quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

DESPEDIDA DO ANO DE 2016






                                                  Cunha e Silva Filho


        Perguntaria a você.  leitor,  seria justo mesmo desejarmos   que este fiapo de ano logo  se  desfaça e  em face de alguns acontecimentos  duros e trágicos   por que a humanidade e, para o nosso caso,  o  Brasil, passou e passa ainda que  menos  traumático?  
       No meu juízo, não. O ano de 2016 também poderia ser olhado sem muita impaciência desde que saibamos  onde ele nos foi por vezes  bom ou até, em algumas poucas  situações,  ótimo. Todavia, aqui  se visto  de uma perspectiva bem  particular,  pessoal senão subjetiva.
       Não devemos   descurar  a circunstância de que um ano  não termina  rigorosamente com a virada  do calendário. Ele  é novo  por outros  motivos.  Porque  faz a vida  prosseguir arrastando atrás de si  alguns restos indesejáveis do Ano   Velho. Só com o  passar dos dias, dos meses que virão,  ele vai adquirindo  uma feição própria, uma sensação  concreta deque  alguma coisa  está mudando e de que novos  fatos, novas  notícias  serão incorporadas  na linha do tempo.
       Talvez, por isso  o Ano Novo seja  tão  ansioso por  melhoras  em todos  os sentidos  da vida humana, talvez ainda  porque o Ano Novo  é um porvir, algo  que  ainda não  sucedeu no tempo e no espaço. Pode-se vaticinar o que  possa  vir de melhor,  uma vez que ao ser humano  repugna  desejar  coisas ruins tanto  em fim de ano quanto em  começo de ano.
     O futuro é sempre  esperado  como alvissareiro,  como  um tempo  que venha nos  trazer  paz e felicidade,  bons momentos  e  vitórias. Ninguém aprecia  previsões  aziagas.  Há uma força  interior do nosso ser  que aspira ao melhor  que  possa vir.  Por estas razões é que, ao fim de um ano,  há tantos  votos  de  melhores dias,  de mais paz, de mais  saúde,  de mais  sucessos em mensagens bela  e confortadoras  trocadas entre  amigos, entre as famílias  e no mundo  inteiro.
     Deixemos  as tragédias  serem  narradas  pelos  programas  de fim de ano.Por que repetir  tudo aquilo que somente nos  provocou  repugnância,  dor,  aflição,  indignação. O limiar de um  Ano Novo é, antes,   convidativo à confraternização.a um  apelo  à paz, à saúde,  à amizade, ao amor referidos nacional e universalmente.
     Só o fanatismo  não tem trégua  na sua   maldade  de ações contínuas  e mais  perversas.  Só os ímpios  não nos dão sossego nem desejam  instaurar  o clima  da convivência e harmonia  entre pessoas, nações sob o apanágio do sentimento  humanista, quiçá a primeira via  de mudanças  para um  mundo melhor e para nações  que se dividem  belicamente entre si. Eu costumo dizer  que ser  bom   é, em nossos tempos globalizados,     um comportamento  muito  difícil  de manter, ao passo que ser mau  é fácil, dá menos   transtornos  mas também  é evidência de que o sentido da humanidade  dá um passo  para trás e,  em geral, sua consequência  é a criação de abismos   sempre distantes   da fraternidade e do bem-querer.
    A quem   está  perto de cair no abismo, seria  tão bom  se  a pessoa  estivesse imbuída  de algumas   afirmações   de profundo sentido  humanitário, como  “Ama a teu  próximo como a ti mesmo,”  ou, para resumir, basta  pôr em prática  a oração de São Francisco de Assis (1182-1226). Não precisa ser erudito, não  precisa ser sábio,  nem  precisa ser  santo para entender que a única  porta   do respeito aos outros, aos diferentes,  aos excluídos, aos injustiçados, aos preteridos, aos ludibriados,  aos  explorados   não é uma teoria  da bondade humana, mas uma real  prática  desta.
  Que o Ano Novo de 2017 lhe traga, leitor,   todos os meus votos de paz e alegria em direção à simples e pura  felicidade   entre os homens de bem em qualquer parte desse amado e tantas vezes  maltratado  planeta  Terra.
 
    
   
   
     


         

sábado, 24 de dezembro de 2016

JOSÉ RIBAMAR GARCIA: O FICCIONISTA, A LINGUAGEM E UM PASSO ADIANTE









                                                  Cunha e Silva Filho


            É possível  um ficcionista, que entrou na casa dos setenta anos, ainda se sustentar ficcionalmente?  É, sim,  e José Ribamar Garcia não está sozinho na ficção brasileira contemporânea. Não vou citar  os autores porque  o leitor  aficionado de literatura  já sabe a quem me refiro.
          Pois é. O piauiense  Ribamar Garcia põe  à venda um novo  livro, Leveza, só da brisa (Rio de Janeiro: Litteris Editora,  2016, 127 p, capa de Teresa Akil.)  reunindo  contos e crônicas, posto que  a  ficha de catalogação o classifique no gênero de crônicas.
         Sem querer entrar em considerações   genológicas,  é evidente que,  a rigor,  a obra contém  crônicas e contos. São 27 textos  de extensão curta,  média e até curtíssima, como  é o único   exemplo “Fora dos eixos” (p.29)  escrita   em  meia página, mas  longe de ser uma excrescência se  lida com  a devida atenção. 
           No texto tudo faz sentido: tem personagens,  a maioria  animais,  dois humanos,  o primeiro apenas mencionado  de passagem, o segundo,  um  idoso mal completando  oitenta anos,  tem espaço,  tem diálogo   e uma  história  que  nos  provoca  uma  boa  gargalhada,  dado que  o tom  humorístico-burlesco  é bem  bolado soltando  faíscas  de ironias  desabridas  para um  tema   hoje quase tabu,  diante dos movimentos   de defesa  da causa gay.
        Ainda bem que o ancião, ao comentar o homossexualismo  da família,  ainda  brinca com  a sexualidade do cachorro.Tudo no microtexto  funciona, diga-se desta forma,  às avessas,  inclusive o relato minimalista   da antropofagia de animais  de espécies diferentes. Mas, outros temas ainda  se desentranham  no texto,  o do meio-ambiente, do desmatamento, violência. Tudo, no entanto,  relatado de uma perspectiva  histriônica.
        Ribamar Garcia,  autor de 12 obras literárias incluindo esta que ora comento, variadas em sua natureza, é um  ficcionista  e observador arguto  da alma humana, dos relacionamentos sociais e seus  inúmeros conflitos, dos dramas e tragédias brasileiros, sobretudo  enfocando  os extratos médios e baixos da pirâmide social,  em  obras  que  o tornaram  mais   visível aos leitores  e a uma parte da crítica literária,  como  o bem urdido romance  Filhos da mãe gentil (Litteris Editora,  2011).
       Dos textos inseridos  em Leveza,  só da brisa, pode-se inferir uma recorrente atmosfera  que permeia  suas obras, seus contos, suas crônicas, seus romances,  que é  a denúncia e a crítica social  contra  as mazelas  e os desatinos  a que são relegados  os humildes   em nossa sociedade.
      Observe-se, com atenção,  que, no título desse volume,  a vírgula empregada depois do lexema “leveza.”  é determinante  no significado geral  da obra. Tirasse a vírgula, e a intenção seria outra. Quero dizer,  com a vírgula    o seu peso  semântico  desvela a camada mais  profunda  da ficção do autor: a dureza de viver  num país  com  tantos  problemas para  serem resolvidos.
         Por isso, também, o lado meio solto, meio  desorganizado, meio  malandro, meio cínico, de uma   tipo de sociedade  que ainda não se  caracterizou  devidamente  em sua identidade e é o próprio  autor que,  num dos textos do livro falando de sua formação  intelectual, na crônica “Fora do contexto,”  declara sem vacilações nem  ufanismos  hipócritas: [...] “o brasileiro ainda  se encontra em formação, sobretudo com relação ao tipo físico e características  próprias.” (p.126).
        Merecem lugar sobranceiro  no volume  os contos,  além do mencionado   “Fora do eixo,” os seguintes  “Lero-lero no Galeto” (p.91-.97) e “A confidente” (p.111-113). Estes três contos, pelo que venho  há tempos  acompanhando as obras lançadas  pelo autor e, na maioria,  por mim  resenhadas  ou  analisadas, oferecem, do ponto de vista  da linguagem literária,  um passo à frente que já começara no livro Em preto e branco (Litteris Editora,1995, 1|ª edição e 1ª reimpressão em 2005), romance  construído  em  dois  planos  narrativos, o da história  narrada  e o do relato   paralelo conduzido pela mesma   voz narrativa comentando os acontecimentos  políticos da época da  ditadura  militar.  no país.
       “Lero-lero” se passa num espaço restrito, um restaurante, onde, um grupo de conhecidos ou amigos, se sentava a uma mesa após um dia de trabalho a fim de espairecer as caseiras   profissionais. O que mais chama a atenção da narrativa é o dado polifônico  em que  se passa  esse período  de conversas descontraídas, brincalhonas, fofoqueiras,   malandras,   farsescas  num clima de camaradagem, cuja tônica  era falar de si e dos outros em meio a pedidos  de   cervejas e  petiscos diversos.
        O que faz do conto “Lero-lero,” acima-citado, uma  pequena obra-prima é  o emprego do  recurso  do dialogismo ou polifonia, recurso, de resto,  que já encontramos  em Machado de Assis (1839-1908), no romance  Quincas Borba (1891). Esse recurso é claramente percebido pelo burburinho de vozes dos clientes que compunham o grupo em mesa  de  bar, segundo já referi, com seus intervalados ou simultâneos pedidos  ao garçom. A narrativa tem um ritmo frenético, reproduzindo  as conversas  entre  os amigos nas quais não  faltavam  alguns palavrões para apimentar ainda mais  o  ambiente  carnavalizado do restaurante.   A  narrativa    se desenvolve  com longas   falas de personagens   iniciadas  por travessão.Creio que seja  uma estratégia nova  nas narrativas  de Ribamar Garcia..
       O todo da narrativa se torna, assim,   compacto,  uma  bem  elaborada reprodução  artística de como  se faz habilidoso  o autor  para  dar vozes   na babel de tantas falas e contrafalas.. Por sinal,  no conto há uma referência sintomática a essa multiplicidade de vozes proferidas  simultaneamente, sinalizada  pelo sintagma “confusão-polifônica” (p. 91.) O conto faz parte das inúmeras  narrativas de Ribamar Garcia  na quais as histórias acontecem  no Rio de Janeiro, enquanto  outras  ocorrem  em Teresina,  no Piauí, tanto nas áreas urbanas quanto  na periferia dessas cidades.
      No conto “A confidente,” temos uma história estruturada  em duas camadas  narrativas: uma  se desenvolve num diálogo com travessões em que um homem e uma mulher, sem serem nomeados,   conversam  sobre um  possível  início  de namoro. Ela  terminara um  noivado. Ele, que  alega ter uma namorada,   lhe reforça  que a deixou. Todavia, ela só lhe daria alguma chance de relacionamento amoroso quando ele desse por concluído  o namoro.
      Na segunda camada narrativa, duas amigas, uma delas aquela  que  inicia a narrativa  falando com o possível  namorado,  faz suas confidências a uma amiga, que também não vem  nomeada,  sobre o comportamento  do  rapaz interessado nela.Faz um resumo do que  se passa na vida dele, da  ida a um motel.  Informa que ele vive com mãe em Jacarepaguá, (subúrbio da Zona Oeste  do Rio de Janeiro),  e que  tem uma filha da relação com a ex-namorada. Enfim, ela está encantada com as qualidades do futuro namorado, rapaz simples,   gentil,  bom de cama, ou seja,  tudo aquilo que era o reverso do ex-noivo.,
      A história se desenrola, assim, alternando diálogos dos dois  presumíveis jovens  que se preparam para um  namoro  e o relato  da futura  namorada  reportado  com  detalhes  para a amiga.O único nome revelado, Daniel,  é o do ex-noivo da futura  namorada
    Tal recurso  lembra o chamado corte  de cenas de um filme moderno ou de alguns ficcionistas contemporâneos. A narrativa é simples, mas  possui  essas duas formas  de  relato. Os vazios de enunciação e enunciado que aí ocorrem  ficam  para serem  preenchidos  pela imaginação do leitor, tal  são paradigmas os contos”Sovina, brochante e...”(p.67-70) e, de alguma forma,  o escatológico conto “A potiguar  porreta”(p.71-74).
      Nos demais   contos  do volume,   há um caleidoscópio de temas  implicados. O amor  poetizado  no conto  “A leveza da brisa”(p.11-13), o primeiro do livro, narrativa em que o amor  passageiro   e delicado  compete com  o amor  à magia  e beleza do rio, que,  pelas indicações  de pontos da cidade, seria  o  Parnaíba e a cidade,  Parnaíba,  no Piauí, cidade litorânea, possivelmente no início dos anos sessenta do século passado, a se ver pela  alusão ao filme  “Suave é a noite.” Neste conto, não existem  nomeações de personagens. Continuam os gaps  enuciativos a serem completados pelo   leitor.
      No segundo conto, “O batismo” (p.15-16), um pastor  leva  alguns fiéis até ao Rio Poti,  um dos  dois rios  que banham  Teresina,   a realizarem  uma batismo nas águas do famoso  rio.Entretanto, ao  desincumbir-se de seu ofício à moda do profeta  João Batista, surge um  “cachaceiro” diante do pastor   que, por sua vez, o chama para  o ato do batismo. É aí que, no desfecho,  a história,  se torna hilariante.
        Ao mergulhar a cabeça do cachaceiro, o pastor lhe perguntou se ele tinha visto  Jesus. O bêbado lhe responde que não. O ato de mergulhar  o cachaceiro se repetiu outras vezes cada vez mais demorando  no mergulho. Foi, então, que o pastor  lhe perguntou se vira Jesus. Ao que o  vagabundo lhe  retrucou, já não suportando  o aumento do tempo do mergulho: “O senhor tem certeza que  ele afundou  aqui?”(p.16).
       Ribamar Garcia  é um ficcionista cuja temática   tem como recorrentes algumas  questões polêmicas  do cotidiano contemporâneo, além daquelas do  domínio  sentimental: ou de natureza psicológica. o amor, a amizade, a traição, o erotismo, o burlesco,  a frustração  amorosa, entre outras.
      A par disso,   tematiza  a vigarice, conto “O prêmio”. (p.27); o papel do  colecionador, conto “Relíquia”(p.32); com  final  imprevisível  e humor  negro; violência urbana,  conto “No morro da praia brava”(p.41-44). Neste conto,   o autor   me parece que, pela primeira vez  em sua  ficção,  atualiza mais um recurso narrativo  à maneira de outros  ficcionistas  de hoje,  mediante a inserção, sem travessão ou aspas   da  fala de personagens. Igual recurso  reaparece em outros  contos do livro.
     Dando sequência ao temas,  vemos o preconceito social, conto.”Na toada do antes”.” (p.49-51), um dos bons  textos  do livro; a carnavalização de um personagem, conto  “O coronel”(p. 53-56), talvez um dentre os melhores  contos da obra, lembrando algo  da ficção  de Fernando Sabino (1923-2004) pelo lado do  humor;  tráfico, sexo, violência e tragédia, conto “Que nem galo.”(p.57-61); violência no trânsito, conto  “O diabo  louro”. (p.63-65); crítica à precariedade do serviço público, conto “O doutor”. (p.75-78); uma visão microscópica  da corrupção  nas empresas, conto “Dona Sônia e a clínica”.(p.85-90); a “flânerie” na urbe carioca, e bem assim a corrupção policial de mãos dadas com a violência independente da hierarquia   militar ou civil,   conto  “Viessem os abutres” (p.99-105), notável narrativa pela dimensão cultural-literária  focando  um dia de um  personagem-narrador, um jornalista, situando-o nas suas peripécias  desde a hora  em que acorda “com humor revirado;”
      Por último, cabe uma referência a uma bem  composta    crônica “De Madeiro à Boca do Forno.” (p.119-122) que combina  uma  crítica à politicagem  populista e um recorte memorialístico, numa experiência  de viagens pelo  interior piauiense repassada de  saudade  e de lembranças tristes, como a daquela  menina de treze anos,  prima do autor, que quase  foi vítima  de uma tragédia em decorrência de uma descarga de um  fio elétrico que caíra de um poste  e no qual a menina  tropeçou ao passar com  um bebê no colo.
     Ribamar Garcia, com mais  esta  nova obra entregue ao público  e aos leitores  de suas obras,  sai fortalecido  como  escritor de ficção, sobretudo  porque soube, ao  longo dos anos,  seguir   uma receita que, a meu ver,   pode ser posta em prática  por todos os autores que escrevem  com responsabilidade:  a de que somente pode produzir bem e melhor  aquele  que domina a  técnica da arte narrativa.
      Tem  vasta experiência dos homens e da  vida, da história do seu povo  e do gosto  pelo que faz  criando, pelo talento, personagens, situações dramáticas ou não, vidas humanas  que nos levam   à emoção do prazer estético, ao choro, ao riso, à indignação    e  a refletir profundamente sobre os  mais diversos   problemas  enfrentados  pelo espírito  dos homens  na Terra, notadamente na diversificada  sociedade brasileira.      
     
      
     
             

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

MISERICÓRDIA, ONU, PARA ALEPPO!



                                                                    Cunha e Silva Filho

      Dirigindo-me  da cozinha para a sala do meu apartamento  ainda nesta manhã, olho para a tela da televisão e vejo e ouço a voz da repórter relatando  o que se passa  atualmente  na Síria e, em particular,  na cidade deste país, Aleppo,   que  já foi o maior  centro financeiro  sírio, sendo,  se não me engano, a segunda maior cidade  do país.
      A vista   aérea da cidade  -  vou  usar  um sintagma de que gosto para  metaforizar  essas tragédias inomináveis  perpetradas pelo   criminosos  no poder deste  que ainda podemos  dizer início do século XXI: uma cenário  guerniquiano.
       Só a Arte é capaz de elevar nossos espíritos e  desprender dele  um mínimo que seja de solidariedade  pela situação   catastrófica  que vive Aleppo. Não foi  nenhum  act of  God  que tornou  a cidade  uma ruína.   Não estamos  falando das atrocidades da Segunda Guerra Mundial  provocadapelo  nazifascismo, só para  enfatizar  a agonia  apocalíptica em que   há  quase  seis anos  tem   experimentado   as vítimas  da ditadura  de Bashar Al-Assad.
       A terra  devastada  em territórios sírios há muito   ultrapassou  todos  os limites  suportáveis  de uma Nação  bombardeada  sem  dó nem  piedade e, o que é pior, sem que  o Conselho  de Segurança  da ONU tenha  reagido  duramente  contra  a manutenção de um genocida, um tirano  dos mais   cruéis  que  esse novo  milênio  tem   para infernizar  inocentes   e desprotegidos,  de vez que onde há os ataques   covardes   e hediondos  quem mais  padece são  as crianças.
        Basta isso para que o mundo, por mais  “impessoal “ (uso um adjetivo  do  físico Marcelo  Gleiser no sentido em que o tomou  para criticar o que denomina "tribalismo radical". Ver artigo desse autor publicado na Folha de São Paulo, Caderno  Ilustríssima, p.6, 11/12/2016)  em que  tenha  se transformado  como   ser   racional, por mais  insensível que  tenha sido a metamorfose individualista de nossas  mentes  para com  o  outro,  se não nos unirmos    com urgência e, através  dos organismos competentes  para  assegurar os direitos  à vida e dar freio  à carnificina    de natureza  inegavelmente genocida, para  expulsar  do poder  o ditador   sírio, agora mais fortalecido com  o apoio maciço da Rússia de Putin, das forças do  Irã e de outros  grupos  que têm  dado criminosamente  apoio bélico ao tirano. 
      Seria  a maior  insensatez se o  presidente   eleito dos Estados Unidos,  Donald Trump,  cumprisse  uma certa  promessa  de  se aproximar   de Putin a fim de  combater   o  terrorismo   islâmico e outros  grupos  terroristas. Se Donald Trump  embarcar  nessa furada,  as consequências  para a geopolítica   mundial  serão terríveis.
       Não existe  razão  plausível  para que  Trump  se alie a Putin. Primeiro, porque estaria sendo  contraditória e estapafúrdia qualquer  aliança  com  Putin,  líder  com   pretensões  imperiais  ligado a países comunistas.
       Segundo porque, sabendo  que  o atual  governo  de Obama, com  certa prudência,  agiu  sempre  no sentido de opor-se   à posição de Putin  como  apoiador   da tirania,  não  seria  compatível  que um  país   com  longa prática democrática, conquanto tenha  cometido   muitos e graves   erros na sua política   externa, como foram   exemplos a invasão  desnecessária no Iraque  e a manutenção  do  bloqueio econômico a  Cuba.
     Para questões  essencialmente   políticas,   é um outro contrassenso um presidente altamente capitalista e neoliberal   como  Trump   demonstrar    simpatia   pelo sistema político   meio híbrido representado   por Putin.
     O mais seguro   seria que Trump, no caso  de suas relações  com Putin,se limitasse  ao setor   econômico,  porém  nunca   político, dado que  bem sabe  os EUA  que o ditador   Assad tem  cometido  atrocidades por se  opor  aos chamados rebeldes   combatentes   da autocracia   síria.
     Ora, os  rebeldes (remanescentes, de alguma   forma,   da “Primavera  Árabe”),  não são  terroristas  nem  estão tampouco     conluiados  com  o Estado Islâmico.  A luta, já longa dos rebeldes sírios,  com um saldo de milhares  de  mortes,    é para derrubar  a tirania de Assad,   livrar a Síria  da opressão e do genocídio. Essa é  função que foi assumida  pelos  rebeldes,   Recorde-se que foi a tirania síria que  provocou  também   a onda de refugiados para a Europa e  países de outros continentes (inclusive o Brasil) que não  suportaram  viver  numa  país   assolado pela guerra civil e pelo desmoronamento  de sua infra-estrutura.
     Há tempos venho escrevendo artigos  contundentes  contra  a guerra civil  síria e há tempos  nada de concreto tem sido  realizado para  dar fim à carnificina  para vergonha de todos os povos  civilizados  que  abominam  a tirania, as ditaduras,  a covardia e o genocídio.Assad tem que pagar  pelos  seus crimes contra a Humanidade. Misericórdia, ONU, para Aleppo!

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

DE VOLTA A FERREIRA GULLAR: UMA CORREÇÃO





                                                                      Cunha e Silva Filho



        No meu artigo anterior sobre o falecimento  do poeta,  havia  dito que possivelmente  a última crônica do  escritor publicada na sua coluna aos domingos  do caderno  Ilustrado  tivesse sido “Solidariedade ( 04/12/2016), em que  discute  sobre  questões da política  brasileira atual.
          Mal sabia  eu que outra crônica, “Arte do futuro” saiu no caderno Ilustrado do dia  11/12/2016), ou seja, a última  crônica do  grande poeta  tinha sido  lucidamente “ditada” por ele à usa neta Celeste  no leito do hospital.  Ele a produziu já  respirando  mal,   fazendo  pausas para  descansar.   
         Ao ser perguntado por ela se era melhor  deixar para terminá-las outro dia,  Gullar lhe respondera que não, visto que não sabia  o  que  podia  acontecer. Celeste, segundo a nota aposta  à coluna,  confessara que  o avô  um a vez lhe  dissera que  sabia  adivinhar  coisas. Seria, então, pode-se  concluir,  por isso que  não  desejava terminar de escrever a derradeira  crônica em outra dia.
        Se claramente  Gullar   confidenciara à neta  que tinha  o dom de adivinhar  o que  podia acontecer, não vejo  nisso alguma pretensão   de vaidade ou ares de superioridade.
       Sabe-se, na Antiguidade clássica, que o sentido da  palavra “vate,” da etimologia latina vate/em, “profeta,” com que  por vezes se usa  para  chamar  alguém  de   poeta,  significa antevisão,  a capacidade  de  ver o futuro, o que pode acontecer. (Cf. o verbete “Vate” em  MOISÉS,  Massaud. Dicionário  de termos  literários. 6.ed. São Paulo: Cultris, 1992, p.507)
       Acreditava-se que  os poetas tinham  o dom  de profetizar mercê  sobretudo  da sua “linguagem  ritmada”. Com o tempo,  o vocábulo se tornou  sinônimo de  poeta,  de bardo. Este último, de resto,  tem uma fortuna  semântica  bastante  rica e remonta ao étimo  celta “bàrd,” bardh, significando  “poeta” (idem,  p.57. Ver o verbete "bardo"). 
       Agora que disponho dessas informações   relacionadas  à última crônica de Gullar, o dado bibliográfico  fica,  pois, atualizado.
         havia  acentuado,  no meu artigo  “Morre o poeta  Ferreira Gullar,” que Gullar tematicamente - quase poderia  dizer -  se alternava entre crônicas políticas, sobretudo  na sua  crítica ao  luloptismo  e aos erros e acertos do marxismo tanto quanto  às ambições desmesuradas do capitalismo  no pais e no mundo e a questões  concernentes às artes em geral,   incluindo  sobretudo  a  poesia  das vanguardas, ao seu  próprio  tempo de forte atuação nos movimentos   de renovação  da poesia  brasileira a partir do Concretismo de 1956, segundo aludi  a esse aspecto  no meu artigo atrás citado.
     Desta forma, serve como  desfecho  brilhante  a crônica-ensaio “Arte do futuro,” já mencionada acima. Nesse espaço do jornal  a que me tinha  acostumado  como leitor cativo desde o seu início  há onze anos,  essa última  crônica  se torna,  por assim dizer,  um marco  histórica na biografia  do autor.
     No entanto,  entrevejo  uma  coincidência  no fato de Gullar, nessa última matéria,  se voltar, como o fez  tantas vezes,  às questões  atinentes às artes. Na “Arte do futuro”  Gullar, em síntese   lapidar,  faz um  retrospecto  dos caminhos  da pintura  desde a “pintura mural,” passando, pelas novas  mudanças  que a pintura conheceu através do tempo até chegar à contemporaneidade, a tela, a pintura a óleo, a referência à fotografia,  o realismo,  o impressionismo e o cubismo.
     Assim, mais uma vez e,  como que para  reafirmar  os fundamentos  da história da pintura,   faz uma conclusão,  negativa  ao  que chama de “vale-tudo”  atingido  nos tempos  modernos  pelas artes em geral, São palavras de seu  penúltimo  parágrafo da crônica: “A conclusão inevitável é que o que até aqui se chama de arte já não o é.(grifos meus). Mas o sentido  profético de suas  palavras no texto  me permitem  afirmar que Gullar, que não  gostava,   de ser pessimista, sobretudo  em relação  às artes(Cf. o que Gullar  declarou numa entrevista  inédita concedida a Pedro Maciel, publicada no caderno Ilustríssima, p. 3, na mesma edição da crônica  que  agora comento. Gullar, entre outras afirmações  preciosas, ensina que a função da poesia é de trazer  a “beleza,”  a felicidade às pessoas.  O que , em outras palavras,  exprime é que a arte complementa  a vida . Se não salva pessoas,   as torna mais felizes. Eis o seu  objetivo.
    Entretanto, há algo  que define a sua compreensão  profunda do que seja  a obra de arte  contemporânea. Para Gullar, seus fundamentos  se estribam  em dois  pilares: “a arte e a técnica.” Seja a arte da poesia,  da pintura, da escultura,  da música, do romance,do teatro. 
   Sem aqueles dois   componentes  - arte e técnica - as “manifestações artísticas” não  perdurariam e isso  independente dos avanços que  possam  ter  agora e no futuro.E o autor de Luta corporal (1954) arremata, em chave de ouro e em tom  profético, que, conforme se deu no Renascimento, trazendo  ao domínio artístico uma “nova linguagem” alterando  tudo  que  o precedeu no campo  artístico,    poderá “nascer”no horizonte  futuro, graças a “novas tecnologias,”  uma nova  arte. Para ele, esta possibilidade poderá bem  vir a a ocorrer:  [...] não custa  nada imaginar [...]



                                                                                          




quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

BRASIL: UMA REFLEXÃO




                                                  Cunha e Silva Filho

         O país da contemporaneidade se mantém funcionando  graças  à diversidade de sua estrutura  social-trabalhista.  A divisão interna do  trabalho é o que o salva  de uma revolução mais radical e traumática. Aqui há um parcela  de ricos que não estão nem aí  para a casa do vizinho infeliz. Por pior que esteja a nossa economia,  o país não parou.
       Se há muito desemprego na iniciativa  privada,  há os que ainda possuem  trabalho,  recebem seus salários e tocam a vida. Entretanto,  há uma parcela menor, que é formada de funcionários públicos,  os das esferas estadual, os quais estão vivendo dias de inusitadas  aperturas  financeiras  com os salários atrasados ou pagos  em  minguadas  parcelas. Os da esfera municipal, na qual alguns municípios,  em situação  de falência, estão  sacrificando  seus funcionários,   também  sem receberem  normalmente  seus vencimentos.         
        Toda essa situação de calamidade financeira se deveu   aos desatinos provocados por governantes  inescrupulosos,  por espertalhões, cuja lábia   eleitoreira  consegue  alçar-se ao poder e, a partir daí, vão  praticar  atos  de  administração  fraudulentos,  o que os levam a locupletar-se do dinheiro público  e logo infernizar as vidas principalmente dos barnabés, os primeiros a pagarem o pato  pelas leviandades desse  gestores desonestos.   
       O mais grave é que eleitores  ingênuos  ou  pouco  politizados  os elegem e mesmo  elegem alguns candidatos   que, antes de tomarem  posse nos seus cargos,  já estão sendo  procurados  pela  órgãos   policiais  com  pedidos de prisão para eles. Inclui-se neste caso, conforme foi noticiado  pela imprensa falada e escrita,   um grupo de vereadores  e um prefeito  recém-eleitos numa cidade  brasileira. É de se perguntar: onde está  a lei da ficha-limpa?  Parece uma piada de mau gosto que, de tanta  corrupção em que o país  se vê  atolado,  essa tragédia  política assuma  uma natureza  cômica.
        Tem-se aí exemplos de  programas   de humorismo  em que  a figura do  político  brasileiro  é carnavalizada, não só  nos dias de hoje mas até em tempos  pretéritos. A arte cênica e a vida real  se misturam  às maravilhas. A politicagem  permanece. A comédia  a imita e a figura  do político oportunista  e venal  se banaliza, se naturaliza, ou seja,   o eleitor continua a votar mal e idiotamente. Ai , então, me lembro da frase  de Pelé pela qual foi  criticado  muitas vezes e  injustamente.
        A famosa  frase de Sêneca (4 a. C.- 65 d. C.), célebre  autor da Antiguidade latina “Castigat ridendo mores” há muito perdeu a sua força  edificante,  porquanto  o cinismo  deslavado  dos políticos  nacionais, com raras exceções,   pouco ou nada  se importa com  o enxovalhamento  de seus  brios  morais.  O povo acha até engraçada a comédia nacional da baixa politicagem e, assim,  vai  vivendo  uma Nação   feita de conchavos, de patranhas, de brechas, de redução de sentenças, de “prisão domiciliar      (que comédia grotesca,  ausência de seriedade de nossas leis, sempre tendentes a   relativizações!) e sobretudo  de imoralidade   escancarada. Os maus políticos  mantêm-se no poder pelo voto  indireto ou mesmo  por nomeação  autocrática? Não,  simplesmente  com  o aval ingênuo  ou  feito de  cinismo, cumplicidade  vergonhosa, extrema  ignorância e  malandragem do próprio   eleitor  brasileiro.
       Ora,  um comportamento social  da sociedade  por estas  vias   transversais, em que as partes da pirâmide social  estão ainda fortemente  consolidadas,tal qual castas, hierarquizadas,  repartidas  injustamente, pouco podem avançar  em direção a um país sério, unido e que tenha sentimento  cívico. Longe disso. 
     Enquanto  os ocupantes do poderes  constituídos  não se esforçarem  por mudanças  na fisionomia  do suposto   estado democrático  que todos  almejamos, haverá uma simetria,  um estado analógico  entre o comportamento do vértice da pirâmide (motivo de  execração  pública) e o comportamento  das partes intermediárias, com o seu  habitual   individualismo, futilidades e convencionalismo   vazio  de ideias nobres, até chegar  à base  geométrica  onde  se homiziam bandidos e assassinos. tão   impunes quanto  a elite  política  e imoral que grassa em todo o território do país.