domingo, 15 de janeiro de 2017

O QUE É O HOMEM BRASILEIRO?




                                                                                              Cunha e Silva Filho



      A pergunta do título  deste artigo  me  é  inspirada  pela leitura de  um artigo do  teórico e crítico literário Eduardo  Portella,  de título  “A morte do homem cordial.” (jornal O Globo, 14/01/2017).  Há muito não lia  o autor que tem  uma  obra  notável  e definitiva   no alto  ensaísmo  e na crítica  brasileira. Lembro bem do que  afirmou  o pensador e grande crítico literário Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima, 1893-1983) ao saudar, se não me engano,  em jornal, o aparecimento,  na cenário   intelectual  brasileiro   de Eduardo Portella (1958, com obra Dimensões 1, crítica literária) com a frase  consagradora: “Crítico ao Norte.” Portella,  com o tempo só  confirmou  esse julgamento.
    Sem  nomear  o principal  nome   em torno do qual  o tema polêmico ainda hoje   discutível  do “homem cordial” atribuído ao brasileiro e analisado  no capítulo  V da obra Raízes  do Brasil (Rio de Janeiro: J. Olympio, 10 ed., 1976, p. 101- 112) do erudito ensaísta, crítico literário   historiador  Sérgio Buarque  de Holanda (1902-1982), Portella em texto  enxuto  e límpido, desnuda sucintamente  a questão da cordialidade  nossa, questão esta que o  próprio  Holanda, segundo  já frisei,  procurou  analisar. A cordialidade do brasileiro já havia se  espalhado  pela consciência coletiva  nacional sempre  invocada  para  justificar  que o brasileiro  é cordial, quando  não o é sobretudo  se visto  agora da ótica  da atualidade.
     A frase “homem cordial” se tornou  moeda corrente como tantas outras que se inseriram   na cultura brasileira  no sentido  de  identificar  o país e o seu povo   por um viés  positivo, como aquela  do título da obra de Stefan Zweig((1881-1942), Brasil, país do futuro(1941), ou aqueloutra bem mais antiga  de um título  do livro   Por que me ufano  do meu país (1900), do conde de Afonso Celso (1890-1938), um velho  exemplar do qual conheci na biblioteca do meu pai. 
       A expressão  “homem cordial”  não é de  Holanda, mas  do poeta diplomata e ficcionista Ribeiro Couto (1898-1963) conforme o próprio Holanda lembra    na nota de rodapé 157, (op. cit., p.106). Holanda apenas  viu  nessa   a síntese  da definição  desenvolvida  em seu livro  sobre  o assunto.
      Inclusive, não pode ser tomada ao pé da letra,  de vez que  Holanda estuda o comportamento  social  do brasileiro sob a perspectiva de que  somos  um povo avesso  ao ritualismo,  mas com  um  forte  inclinação  à quebra  de formalidades a serem  obedecidos  com rigor. Nossa  tendência  é a manifestação da liberdade, no sentido de abertura  às ideias  e a modos  assistemáticos e facilmente  digeridos.          
       Portella, para sustentar  suas ideais no  artigo, parte do argumento  de que   o homem cordial   se deveu à combinação  do “modernismo”  com  o “ufanismo.”
      No entanto,  segundo o Portella,  com  o  passar  dos anos e as transformações   gerais do país, à altura da modernidade, da qual  começam a surgir  os efeitos danosos da explosão urbana, do gigantismo   populacional  e da “privatização da esfera pública,”  fatores desta natureza  que só  deteriorariam  a realidade  brasileira  já dando seus  fortes sinais   de  novos    e nada  alvissareiros desafios   que o país teria  que   enfrentar. E tal s deu ao nosso  olhos   perplexos do presente.
    Aquele   passado  algo  romantizado,“edificante”   de um  Brasil de natureza  exuberante,  de um  “sertanejo é antes de tudo  um forte” na concepção  de Euclides da Cunha  entrevista em Os sertões,  não mais  se poderia    manter como ilusão  identificadora  do que o futuro (o nosso presente)   haveria de preservar   como a  projeção  de um nação   próspera   e feliz. Portella denomina  essas  dificuldade  não previstas   pelos  estudiosos  da nossa formação  de Estado Brasileiro de “desvios  inesperados do caminho.”
    Citando  Mário de Andrade (1893-1945), tendo por fundamento a obra  Paulicéia desvairada(1922), como  um  intelectual  que havia percebido os percalços  que  sofreria o país, a começar da capital de São Paulo, maior  centro  econômico e industrial da América Latina, Portella - diria eu -,  reforça  que  aqueles mesmos   percalços (0s “desvarios”  marioandradinos ) a serem  enfrentados  alcançariam  todo o território  brasileiro.
    Ora,  esses desvios  que conduziram   ao estado  de  imoralidade   e degradação  dos poderes e à ilegitimidade da  representação  política com o desgaste da figura   do político   a consequente repulsa da sociedade, quase  por completo   ruíram as nossas instituições  supostamente democráticas.
    O efeito foi  catastrófico  porque o sistema  republicano   ficou  em grande parte   desacreditado pela sociedade  civil, principalmente  porque foram   gravemente  feridos  os  princípios  éticos  e morais, desestruturando  o arcabouço do Estado, como são exemplos os inúmeros e recorrentes  escândalos   investigados  pela Operação Lava Jato denunciando em práticas  de ilicitude   e criminais   os governos federal,  estaduais  e municipais e a elite do empresariado.  O fato de Portella citar o poema de Carlos  Drummond de Andrade (1902-1987), “E agora,  José?,” já indicia para um  situação  social e política altamente complicada que nos coloca a todos  numa encruzilhada e na imprevisibilidade  e incertezas nos rumos do  país.
      Portella  ainda se vale  de três notáveis  filósofos de porte  universal a fim de  desconstruir  a concepção de cordialidade brasileira ao  declarar  que “(...) nenhum homem é ou deixa de ser cordial fora do seu  horizonte  existencial.” Em outras palavras, nenhum  homem escapa à sua  “circunstância” ( Ortega ), à sua “situação” (Sartre) e às aflições do “ser no tempo” (Heidegger).
    Outros  fatores são citados  por  Portella como  exemplos   dignos de  meditação que explicitariam  a nossa,direi assim,  ausência de cordialidade:  decisões impensadas  para escaparem  a condenações (caso  da queda do avião  levando  os jogadores da Chapecoense); a escravidão que, no país,  não deu  nenhum  exemplo  de humanidade; a violência  atual  em estado de calamidade pública;os presídios brasileiros, locais onde  o crime  se mantém  e ainda  coordena  a brutalidade  fora dos presídios;  a “institucionalização da violência  política”; a “privatização do público” considerada  pelo crítico  como  “negação da cordialidade.”  
    Agrega ainda como  causa  primordial a desarticulação do sistema de  educação  no país, cujas   problemas  graves poderiam ser  tratadas   com  um   ensino e educação  que respeitem   e valorizem   os  frutos   do conhecimento, da cultura, a injustiça social, outro  determinante  do recrudescimento sem precedente da  violência e criminalidade em nosso  país. 
   Portella  vê como  saída para uma país  melhor   uma efetiva   prática  de políticas do Estado, i.e., não se melhora educação nem cultura se  o Estado, através das esferas da educação e da cultura, em ações conjuntas,  não estiver   disposto  a mudar  para  aperfeiçoar com forças concentradas  em objetivos a serem atingidos  cm sucesso. É o Estado  interagindo como  uma unidade  de forças   concentradas   em objetivos  a serem  atingidos com sucesso
    Por último  refere a urgência  de uma  reforma  política em todos os sentidos, a ser levada a cabo  não por pelo que ele chama de “protagonistas do caos” mas pelo mais   “íntegro diálogo societário.”

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