sexta-feira, 2 de junho de 2017

"O OLHO MORTAL": DAS AVENTURAS A OUTRAS QUESTÕES


                                                               Cunha  e Silva Filho

         Miguel Carqueija já é uma autor  bastante conhecido dos aficionados em ficção científica. Tem produzido neste gênero alguns livros  que dão suficiente   demonstração  do talento   do autor  para essa vertente  de literatura. O olho mortal é uma novela que dá sequência a duas anteriores, O fantasma do apito e O Clube da Luluzinha. Alguns livros do autor, nesse gênero de que tenho notícia, são A âncora do argonautas (1999),  A esfinge negra ( 2003), As luzes  de Alice (2004), Farei o meu destino (2008)
       As três sequências mencionadas acima, incluindo O olho mortal (ainda a ser publicada),  têm extensão de média para curta quanto ao número de páginas,  o que não é desdouro  a um tipo de ficção que,  a meu ver, se concentra primordialmente  no dinamismo da narrativa, nos incidentes, nas ações, no suspense,  no ponto certo de  dosar  o nível narrativo  e descritivo  de  uma história, sem desprezar a força dos diálogos. Um dos requisitos  principais do autor de ficção científica é saber como atrair  o leitor, e sobretudo  o adolescente, posto que adultos há que são admiradores desse gênero literário.
          Quem não gosta de adentrar numa história cheia de lances  espetaculares, de risco, de perigos à vista,  de fatos imprevisíveis? Esse o caso de O olho mortal, narrativa com  todos os componentes   que  aproximam  o leitor  de uma leitura  divertida e até  reflexiva,  porquanto   a ficção científica nunca foi  meramente passatempo, mas  uma oportunidade em que o narrador  nos fornece momentos de  reflexão sobre  temas  relevantes da vida, atual ou  futura. 
         Não se pode deixar de salientar que a ficção científica tem um caráter  de evasão, de escape, onde o leitor se transporta a um  universo  específico, no qual a inverossimilhança se torna verossimilhança  segundo  aquele conceito de “pacto narrativo.”
      Quer dizer,  o leitor  imerge num  espaço físico e de ações humanas  que ultrapassam  a realidade  lógica   da vida.  O leitor, para fruir tal tipo de narrativa,  deixa-se levar  pela mão do narrador  a mundos e a situações humanas  fora da realidade  referencial, em que   se aceita  o que nos é  narrado,  à semelhança de uma  história  inventada  para um  criança  curiosa de saber qual o desfecho  da história  e o que vai  acontecer com seus protagonistas. Se o leitor juvenil ou adulto se envolver com esse mundo imaginário, cheio de  fantasias  e de surpresas  sensacionais (agradáveis ou não),  seguramente  vai  sendo conquistado  pela habilidade do autor  na  elaboração de suas histórias, seus personagens,  seu enredo.       
         Em resumo,  sãos as aventuras vividas, pelos seus personagens  num enredo bem urdido que farão  com que a ficção científica  alcance sucesso. Certamente não hão  de faltar no enredo os heróis e os vilões, sendo que   a vitória dos heróis terá  maior peso  nas histórias, ou seja, serão os vencedores. Nesse tipo de ficção,  é preciso  que o bem vença o mal no  epílogo. Por essa razão,  há - não digo em todas -, um elemento  que torna a narrativa desse gênero  algo compensador: um determinado   propósito  edificante.
    Alguns  teóricos da ficção literária ainda veem a ficção científica como   subliteratura, apesar de que a história literária da ficção já considerou  as obras  de um Júlio Verne ou de um H. G. Wells como  ficção científica, em sentido lato,  de qualidade e, na segunda  metade do século  20, notabilizaram-se grandes nomes da FC, como  Ray Bradbury,  Arthur C.  Clark e  Isaac Asimov.
      Segundo o professor Martin Gray (Dictionary of literary  terms, p. 258, 1994), obra que costumo  consultar,  a FC (ficção científica)  ganhou  “imensa  popularidade”  tanto nos romances quanto no cinema e,  ainda nas palavras desse autor,  “[a ficção científica]  desempenha um papel fundamental na imaginação moderna, possibilitando  a aplicação de um maior  senso  de realismo científico com uma mescla variada  de  discretos  voos fantasiosos.”  Conclui o mesmo autor: “Amiúde ainda não se considera a FC  uma literatura ‘séria.’
  O enredo de O olho mortal,  para as pretensões dos supostos leitores e da faixa etária  mais visada pelo  autor,  é muito simples. Três jovens tinham o  propósito de cursar Letras numa  Faculdade em Teresópolis,  a Faculdade Modelo, Ocorre,  contudo,  que,  no local, surgem assassinatos “misteriosos!,  “enigmáticos” e selvagens e a culpa  da  primeira vítima recai sobre as três estudantes, Carol, Andreia e Fátima.           Os crimes acontecem sempre  após um “toque de um apito.” Em socorro das meninas,  aparece uma outra personagem, a  espertíssima   e corajosa  policial, Irina Danowszki, uma paranormal. Ela, em contato com as jovens,  percebe logo que uma das três estudantes é dotada também do poder de vidência  e que, ademais,  usava um caleidoscópio a fim de conseguir  visualizar  o que procurasse. Cada uma das quatro personagens  é reconhecida  por traços  específicos de personalidades.
Por exemplo, Carol está sempre   encrencando   com a policial  Irina; Fátima, a lamentar a morte de George,  assassinado pelo  robô do conde  Haroldo Bruxelas, o grande vilão da narrativa.  É obvio que o leitor logo é conquistado pelos objetivos das jovens, da  policial  e do detetive  Anselmo, de quem falarei a seguir. Carolina demonstra impaciência diante da vida e  sempre sarcástica;  Andreia é solitária,  ressente-se de uma  decepção amorosa e é dona de um cachorro dálmata, de nome Malhado, sempre em companhia dela. 
Na luta  sem trégua para vingarem-se do conde Bruxelas,   desenrola-se uma narrativa  cheia de percalços,  perigos,   situações-limite. As quatro jovens  não desistem de  perseguirem  o conde, um psicopata,   dono de um  robô assassino que está sob seu controle  para a prática  do mal,  pronto a eliminar qualquer inimigo ou quem quer que seja,   porquanto para ele  o ódio contra os outros pode ter ou não  justificativas.
Conde Bruxelas, por sinal,  é o proprietário da Faculdade Modelo  Tem estreitas ligações com  o underground  do crime. Representa, de certa forma, o mal e o bem,  pois é considerado  um mecenas do ponto de vista  de ser o fundador da Faculdade Modelo.
Na perseguição  contra o  conde Bruxelas,  surge ainda a figura do detetive Anselmo, pronta a ajudar as jovens a dar cabo.   Anselmo é espirituoso, esperto,  por vezes  não se afina com a detetive  Irina. Todavia,  secretamente, ele nutre um forte sentimento amoroso   para com Fátima. A presença de Anselmo  reforça  a luta das estudantes e da policial  Irina.
As ações da novela se complicam  na passagem em que,  durante a perseguição ao conde, as meninas, Irina e  Anselmo não conseguiram   capturar o vilão que se encontrava na casa do seu  oftalmologista, Dr. Gedeão Aniceto. Ele escapou mais uma vez  e se dirigiu em direção a um rio  com forte correnteza. Assim mesmo,  uma das meninas,  Carol,  entrou também na água  onde aconteceu um duelo  mortal. É o ponto alto da aventura  em perseguição do  conde Bruxelas. Depois de tantos   enfrentamentos  na água,   Carol, já exausta,   é socorrida e regatada pela   policial Irina.  Mais uma vez  o conde se escafedeu.
 É necessário  dizer que na novela não existem  apenas  perseguições, lutas,  lances dramáticos e mesmo  heroicos. Na narrativa,  há outras camada  de leituras que se podem  desentranhar. Irina não é só uma policial  destemida  e  inteligente. Ela é agente de um “poder  oculto,” a “Liga Mundial, ”uma organização  pouco conhecida  que tem objetivos de lutar pela “paz e a ordem” mundiais. Na última  parte da novela,  denominada “A Liga se pronuncia,”  entram mais outros personagem, de presença  passageira na trama:  o francês Moacir Hardy,  Paulinelli, Anthony Joelsas (apenas citado),  Diana (apenas citada),  todos agentes da Liga.
Dali em diante, seriam eles que dariam cabo do conde Bruxelas. As três jovens passariam a integrar, na condição de agentes, a organização Liga Mundial e ainda continuariam a frequentar a Faculdade Modelo. A  rival da Liga Mundial é a Rede (organização criminosa ),  à qual pertence, caso não  me tenha enganado,  o conde de Bruxelas. No entanto,  os crimes do conde Bruxelas são perpetrados  por sua conta e risco.
Segundo aludi linhas atrás,  O olho mortal é uma novela que comporta outras dimensões de leitura. Pode-se mesmo   pensar na  possibilidade de a narrativa subtextualmente   sinalizar  a outras motivações do narrador: os despistamentos  para  diretamente  não  identificar  situações  sociais, políticas  e históricas   que ainda   estamos   enfrentando no  mundo atual,  assim como  problemas   que a contemporaneidade  enfrenta sem soluções devidamente   resolvidas, como questões do meio-ambiente,  do clima, de poluição,   da corrupção, pois são muitas os índices   que remetem o leitor  mais atento  a essas  questões  que fazem  parte do debate em escala mundial,  da segurança  do nosso planeta Terra, entre outras.
A linguagem do texto de Miguel Carqueija é direta,  fluente,  linear, embora  se observe, na narrativa forte,  influência   de situações  espaciais  e de descrições  dinâmicas,   muito  visuais e objetivas, a nos lembrarem cenas do cinema. A novela está  pontuada de alusões a autores estrangeiros, personagens de obras famosas, nomes de artistas brasileiros, nomes de lugares, sobrenomes de personagens  estrangeiros, como a lembrar que literatura é o locus especial  do diálogo entre autores e autores e entre estes e leitores, quer dizer, a  literatura possui uma natureza metaficcioal,  metalinguística e dialógica.

Uma última  característica  dessa obra,  desta vez do ponto de vista  estrutural da novela,  são sinalizações que se prestariam a enquadrar  a novela   como  pós-moderna, na qual  misturam-se   tempos,  objetos, atmosfera, ambiente,  meios de transporte  pertencentes a outras épocas que dão um ar divertido  e mesmo   irônico  ante a combinação dessa mistura espácio-temporal. E, por fim, enfatizando a sua peculiaridade de ficção científica, com  ingredientes do  sobrenatural, i.e., os poderes  de vidência  da personagem  Fátima, da paranormalidade  da policial  Irene, o robô assassino do conde Bruxelas. Ora, de tais ingredientes  nasceu um  novela  inteligente e ao mesmo  tempo  agradável e divertida.

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