois  importantes  ensaios de  T. S. Eliot,  já anunciados  linhas atrás, “The function of criticism”, da obra Selected essays (1932) e outro, “The frontiers of criticism,”  da obra On poetry and poets (1957). 
               A opção de Lins por analisar o New Criticism de T.S.Eliot seria uma forma  indireta e sutil para  discutir o pensamento  crítico brasileiro dos adeptos da Nova Crítica  encabeçada por  Coutinho  e ao mesmo  tempo para realçar os princípios  estéticos  de Eliot, que,  por sinal,  fora também  vítima de ataques  reacionários  de uma  crítica   estabelecida   que se opunha  ao  New Criticism ” eliotiano, o qual  para Lins   representava o verdadeiro  e autêntico  New Criticism no exterior.                 
               Fora uma estratégia inteligente de Lins em face do que ele não aceitava dos postulados  da Nova Crítica  brasileira, ou, em outros termos,  Lins  sagazmente  usara  as armas do inimigo  para defender sua própria pele e ninguém  melhor do que  o peso de Eliot para tentar vencer  o prélio. No fundo, tinha consciência de que  sairia  chamuscado  e  de certa maneira  incompreendido  pelas novas gerações  que  já fechavam o cerco  a caminho de outra   liderança  no campo  da crítica literária no  país.
               Essa estratégia, ademais, serviria mais para  reforçar  a crítica de Lins contra os que desejavam  desqualificar  o  seu  Impressionismo, nunca afirmado por Lins nem tampouco  por ele   negado. Ao eleger T. S. Eliot como  objeto de  sua investigação e ao  considerá-lo como  o mais indicado na época - os anos de  1950 -   para  estabelecer   o que para ele  seria  o verdadeiro  movimento da  crítica moderna  anglo-americana, Lins -   aduzimos -,  punha mais lenha na fogueira   do  embate  polêmico entre  as duas correntes.                                Não  sonegava  validade  ao New Criticism, mas também batia forte contra aqueles seguidores,  que, na sua ótica,  não haviam corretamente assimilado os princípios  reais  daquela corrente em suas fontes  anglo-saxônias e norte-americanas.
               Os dois artigos-ensaios de Lins reforçam a sua combatividade, sobretudo  tendo em vista  que  as ideias  estéticas  de Eliot  não eram imobilistas, mas  souberam  discernir elementos tradicionais e modernos. A par disso, Lins ainda por cima não se opunha a mudanças   que deveriam ser  aqui  feitas  no campo dos estudos  universitários de letras, no país. Agradava-lhe a ideia de ver numa só pessoa, como era o caso de T.S.Eliot, críticos-professores universitários e críticos-artistas. Por isso, para ele eram auspiciosos e necessários aos novos tempos a criação de Faculdade de Letras, não sua multiplicação desordenada e sem  aparelhagem, mas  cursos   superiores de letras  que  mantivessem  professores competentes e atualizados. Donde se   vê que,  nesses questões,   suas ideias  se equivaliam às  propugnadas por  Afrânio Coutinho.
               A grande validade dos artigos-ensaios sobre Eliot se fundamenta em  princípios  de crítica literária sustentados  por esse   poeta e ensaísta  que  culturalmente, segundo Lins,    fundiu  duas culturas  literárias,  a americana e a inglesa, mas sem nunca  se afastar  completamente  das suas vivências  espirituais e  intelectuais  dos Estados Unidos, ou melhor, nas palavras de Lins referentes a Eliot: ”Participante da cultura inglesa, e nela integrado, em sua crítica, porém, conservou a alma e o corpo do New Criticism na força originária e na forma mais  genuinamente norte-americana”[25] ( grifo do autor).
               Lins  mostra que  a luta de Eliot, no  início de  sua  defesa  do New Criticism,  não foi  assim  fácil, pois teve desentendimentos   de ideias estéticas com, por exemplo,   o crítico  Middleton-Murray, da  mesma  forma  que, no Brasil,  foi tormentosa  para  Coutinho alcançar suas  metas  de divulgação e implantação da Nova Crítica.
               Lins não abre  mão, contudo, de outros condicionamentos  que só  atrapalham  a vida literária  e sobretudo  o desenvolvimento  do pensamento  crítico moderno, que não pode  esquecer  contribuições  de movimentos críticos anteriores, como,  no caso, o Impressionismo, uma vez que, à altura  da  refrega  sem trégua  da Nova  Crítica,   não se tratava só de uma única abordagem dela,  consoante  tantas vezes  reiterava seu  principal  defensor, Afrânio Coutinho. Em toda a sua campanha, corajosa em defesa  da Nova Crítica, o autor de  Correntes cruzadas   assinalava  o fato  relevante, conforme se pode  comprovar na citação  dos dois  parágrafos seguintes  do artigo “Ainda equívocos”:

              A propósito da nova crítica – isto e, das correntes de renovação da crítica – uma série de equívocos ainda continuam a aparecer sob a pena de comentários ou mesmo críticos, toda vez que ao problema se referem. É bom  sempre tentar  o esclarecimento, insistindo em  pontos já por vezes muito batidos, a fim de que não se enraízem os enganos.
              Primeiramente, a nova crítica não se resume unicamente no grupo anglo-americano do ‘new-criticism.’ Este é apenas um dos aspectos ou correntes das tentativas renovadoras, Entre os próprios ingleses e norte-americanos há outros grupos renovadores infensos ao chamado  ‘new criticism.’[26]
              
                 Lins, ao centrar seu enfoque nas ideias estéticas de Eliot, não perde  tempo  para  alfinetar  seu   mais conhecido  adversário no campo  intelectual,  já que,  naqueles anos de 1950,  a peleja  estava a pleno  vapor e ainda  contava com os  seguidores,  em muitos aspectos,  do pensamento  renovador de Coutinho.[27]
               Na discussão do ensaio “A desimportância do new criticism em arrivistas e carreiristas dentro do Brasil” sobre Eliot, Lins ataca  autores  como  o velho crítico   J. E. Spingarn que, em 1910,  proferira uma “conferência-manifesto” com o título de “The New Criticism,” segundo  Lins “um desafio escandalosamente ousado naquele distante 1910, hoje quase uma velha peça documental para os arquivos.”[28] Conforme frisa  Lins,  Spingarn  era do tipo  de crítico que formulava técnicas de análises  de obras sem, contudo,   pô-las em prática, servindo apenas para “provocar  debates.”[29]
              Coutinho,  diante dessas afirmações de Lins,  procura  pôr os pingos nos is e, em  vigoroso artigo de 1958, de título “O Velho e o novo Eliot,” com  farta  bibliografia, um traço  característico  de seus  textos  em geral  - vale repetir -,   chama  a atenção de Lins acerca da expressão “the new criticism.”[30]
               O crítico baiano, então, esclarece ser aquela denominação  incorreta para designar “o moderno movimento da crítica  anglo-americana.”  Contudo,  a participação de Spingarn tinha  finalidade diversa dos  fundamentos  centrais  do New Criticism. Informa Coutinho que “... a expressão   ‘the new critcism’ foi empregada duas vezes diferentes, para designar dois movimentos distintos da crítica moderna.” [31] As ideias críticas de Spingarn  se alicerçavam nas lições que aprendera na Itália com  o filósofo  Benedetto Croce, ou seja,  o crítico  norte-americano, segundo Coutinho,   reagia contra  o academicismo e o positivismo, os fatores  estéticos  se sobrepunham à  “pesquisa moral,  social e psicológica.” [32]  Spingarn  defendia  uma formulação  estética haurida  no expressionismo de Croce. Coutinho  também  faz referência a outro nome  da crítica norte-americana que partilhava dos mesmos  princípios estéticos  de Spingarn; era Edwin Berry Burgam, influenciado igualmente  pelas ideias    de Croce.[33]
               Ao contrário de Lins, Coutinho reconhecia  a influência que  aqueles dois  críticos norte-americanos  significaram para um  ‘novo   movimento de new criticism,’ ocorrido  de 1930 a 1940. O rótulo New Criticism deve-se a uma das suas figuras de relevo, John Crowe Ransom,  autor da obra The new criticism (1941).[34] Aprofundaremos   este tópico do New Criticism no próximo capítulo.
              Por outro lado, a razão  dessa referência a Spingarn  prende-se ao fato de que  este crítico  ‘nunca pôde demonstrar a técnica que preconizava, limitando suas funções a provocar debates.’[35]
               No mencionado ensaio, “A desimportância do new criticism, em arrivistas e carreiristas, dentro do Brasil,” Lins  também verbera um  estado de permanência da ‘crítica da crítica por um crítico,’ ou o que, segundo ele, “(...) já se  classificou, em caso semelhante, como  uma crítica de oficina, ‘workshop criticism,’[36] na mesma direção de procedimentos analíticos utilizados pelos “primeiros críticos norte-americanos”[37] do New Criticism,  os quais,  consoante  assinalou Morton  Dauwen Zabel, crítico e historiador norte-americano,  que,  por sinal,  lecionou  literatura  americana no curso de  letras da Faculdade Nacional  de Filosofia Universidade  do Brasil: “Ensinavam, corrigiam e debatiam, mas pouco lucravam os leitores em conhecimentos práticos dos métodos e técnicas literárias”[38]
               Ora, todas essas alusões ao lado improdutivo da militância do New Criticism tiveram, em nosso juízo,  a intenção da parte de Lins de revidar o ataque  de Coutinho  contra o Impressionismo e  sua  prática  crítica nos rodapés  de jornais..
               Por outro lado,  de caso pensado,  cita o  nome do crítico  David Daiches, autor do Critical  approaches to literature, estudo   teórico  que aliava  a teoria do New Criticism à prática  de análises,  como o fez em The novel and modern  world,  levando a efeito o que menos  se fazia, ou seja,  utilizar  os procedimentos  de exegese do New Criticism em obras de ficção, fruto da “experiência’  de Daiches em cursos da Universidade de Chicago.[39] A questão de se alegar que o New Critcism  unicamente   tratava de poesia  foi rebatida  por Coutinho, segundo   vimos  numa  citação  dele linhas atrás.
               Já nos reportamos acerca da classificação de Otto Maria Carpeaux atribuída a Lins, ou seja, a de uma vocação de tribuno. Examinando com cautela os artigos-ensaios de Lins,  que constituem o seu ensaio acerca da crítica de T. S.Eliot,  a sensação que temos é a de  que o autor   de A técnica do romance em Marcel Proust   está proferindo  uma peça oratória. Usa de artifícios retóricos, visíveis naquela forma de expor o argumento da opção  por T. S. Eliot   a fim de desdobrar  as suas ideias concernentes  ao pensamento  crítico  do autor dos Selected essays.
               A estratégia de Lins é a de chamar a atenção do leitor para a ideia dessa escolha, e não de outros grandes críticos de língua inglesa por ele citados. A estratégia funciona como  um movimento  que aparentemente   intenta retardar  a justificativa  da escolha, porém  avança  no seu  desenvolvimento  explanatório. Citamos abaixo, as cinco vezes  em que  essa  estratégia  é utilizada:

1.      “De onde surgiu, porém, a ideia, a sugestão de aproximar os dois ensaios [de T.S.Eliot] para este estudo comparativo?”[40]
2.      “Poderá um leitor, nesta altura, levantar uma pergunta, e essa pergunta a mim mesmo já formulei: por que a escolha de T.S.Eliot  para a empresa de examinar-se, por intermédio do seu estudo a frio e do brilho ornamental do seu conceito de crítica em matéria  de literatura, aquela grande  questão do problema geral e do estado atual, da chamada nova crítica...” [41] (grifo do autor)
3.      Por que a escolha de T. S. Eliot, e não de outro mais audaz, porque mais jovem, em explorações no território ainda com algumas  zonas virgens da crítica contemporânea?”[42]
4.      “De fato, por que a escolha de T. S. Eliot, e não de outro qualquer representativo de alguma das correntes mais numerosas ou das experiências mais espetaculares do new criticism...” [43] (grifo do autor)
5.      “Por que, então, a escolha de T. S. Eliot, e não a de outra personalidade, um grande nome representativo, ou uma valiosa obra marcadamente expressionista, ou um assinável grupo de jovens lucidamente fixados  em conjunto – tudo isto, ou qualquer deles,  nos domínios e horizontes do próprio new criticism?[44]   (grifo do autor)

               A estratégia de cunho retórico a que nos referimos atua no ensaio de Lins  da seguinte forma: enquanto, hesita ou retarda a escolha  e ao mesmo tempo  a explica ao leitor, o crítico faz  crescer a importância e a chancela que o nome de Eliot confere ao seu  ensaio,  quer dizer, sem negar  a importância de grandes nomes do New Criticism anglo-americano,  ele traz para sua discussão as ideias e os princípios  defendidos  por Eliot que,  em síntese,   interessariam aos próprios fundamentos  do pensamento  crítico de Lins. Em outras  palavras, ao privilegiar o New Criticism geral, reconhecendo-lhe  as várias  variantes  nos Estados Unidos e na Inglaterra, Lins  aponta  como  eixo central do seu ensaio  as ideias estéticas  de Eliot:

 Não, nenhuma hesitação ou dúvida seria razoável, nenhuma escola estaria mais indicada para os nossos objetivos do que a figura de T.S. Eliot; nenhuma obra mais apropriada ao tipo e à natureza do ensaio, que ora empreendemos, do que a obra do autor de The use of poetry e The use of criticism, de On poetry and  poets e dos Selected  essays.[45]
                      
               Por isso foi encontrar em Eliot algumas aberturas que se harmonizavam com alguns dos seus  princípios estéticos e de visão mais  arejada do seu humanismo  crítico bem mais evoluído, sobretudo naquele aspecto que para Eliot era  incompatível ao entendimento (understanding) e  fruição (enjoyment) na leitura de uma obra literária., levando-o, de acordo com Lins, a se afastar do “estreito didatismo e do seco formalismo que ele intitulou com espírito satírico e demoniacamente devastador – The lemon-squeezer school of critcism . Ou seja, apenas isto: ‘a escola espreme-limões da crítica’ “ [46]
               Lins, desta forma, não cedeu um palmo naquilo que, como instrumento de sua crítica integral, psicológica, culturalista, impressionista-humanista, em elevado nível exegético de resultados de prática crítica,  estivesse  exaurindo-a dos componentes de natureza extrínseca, que,  por nenhuma razão,  deveriam ser  alijados  da interpretação, análise e julgamento,  ou seja, sua compreensão do fenômeno  literário, por ter um sentido  plural, eclético, não podia  limitar-se  àquela ”crítica objetiva,” imanente, da obra literária propugnada pelo New Criticism.Atente-se para o enunciado de derradeiro parágrafo  de seu  ensaio sobre Eliot:
   Por outro lado – e continuando nesta mesma direção – podemos analisar o dizer tudo o que significa uma obra de criação literária, mas esvaziando-a do prazer que ela é susceptível de oferecer-nos. E fruir assim uma obra poética com base na ininteligência do que ela é como substância e realidade, isto seria fruir, na verdade, apenas uma outra coisa. Isto é: mera projeção de algum entendimento lógico, histórico, gramatical, formalista e extrovertido.[47]  (grifos do autor)
                       
               Desta maneira, ao validar o New Criticism de Eliot e de outras figuras  eminentes dessa corrente crítica, Lins aproveita  a oportunidade  para  censurar  a “nova crítica”  que se desejava  adotar no ensino   superior de letras e que, segundo ele,  aqui  foi  distorcida e  mal assimilada. Ele bem sabia que não era nada disso, que a Nova Crítica era uma realidade ainda que com todas as suas limitações de práxis inicial no país.
               De outra parte, no ensaio de Lins existe um ponto crucial digno de atenção do analista  literário. A escolha recaindo sobre Eliot, num momento de grande efervescência da polêmica com Coutinho e os seus seguidores ou simpatizantes da Nova Crítica  - anos  de 1950 – reveste-se de um  golpe de mestre na peleja literária. Sabia Lins que Eliot, na primeira fase de sua pregação do New Criticism, tinha sofrido muitas  incompreensões e ataques  da parte dos críticos  tradicionalistas, i.e., dos impressionistas  norte-americanos.
              A admiração que Lins manifestava por Eliot significa que esse crítico jamais repudiou o New Criticism, mas sim, como adverte Adélia Bolle, ‘certos representantes  indígenas.’ [48] A ensaísta toca numa questão também  essencial no que concerne à posição  de Lins de não ter  aderido  à “nova  crítica”: a “ (...) repulsa por uma crítica objetiva, pela imposição de leis, regras e normas  à atividade literária.”[49]
               Julgamos que essa “repulsa” estaria visceralmente relacionada à própria  formação  intelectual  de Lins, ainda mesmo quando deu demonstração cabal de que  a sua prática crítica não seria a mesma  de tempos atrás, após novas leituras  que lhe iam  insinuando  a necessidade  de novas  visões  e de novos aportes teóricos  no domínio do pensamento   crítico ocidental .       
               Por analogia e ironia do destino, Afrânio Coutinho sofrera incompreensões e também lutara com unhas e dentes contra  as formas envelhecidas  do Impressionismo crítico   brasileiro, ou seja,  numa polêmica  aguerrida, porém   em sentido  inverso dos objetivos que Lins  direcionava seu ensaio: louvar  em Eliot o que desaprovava em Coutinho.
               Da mesma forma, com respeito às mudanças que ocorreram com  a prática crítica   de Eliot, no tocante à sua  posição   acerca das relações entre o crítico-universitário e o jornalismo literário, o “periodismo,” podemos   distinguir   algumas semelhanças com o pensamento  a este  respeito de Coutinho ao discutir  as diferenças de qualidade de  crítica entre o crítico  universitário e o reviewer, o crítico de  rodapé.
               Em outras palavras, tanto em Eliot quanto em Coutinho havia a segurança de visões de que poderia haver bons ou medíocres  praticantes de crítica em jornais ou em livros. E seria essa também a opinião de Lins, que reprovava duramente os maus  críticos de jornais quando se vulgarizavam “(...) na ligeireza e na superficialidade do chamado ´periodismo’ crítico.”[50]  A resistência de Lins, por mais  vigorosa que fosse,  no final,  não lograra êxito. Porém, tanto Lins quanto Coutinho - cumpre  constatar -,  dentro de seus  métodos críticos e de visões  do fenômeno  literário, à parte as divergências  e escaramuças pessoais   ou no nível das discussões teóricas,  lutavam  por  uma  causa  nobre, séria e responsável, se vista do ângulo do pensamento  crítico em fase de grandes  mudanças na época da   polêmica entre eles.A polêmica entre os dois antes se inscreve como uma  luta intelectual e com propósitos elevados no campo da crítica literária brasileira e, assim,  não deve ser  interpretada como mera disputa de perdedores ou ganhadores.
               A questão da polêmica torna-se um dado positivo na medida em que o debate  deflagrado se insere no circuito da história literária  de um país. No mínimo, o seu valor  funciona, de certa forma,  como  o fluxo contínuo das ideias estéticas, históricas e culturais que  só  fazem avançar,  no caso específico, os estudos literários e das artes em geral sem fronteiras e, de preferência,  sem  ranços de  chauvinismos de qualquer  espécie que só  retardam o processo  da comunicação artística no plano universal e na era digital de um mundo globalizado..
               Os opositores de Lins, sobretudo as novas gerações daquela época do final dos anos  de 1940 e da década de 1950 que aderiram  à campanha de Coutinho  para verem   postos em prática, no meio literario  brasileiro, os postulados  fundamentais  do New Criticim, já estavam  tomando  conta do novo espaço teórico. Lins não desejou baixar a guarda, mantinha-se convicto de que o método de análise de uma obra literária  não  podia se submeter  ao império da autarcia  do objeto literário.
               Seu tempo de apogeu no rodapé já estava perdendo chão, porquanto o próprio jornalismo  literário  viria  sofrer  as consequência da crítica da cátedra universitária.  Não tardaria que o aparecimento de novas formas de abordagem crítica surgidas no exterior fossem divulgadas no meio intelectual brasileiro - o estruturalismo, a desconstrução, o pós-estruturalismo, a fenomenologia, a teoria da recepção, a teoria feminista, o novo historicismo, a teoria pós-colonial, o discurso das minorias, a queer theory, os estudos narratológicos, os estudos  semióticos,  os estudos da análise do discursos -,  enfim,  que  novos   movimentos do pensamento  crítico  universal proliferassem.[51] Lins não os alcançou, uma vez que, já nos meados da década de 1960, não mais  produzia. Estava solitário e doente, vindo a falecer em 1970.         


*  NOTA DO  AUTOR: Este texto é  uma subseção de um capítulo  do meu  estudo  de Pós-Doutorado submetido à Faculdade de Letras da UFRJ.


             











[1] LINS, Álvaro. O relógio e o quadranteOp. cit., p. 376-377.
[2] Idem ,   p.370.
[3]Idem, p. 414.
[4]MENESES  BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p. 68.
[5] Idem,  p.  80.
[6] Idem, p. 68.
[7] Apud. MENESES  BOLLE, Adélia  Bezerra de. Op.  cit.,  p. 78.
[8] Idem, ibidem.
[9] Idem, p. 80.
[10] Cf. LINS, Álvaro. Uma história sem nome  e sem biografia. In: _. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 364.
[11] Ibidem.
[12] Ibidem, p. 365.
[13] COUTINHO, Afrânio. José Veríssimo, Prós e Contras. In: ___. Crítica & críticos. Op. cit., p. 220-244.
[14] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante.  Op. cit., p. 344-351.
[15] Idem, p. 365-366.
[16] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 140-143.
[17] Idem,  p. 141.
[18] Idem, p. 142-143.
[19] Cf. LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante. Op. cit. Os três ensaios, na ordem mencionada acima, em conjunto, vão da página  383 à página 414..
[20]Apud LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 366. .Cf. o  original em inglês:
         “ In my own experience of the appreciation of poetry I have always found that the less I knew about the poet and his work, before I began to read it, the better. A quotation, a critical remark, an enthusiastic essay, may be the accident that sets one to reading a particular author: but an elaborate preparation of historical and biographical knowledge has always been to me a barrier”.
[21]  Cf. LINS, Álvaro. Os mortos de sobrecasaca, Op. cit. Ver, respectivamente,  páginas  p. 434-435 e p. 440-442.
[22] CASTRO ROCHA, João Cezar de.  A  crítica literária: em busca do tempo perdido? Op. cit.
[23] Idem, p. 199.
[24]CARPEAUX, Otto Maria. Apud LINS, Álvaro. A glória de Cesar e o punhal de Brutus. (1939-1959). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. Trata-se de uma epígrafe extraída  do capítulo  “Álvaro Lins e a literatura brasileira,” da obra de Carpeaux,  Origens e fins, Rio de Janeiro, 1943. Ver Bibliografia Geral no final deste estudo.
[25] LINA, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 392.
[26] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 133-136.
[27] Cf. o que afirmamos anteriormente às páginas 21-23   deste estudo.
[28] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante.  Op. cit., p. 404.
[29] Ibidem.
[30] COUTINHO, Afrânio. Crítica & críticos. Op. cit., p. 200.
[31] COUTINHO, Afrânio. O velho e o novo Eliot. In:__Crítica & críticos.  Op. cit., p. 200-209.
[32] Idem, p. 201
[33] Ibidem.
[34] Ibidem.
[35] Apud  LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante, Op. cit., p. 404.  Essa citação. é de Morton Dawen  Zabel. Lins deve ter lido provavelmente o ensaio de Zabel em tradução portuguesa, já que se encontrava  traduzido desde 1947; se considerarmos que tenha lido no  original em inglês,  a tradução de Lins pouco difere da tradução de Célia Neves. O ensaio se encontra na obra de Zabel A literatura  dos Estados Unidos e tem o título “A crítica literária nos Estados Unidos,” capítulo XXIV,   p. 526-574.  
[36] Ibidem.
[37] Ibidem.
[38] Ibidem.
[39] Ibidem.
[40] LINS, Álvaro. O relógio e o quadrante Op. cit., p. 386.
[41] Idem, p. 389.
[42] Ibidem.
[43] Idem, p. 390.
[44] Idem, p. 391.
[45] Idem, p. 391-392.
[46] Idem, p. 414.
[47] Idem, p. 414.
[48]MENESES  BOLLE, Adélia Bezerra de. Op. cit., p. 61. 
[49] Ibidem..
[50] LINS, Álvaro.  O relógio e o quadrante, Op. cit., p.388.
[51] CULLER, Jonathan. Teoria literária.: um introdução. Trad. de Vanda Vasconcelos. São Paulo:  Beca,  1999, p. 118-126.