CUNHA E SILVA FILHO
Com pouca informação sobre o autor,
o poeta piauiense Nathan Sousa, 43 anos, sem lhe conhecer
a produção até agora editada,
me agarro a seu mais recente livro publicado, Dois olhos sobre a louça branca(Guaratinguetá:
Penalux, 2016, 85 p.). Essa editora vem
publicando outros poetas e
ensaístas, alguns dos quais
conheço, como Luiz Filho de
Oliveira, poeta piauiense, e
Valdemar Valente, ensaísta.
Residindo no Rio de Janeiro há tanto tempo, não tenho
condições de acompanhar tudo que
tem sido publicado no Piauí, sobretudo
seus autores mais jovens ou menos jovens..O que me vem ao conhecimento é quase por acaso. As minhas referências
aos novos autores vou buscar nos poucos historiadores literários de que
o Piauí dispõe, como Francisco Miguel de Moura e Herculano Moraes.
Como diria os mais velhos até do que eu, de um assentada li o livro em exame. Leitura rápida que me
impulsionava a ir adiante. Foi o que fiz
e posso adiantar: não foi
tempo perdido. O jovem poeta como aconteceu com
Luiz Filho de Oliveira, me
surpreende por várias razões, (com a sensação estranha e satisfação com que li o
poeta Elmar Carvalho nos anos
1990 e quando lhe analisei a obra
poética nos anos seguintes), em especial
pela qualidade inquestionável de
seus versos.
Eu
tentei ver se na obra de Nathan poderia
encontrar uma imperfeição,
seja de natureza da linguagem
literária, seja da própria elaboração
da sua fatura poética, a meu singular,
orignal, na qual, a palavra, a
frase, a estrofe e o
poema inteiro vão-nos deleitando pela leque de situações
formais e humanas levantadas
pelo autor. Aposto na
consagração desse poeta e logo logo na sua visibilidade fora dos limites do Piauí.
Nathan
Sousa nos enseja uma poética
que muito se aproxima
do âmbito filosófico, sem, no
entanto, desprezar a concretude da vida, a realidade quotidiana e seus problemas
e impasses, os objetos inanimados, a flora, a fauna, coisas em geral, i.e., o mundo natural e o mundo cultural,
Tudo no livro parece
querer atingir uma dimensão
universal. Em Nathan nada lhe escapa
ao que se convenciona denominar de mundo
real e mundo abstrato. Luz,
sombra e mitos. Por isso, sua poesia é
tão invadida por objetos, coisas, seres humanos ou irracionais, pela
frequência alusiva, ou seja, pelo
intertextualidade, quer endoliterária, quer exoliterária (Cf. Vítor Manuel de Aguiar e
Silva. Teoria da literatura. 8
ed. 19ª impressão. Coimbra: Livraria
Almedina, 2011, p. 629-630), um traço
muito comum nos
poetas de hoje e já anunciado, conforme
amiúde tenho repetido, desde a previsão do crítico literário inglês I.A. Richards. (1893-1979))
Optou – seria o termo
certo para r uma poesia constelada de signos, metáforas e símbolos? - por um
poesia de corte contraditoriamente aristocrático, na qual
os verso resultam de poderosa
imagística que toca em muitos ângulos do se podia
rotular de grande poema em todas
as épocas. Contudo – cabe ressaltar
- o adjetivo “aristocrático,” aqui particularmente empregado,
não tem nada a ver com um
poesia tradicional parnasiana ou neo-parnasiana. Longe disso. O adjetivo refere a um tipo de poesia inapelavelmente pós-moderna no sentido mais lato possível. Quer dizer,
uma poesia que supera
as vanguardas brasileiras a partir
das mudanças efetuadas pelo
Concretismo de 1956 e outras formas de vanguardas
pós-concretistas. Nathan faz parte de um grupo de poetas que pertenceriam a uma fase na qual
os ismos datados forma superados e, em lugar dele, a poesia teria em cada
poeta uma forma individual de composição. Não significa por isso que há
nesses novos poetas que estão surgindo no pais a
anarquia da forma e de temas, mas um
percurso poético pessoal
que tenha recebido as mais diversas contribuições tanto da tradição literária quanto das diferentes vanguardas pelas quais
passou a poesia brasileira..
A
poesia de Nathan Sousa, em alguns aspectos
formais e de comportamento com a
linguagem, me lembra outro
poeta brasileiro que conheci
muito, o Jurandyr Bezerra (1928-2014), autor de um
único livro publicado, Os
limtes do pássaro(Belém: Editora SEJUP,
1993) bem recebido pela crítica
especializada. Tinha prontos, pelo menos oito livros de poesia a serem
editados. Bezerra nasceu no Pará e, em
seguida, radicou-se no Rio de Janeiro.
Recebeu prêmios e teve poemas traduzidos para o italiano e eu mesmo verti um
poema dele para o inglês, de
título “Poema para Izabel,”extraído do livro
já mencionado.
Como Nathan,
ostenta uma poesia de fino senso
de beleza, onde o sentido do poema
se encontra no próprio fruir da linguagem
e de seus recursos imagéticos,
em sua potência criativa
e no seu substrato profundamente humano além de musical,
visível influência dos simbolistas.
Jurandyr
Bezerra foi leitor voraz dos grandes poetas não só
brasileiros (Cecília Meireles,
Cruz e Sousa, Murilo Mendes, Fernando Pessoa), mas
um do porte do expressionista
alemão Georg Trakl.(1887-1914).
Tinha especial interesse
pela leitura de respeitados ensaístas,
por exemplo, um Mário Faustino, um
Benedito Nunes, um Antônio Olinto, um
Antonio Carlos Secchin, um José
Guilherme Merquior.
Recordo vivamente que Jurandyr citou
especialmente o último dos citados
poetas no parágrafo anterior, da mesma
maneira que gostava de citar Cecília
Meireles, os simbolistas. Foram, assim,
uns mais outros menos, os que, segundo ele, lhe ensinaram
finalmente o que é poesia depois
de tanto tempo e canseiras de releituras, porque, acrescentava ele, a poesia é também um aprendizado do domínio técnico – uma espécie de epifania,
uma porta aberta aos olhos espantados dos que amam e querem para si
a entrada firme e certeira do sentido da linguagem e da matéria
poética que se traduz, ao fim, em criação verbal e de apreensão do que
seja o grande verso, a grande poesia.
Jurandyr, tal qual todo
bom poeta, passou a vida inteira lendo o que havia de melhor na poesia universal tanto de brasileiros quanto de estrangeiros. E como sabia ter a vocação e a
maneira cavalheiresca de
ofertar obras da grande poesia
aos amigos! Uma desta ofertas foi uma antologia de poetas expressionistas alemães.
O livro Dois olhos sobre a louça branca,
de resto, de título insólito e enigmático, compõe-se de
quatros partes, respectivamente intituladas
“Ogiva de Vidro” “Lágrima de quartzo,” “China,” e “Estuário / Saliva.” As quatro partes
reúnem cinquenta e um poemas. É óbvio que, numa simples resenha, não daria conta de um comentário abrangente o suficiente para apreender a riqueza
facilmente detectável em seus
poemas, em que a linguagem da poesia é medida milimetricamente e se encaixa
no tema eleito.Esse frêmito também, em relação a
novos poetas do Piauí, experimentei
na leitura da poesia de Sonia Leal Freitas, O cedro do Éden (2002) e na poesia satírico-social mas também estruturalmente refinada
de Luiz Filho de Oliveira na obra
Das bocadas infernéticas (2016).
Não seria neste espaço que adensaria minha análise
da poesia de Nathan Sousa, mas me impulsiona o desejo de
tecer alguns breves comentários gerais do livro. Tomemos, por exemplo,
três poemas, entre tantos no livro, que me suscitam a curiosidade crítica: “Eu e a Cidade” (p.32-33), “Sabor”(p.75) e “Ceia
de cegos” (p.85) e
O primeiro escolhido retoma um
tema já poetizado por
outros autores piauienses, um deles
sendo Paulo Machado. Todavia, o
tratamento entre este o de Nathan é bem diverso e reflete outros tempos poéticos. Nos poemas de Paulo Machado sobre
Teresina a poesia, num lirismo distanciado, se entronca com a
denúncia social e o testemunho
do tempo histórico, enquanto que em Nathan Sousa existe uma relação mais íntima entre o
sujeito lírico e o tema de Teresina, ou seja, entre o sujeito lírico e o objeto amado complicado desta vez pelos tempos de agora,
líquidos e apressados no
torvelinho da pós-modernidade
impessoal e brutal.
O poema
é uma mini-autobiografia do poeta que se debruça corajosamente sobre
o seu tempo presente e o passado.
Fala do presente da sua cidade, Teresina, em constante
metamorfose. É um belo poema, um
dos melhores do livro costurado entre a
saudade dos entes queridos e as transformações que o amadurecimento vai
exercendo sobre o homem-poeta: “retorno à cidade onde nasci/e onde vi meu pai e (pouco depois) minha mãe partirem/para
sempre”.(p.32, primeira estrofe).
Nesse
poema há um controlado halo
de nostalgia indefinida
do que foi a cidade do período
existencial do autor
por ele mesmo situado: “Será esta
a Teresina/que se abriu em cores e vozes/ naquele distante ano de 1973? (p.
33, estrofe 7). É evidente que essa sensação
de estranheza sentida por alguém
que se afastou da sua cidade berço é
compartilhada por outros pessoas, até
pelo “homem comum,”
porém sobremodo pelos
artistas, poetas, escritores em geral, gente com maior
sensibilidade de transmitir emoção
e beleza através da
comunicação literária.O poema é um grande mergulho no sentimento da saudade contida
pela emoção controlada pela mensagem sintética tão afinada que deve ser com
o ato poético e pela consciência e razão
metapoética.
No poema ‘O sabor,” existe um “topos,” o da imagem da “louça
branca” que, ,por sinal , faz parte do
título do livro. Ele, portanto, é
recorrente, aparece aqui e ali na obra.Não
é meu intuito aqui me éter neste
sintagma ou no lexema “louça.” Sua hermenêutica
será certamente uma das linhas de força
do poema. Nathan, tanto quanto
outros poetas de hoje, usam de alguns artifícios que já foram empregados
por poetas da modernidade,
como um Vasco Graça Moura (1942-2014) poeta português, ou um mais antigo, e o norte-americano
e.e.cummings (1894-1962). Eles usaram letra minúscula para
nomes próprios, assim também as empregaram
depois de um ponto. Outra traço tipográfico
semântico-visual igualmente
encontrado na poesia de Luiz
Filho de Oliveira) é, entre parênteses,
incluir um enunciado alusivo ao poema ou mesmo de sentido
enigmático ou indecifrável.
Cumpre não esquecer
que a poesia atualizada de
Nathan Sousa tematicamente
se irradia para múltiplas direções,
não somente para o olhar dirigido aos objetos, coisa
e seres, segundo assinalei,
mas para
outras questões que embutem
no poema voltadas ao universo das artes,
da temas sociais e globais, Combina os
mundos ocidental e oriental. Desloca-se como uma espécie de globe-trotter.
Há uma visada para uma abrangência universal
atingindo, além disso,
outros espaços naturais,
a água, o líquido, os pássaros (frequente nele também é suas referência a essa espécie animal.
Voltemos ao poema “Sabor.” Há
sempre um segundo ou terceiro ou mais
sentidos num só poema que converge para
uma opacidade de sentido abrindo-se ao
hermetismo e a um esteticismo acessível a poucos iniciados.
Neste ponto,
sua poesia é muito mais sofisticada
do que foram os poetas da geração-70,
com o mimeógrafo, com alguns poetas reunidos em antologia a cargo de Heloísa Buarque de
Holanda, antologia que se tornou, por assim dizer, um clássico, sob o título de 26 poetas
hoje ou mesmo com os da geração-90, que teve duas edições (Editora
Aeroplano) e mereceu uma outra antologia
intitulada Esses poetas, também organizada por Heloísa Buarque de Holanda.
No poema
“sabor” é evidente uma
dicotomia entre o abismo de uma hecatombe natural insinuada pelo
binômio “goela e o big bang e um
desejo meio que incerto, a
despeito do risco, do recurso à poesia. O poema se inscreve
entre o disfêmico ( big bang, “mefistofélico”, “combustão desavisada” e “armas” e
o eufêmico ( “louça branca,” “canto de
louvação,” “educada”). O poema não
afirma abertamente, se camufla semanticamente.
No poema “Ceia dos cegos,” o
derradeiro do livro, que exibe uma epígrafe de escritor português Miguel Torga, está associado à religiosidade cristã na acepção do conhecimento atento
do Novo Testamento, do qual é citado uma frase de Mateus (não sei por
que o poeta grafou em inglês mathew,
quando poderia fazê-lo em português).
As referências ao “mito” e ao “sono da caverna” são bem
indicativas das intenções oblíquas (se é que há intenções num poema) da natureza
do tema do poema. Apontam para muitos questionamentos de cunho mitológico,
social, estético e filosófico. A citação de Mateus, por sua
vez, reenvia ao topos dos “olhos” e da
“louça branca” que formam o título da obra. O poema “Ceia dos cegos” não se torna por isso
religioso, católico ou de outra denominação. A uma afirmação do sujeito lírico corresponde uma desconstrução. O conceitual
se desfaz, muda de rumo e causa
estranhamento não pelas aporias existentes como ainda por sua súbita metamorfose semântica, levando àquela opacidade, àquela conceituação de Mallarmé:
(...) referir-se a um objeto pelo seu nome é suprimir três quartas partes
da fruição do poema, que consiste na felicidade de adivinhar pouco a pouco;
sugeri-lo, eis o que sonhamos. É o uso perfeito desse mistério que constitui o
símbolo; evocar pouco a pouco um objeto para mostrar um estado de alma,
ou, inversamente, escolher um objeto
para e desprender dele um estado de ama
por uma série de decifrações.” (apud
Tavares, Hênio, Teoria literária. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 8.ed. rev. e aum., 1984, p.89).
As múltiplas vozes de espaços e tempos
diferentes tornam a poesia de Nathan Sousa um poliedro que, num melting-pot, sabe agasalhar ou
recusar todos os caminhos
possíveis da poiésis – um
desabrochar de temas cruciais e de
questões filosóficas, que
atravessam rios, oceanos, mares,
lagos, continentes do Ocidente e
do Oriente e tentam encontrar ressonâncias
ao seu canto de pássaro
ávido para ao menos tornar o nosso
universo mais humano e fecundo, onde
o lirismo se faz onipresente mesmo em meio à contramaré da contraditória e tumultuada existência contemporânea na Terra.
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