quinta-feira, 15 de junho de 2017

HOJE É CORPUS CHRISTI, SIM, SENHOR

                
                                                                Cunha e Silva Filho
          
          Muita gente está viajando para passar o “feriadão,” inclusive os políticos brasileiros que esvaziaram o Congresso a fim de emendarem  o dia santo com  festas juninas  no Nordeste, sobretudo na suntuosas quadrilhas  de Campina Grande,  cidade  paraibana. O sagrado torna-se profano e bota profano nisso.
          Pouca gente, suponho,  estará  meditando sobre o Messias, sobre o sentido do feriado no país mais católico do mundo. O que interessa a esses muitos viajantes é fugir  para as delícias  hedonísticas,  do carpe diem dolcevitiano  que o calendário brasileiro  lhes propicia à farta.
        O corpo de Cristo em si,  ficará para alguns  religiosos e católicos  mais chegados à celebração.  Ou seja, restringir-se-á às igrejas e capelas, aos conventos, mosteiros   e basílicas, ou aos lares católicos que preferem respeitar  o  dia santo indoors, em família, sozinhos,  lendo as orações  da liturgia  católica,  pensando profundamente  nos mistérios espirituais. Longe do tumultuo das velhas  capitais ou das metrópoles ou megalópoles.
          Ontem, na tevê,  as luzes dos carros saindo dessas grandes cidades brasileiras – penso em São Paulo, Rio de Janeiro – constelavam  a noite  Carros se engarrafavam  nas rodovias  em direção  ao sossego  das cidades menores. Mas quem pensava no  significado  de Corpus Christi?  Lá se iam  indivíduos de diversas classes sociais antegozando  outros prazeres mundanos,  inclusive os da carne.   O Messias não estava nos seus planos.  
          Amavam apenas o feriado,  a diversão   ou, como na filosofia de Platão,  o ponto  fulcral era  o desejo de permanecerem nas sombras  da caverna. Um professor  de filosofia, em crônica recente,  falava de tempos  minguados de  “transcendências,”  esses da contemporaneidade de ponta cabeça, cúmplice universal  dos desmandos,  da  impunidade,  da violência,  da falta  de democracia  genuína, do político no poder   agindo, isto sim,  de forma  séria e comprometido com  o bem-estar  da sociedade.
         Nesse ínterim,  em meio à  patuscada  dos prazeres,  ao frenesi dionisíaco, quem  estaria  pensando  no símbolo da imagem de Cristo  morto, imóvel, ensanguentado, com as cinco chagas? Ainda bem que, pelo menos, no Brasil e seguramente em outras partes do mundo cristão, se mantém, no calendário da Igreja,  a realização da  procissão de Corpus  Christi, tanto na cidade grande,  quanto nos  pequenas cidades do interior. 
          Bem me lembro das procissões de Corpus  Christi  a que assisti  em Teresina  na adolescência. Naquela,  época,  no entanto,  não entendia bem  de todo o seu simbolismo, de seu  ritual,  da caminhada da  celebração   religiosa   por algumas ruas  da capital. Tive aulas de catecismo, porém não concluí  o período até à realização da primeira  comunhão. Só sei que memorizei bem as orações básicas, o “Pai Nosso” e a “Ave Maria”, fazer o “O Sinal da Cruz,” mas  não consegui memorizar o “Creio em Deus.” Até hoje,  esta última oração ainda  a rezo (os protestantes me corrigirão: “oro”)  olhando no texto impresso.
         O mesmo ocorre com a linda oração, “Salve  Rainha”, que não memorizei. Também nunca aprendi a rezar o terço nem acompanhar um missa em toda aquela parte  de respostas  dadas no seu  desenrolar litúrgico. Sou meio gauche durante a missa, sobretudo quando chega a  vez de ajoelhar-se,  sentar-se ou ficar em pé. Atrapalho-me  todo.
           Entretanto,  memorizei bem o "Padre Nosso" e "Ave Maria" em  inglês,  graças ao livro   do Pe. Julio Albino Ferreira,  An English method (em dois volumes num só tomo, 14 ed, Oporto: Costa Cabral, 1939, 408 p.), um grande autor didático português  que se dedicou com afinco  à  língua inglesa, escrevendo para o ensino do inglês pelo menos quinze obras. Elogiadas em Portugal,  na  Inglaterra, na Europa, nos EUA e no Brasil.
          Essa edição, que eu trouxe de Teresina,  pertencia a meu pai e ainda ostenta a  bela assinatura dele tão nítida na minha lembrança. O “Salve Rainha”  que não decorei em português, tampouco pude aprender de cor   em inglês. Gosto, no entanto,  de ler,   em voz alta,  todas essas orações  em inglês.  
         Também acho muito bonitas  essas orações  em latim, que também não memorizei nessa língua, mas gosto de lê-las em voz alta. Percebo que tais orações, as lições do catecismo (no meu caso, ensinado pela professora Dona Eremita, que, além disso, me ajudou a aprender a ler em aulas particulares) são melhor aprendidas na  infância ou adolescência.
        Retorno ao fio da meada em torno do dia de Corpus Christi. Pois é, no  país,  quando há  dias santos, o povão,  parte  das classes médias, a burguesia e a elite, em suma,  os  que não professam  nenhuma religião ou  pertencem a outras, levam em consideração  apenas o fato de que o dia  santo é mais um  feriado  de lazer,  de fuga ao trabalho, de divertimento, de vida prosaica, quando não de   pândega. Para outros, dia de ganhar  algum dinheiro em trabalhos   extras,  em bebedeiras, em passeios a shoppings de luxo.
       O feriado é um vale-tudo longe do Corpus Christi, das preces,  do comedimento,  do silêncio  místico, do isolamento. É um dia de descanso hedonista,  equivalente a  qualquer fim-de-semana destinado a passeios variados,  ou idas aos restaurantes, a  churrascarias, a diversões  pagãs. Poucos se lembram daquele Ser ungido, sofrido, torturado, morto e sepultado.  “Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o Vosso nome...”  Corpus Christi.  Amém!
      Depois do dia santo,  lá vêm os carros,   de volta,   de novo a compor o  turbilhão e a indiferença  dos que estão  acordados,  todavia, nas sombras.
   


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