Cunha e Silva Filho
No meu artigo anterior sobre o
falecimento do poeta, havia
dito que possivelmente a última
crônica do escritor publicada na sua
coluna aos domingos do caderno Ilustrado tivesse sido “Solidariedade ( 04/12/2016), em
que discute sobre
questões da política brasileira
atual.
Mal sabia eu que outra crônica, “Arte do futuro” saiu
no caderno Ilustrado do dia 11/12/2016), ou seja, a última crônica do
grande poeta tinha sido lucidamente “ditada” por ele à usa neta
Celeste no leito do hospital. Ele a produziu já respirando
mal, fazendo pausas para
descansar.
Ao ser perguntado por ela se era
melhor deixar para terminá-las outro
dia, Gullar lhe respondera que não,
visto que não sabia o que
podia acontecer. Celeste, segundo
a nota aposta à coluna, confessara que o avô
um a vez lhe dissera que sabia
adivinhar coisas. Seria, então, pode-se
concluir, por isso que
não desejava terminar de escrever
a derradeira crônica em outra dia.
Se
claramente Gullar confidenciara à neta que tinha
o dom de adivinhar o que podia acontecer, não vejo nisso alguma pretensão de vaidade ou ares de superioridade.
Sabe-se, na Antiguidade clássica, que o
sentido da palavra “vate,” da etimologia
latina vate/em, “profeta,” com
que por vezes se usa para
chamar alguém de poeta,
significa antevisão, a capacidade
de ver o futuro, o que pode
acontecer. (Cf. o verbete “Vate” em
MOISÉS, Massaud. Dicionário
de termos literários. 6.ed.
São Paulo: Cultris, 1992, p.507)
Acreditava-se que os poetas tinham o dom
de profetizar mercê sobretudo da sua “linguagem ritmada”. Com o tempo, o vocábulo se tornou sinônimo de
poeta, de bardo. Este último, de
resto, tem uma fortuna semântica
bastante rica e remonta ao
étimo celta “bàrd,” bardh,
significando “poeta” (idem, p.57. Ver o verbete "bardo").
Agora que disponho dessas
informações relacionadas à última crônica de Gullar, o dado
bibliográfico fica, pois, atualizado.
Já
havia acentuado, no meu artigo
“Morre o poeta Ferreira Gullar,”
que Gullar tematicamente - quase poderia
dizer - se alternava entre crônicas
políticas, sobretudo na sua crítica ao
luloptismo e aos erros e acertos
do marxismo tanto quanto às ambições
desmesuradas do capitalismo no pais e no
mundo e a questões concernentes às artes
em geral, incluindo sobretudo
a poesia das vanguardas, ao seu próprio
tempo de forte atuação nos movimentos
de renovação da poesia brasileira a partir do Concretismo de 1956,
segundo aludi a esse aspecto no meu artigo atrás citado.
Desta forma, serve como desfecho
brilhante a crônica-ensaio “Arte
do futuro,” já mencionada acima. Nesse espaço do jornal a que me tinha
acostumado como leitor cativo
desde o seu início há onze anos, essa última
crônica se torna, por assim dizer, um marco histórica na biografia do autor.
No entanto, entrevejo
uma coincidência no fato de Gullar, nessa última matéria, se voltar, como o fez tantas vezes,
às questões atinentes às artes.
Na “Arte do futuro” Gullar, em síntese lapidar,
faz um retrospecto dos caminhos
da pintura desde a “pintura mural,”
passando, pelas novas mudanças que a pintura conheceu através do tempo até
chegar à contemporaneidade, a tela, a pintura a óleo, a referência à
fotografia, o realismo, o impressionismo e o cubismo.
Assim, mais uma vez e, como que para
reafirmar os fundamentos da história da pintura, faz uma conclusão, negativa
ao que chama de “vale-tudo” atingido
nos tempos modernos pelas artes em geral, São palavras de
seu penúltimo parágrafo da crônica: “A conclusão inevitável
é que o que até aqui se chama de arte já
não o é.(grifos meus). Mas o sentido
profético de suas palavras no
texto me permitem afirmar que Gullar, que não gostava,
de ser pessimista, sobretudo em
relação às artes(Cf. o que Gullar declarou numa entrevista inédita concedida a Pedro Maciel, publicada
no caderno Ilustríssima, p. 3, na
mesma edição da crônica que agora comento. Gullar, entre outras
afirmações preciosas, ensina que a
função da poesia é de trazer a
“beleza,” a felicidade às pessoas. O que , em outras palavras, exprime é que a arte complementa a vida . Se não salva pessoas, as torna mais felizes. Eis o seu objetivo.
Entretanto, há algo que define a sua compreensão profunda do que seja a obra de arte contemporânea. Para Gullar, seus
fundamentos se estribam em dois
pilares: “a arte e a técnica.” Seja a arte da poesia, da pintura, da escultura, da música, do romance,do teatro.
Sem aqueles dois componentes - arte e técnica - as “manifestações artísticas” não perdurariam e isso independente dos avanços que possam ter agora e no futuro.E o autor de Luta corporal (1954) arremata, em chave de ouro e em tom profético, que, conforme se deu no Renascimento, trazendo ao domínio artístico uma “nova linguagem” alterando tudo que o precedeu no campo artístico, poderá “nascer”no horizonte futuro, graças a “novas tecnologias,” uma nova arte. Para ele, esta possibilidade poderá bem vir a a ocorrer: [...] não custa nada imaginar [...]
Sem aqueles dois componentes - arte e técnica - as “manifestações artísticas” não perdurariam e isso independente dos avanços que possam ter agora e no futuro.E o autor de Luta corporal (1954) arremata, em chave de ouro e em tom profético, que, conforme se deu no Renascimento, trazendo ao domínio artístico uma “nova linguagem” alterando tudo que o precedeu no campo artístico, poderá “nascer”no horizonte futuro, graças a “novas tecnologias,” uma nova arte. Para ele, esta possibilidade poderá bem vir a a ocorrer: [...] não custa nada imaginar [...]
Parabéns, amigo Francisco Cunha! Além de uma oportuna e justa homenagem a Ferreira Gullar, você escreve com prazer e beleza! Abraço.
ResponderExcluirAmigo Quinzeiro:
ResponderExcluirÉ bom ouvir(ler) o que me diz do texto. Gullar merece e muito mais. Como dói quando desaparece um poeta e escritor da porte dele. Além de poeta, homem de pensamento original, intelectual corajosos e, quase sempre justo no que afirmava. senão justo dentro de seu pensamento político que mudou e mudou para melhor.
Forte abraço do
Cunha e Silva Filho