quarta-feira, 28 de junho de 2017

Tradução de um poema de Paul Verlaine ( 1844-1896)



CHANSON D’AUTOMNE


Les sanglots longs
De violons
            De l’automne
Blessent mon coeur
D’une languer
             Monotone.

Tout suffocant
Et blème, quand
            Sonne l’heure
Je me souviens
Des jours anciens
              Et je pleure.

Et je m’en vais
Au vent mauvais
             Qui m’emporte
Deçá, delà,
Pareil à la
           Feuille morte




CANÇÃO D'OUTONO


 Os longos  suspiros
Dos violões
              D' outono
 Meu coração machucam
 De um langor
               Monótono.

Sufocando tudo
Sucumbo assim que  a hora soa
Saudades sinto dos dias  idos
                                       Choro.

E  parto
 Com  o funesto vento
            Que me leva
Para aqui e para ali
Que nem
          Folha morta.

                                       (Trad.  de Cunha e Silva Filho)

                    






sexta-feira, 23 de junho de 2017

ONDE LOCALIZAR A CRISE BRASILEIRA?


                                                                        Cunha e Silva Filho

      

       Fala-se, em toda a parte do país, em crise. Pergunto-me com sinceridade d’alma, A quem atinge a crise e a quem  interessa? Se existe, é um fato. Não se discute. Alguém me indaga com olhos desconfiados: “E os ricos, os milionários, os que, com frequência, estão  dando festas  riquíssimas aos seus diletos amigos em lugares suntuosos, em casa  faraônicas,  em mansões  principescas? 
     Ora, leitor,  a crise nacional  de que tanto  se fala   foi provocada pela anarquia  financeira, i.e., pelo gastos  bilionários  dos governos  anteriores, sobretudo do PT. Contudo, se aprofundarmos  nossa análise, ela já vem  se manifestando há longos anos, nos governos do Sarney, do Collor,   do FHC, que melhorou  um pouco com o combate da inflação e a mudança da moeda, do cruzado para o real, mas a que custo?  
   Pela   ampla privatização de estatais, arrocho salarial do funcionalismo  público federal  em todo o período do governo do FHC (nome que virou um sigla, em substituição ao nome de batismo e ao sobrenome  do presidente  intelectual. Não tenho certeza, mas penso que foi  o  grande escritor-humorista  Millôr Fernandes (1923-2012)  quem, sarcasticamente,  cunhou  aquela sigla para o sociólogo Fernandes Henrique Cardoso. No governo deste é que foram retomadas  a metas do neoliberalismo  no país, começado com  Collor e continuado com os presidentes que se lhe  seguiram, inclusive com  o petismo de Lula e Dilma e, agora,  com  Temer.
     O curioso  é que,  nos governos  petistas, o neoliberalismo  sofreu alguma inflexão mas  não se afastou   dos ventos  do capitalismo  selvagem. É muito engraçado combinar  princípios estatizantes com  capitalismo neoliberal. Vai-se entender o que seja realmente  esquerda e direita no mundo contemporâneo, a não ser que se tome os dois sistemas políticos como uma “forma  política” pós-moderna, empregando este termo de empréstimo à teoria literária ou à história dos tempos  modernos.
     Retomo  ao termo “crise” econômica, que não é especificamente  só brasileira. Até diria que é mundial em parte: vejam-se os exemplos, da Venezuela, da Bolívia, de alguns países  africanos. Afirmei  linhas atrás que a nossa crise foi produzida em decorrência de mau gerenciamento   de nossas finanças, agravada com  o mais alto  nível de corrupção  política  e respectiva  permanência  de um dos nossos males tornados crônicos, ou seja,  a impunidade que grassou  nos governos  petistas de mãos dadas com  o alto empresariado, ambos corruptos  ou corruptores.
     A gastança desenfreada,  sem  planejamento, sem responsabilidade com o dinheiro público alcançou um patamar tão extremo  que, mesmo a base aliada do  governo Dilma, foi forçada a desalojá-la  do poder, com exceção  da ala petista. Não foi  por não concordarem  tanto com  os desmandos  e inoperância da ex-presidente que Temer  a substituiu. Foi pelo fato de que o agravamento da chamada crise político-financeira  estava tão insuportável  que os políticos  “bonzinhos” da oposição  a destituíram  da presidência.Do contrário,  o país cairia em colapso   financeiro   profundo.
  Outro  fato determinante  da queda do PT  remonta aos primeiros sinais  de corrupção  do governo Lula, com o “Escândalo do Mensalão,” com  a famigerada prática  das propinas no conluio entre políticos inescrupulosos, membros do governo federal, do alto escalão do  Executivo, em  contratos  de obras públicas  superfaturadas realizadas por empresários sem caráter e dados à rapinagem. 
   As investigações da Polícia Federal, levadas a cabo  em várias operações, sob a vigilância  do Ministério Público  e da Procuradoria  da República, só concorreram  para  as primeiras prisões  de alguns  membros do governo   e de políticos   envolvidos até os dentes com  o lodaçal  mafioso  da  propina tornada  moeda corrente  nas transações espúrias entre governo  e  donos de construtoras.
  Entretanto,  se algum sinal  de melhoria  econômico-financeira   já se pode descortinar no horizonte ainda  incerto, é preciso também  acentuar que  o Brasil tem muitas faces e muitas formas de  lidar com a crise.   Nossa sociedade é por demais  fragmentária nos seus níveis de vida. 
   Há setores da vida econômica  que estão  fora da crise, nos quais  empresários ricos  estão muito longe de  falarem  em falta de dinheiro e de modos  de vida social.Ainda temos parcelas da sociedade que vivem nababescamente e mesmo certos   tipos de atividade  mais  modestos  não se queixam  de nada. Tudo está bom para eles, de sorte que  ainda podemos chamar  de brasis fora da  crise   a essa parcelas da burguesia,  e mesmo  de atividades  menores  que  rendem  uma vida  folgada, sem pagar  impostos. 
   Aí se  situam  alguns tipos de atividades   menores  ou médias, como   porteiros de condomínios de classe média ou alta ( que têm suas regalias: não pagam aluguel, pois moram nos prédios, não pagam água, luz, gás),    biscateiros,      mestres de obras, alguns pedreiros  mais habilidosos etc.   Esse número  indefinido da sociedade  ainda sobrevive bem melhor do que certos  funcionários públicos municipais,  estaduais  e até federais. 
   Ora, num país tão  fragmentado socialmente,   essa divisão,   de alguma  forma,  até   alivia  pressões contra  governos em dificuldades   financeiras. Essas frações menores funcionam como  amortecedores   de maiores demandas financeiras  por parte da sociedade. Elas representam sociologicamente  os interstícios  do que sobra  do bolo econômico-financeiro através da figura do povinho, que  consegue driblar as consequências  danosas  dos grandes  problemas  do país. Isso nos levaria à seguinte  afirmação: há pobres, que nem estão aí  para a crise e ainda podem desfrutar  das cervejinhas,  dos jogos de futebol e do carnaval.   
   Quanto mais financeiramente  clivada for  a sociedade,  tanto melhor  para os governantes   inescrupulosos. E eles sabem bem disso e por isso mesmo  deitam e rolam  sob  o tacão do poder, do cinismo,  da lei  e das armas. De alguma maneira,  não  consigo dissociar  esses artifícios dos esquemas de uma figura literário-social, que, sob  vestes diferentes,  já se denominou de pícaro,   na Espanha do Siglo de Oro.      No Brasil, também como figura literário-social  ficou conhecido  como malandro, ainda remanescente nos tempos atuais, mas  ao lado de um   outro que o substituiu  em escala ciclópica,   nas bandas da marginalidade baixa,  o bandido e, das bandas dos “white collars,”  políticos e empresários  sem vergonha na cara. 

domingo, 18 de junho de 2017

A REGRA E AS EXCEÇÕES

                                


                                             Cunha e Silva Filho

        Alguém, de forma consciente, acredita ainda em  políticos  tupiniquins, sobretudo agora com  a declaração gravíssima   do delator Joesley Batista, um dos donos da JBS, contra o  presidente Michel Temer, posto que venha de um empresário  que enriqueceu, ilicitamente,   às custas do Tesouro Nacional, ou seja, através de empréstimos  vultosos feitos  ao BNDES e a outras instituições financeiras públicas?
      Claramente que não. Quando a maioria  é indecente, corrupta, venal,  cínica, a minoria,  bem minoria mesmo,  será o bode expiatório e, assim,  apagará o brilho  daqueles que seriam considerados as raras exceções à regra. E com uma agravante,  os supostos bons políticos, como continuam nos seus mandatos,  percebendo os mesmos salários e mordomias  comuns,   seguem lutando contra  moinhos de vento,  como se não existissem.  
      Fazem papel  de coadjuvantes no cipoal  da avassaladora corrupção geral, de atores   que estão “em cima do muro,” cuja  posição  de adversários não vale um grão de areia de deserto.  Suas críticas de nada valerão  junto aos seus pares e adversários e tudo  continuará  no mesmo  lugar  de sempre. São figurinistas  da encenação e da farsa, são úteis  para que se possa dizer:  “Mas esses poucos são bons e nem tudo está perdido.” E, desta  forma, a política continua o seu jogo de espelhos  imoralmente  invertidos  e daninhos  à sociedade  que  os sustenta com corrupção ou sem ela.
        Já se comparou  a leitura de jornais a um novela, em que o leitor, cada dia,  lê parte de um  capítulo que o deixou naquela  situação  de expectativa do que vai  acontecer  na cena  de um final  de um capítulo, à semelhança dos folhetins do século  XIX, que tanto sucesso  tiveram na França com Eugène Sue (1804-1857)  e, no  Brasil, com obras de  Teixeira de Sousa (1812-1812),  de José de Alencar (1829-1877),  Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) e outros autores de maior ou menor qualidade  literária.
       Os jornais,  são esses folhetins, só que diários e não semanais. Por essa razão,  é que não se pode afastar da leitura de jornais, revistas impressas ou  virtuais. Perdendo a ordem  linear das noticias,  reportagens e  entrevistas  publicadas, perde-se  o fio de Ariadne no labirinto  das informações  e contrainformações em  tempos de pós-verdades.
     Desde os tempos do primeiro  grande  escândalo de corrupção na política  nacional, denominado o “Escândalo do Mensalão,”  envolvendo o PT, os jornais passaram a destinar     várias  de suas  páginas tendo por títulos o já mencionado e outros que se lhe seguiram, o   Escândalo do Petrolão,”  com a “Operação Lava-Jato,” e, agora,   no jornal O Globo, o sintomático  e ominoso “A República Investigada.”
      Percorrer as páginas sob  essas rubricas   é penetrar num espaço público  de nossas instituições, máxime,  as  de natureza política,  em que fatos escabrosos são postos diante de nossos olhos  indignados  com tanta  imoralidade, com algumas prisões  e ainda com a expectativa de novas  investigações,  denúncias e possíveis  prisões ou afastamento  de   políticos de suas funções ou mandatos.  
   O labirinto, como  se vê,  é intrincado  demais  dado que suas ramificações   se estendem  a outros poderes da República.   Talvez nem um Teseu ressuscitado, com o auxílio do fio de Ariadne, tenha  fôlego suficiente para vencer  as  muitas dificuldades  antes de matar o Minotauro da corrupção  brasileira gerada  criminosamente por políticos  mancomunados com empresários  desonestos  e sem  espírito  público algum.  Mais do que arranhada, a imagem do político estraçalhou-se de vez e sua recuperação  vai demorar muito mais do que  possamos  imaginar.
     Politicagem sempre houve no espaço público, mas é no  país de hoje que  ela atingiu seu ponto mais  alto  de desmoronamento  ético. Quem imaginaria que, na história da política  brasileira um  governador  se revelasse  um malfeitor   do erário  público,   quase destruindo por completo  um dos  mais importantes Estados  da Federação? Quem hoje seria capaz de elogiar  o  Rio de Janeiro (capital e Estado) nos setores  vitais   do governo: educação,  saúde,  transporte e  segurança? O que governos   corruptos federais  fizeram nos últimos quinze anos contra a sociedade  e seus setores vitais, fez também  o   Sr. Sergio Cabral. 
    O rolo compressor  da altíssima  corrupção ativa e  passiva do governo  federal, assim como do governo  do Estado do Rio de Janeiro, ficará como o marco mais espúrio  da História do Brasil contemporâneo e será a prova mais evidente de quão nociva a uma sociedade  pode  ser  uma Nação cuja maioria de  políticos não paute suas ações segundo  os princípios da dignidade de seu cargo  e de suas ações em defesa da coletividade.  
    E aqui não podemos nos furtar  à uma  analogia   entre o país  esmagado  pela  desonestidade  política  e   o espaço do universo da bandidagem em todo o  território nacional. Tanto num caso quanto noutro, não há diferenças  de caráter nem de postura. Um e outro se confundem, não se diferenciam  no que concerne ao grau de maldade  e de prepotência   que os igualam ignominiosamente.
       


quinta-feira, 15 de junho de 2017

HOJE É CORPUS CHRISTI, SIM, SENHOR

                
                                                                Cunha e Silva Filho
          
          Muita gente está viajando para passar o “feriadão,” inclusive os políticos brasileiros que esvaziaram o Congresso a fim de emendarem  o dia santo com  festas juninas  no Nordeste, sobretudo na suntuosas quadrilhas  de Campina Grande,  cidade  paraibana. O sagrado torna-se profano e bota profano nisso.
          Pouca gente, suponho,  estará  meditando sobre o Messias, sobre o sentido do feriado no país mais católico do mundo. O que interessa a esses muitos viajantes é fugir  para as delícias  hedonísticas,  do carpe diem dolcevitiano  que o calendário brasileiro  lhes propicia à farta.
        O corpo de Cristo em si,  ficará para alguns  religiosos e católicos  mais chegados à celebração.  Ou seja, restringir-se-á às igrejas e capelas, aos conventos, mosteiros   e basílicas, ou aos lares católicos que preferem respeitar  o  dia santo indoors, em família, sozinhos,  lendo as orações  da liturgia  católica,  pensando profundamente  nos mistérios espirituais. Longe do tumultuo das velhas  capitais ou das metrópoles ou megalópoles.
          Ontem, na tevê,  as luzes dos carros saindo dessas grandes cidades brasileiras – penso em São Paulo, Rio de Janeiro – constelavam  a noite  Carros se engarrafavam  nas rodovias  em direção  ao sossego  das cidades menores. Mas quem pensava no  significado  de Corpus Christi?  Lá se iam  indivíduos de diversas classes sociais antegozando  outros prazeres mundanos,  inclusive os da carne.   O Messias não estava nos seus planos.  
          Amavam apenas o feriado,  a diversão   ou, como na filosofia de Platão,  o ponto  fulcral era  o desejo de permanecerem nas sombras  da caverna. Um professor  de filosofia, em crônica recente,  falava de tempos  minguados de  “transcendências,”  esses da contemporaneidade de ponta cabeça, cúmplice universal  dos desmandos,  da  impunidade,  da violência,  da falta  de democracia  genuína, do político no poder   agindo, isto sim,  de forma  séria e comprometido com  o bem-estar  da sociedade.
         Nesse ínterim,  em meio à  patuscada  dos prazeres,  ao frenesi dionisíaco, quem  estaria  pensando  no símbolo da imagem de Cristo  morto, imóvel, ensanguentado, com as cinco chagas? Ainda bem que, pelo menos, no Brasil e seguramente em outras partes do mundo cristão, se mantém, no calendário da Igreja,  a realização da  procissão de Corpus  Christi, tanto na cidade grande,  quanto nos  pequenas cidades do interior. 
          Bem me lembro das procissões de Corpus  Christi  a que assisti  em Teresina  na adolescência. Naquela,  época,  no entanto,  não entendia bem  de todo o seu simbolismo, de seu  ritual,  da caminhada da  celebração   religiosa   por algumas ruas  da capital. Tive aulas de catecismo, porém não concluí  o período até à realização da primeira  comunhão. Só sei que memorizei bem as orações básicas, o “Pai Nosso” e a “Ave Maria”, fazer o “O Sinal da Cruz,” mas  não consegui memorizar o “Creio em Deus.” Até hoje,  esta última oração ainda  a rezo (os protestantes me corrigirão: “oro”)  olhando no texto impresso.
         O mesmo ocorre com a linda oração, “Salve  Rainha”, que não memorizei. Também nunca aprendi a rezar o terço nem acompanhar um missa em toda aquela parte  de respostas  dadas no seu  desenrolar litúrgico. Sou meio gauche durante a missa, sobretudo quando chega a  vez de ajoelhar-se,  sentar-se ou ficar em pé. Atrapalho-me  todo.
           Entretanto,  memorizei bem o "Padre Nosso" e "Ave Maria" em  inglês,  graças ao livro   do Pe. Julio Albino Ferreira,  An English method (em dois volumes num só tomo, 14 ed, Oporto: Costa Cabral, 1939, 408 p.), um grande autor didático português  que se dedicou com afinco  à  língua inglesa, escrevendo para o ensino do inglês pelo menos quinze obras. Elogiadas em Portugal,  na  Inglaterra, na Europa, nos EUA e no Brasil.
          Essa edição, que eu trouxe de Teresina,  pertencia a meu pai e ainda ostenta a  bela assinatura dele tão nítida na minha lembrança. O “Salve Rainha”  que não decorei em português, tampouco pude aprender de cor   em inglês. Gosto, no entanto,  de ler,   em voz alta,  todas essas orações  em inglês.  
         Também acho muito bonitas  essas orações  em latim, que também não memorizei nessa língua, mas gosto de lê-las em voz alta. Percebo que tais orações, as lições do catecismo (no meu caso, ensinado pela professora Dona Eremita, que, além disso, me ajudou a aprender a ler em aulas particulares) são melhor aprendidas na  infância ou adolescência.
        Retorno ao fio da meada em torno do dia de Corpus Christi. Pois é, no  país,  quando há  dias santos, o povão,  parte  das classes médias, a burguesia e a elite, em suma,  os  que não professam  nenhuma religião ou  pertencem a outras, levam em consideração  apenas o fato de que o dia  santo é mais um  feriado  de lazer,  de fuga ao trabalho, de divertimento, de vida prosaica, quando não de   pândega. Para outros, dia de ganhar  algum dinheiro em trabalhos   extras,  em bebedeiras, em passeios a shoppings de luxo.
       O feriado é um vale-tudo longe do Corpus Christi, das preces,  do comedimento,  do silêncio  místico, do isolamento. É um dia de descanso hedonista,  equivalente a  qualquer fim-de-semana destinado a passeios variados,  ou idas aos restaurantes, a  churrascarias, a diversões  pagãs. Poucos se lembram daquele Ser ungido, sofrido, torturado, morto e sepultado.  “Pai nosso, que estais no céu, santificado seja o Vosso nome...”  Corpus Christi.  Amém!
      Depois do dia santo,  lá vêm os carros,   de volta,   de novo a compor o  turbilhão e a indiferença  dos que estão  acordados,  todavia, nas sombras.
   


domingo, 11 de junho de 2017

UM PINGO NO OCEANO

                                        
                                                                Cunha e Silva Filho

            
       Muitas vezes tenho a sensação de que o mundo precisa de menos  livros. Será que estou  dizendo Uma heresia? Ou estou  exagerando? Ou estou, na condição de autor,    com  medo da competição diante de milhões de livros espalhados pelo mundo afora?        Como se poderia   fazer  uma   rigorosa  estatística dos livros que circulam globalmente? Em quantas línguas? Com quantos leitores? Em quantas editoras? Livros para todas as idades, gostos, assuntos, livros para isso, livros para aquilo. Seriam  ainda válidos os versos  magníficos, a seguir citados,  de Castro Alves (1847-1871) exaltando  o valor  dos livros:  Ó bendito o que semeia/ livros, livros à mancheia/ e manda o povo pensar./ E o livro caindo n'alma,/ é germe que faz a palma,/ é chuva que faz o mar." (...) Claro que seriam bem-vindos. Porém, o meu medo é que sejam  mal distribuídos,  mal lidos,  pouco lidos,  desprezados,  não reconhecidos, vistos com indiferença,  e o que é pior,  jogados no  lixo.
         Somos, globalmente,  uma ilha gigantesca cercada de livros. Isso é bom? E, para os bibliófilos, como ficará  esta questão geral  de publicações? Não precisamos de ir muito longe. Basta um Estado brasileiro. Quantos  autores temos num só Estado? Quantos nos chegam ao conhecimento? Quantos são conhecidos? Quantos são lidos? Quantos serão  impressos e jamais lidos  pela maioria dos leitores? Estamos afundados em livros que nunca haveremos de ler, principalmente porque não teremos  tempo de vida para fazê-lo. Que pena não podermos ler nem a milésima parte  desses livros difundidos num só país. É isso que me  incomodo  também como  leitor. E olhe que estou  me referindo a livros impressos,  não aos e-books, não aos que têm  existência apenas virtual e encontrados nos blogs, nos sites, os quais se contam aos milhares. 
  São obras que não acabam mais. Seria necessário que tivéssemos várias  reencarnações a fim de que  pudéssemos dar conta da leitura  de muitos deles – milhares deles preciosos. E estou  pensando  só nos que  compõem   o número elevado no terreno  da literatura. Imagine-se nos outras  áreas do   conhecimento humano!
     Por outro lado,  existe algo que me inquieta: os livros ainda são caros, sobretudo os recém-lançados por editora  famosas. Até os dos sebos à moda  antiga, em espaço físico de uma livraria antiga, assim como os sebos  virtuais,   já têm preços elevados. Alguns, caso sejam  muito procurados,  viraram  produto  de luxo.
    Enquanto isso, os autores, muitíssimos,  estão no limbo, esquecidos quase que por completo a menos que haja um pesquisador  que,  voltando-se para o passado,   necessitem  de ler alguns desses volumes esquecidos a fim de completarem suas pesquisas acadêmicas.
    Já disse alhures que os críticos, por exemplo, hoje têm que limitar-se a períodos da história literária,  a fim de possam fazer seus recortes  de temas e de autores. O crítico militante de hoje é um  indivíduo  restrito  às  suas possibilidades de querer  estar acompanhando essa enorme  quantidade  de obras lançadas a público, nacional e mundialmente. Ou seja,  não terão tempo  suficiente nem terão tempo de vida  necessária a uma maior  dedicação às resenhas,   às análises dos livros saídos, lançados,   escritos e divulgados, quer impressos, quer  pelo  espaço virtual. Já se se foi o tempo das resenhas de rodapés das décadas de trinta,   quarenta, cinquenta, sessenta, a cargo, às vezes,  de um ou dois críticos militantes por jornal. 
     O número de autores,  ruins, bons e ótimos  subiu vertiginosamente. Assim também o  número de editoras espalhadas pelo país. Levando em conta cada Estado da Federação,  com  o  aumento  do número de universidades e faculdades  privadas e o consequente número de estudantes  de todos os níveis,   proliferaram  livros e autores em todos os gêneros, didáticos,  não didáticos,  obras de referências,  obras de artes etc.
    O fato paradoxal  é que, num país com  graves problemas  financeiros e com altos índices de analfabetos  e analfabetos funcionais,  ainda assim é espantosa  a quantidade  de livros  lançados. 
    Entretanto,  há dois aspectos curiosos   no meio dessa realidade  editorial:  os livros  de autores  nacionais  bem vendidos e em  edições de boa  tiragem  e  livros  igualmente de autores  nacionais  pouco vendidos e em edições  modestas. Para saber  quais  fatores  são determinantes na elucidação  desses  dois tipos de vendagem seria o  caso de ter que  se fazer um análise  aprofundada da  questão.   Some-se a isso  a circunstância de que  não sabemos ao certo se os livros bem vendidos são realmente lidos  pelos compradores, e bem assim  os poucos vendidos.  
    E o problema desse desequilíbrio ainda se agrava mais com a concorrência dos livros chamados best sellers, dos livros traduzidos,  ricamente  impressos, com  capas  chamativas,  e tendo  na retaguarda uma poderosa  logística  de  publicidade,  divulgação  e distribuição em grandes  livrarias    de potenciais   compradores   de classes mais elevadas.  
   Os autores não bafejados  por essa retaguarda de elite dificilmente  conseguirão  ter voz e vez e seus livros, em geral,  se transformam  em  encalhes  fragorosos ou  senão vão engrossar  os milhões de livros  dos grandes sebos  virtuais.

  Os autores não muito lidos nem  muito conhecidos ou não conhecidos, por força do impulso  da criação, não desistem de escrever para se sentirem  úteis. Quem sabe, um dia  serão descobertos... Ou então, terão o destino  certo dos escritores, em vários gêneros,  que estão lá  nas prateleiras  de um velho sebo   ou nas estantes de uma biblioteca  imensa povoada de tantos outros autores  hibernando  por falta  de quem  os procure e lhes dê o prazer de um  leitura  só pelo amor  aos livros. Isso  pode acontecer numa cidade,  num Estado, num país e no mundo. Um pingo no oceano.     

terça-feira, 6 de junho de 2017

SOBRE O BRASIL ATUAL: ALGUMAS INDIGNAÇÕES

                                        
                                                                         Cunha e Silva Filho

        
         Já se está falando que a Operação Lava-Jato vai ter  o mesmo destino  da italiana  Mãos Limpas. Não direi que sim, mas também não direi que não. Mas a novela  da impunidade, da corrupção e da violência sem freios já mostrou  a sua  resistência às leis,  à democracia plena, às soluções que delas esperamos sem o passo de tartaruga,  sem as protelações,  sem os jogos  das instâncias  jurídicas, sem empurrar a barriga.
       O povo quer  conclusões,   justiça feita contra malversações  do dinheiro público que, em parte, escorreu pelo ralo  das propinas milionárias, aqui e fora do país, pois a corrupção  nacional  se internalizou  para grande vexame  dos homens de bem desta Nação vilipendiada nos seus  fundamentos básicos:  seu sistema político  desmoralizado,   suas instituições   desacreditas, sua falta de rumo para a sucessão  do novo  presidente   da República. Um mato sem cachorro. Um caminhar nas trevas  do imponderável.
      O quadro  político brasileiro mostra-se sombrio. O país se encontra  dividido em várias  classes sociais, o povão, “bestializado” em sua grande parte,  pouco se importa com os graves  problemas   que  atravessamos. Para  suavizar  seus males e sua  carência encontra um meio de entrar num botequim, preparar-se para o próximo carnaval e assistir  a um jogo  de futebol num boteco próximo de sua casa, ou ainda participar de  uma roda de samba de fundo de quintal na periferia  das grandes  cidades.  Seu  único  gesto  é o da sobrevivência,  do salve-se quem puder,  com medo só da falta de emprego, preocupado só  com o sustento   da família,  e com a desenfreada violência urbana ou mesmo  interiorana, à frente, a bala perdida,  o desespero de mortes anunciadas,  que se banalizam  com a sua recorrência  sem fim.
       No entanto,  as reais causas primeiras,  o fundo das questões  que levaram à crise   econômico-financeira estão muito longe de sua compreensão. Penso mesmo que os políticos  maus do Brasil  jogam   com essas carências,  com essa ignorância,  com   as ideias embaralhadas  do uomo qualumque sem  estudo,  o analfabeto, analfabeto funcional, sem horizontes,  sem metas  definidas. E, por falta de inclusão cultural-econômica, vão se reproduzindo por anos a fio.  São o que o crítico  Eduardo Portella (1932-2017),   definia como  assimetrias   de modos de vida  sociais  dos brasileiros, numa convivência secular  entre o arcaico e o moderno, à semelhança daquela  imagem  culturalmente grotesca de  mansões luxuosas  ao lado da extrema penúria dos favelados.
     Enquanto isso, a sociedade civil letrada ou semiletrada e   socialmente  dividida,  conduz suas vidas  presas a um  individualismo    exagerado,  com os  seus membros afastados uns  dos outros,  vivendo cada um  o seu exclusivismo   em níveis  melhorados  social, cultural   e financeiramente. Aqui se situam a classe média, média  alta, da burguesia  e da elite  econômica. Não existe, assim, homogeneidade ou interpenetração,  mas compartimentação visível  e previsível.
      Por outro lado,  já no caso das investigações da Lava-Jato,  no julgamento da chapa Dilma-Temer, o vaivém das notícias veiculadas pela mídia e por notícias  que saem em áudios, nas redes sociais, essa espécie de 5º poder que  está se  constituindo  no cyberspace,  acrescidas de comentários e opiniões divergentes  ou convergentes, a depender  da posição ideológica  do usuário, os fatos que vêm à tona vão se acumulando  vertiginosamente ao ponto de  deixarem  algumas pessoas  entediadas  da mesmice  da questões.
    Essa explosão de fatos  do mesmo teor sobre decisões tomadas  pela Justiça,  pelos Tribunais, pelo Ministério Público e pela Procuradoria  Geral da União são muito maiores  na sua  quantidade do que  a nossa capacidade de assimilação de muitas delas. 
  Já uma vez, em artigo,  chamei  às desastrosas  e multiformes   formas do comportamento  político  do país de “poliedro de insânias.”   Constato, infelizmente,  que ainda penso de igual  maneira.  Pouco se alterou  o que era de ruim  na política  nacional,  nos nossos males renitentes, nas nossas crises, quer morais, financeiras,  econômicas,  quer no setor de segurança  pública,  na educação,  no ensino  universitário,  na saúde,  nos transportes, no meio-ambiente,  na mais aguda   onda de violência de que já se teve notícia na história da  sociedade brasileira. Assim como  na  impunidade  diante  de todos esses  aflitivos  problemas  que vêm  maltratando o nosso povo. Ainda que tentemos ser  um pouco esperançosos,   a realidade  do país  ainda se mostra  inquietante,   arriscada,  perigosa,
  Quando Dilma foi  destituída do poder no seu segundo mandato, por via do impeachment,  ainda cheguei a pensar que teríamos  águas menos turbulentas. Qual nada! Mudou-se o governo, mudaram-se  os ministros,   e lá veio o vendaval de novos  escândalos, desta vez  envolvendo o vice-presidente  do governo Dilma, o atual   presidente Temer.  Investigações novas  vieram  comprometer  o seu  mandato que parecia, a princípio, estar  dando alguns passos  certos, porém  polêmicos,  como  reformas  intempestivas  na Previdência Social, nas leis trabalhistas e na condição das finanças  federais, procurando,  segundo  o próprio Temer proclamara,  “pôr a economia nos trilhos.”   
    No entanto,  as investigações da Polícia Federal  levantaram o véu da  fantasia da sisudez  do Temer e causaram um   nova reviravolta  no seu  instável  governo, tendo ele na berlinda  de  ser mais um  membro do governo considerado  como suposto   beneficiário  das práticas  de propinas e dinheiro  oriundo de Caixa 2  durante   campanhas  políticas  ao lado de Dilma Rousseff.  A espada de Dâmocles agora paira sobre a cabeça  do ex-professor de Direito Constitucional, de um político  culto, inteligente,  diplomático.
    O Brasil não vai bem das pernas. Há algo  que não dá certo  quando uma  pequena luz  surge no  fim do túnel. Pode-se afirmar que  quase ninguém escapa  das manchas deletérias  da propina,  da corrupção passiva ou ativa,  da lavagem de dinheiro, de enriquecimento  ilícito, do conluio  fétido entre políticos  influentes e  parte do grande empresariado  brasileiro,   em tal  magnitude  que  praticamente todas as esperanças  na figura dos nosso  políticos  parecem  nos levar  à condenação geral.
       O país,  rico  por natureza,  quase não aguenta mais de tanta pancada que lhe dão homens inescrupulosos,  ávidos  tanto do poder  quanto do vil mental. Lembro-me agora de um artigo de Leandro Konder (1936-2014) publicado há tempos no  antigo Jornal do Brasil em que  ele  faz uma pequena  e lúcida análise   acerca  do dinheiro e da  morte. Sobre o dinheiro,   me recordo de que ele o considerava  o corruptor de todos os valores.

       Posso finalizar essas reflexões dizendo que  a raiz de toa  essa falta de vergonha nacional  tem como  núcleo  central  o endeusamento  do dinheiro a qualquer custo, ainda que   fira moralmente uma Nação toda  ou um Estado inteiro, como no caso  do Rio de Janeiro, com o Sr. Sérgio Cabral, já preso pela suas  desídias e maracutaias cometidas contra  os cariocas e fluminenses. Todos os que praticaram  ilegalidades e crimes financeiros   abomináveis perderam a dignidade, ou seja, perderam tudo. E não há volta nem perdão,  nem reabilitação  para  criminosos do Erário Público.  

sexta-feira, 2 de junho de 2017

"O OLHO MORTAL": DAS AVENTURAS A OUTRAS QUESTÕES


                                                               Cunha  e Silva Filho

         Miguel Carqueija já é uma autor  bastante conhecido dos aficionados em ficção científica. Tem produzido neste gênero alguns livros  que dão suficiente   demonstração  do talento   do autor  para essa vertente  de literatura. O olho mortal é uma novela que dá sequência a duas anteriores, O fantasma do apito e O Clube da Luluzinha. Alguns livros do autor, nesse gênero de que tenho notícia, são A âncora do argonautas (1999),  A esfinge negra ( 2003), As luzes  de Alice (2004), Farei o meu destino (2008)
       As três sequências mencionadas acima, incluindo O olho mortal (ainda a ser publicada),  têm extensão de média para curta quanto ao número de páginas,  o que não é desdouro  a um tipo de ficção que,  a meu ver, se concentra primordialmente  no dinamismo da narrativa, nos incidentes, nas ações, no suspense,  no ponto certo de  dosar  o nível narrativo  e descritivo  de  uma história, sem desprezar a força dos diálogos. Um dos requisitos  principais do autor de ficção científica é saber como atrair  o leitor, e sobretudo  o adolescente, posto que adultos há que são admiradores desse gênero literário.
          Quem não gosta de adentrar numa história cheia de lances  espetaculares, de risco, de perigos à vista,  de fatos imprevisíveis? Esse o caso de O olho mortal, narrativa com  todos os componentes   que  aproximam  o leitor  de uma leitura  divertida e até  reflexiva,  porquanto   a ficção científica nunca foi  meramente passatempo, mas  uma oportunidade em que o narrador  nos fornece momentos de  reflexão sobre  temas  relevantes da vida, atual ou  futura. 
         Não se pode deixar de salientar que a ficção científica tem um caráter  de evasão, de escape, onde o leitor se transporta a um  universo  específico, no qual a inverossimilhança se torna verossimilhança  segundo  aquele conceito de “pacto narrativo.”
      Quer dizer,  o leitor  imerge num  espaço físico e de ações humanas  que ultrapassam  a realidade  lógica   da vida.  O leitor, para fruir tal tipo de narrativa,  deixa-se levar  pela mão do narrador  a mundos e a situações humanas  fora da realidade  referencial, em que   se aceita  o que nos é  narrado,  à semelhança de uma  história  inventada  para um  criança  curiosa de saber qual o desfecho  da história  e o que vai  acontecer com seus protagonistas. Se o leitor juvenil ou adulto se envolver com esse mundo imaginário, cheio de  fantasias  e de surpresas  sensacionais (agradáveis ou não),  seguramente  vai  sendo conquistado  pela habilidade do autor  na  elaboração de suas histórias, seus personagens,  seu enredo.       
         Em resumo,  sãos as aventuras vividas, pelos seus personagens  num enredo bem urdido que farão  com que a ficção científica  alcance sucesso. Certamente não hão  de faltar no enredo os heróis e os vilões, sendo que   a vitória dos heróis terá  maior peso  nas histórias, ou seja, serão os vencedores. Nesse tipo de ficção,  é preciso  que o bem vença o mal no  epílogo. Por essa razão,  há - não digo em todas -, um elemento  que torna a narrativa desse gênero  algo compensador: um determinado   propósito  edificante.
    Alguns  teóricos da ficção literária ainda veem a ficção científica como   subliteratura, apesar de que a história literária da ficção já considerou  as obras  de um Júlio Verne ou de um H. G. Wells como  ficção científica, em sentido lato,  de qualidade e, na segunda  metade do século  20, notabilizaram-se grandes nomes da FC, como  Ray Bradbury,  Arthur C.  Clark e  Isaac Asimov.
      Segundo o professor Martin Gray (Dictionary of literary  terms, p. 258, 1994), obra que costumo  consultar,  a FC (ficção científica)  ganhou  “imensa  popularidade”  tanto nos romances quanto no cinema e,  ainda nas palavras desse autor,  “[a ficção científica]  desempenha um papel fundamental na imaginação moderna, possibilitando  a aplicação de um maior  senso  de realismo científico com uma mescla variada  de  discretos  voos fantasiosos.”  Conclui o mesmo autor: “Amiúde ainda não se considera a FC  uma literatura ‘séria.’
  O enredo de O olho mortal,  para as pretensões dos supostos leitores e da faixa etária  mais visada pelo  autor,  é muito simples. Três jovens tinham o  propósito de cursar Letras numa  Faculdade em Teresópolis,  a Faculdade Modelo, Ocorre,  contudo,  que,  no local, surgem assassinatos “misteriosos!,  “enigmáticos” e selvagens e a culpa  da  primeira vítima recai sobre as três estudantes, Carol, Andreia e Fátima.           Os crimes acontecem sempre  após um “toque de um apito.” Em socorro das meninas,  aparece uma outra personagem, a  espertíssima   e corajosa  policial, Irina Danowszki, uma paranormal. Ela, em contato com as jovens,  percebe logo que uma das três estudantes é dotada também do poder de vidência  e que, ademais,  usava um caleidoscópio a fim de conseguir  visualizar  o que procurasse. Cada uma das quatro personagens  é reconhecida  por traços  específicos de personalidades.
Por exemplo, Carol está sempre   encrencando   com a policial  Irina; Fátima, a lamentar a morte de George,  assassinado pelo  robô do conde  Haroldo Bruxelas, o grande vilão da narrativa.  É obvio que o leitor logo é conquistado pelos objetivos das jovens, da  policial  e do detetive  Anselmo, de quem falarei a seguir. Carolina demonstra impaciência diante da vida e  sempre sarcástica;  Andreia é solitária,  ressente-se de uma  decepção amorosa e é dona de um cachorro dálmata, de nome Malhado, sempre em companhia dela. 
Na luta  sem trégua para vingarem-se do conde Bruxelas,   desenrola-se uma narrativa  cheia de percalços,  perigos,   situações-limite. As quatro jovens  não desistem de  perseguirem  o conde, um psicopata,   dono de um  robô assassino que está sob seu controle  para a prática  do mal,  pronto a eliminar qualquer inimigo ou quem quer que seja,   porquanto para ele  o ódio contra os outros pode ter ou não  justificativas.
Conde Bruxelas, por sinal,  é o proprietário da Faculdade Modelo  Tem estreitas ligações com  o underground  do crime. Representa, de certa forma, o mal e o bem,  pois é considerado  um mecenas do ponto de vista  de ser o fundador da Faculdade Modelo.
Na perseguição  contra o  conde Bruxelas,  surge ainda a figura do detetive Anselmo, pronta a ajudar as jovens a dar cabo.   Anselmo é espirituoso, esperto,  por vezes  não se afina com a detetive  Irina. Todavia,  secretamente, ele nutre um forte sentimento amoroso   para com Fátima. A presença de Anselmo  reforça  a luta das estudantes e da policial  Irina.
As ações da novela se complicam  na passagem em que,  durante a perseguição ao conde, as meninas, Irina e  Anselmo não conseguiram   capturar o vilão que se encontrava na casa do seu  oftalmologista, Dr. Gedeão Aniceto. Ele escapou mais uma vez  e se dirigiu em direção a um rio  com forte correnteza. Assim mesmo,  uma das meninas,  Carol,  entrou também na água  onde aconteceu um duelo  mortal. É o ponto alto da aventura  em perseguição do  conde Bruxelas. Depois de tantos   enfrentamentos  na água,   Carol, já exausta,   é socorrida e regatada pela   policial Irina.  Mais uma vez  o conde se escafedeu.
 É necessário  dizer que na novela não existem  apenas  perseguições, lutas,  lances dramáticos e mesmo  heroicos. Na narrativa,  há outras camada  de leituras que se podem  desentranhar. Irina não é só uma policial  destemida  e  inteligente. Ela é agente de um “poder  oculto,” a “Liga Mundial, ”uma organização  pouco conhecida  que tem objetivos de lutar pela “paz e a ordem” mundiais. Na última  parte da novela,  denominada “A Liga se pronuncia,”  entram mais outros personagem, de presença  passageira na trama:  o francês Moacir Hardy,  Paulinelli, Anthony Joelsas (apenas citado),  Diana (apenas citada),  todos agentes da Liga.
Dali em diante, seriam eles que dariam cabo do conde Bruxelas. As três jovens passariam a integrar, na condição de agentes, a organização Liga Mundial e ainda continuariam a frequentar a Faculdade Modelo. A  rival da Liga Mundial é a Rede (organização criminosa ),  à qual pertence, caso não  me tenha enganado,  o conde de Bruxelas. No entanto,  os crimes do conde Bruxelas são perpetrados  por sua conta e risco.
Segundo aludi linhas atrás,  O olho mortal é uma novela que comporta outras dimensões de leitura. Pode-se mesmo   pensar na  possibilidade de a narrativa subtextualmente   sinalizar  a outras motivações do narrador: os despistamentos  para  diretamente  não  identificar  situações  sociais, políticas  e históricas   que ainda   estamos   enfrentando no  mundo atual,  assim como  problemas   que a contemporaneidade  enfrenta sem soluções devidamente   resolvidas, como questões do meio-ambiente,  do clima, de poluição,   da corrupção, pois são muitas os índices   que remetem o leitor  mais atento  a essas  questões  que fazem  parte do debate em escala mundial,  da segurança  do nosso planeta Terra, entre outras.
A linguagem do texto de Miguel Carqueija é direta,  fluente,  linear, embora  se observe, na narrativa forte,  influência   de situações  espaciais  e de descrições  dinâmicas,   muito  visuais e objetivas, a nos lembrarem cenas do cinema. A novela está  pontuada de alusões a autores estrangeiros, personagens de obras famosas, nomes de artistas brasileiros, nomes de lugares, sobrenomes de personagens  estrangeiros, como a lembrar que literatura é o locus especial  do diálogo entre autores e autores e entre estes e leitores, quer dizer, a  literatura possui uma natureza metaficcioal,  metalinguística e dialógica.

Uma última  característica  dessa obra,  desta vez do ponto de vista  estrutural da novela,  são sinalizações que se prestariam a enquadrar  a novela   como  pós-moderna, na qual  misturam-se   tempos,  objetos, atmosfera, ambiente,  meios de transporte  pertencentes a outras épocas que dão um ar divertido  e mesmo   irônico  ante a combinação dessa mistura espácio-temporal. E, por fim, enfatizando a sua peculiaridade de ficção científica, com  ingredientes do  sobrenatural, i.e., os poderes  de vidência  da personagem  Fátima, da paranormalidade  da policial  Irene, o robô assassino do conde Bruxelas. Ora, de tais ingredientes  nasceu um  novela  inteligente e ao mesmo  tempo  agradável e divertida.