Cunha e Silva Filho
A pergunta do título deste artigo
me é inspirada
pela leitura de um artigo do teórico e crítico literário Eduardo Portella,
de título “A morte do homem
cordial.” (jornal O Globo,
14/01/2017). Há muito não lia o autor que tem uma
obra notável e definitiva
no alto ensaísmo e na crítica
brasileira. Lembro bem do que afirmou
o pensador e grande crítico literário Tristão de Athayde (Alceu Amoroso
Lima, 1893-1983) ao saudar, se não me engano, em jornal, o aparecimento, na cenário intelectual
brasileiro de Eduardo Portella (1958,
com obra Dimensões 1, crítica literária)
com a frase consagradora: “Crítico ao
Norte.” Portella, com o tempo só confirmou
esse julgamento.
Sem
nomear o principal nome
em torno do qual o tema polêmico
ainda hoje discutível do “homem cordial” atribuído ao brasileiro e
analisado no capítulo V da obra Raízes do Brasil (Rio de Janeiro: J. Olympio, 10
ed., 1976, p. 101- 112) do erudito ensaísta,
crítico literário historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Portella em
texto enxuto e límpido, desnuda sucintamente a questão da cordialidade nossa, questão esta que o próprio
Holanda, segundo já frisei, procurou
analisar. A cordialidade do brasileiro já havia se espalhado
pela consciência coletiva
nacional sempre invocada para
justificar que o brasileiro é cordial, quando não o é sobretudo se visto
agora da ótica da atualidade.
A frase “homem cordial” se tornou moeda corrente como tantas outras que se
inseriram na cultura brasileira no sentido
de identificar o país e o seu povo por um viés
positivo, como aquela do título
da obra de Stefan Zweig((1881-1942), Brasil,
país do futuro(1941), ou
aqueloutra bem mais antiga de um título do livro
Por que me ufano do meu país
(1900), do conde de Afonso Celso (1890-1938), um velho exemplar do qual conheci na biblioteca do meu
pai.
A expressão “homem cordial” não é de
Holanda, mas do poeta diplomata e
ficcionista Ribeiro Couto (1898-1963) conforme o próprio Holanda lembra na
nota de rodapé 157, (op. cit., p.106). Holanda apenas viu
nessa a síntese da definição
desenvolvida em seu livro sobre
o assunto.
Inclusive, não pode ser tomada ao pé da
letra, de vez que Holanda estuda o comportamento social
do brasileiro sob a perspectiva de que
somos um povo avesso ao ritualismo, mas com
um forte inclinação
à quebra de formalidades a serem obedecidos
com rigor. Nossa tendência é a manifestação da liberdade, no sentido de
abertura às ideias e a modos
assistemáticos e facilmente
digeridos.
Portella, para sustentar suas ideais no artigo, parte do argumento de que
o homem cordial se deveu à
combinação do “modernismo” com o
“ufanismo.”
No entanto, segundo o Portella, com
o passar dos anos e as transformações gerais do país, à altura da modernidade, da
qual começam a surgir os efeitos danosos da explosão urbana, do
gigantismo populacional e da “privatização da esfera pública,” fatores desta natureza que só
deteriorariam a realidade brasileira
já dando seus fortes sinais de
novos e nada alvissareiros desafios que o país teria que enfrentar. E tal s deu ao nosso olhos
perplexos do presente.
Aquele passado
algo romantizado,“edificante” de um
Brasil de natureza
exuberante, de um “sertanejo é antes de tudo um forte” na concepção de Euclides da Cunha entrevista em Os sertões, não mais se poderia
manter como ilusão identificadora
do que o futuro (o nosso presente) haveria de preservar como a
projeção de um nação próspera
e feliz. Portella denomina
essas dificuldade não previstas pelos
estudiosos da nossa formação de Estado Brasileiro de “desvios inesperados do caminho.”
Citando
Mário de Andrade (1893-1945), tendo por fundamento a obra Paulicéia
desvairada(1922), como um intelectual
que havia percebido os percalços que
sofreria o país, a começar da capital de São Paulo, maior centro
econômico e industrial da América Latina, Portella - diria eu -, reforça
que aqueles mesmos percalços (0s “desvarios” marioandradinos ) a serem enfrentados
alcançariam todo o
território brasileiro.
Ora,
esses desvios que conduziram ao estado
de imoralidade e degradação
dos poderes e à ilegitimidade da representação
política com o desgaste da figura
do político a consequente
repulsa da sociedade, quase por
completo ruíram as nossas
instituições supostamente democráticas.
O efeito foi catastrófico
porque o sistema republicano ficou em grande parte desacreditado pela sociedade civil, principalmente porque foram gravemente feridos
os princípios éticos
e morais, desestruturando o
arcabouço do Estado, como são exemplos os inúmeros e recorrentes escândalos
investigados pela Operação Lava
Jato denunciando em práticas de
ilicitude e criminais os governos federal, estaduais
e municipais e a elite do empresariado. O fato de Portella citar o poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), “E agora, José?,” já indicia para um situação
social e política altamente complicada que nos coloca a todos numa encruzilhada e na imprevisibilidade e incertezas nos rumos do país.
Portella
ainda se vale de três notáveis filósofos de porte universal a fim de desconstruir
a concepção de cordialidade brasileira ao declarar
que “(...) nenhum homem é ou deixa de ser cordial fora do seu horizonte
existencial.” Em outras palavras, nenhum
homem escapa à sua “circunstância”
( Ortega ), à sua “situação” (Sartre) e às aflições do “ser no tempo”
(Heidegger).
Outros fatores são citados por
Portella como exemplos dignos de
meditação que explicitariam a
nossa,direi assim, ausência de
cordialidade: decisões impensadas para escaparem a condenações (caso da queda do avião levando
os jogadores da Chapecoense); a escravidão que, no país, não deu
nenhum exemplo de humanidade; a violência atual
em estado de calamidade pública;os presídios brasileiros, locais
onde o crime se mantém
e ainda coordena a brutalidade
fora dos presídios; a
“institucionalização da violência
política”; a “privatização do público” considerada pelo crítico
como “negação da cordialidade.”
Agrega ainda como causa
primordial a desarticulação do sistema de educação
no país, cujas problemas
graves poderiam ser tratadas com
um ensino e educação que respeitem e valorizem
os frutos do conhecimento, da cultura, a injustiça
social, outro determinante do recrudescimento sem precedente da violência e criminalidade em nosso país.
Portella vê como saída para uma país melhor
uma efetiva prática
de políticas do Estado, i.e., não se melhora educação nem cultura
se o Estado, através das esferas da
educação e da cultura, em ações conjuntas,
não estiver disposto a mudar
para aperfeiçoar com forças
concentradas em objetivos a serem
atingidos cm sucesso. É o Estado interagindo como uma unidade
de forças concentradas em objetivos
a serem atingidos com sucesso
Por último
refere a urgência de uma reforma
política em todos os sentidos, a ser levada a cabo não por pelo que ele chama de “protagonistas
do caos” mas pelo mais “íntegro diálogo
societário.”
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