sábado, 26 de dezembro de 2015

A propósito do artigo "Gênese dos meus 'Poemas Inéditos', de Elmar Carvalho"



   
              Cunha e Silva Filho
         


         No texto   acima referido no título deste artigo, à feição do que fez Manuel Bandeira, no conhecido  e indispensável  ensaio autobiográfico,  “Itinerário de Pasárgada, o poeta  piauiense Elmar Carvalho, expõe,  em muitos passos de forma bastante lírica, evocativa,  as razões das origens  de seus chamados "Poemas Inéditos.” O texto é abissal, e direi  por quê.
         O artista do verso tanto os de maior  grandeza quanto os de menor  qualidade,  no Brasil ou no exterior, em muitos ângulos, são autênticos críticos e intérpretes de suas obras. Poderia citar vários deles, entre os quais,  T.S.Eliot, Coleridge, Murilo Mendes,  Ezra Pound, Goethe, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Otávio Paz.
         A visão da poeticidade que  esses  artistas  da palavra têm, como se vê, é a do conhecimento  "interno" da estrutura do verso,  inclusive dos “mistérios’ que ultrapassam  o plano da lógica. E é Bandeira, exímio artífice do verso, que nos ensina: poemas há de sua lavra que só podem ser explicados pela tão denegrida  “inspiração, de fundo romântico. Por isso,  ele fala tanto em  alumbramentos.”
     Outros não, são frutos  do domínio  do verso, de seus segredos, de seus fundamentos  teóricos.  Para Ferreira Gullar,  os poemas, muitas  vezes, nascem provocados  pelo “espanto”  diante da vida, diante de algumas singularidades  que se colocam  ante a atenção do  artista.   Para o autor do Poema sujo (1976)  a vida não  basta no que é, ela necessita de um  complemento que justamente  está na Arte, enfim,  em  quaisquer de suas  manifestações. Em outros termos, seria  impensável viver-se sem   os valores artísticos. A vida seria uma esterilidade,  um vazio  enorme , irrespirável.
     A visão do  exegeta,  do crítico  militante ou não,   parte de fora para dentro do texto. É  uma visão alicerçada na experiência e convívio  das leituras  intensas e extensas da palavra  poética.
    Seu ponto de apoio analítico  se assenta na teoria, no estudo da linguagem e da "competência literária"( Vítor Manuel de Aguiar e Silva).  Ou seja,  não é a dos poetas que passaram  da ideia de um tema  para fins  de compor um poema, do influxo vibratório da "inspiração,"  para um trabalho   lúcido da transformação  do verso em poesia, visto que poesia pode estar igualmente na prosa, na ficção,   num belo discurso oratório e até na leitura em voz alta de uma emocionante   mensagem, quase silenciando  quem lê o texto  em virtude  da carga sonoro-semântica   de sua tessitura, porquanto   a nossas voz fica embargada, entrecortada, soluçante,  a ponto de chorarmos,  numa mutação psicofisiológica  tamanha que   o efeito do movimento da leitura   se transforma em quase impedimento de sua continuidade.   Não é isso  um momento  de  extremo  lirismo?
   A poesia no verso  é resultado de uma proficiência de conhecimentos  técnicos implícitos ou  explícitos (metapoesia, metalinguagem  literária)). Além disso,  poesia  é  um produto  da tradição com  a atualidade, não havendo nunca  um ruptura total com o passado, ou com os passados,   a não ser no caso  da poesia antidiscursiva, do poema concreto, ideográfico, exclusivamente  verbo-voco-visual, que não se sustentaria  por muito tempo porque a discursividade, nos limites do lirismo, do poético de qualidade, é base de toda expressão  do  pensamento  poético contemporâneo.
    Os vanguardismos são úteis na medida em que  dão uma "mexida" nos exageros  da discursividade  do poema feito com palavras,  frases, que não se renovam, que se congelam esteticamente. Novas formas  poéticas,   novos temas, visões do mundo de hoje   são bem-vindos. Os  vanguardismos foram  , em  muitos pontos, fecundos e deixaram marcas  na comunicação poética, porém foram   passageiros, por demais tecnicistas.
   Suponho que o lirismo  da linguagem   na sua sintaxe poética nunca vai  desaparecer,  porquanto o homem se cansaria  se continuasse a ler  poemas absolutamente  sígnicos, icônicos,  geométricos,  matemáticos, cifrados, tipográficos, perfomáticos,  tendentes a ultrapassar  a linguagem  literária e trocá-la por outras linguagens de outras artes, o que  por si só,  aniquilaria   a condição da obra  poética nos seus fundamentos intrínsecos e irrecusáveis.
  O homem precisa   da estrutura sintática, da linguagem  literária,  do que antes se chamava "conteúdo," algo a ser dito  poeticamente com palavras e não com  sugestões   grafemáticas que afastariam  cada vez mais os leitores    do pequeno   número de aficionados da grande poesia  de todos os tempos. 
  Elmar Carvalho  recorda as várias  circunstâncias,  no tempo e no espaço,  que ensejaram  a fatura de alguns de seus poemas, alguns  urdidos depois de muito tempo, de muito suor, outros  surgidos na mente do poeta  em forma  quase  perfeita para  serem  impressos.
   Aquilo que o homem comum  pensa ser assim tão  simples ou mera inspiração -  elaborar  um poema  - não espelha a verdade e a paciência  que os  poetas tiveram  na composição  de seus versos.
   Alguns poemas, ou   senão quase todos os poemas de  uma obra,  têm  histórias curiosas  e jamais  pensadas por seus leitores, precisamente  porque  a escrita  de um poema pode tanto vir  de dentro  de sua  imaginação diante dos apelos  do mundo quanto  pode  vir de uma incidente ou fato  exterior,  cuja matéria  é retrabalhada  pelo  artista do verso  a fim de  o plasmar  em  poema.
   O que me leva a pensar  que,  nesta  ordem,   guardam  semelhanças todos os escritores em geral,  os romancistas, os contistas,  os  dramaturgos, os cronistas, até mesmo os  articulistas. É do  mundo  externo,  do momento  histórico,   do imprevisto de um  instante que pode nascer a ideia-máter  de uma obra, seja um romance, seja apenas um  poema.
  Por todas essas considerações, vejo como muito oportunas  que poetas  possam  indicar  as inúmeras fontes de como se originaram  seus  poemas.
  No texto de Elmar  pude  perceber  que os poemas   por ele elucidados, ganham  dimensões  novas,  auxiliam analistas,  repropõem outras leituras, corrigem, revelam e desvelam     camadas insuspeitadas  pelo  seus analistas.  
 Quer dizer, servem a  críticos,  ensaístas,  professores de literatura que, ao compararem  o poema  feito com   as motivações  circunstanciais que   os deflagraram como peças literárias, complementam  gaps  com que   por vezes  se deparam o analista e crítico no tocante a  algumas nuanças hermenêuticas  que o texto poético, mais do que o  ficcional,  sinaliza: opacidades, elementos de alta voltagem estética  sempre  presentes e resistentes  ao   entendimento do leitor, mesmo do leitor  especializado nos meandros da poíesis.
     O artigo-ensaio de Elmar Carvalho   renova a  minha    percepção  de que os poetas são os usuários da língua que mais,  talvez, próximos estejam  dos segredos e riquezas  multifárias do idioma.
      No poeta nada escapa da profundidade e dos  pormenores de língua literária, nos poetas  a língua  seria uma forma inusitada de como   melhor  estabelecer a passagem  da nossa existência tão  cumulada de referencialidades para um mundo, um cosmos que aos poetas se abre como   uma entrada  privilegiada no reino das palavra-imagem-símbolo, uma  espécie de ludismo  fecundo em tensão com o  imenso  potencial  da linguagem somente a eles  acessível e por eles melhor  compreendida.      

Um comentário:

  1. Caro Cunha,
    Vc analisou o meu texto com muita propriedade.
    Como sempre o amigo se houve com muita competência e domínio do assunto.
    Parabéns pra vc e consequentemente para mim também.
    Abraço,
    Elmar

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