Cunha e Silva Filho
A divisão entre quem é
lulista-dilmista e suposta
oposição da políticagem nacional, em nosso país politicamente
caricato não é uma meia-verdade. É uma flagrante verdade. Basta ver
um cena hilariante, num dos
intervalos do julgamento de Dona Dilma em que ela e seu
“arqui-inimigo” peessidebista, Aécio Neves, e um outro senador, olham entre si sorridentes, quase se
abraçando, mas visivelmente se cumprimentando como se o
ambiente do “tribunal de exceção”
(sic!), segundo chamou uma
das conhecidas senadoras petistas
exaltadas, num átimo se transformasse numa
festa de confraternização, onde tudo seria dito e, depois, seria
esquecido, permanecendo como verdade
o ilusionismo que vai servir como
combustível aos manifestantes contra o impeachment na Avenida Paulista.
Oh, pobres diabos alheios ao bas-fond dos bastidores da politicalha. Afrontam a polícia
paulista, levam jatos d’água, gás
lacrimogêneo e são escorraçados pelas
forças de segurança. Enquanto isso,
Lula, o Chico Buarque e outros medalhões e encasacados do petismo
continuarão vivendo sua vida, com
as suas regalias, com o seu pé-de-meia
já bem polpudo, durável até à terceira
ou quarta descendência.
Ah, já nem sei mais quem
é quem nesta mixórdia ou nesse caldeirão diabólico de contradições e de subtextos. Agora, é mais do que tempo
para empreenderem-se complicadas análises do discurso ou outros approaches hermenêuticos de que o pensamento crítico contemporâneo ocidental anda cheio até à borda. Como explicitar termo
mais em moda quanto “narrativa” disso ou daquilo na boca dos nossos políticos, sociólogos, cientistas políticos e até juristas?
De repente, tudo é “narrativa.” O
modismo do linguistiquês, tão palatável
entre nações que não amadureceram
culturalmente, é ainda pior do que o do estruturalês. Haja saco para
ouvirmos o mesmo termo na boca de
qualquer um a fim de se mostrar
modernoso (ou modernês?). Que diacho,
nem eu sei mais o que dizer dessa barafunda misturando politicalha com narratalha. O resultado é a manutenção do esbulho como matéria substantiva para explicar o crônico atraso cultural em que ainda estamos
engolfados.
O certo, leitor, é que o julgamento de Dona Dilma lembra
mesmo uma ópera-bufa, um circo mambembe, um espetáculo
de prestidigitação, uma autêntica comédia de Martins Pena (1815-1848), autor
brasileiro que me vem logo à cabeça quando encaro o tema
da política brasileira.
O mais
cômico é mesmo quando ouvimos
tantos tratamentos cerimoniosos e trocas das expressões formais de tratamento entre os senadores por
outras menos formais. O mais hilário
é que quem preside o
julgamento entre técnico e
político são os tais adjetivos
laudatórios, meramente formais e
vazios de conteúdo:: “ilustre” senador, “eminente” senador, "Vossa Excelência'
(às vezes erroneamente trocada, no
calor da oratória, por "Sua
Excelência"). Ou seja, para quem não conhece o nível
intelectual de alguns senadores,
poder-se-ia imaginar que ali se
reúnem verdadeiros sábios com competência e caráter
ilibado, verdadeiros modelos de
ética e de brasilidade envolvendo as suas
lídimas figuras com um background de sabedoria e conhecimento do tamanho da erudição de um Rui
Barbosa (1845-1923)...
Por se limitar o julgamento de uma presidente a apenas
três pedaladas e seguir uma ritualística
formatada e cronometrada,
seguindo um normatividade de acusação e
defesa, colocando a Dona Dilma numa situação de maratona olímpica,
cujo maior mérito é a redundância, a repetição ad nauseam de perguntas e
respostas já sobejamente cediças
a quem assiste de casa pela
televisão ou no interior do plenário, o que é essencial não se toca, é assunto
para outros ambientes e assistências.
Ora,
sendo assim, ficam de lado como
um cipó jogado ao chão os verdadeiros motivos da saída da presidente Dilma. Quer dizer,
todo um conjunto de desmandos e de
desídias cometidos durante
o tempo do petismo como dono do poder
absoluto brasílico.
Esqueceram-se as falcatruas, a
ascensão de Lula a uma condição de homem
rico, a compra de políticos a fim
de fortalecer a base
de sustentação petista, a gastança
pantagruélica palaciana, as viagens da
presidente e sua portentosa comitiva
regadas a peso de ouro nas hospedagens parisienses com diárias milionárias pagas
pelo bolso de milhões de brasileiros, e bem assim os escândalos financeiros, as campanhas milionárias
às expensas de cambalachos do petismo
mediante propinas de certo
empresariado corrupto, de diretorias de estatais mancomunadas com grandes empreiteiras.
Além disso, contribuíram para o
desmoronamento moral do PT os megaescândalos do Mensalão e
do Petrolão. Para piorar
a decadência moral do
petismo, veio a público o diálogo comprometedor de um telefonema entre Dilma e Lula através do qual ela dizia estar mandando para
ele um termo de nomeação para o alto cargo de ministro da Casa Civil
beneficiando-o, destarte, com o instituto do foro privilegiado que o livraria de um provável pedido de
prisão decretado pelo juiz Sergio Moro.
Esqueceram-se, reforcemos, os grandes
males (descomunal violência urbana e no
interior do pais, saúde sucateada,
aumento do narcotráfico, educação
pública em estado de
precariedade, baixos salários dos
professores, transporte ainda deficiente nas grandes cidades, desemprego em massa,
lojas e fábricas fechando suas
portas, carestia de preços de alimentos, remédios, aumentos de tarifas
de gás, luz e água, planos de
saúde, juros altíssimos só para citar alguns setores da realidade brasileira) que o
país atravessa decorrentes de
todas as rapinagens praticadas por um
partido hegemônico e outros
partidos da chamada base aliada,
na qual se incluem políticos também
denunciados pela Operação Lava Jato. Em outras palavras, do
julgamento de Dona Dilma Rousseff saem
políticos acusados de
malversações e ficam
políticos que participaram do desgoverno petista. Enfim, um saco de gatos não confiável em grande parte.
No entanto, nada disso
se inclui no julgamento
da presidente. O que nos dá a sensação de que todas as desgraças por
que passamos em razão da má gestão do governo federal não se discutem no julgamento graças aos protocolos e regras
estabelecidas pelo ritual do
julgamento. Ora, a queda da presidente Dilma,
na realidade não foi só pelas chamadas pedaladas fiscais, mas pelo que o
governo fez de errado, principalmente pela ausência de ética, de moralidade e de respeito ao trato da coisa pública.
O formalismo regimental obedecido
pelos senadores e conduzido pelo
presidente da Suprema Corte é apenas um dado pleno de simbolização,
de alegoria, quando, na
verdade, o todo é silenciado para que a parte
menor seja o desfecho de uma encenação necessária e urgente.Com a
saída de Dona Dilma, não se pense
que o país irá virar um paraíso de honestidade e de amor
acendrado à democracia. Fiquemos
atentos, sobretudo porque a ópera-bufa
ainda não saiu da cena
brasileira.