terça-feira, 13 de dezembro de 2016

DE VOLTA A FERREIRA GULLAR: UMA CORREÇÃO





                                                                      Cunha e Silva Filho



        No meu artigo anterior sobre o falecimento  do poeta,  havia  dito que possivelmente  a última crônica do  escritor publicada na sua coluna aos domingos  do caderno  Ilustrado  tivesse sido “Solidariedade ( 04/12/2016), em que  discute  sobre  questões da política  brasileira atual.
          Mal sabia  eu que outra crônica, “Arte do futuro” saiu no caderno Ilustrado do dia  11/12/2016), ou seja, a última  crônica do  grande poeta  tinha sido  lucidamente “ditada” por ele à usa neta Celeste  no leito do hospital.  Ele a produziu já  respirando  mal,   fazendo  pausas para  descansar.   
         Ao ser perguntado por ela se era melhor  deixar para terminá-las outro dia,  Gullar lhe respondera que não, visto que não sabia  o  que  podia  acontecer. Celeste, segundo a nota aposta  à coluna,  confessara que  o avô  um a vez lhe  dissera que  sabia  adivinhar  coisas. Seria, então, pode-se  concluir,  por isso que  não  desejava terminar de escrever a derradeira  crônica em outra dia.
        Se claramente  Gullar   confidenciara à neta  que tinha  o dom de adivinhar  o que  podia acontecer, não vejo  nisso alguma pretensão   de vaidade ou ares de superioridade.
       Sabe-se, na Antiguidade clássica, que o sentido da  palavra “vate,” da etimologia latina vate/em, “profeta,” com que  por vezes se usa  para  chamar  alguém  de   poeta,  significa antevisão,  a capacidade  de  ver o futuro, o que pode acontecer. (Cf. o verbete “Vate” em  MOISÉS,  Massaud. Dicionário  de termos  literários. 6.ed. São Paulo: Cultris, 1992, p.507)
       Acreditava-se que  os poetas tinham  o dom  de profetizar mercê  sobretudo  da sua “linguagem  ritmada”. Com o tempo,  o vocábulo se tornou  sinônimo de  poeta,  de bardo. Este último, de resto,  tem uma fortuna  semântica  bastante  rica e remonta ao étimo  celta “bàrd,” bardh, significando  “poeta” (idem,  p.57. Ver o verbete "bardo"). 
       Agora que disponho dessas informações   relacionadas  à última crônica de Gullar, o dado bibliográfico  fica,  pois, atualizado.
         havia  acentuado,  no meu artigo  “Morre o poeta  Ferreira Gullar,” que Gullar tematicamente - quase poderia  dizer -  se alternava entre crônicas políticas, sobretudo  na sua  crítica ao  luloptismo  e aos erros e acertos do marxismo tanto quanto  às ambições desmesuradas do capitalismo  no pais e no mundo e a questões  concernentes às artes em geral,   incluindo  sobretudo  a  poesia  das vanguardas, ao seu  próprio  tempo de forte atuação nos movimentos   de renovação  da poesia  brasileira a partir do Concretismo de 1956, segundo aludi  a esse aspecto  no meu artigo atrás citado.
     Desta forma, serve como  desfecho  brilhante  a crônica-ensaio “Arte do futuro,” já mencionada acima. Nesse espaço do jornal  a que me tinha  acostumado  como leitor cativo desde o seu início  há onze anos,  essa última  crônica  se torna,  por assim dizer,  um marco  histórica na biografia  do autor.
     No entanto,  entrevejo  uma  coincidência  no fato de Gullar, nessa última matéria,  se voltar, como o fez  tantas vezes,  às questões  atinentes às artes. Na “Arte do futuro”  Gullar, em síntese   lapidar,  faz um  retrospecto  dos caminhos  da pintura  desde a “pintura mural,” passando, pelas novas  mudanças  que a pintura conheceu através do tempo até chegar à contemporaneidade, a tela, a pintura a óleo, a referência à fotografia,  o realismo,  o impressionismo e o cubismo.
     Assim, mais uma vez e,  como que para  reafirmar  os fundamentos  da história da pintura,   faz uma conclusão,  negativa  ao  que chama de “vale-tudo”  atingido  nos tempos  modernos  pelas artes em geral, São palavras de seu  penúltimo  parágrafo da crônica: “A conclusão inevitável é que o que até aqui se chama de arte já não o é.(grifos meus). Mas o sentido  profético de suas  palavras no texto  me permitem  afirmar que Gullar, que não  gostava,   de ser pessimista, sobretudo  em relação  às artes(Cf. o que Gullar  declarou numa entrevista  inédita concedida a Pedro Maciel, publicada no caderno Ilustríssima, p. 3, na mesma edição da crônica  que  agora comento. Gullar, entre outras afirmações  preciosas, ensina que a função da poesia é de trazer  a “beleza,”  a felicidade às pessoas.  O que , em outras palavras,  exprime é que a arte complementa  a vida . Se não salva pessoas,   as torna mais felizes. Eis o seu  objetivo.
    Entretanto, há algo  que define a sua compreensão  profunda do que seja  a obra de arte  contemporânea. Para Gullar, seus fundamentos  se estribam  em dois  pilares: “a arte e a técnica.” Seja a arte da poesia,  da pintura, da escultura,  da música, do romance,do teatro. 
   Sem aqueles dois   componentes  - arte e técnica - as “manifestações artísticas” não  perdurariam e isso  independente dos avanços que  possam  ter  agora e no futuro.E o autor de Luta corporal (1954) arremata, em chave de ouro e em tom  profético, que, conforme se deu no Renascimento, trazendo  ao domínio artístico uma “nova linguagem” alterando  tudo  que  o precedeu no campo  artístico,    poderá “nascer”no horizonte  futuro, graças a “novas tecnologias,”  uma nova  arte. Para ele, esta possibilidade poderá bem  vir a a ocorrer:  [...] não custa  nada imaginar [...]



                                                                                          




2 comentários:

  1. Parabéns, amigo Francisco Cunha! Além de uma oportuna e justa homenagem a Ferreira Gullar, você escreve com prazer e beleza! Abraço.

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  2. Amigo Quinzeiro:

    É bom ouvir(ler) o que me diz do texto. Gullar merece e muito mais. Como dói quando desaparece um poeta e escritor da porte dele. Além de poeta, homem de pensamento original, intelectual corajosos e, quase sempre justo no que afirmava. senão justo dentro de seu pensamento político que mudou e mudou para melhor.
    Forte abraço do

    Cunha e Silva Filho

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