Cunha e Silva Filho
Miguel
Carqueija já é uma autor bastante
conhecido dos aficionados em ficção científica. Tem produzido neste gênero
alguns livros que dão suficiente demonstração
do talento do autor para essa vertente de literatura. O olho mortal é uma novela que dá sequência a duas anteriores, O fantasma do apito e O Clube da Luluzinha. Alguns livros do
autor, nesse gênero de que tenho notícia, são A âncora do argonautas (1999),
A esfinge negra ( 2003), As luzes
de Alice (2004), Farei o meu
destino (2008)
As três
sequências mencionadas acima, incluindo O olho mortal (ainda a ser publicada), têm extensão de média para curta quanto ao
número de páginas, o que não é desdouro a um tipo de ficção que, a meu ver, se concentra primordialmente no dinamismo da narrativa, nos incidentes, nas
ações, no suspense, no ponto certo
de dosar
o nível narrativo e
descritivo de uma história, sem desprezar a força dos
diálogos. Um dos requisitos
principais do autor de ficção científica é saber como atrair o leitor, e sobretudo o adolescente, posto que adultos há que são
admiradores desse gênero literário.
Quem não gosta de adentrar numa história cheia de lances espetaculares, de risco, de perigos à
vista, de fatos imprevisíveis? Esse o
caso de O olho mortal, narrativa com todos os componentes que
aproximam o leitor de uma leitura divertida e até reflexiva,
porquanto a ficção científica nunca
foi meramente passatempo, mas uma oportunidade em que o narrador nos fornece momentos de reflexão sobre temas
relevantes da vida, atual ou
futura.
Não se pode
deixar de salientar que a ficção científica tem um caráter de evasão, de escape, onde o leitor se
transporta a um universo específico, no qual a inverossimilhança se
torna verossimilhança segundo
aquele conceito de “pacto narrativo.”
Quer dizer, o leitor
imerge num espaço físico e de
ações humanas que ultrapassam a realidade
lógica da vida. O leitor, para fruir tal tipo de
narrativa, deixa-se levar pela mão do narrador a mundos e a situações humanas fora da realidade referencial, em que se aceita o que nos é narrado, à semelhança de uma história inventada
para um criança curiosa de saber qual o desfecho da história
e o que vai acontecer com seus protagonistas.
Se o leitor juvenil ou adulto se envolver com esse mundo imaginário, cheio
de fantasias e de surpresas sensacionais (agradáveis ou não), seguramente
vai sendo conquistado pela habilidade do autor na
elaboração de suas histórias, seus personagens, seu enredo.
Em
resumo, sãos as aventuras vividas, pelos
seus personagens num enredo bem urdido
que farão com que a ficção
científica alcance sucesso. Certamente
não hão de faltar no enredo os heróis e os vilões, sendo que a vitória dos heróis terá maior peso
nas histórias, ou seja, serão os vencedores. Nesse tipo de ficção,
é preciso que o bem vença o mal
no epílogo. Por essa razão, há - não digo em todas -, um elemento que torna a narrativa desse gênero algo compensador: um determinado propósito
edificante.
Alguns teóricos da ficção literária ainda veem a
ficção científica como subliteratura,
apesar de que a história literária da ficção já considerou as obras
de um Júlio Verne ou de um H. G. Wells como ficção científica, em sentido lato, de qualidade e, na segunda metade do século 20, notabilizaram-se grandes nomes da FC,
como Ray Bradbury, Arthur C.
Clark e Isaac Asimov.
Segundo o
professor Martin Gray (Dictionary of
literary terms, p. 258, 1994), obra que costumo consultar, a FC (ficção científica) ganhou
“imensa popularidade” tanto nos romances quanto no cinema e, ainda nas palavras desse autor, “[a ficção científica] desempenha um papel fundamental na imaginação
moderna, possibilitando a aplicação de
um maior senso de realismo científico com uma mescla
variada de discretos
voos fantasiosos.” Conclui o
mesmo autor: “Amiúde ainda não se considera a FC uma literatura ‘séria.’
O enredo de O olho mortal, para as pretensões dos supostos leitores e da faixa etária mais visada pelo autor,
é muito simples. Três jovens tinham o
propósito de cursar Letras numa
Faculdade em Teresópolis, a
Faculdade Modelo, Ocorre, contudo, que, no local, surgem assassinatos “misteriosos!, “enigmáticos” e selvagens e a culpa da primeira vítima recai sobre as três
estudantes, Carol, Andreia e Fátima. Os crimes acontecem sempre após um “toque de um apito.” Em socorro das
meninas, aparece uma outra personagem,
a espertíssima e corajosa
policial, Irina Danowszki, uma paranormal. Ela, em contato com as
jovens, percebe logo que uma das três
estudantes é dotada também do poder de vidência
e que, ademais, usava um
caleidoscópio a fim de conseguir
visualizar o que procurasse. Cada
uma das quatro personagens é
reconhecida por traços específicos de personalidades.
Por exemplo, Carol está sempre encrencando
com a policial Irina; Fátima, a
lamentar a morte de George, assassinado
pelo robô do conde Haroldo Bruxelas, o grande vilão da
narrativa. É obvio que o leitor logo é
conquistado pelos objetivos das jovens, da
policial e do detetive Anselmo, de quem falarei a seguir. Carolina
demonstra impaciência diante da vida e
sempre sarcástica; Andreia é
solitária, ressente-se de uma decepção amorosa e é dona de um cachorro
dálmata, de nome Malhado, sempre em companhia dela.
Na luta sem trégua para vingarem-se do conde
Bruxelas, desenrola-se uma
narrativa cheia de percalços, perigos,
situações-limite. As quatro jovens
não desistem de perseguirem o conde, um psicopata, dono de um
robô assassino que está sob seu controle
para a prática do mal, pronto a eliminar qualquer inimigo ou quem
quer que seja, porquanto
para ele o ódio contra os outros pode
ter ou não justificativas.
Conde Bruxelas, por sinal, é o proprietário da Faculdade Modelo Tem estreitas ligações com o underground do crime. Representa, de certa forma, o mal e
o bem, pois é considerado um mecenas do ponto de vista de ser o fundador da Faculdade Modelo.
Na perseguição contra o
conde Bruxelas, surge ainda a
figura do detetive Anselmo, pronta a ajudar as jovens a dar cabo. Anselmo é espirituoso, esperto, por vezes
não se afina com a detetive
Irina. Todavia, secretamente, ele nutre
um forte sentimento amoroso para com
Fátima. A presença de Anselmo reforça a luta das estudantes e da policial Irina.
As ações da novela se complicam na passagem em que, durante a perseguição ao conde, as meninas,
Irina e Anselmo não conseguiram capturar o vilão que se encontrava na casa
do seu oftalmologista, Dr. Gedeão
Aniceto. Ele escapou mais uma vez e se
dirigiu em direção a um rio com forte
correnteza. Assim mesmo, uma das meninas, Carol,
entrou também na água onde
aconteceu um duelo mortal. É o ponto
alto da aventura em perseguição do conde Bruxelas. Depois de tantos enfrentamentos na água,
Carol, já exausta, é socorrida e
regatada pela policial Irina. Mais uma vez
o conde se escafedeu.
É necessário dizer que na novela não existem apenas perseguições, lutas, lances dramáticos e mesmo heroicos. Na narrativa, há outras camada de leituras que se podem desentranhar. Irina não é só uma
policial destemida e
inteligente. Ela é agente de um “poder
oculto,” a “Liga Mundial, ”uma organização pouco conhecida que tem objetivos de lutar pela “paz e a
ordem” mundiais. Na última parte da
novela, denominada “A Liga se
pronuncia,” entram mais outros personagem,
de presença passageira na trama: o francês Moacir Hardy, Paulinelli, Anthony Joelsas (apenas citado), Diana (apenas citada), todos agentes da Liga.
Dali em diante, seriam eles que
dariam cabo do conde Bruxelas. As três jovens passariam a integrar, na condição
de agentes, a organização Liga Mundial e ainda continuariam a frequentar a
Faculdade Modelo. A rival da Liga
Mundial é a Rede (organização criminosa ),
à qual pertence, caso não me
tenha enganado, o conde de Bruxelas. No
entanto, os crimes do conde Bruxelas são
perpetrados por sua conta e risco.
Segundo aludi linhas atrás, O olho mortal é uma novela que comporta outras dimensões de leitura. Pode-se
mesmo pensar na possibilidade de a narrativa
subtextualmente sinalizar a outras motivações do narrador: os
despistamentos para diretamente
não identificar situações
sociais, políticas e
históricas que ainda estamos
enfrentando no mundo atual, assim como
problemas que a
contemporaneidade enfrenta sem soluções
devidamente resolvidas, como questões
do meio-ambiente, do clima, de poluição, da corrupção, pois são muitas os índices que remetem o leitor mais atento
a essas questões que fazem
parte do debate em escala mundial,
da segurança do nosso planeta
Terra, entre outras.
A linguagem do texto de Miguel
Carqueija é direta, fluente, linear, embora se observe, na narrativa forte, influência
de situações espaciais e de descrições dinâmicas,
muito visuais e objetivas, a nos
lembrarem cenas do cinema. A novela está pontuada de alusões a autores estrangeiros,
personagens de obras famosas, nomes de artistas brasileiros, nomes de lugares, sobrenomes de personagens estrangeiros, como a lembrar que literatura é
o locus especial do diálogo entre autores e autores e entre
estes e leitores, quer dizer, a literatura possui uma natureza metaficcioal, metalinguística e dialógica.
Uma última característica dessa obra,
desta vez do ponto de vista
estrutural da novela, são
sinalizações que se prestariam a enquadrar
a novela como pós-moderna, na qual misturam-se
tempos, objetos, atmosfera,
ambiente, meios de transporte pertencentes a outras épocas que dão um ar
divertido e mesmo irônico
ante a combinação dessa mistura espácio-temporal. E, por fim,
enfatizando a sua peculiaridade de ficção científica, com ingredientes do sobrenatural, i.e., os poderes de vidência
da personagem Fátima, da
paranormalidade da policial Irene, o robô assassino do conde Bruxelas.
Ora, de tais ingredientes nasceu um novela
inteligente e ao mesmo tempo agradável e divertida.