domingo, 13 de dezembro de 2015

A rede e os sonhos




                                     Cunha e Silva Filho


        Na distância temporal do presente da narrativa para  aquele  passado que, a qualquer momento,  vem à tona,  me descubro,   num dos cinco quartos da casa paterno-materno-familiar,  um rapazinho deitado na rede a sonhar acordado. Ninguém sabia que, ali relaxado na rede,  quase imóvel,  eu estava fazendo  planos  para o futuro.
       Eram muitos planos, amiúde difusos, e superpostos num desenrolar  de um novelo  da existência  que, muitas vezes,  me via chorando. Agora,  não consigo discernir bem  por que chorava. Mas chorava  ali em silêncio, afastado de todos que havia na grande casa da Rua São Pedro esquina com a Rua Arlindo Nogueira – rua que costumo  chamar de “rua do amor, às vezes “rua da adolescência.”  Pouco importa a minha hesitação em preferir uma ou outra. Ambas confluem para um período caro de minha vida.
      Hoje, tão distante no tempo e no espaço,  volto a refletir sobre a natureza daqueles sonhos   acordados. Medito  e alguma  réstia de luz  se lança sobre o meu  presente de escrita. Procuro alguma compreensão palpável que possa se transformar em algum  relato. Está difícil. As palavras me fogem, o entendimento  me escurece  a razão agora tão necessária.
      Tento mais uma vez me recordar de alguns instantes, de algumas situações dos sonhos despertos. Sei que um frincha do tempo  me fala que eu  chorava por alguma coisa  desagradável a ocorrer no futuro de adulto. Poderia ser a solidão,   a dor,  a saudade antecipada, os desatinos da vida, o amor desfeito, a vida profissional  escolhida. As situações eram múltiplas. Vinham, como disse, superpostas cheias de lances  tortuosos. Em nenhuma delas me parece  ter vislumbrado  muitas alegrias, mas  dificuldades,  lutas,  muitas lutas do homem adulto contra as contradições da existência. Por isso,  é  que chorava na rede acordado,  isolado de todos, ali, escondido  na rede.
       Será que alguém do meu tempo de adolescente  partilharia das mesma forma de experiência,  não  onírica, não  a do sonhos  mesmo,  mas a do sonho   acordado,  do sonho  consciente de que  não estava  delirando,  do sonho  da invenção, do imaginário possível que poderia ser premonitório,  vaticinador, demiúrgico, pois me dava a sensação de que eram  vários os lugares  em que  podia me encontrar, bastando para isso que me deslocasse forçando  o meu espírito a outras paragens  terrenas,  factíveis, ponderáveis.
     Não nego que, malgrado chorasse em silêncio, as sensações  provocadas pela imaginação  me eram agradáveis  e simultaneamente  hostis.  Doíam na alma,  mas tinha algum sentido  no plano  racional.  Ao meu redor,  não havia  ninguém  falando ou  fazendo algum barulho que me afastasse daquele escapismo  do meu  mundo exterior para o mundo da fantasia,    
    Me recordo de que esses fatos  me aconteceram  várias  vezes e nas mesmas condições: deitado na rede,  sozinho no quarto meio escuro, não necessariamente à noite, pois creio que aconteciam mais durante o dia,  talvez nas tardes calorentas de Teresina.
    Aqueles períodos de  fuga  da condição  de adolescente para zonas  indecifráveis  de um futuro  criado pelos meus pensamentos me martelam agora que me vêm à mente depois de tanto  tempo  corrido.
     É certo  que, ao rememorar aqueles sonhos  vividos que  se concentravam no  futuro  de forma  indefinida,  difusa, alguma analogia  poderia  ter com  o meu instante presente. Não é possível não conseguir estabelecer algumas analogias,  alguns  pontos de   contato, algumas coincidências  no presente desta escrita.
    Sim,  existem, no fundo de nosso ser de agora, alguns elos que me poderiam  esclarecer aqueles sonhos acordados,  sentidos,   vividos na variabilidade e nas súbitas mudanças  de  fatos e acontecimentos, de espaços físicos e temporalidades  múltiplas relativos a  experiências  e de situações  multifacetadas de minha fase  existencial de hoje. É impossível não detectar alguns sinais entre os sonhos  acordados e a realidade da minha travessia  ao futuro.
     Tudo me leva a crer que aqueles sonhos, não sonos,  anunciavam fases que iriam atravessar  com alguns sobressaltos e também  com algumas  alegrias. Não escondo que  os sobressaltos são maiores e mais  pesados do que as alegrias  de instantes  de bem-aventurança.
    Porém,  aqueles  sonhos  acordados  não me  ocorrem mais, uma vez  que o tempo em  que me encontro é tempo  de regresso não  mais  de,  sozinho,  acordado,  distante de todos,  sonhar  acordado no aconchego e no prazer de estar  deitado numa rede  em Teresina. Esse acontecimento  repetido na  puberdade levava nas minhas  lembranças  mas sem  a decisão voluntária  de algum dia  pô-los em forma de crônica.
     

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 Hoje, depois de ler  um artigo belíssimo de Márcio Tavares D’Amaral (Segundo  Caderno , O Globo, p.2, 12/12/2015), de título “E os que lutam com o Anjo” e de ler uma reportagem sobre os cem anos de nascimento de Frank Sinatra, saí da mesa da cozinha, onde costumo  ler jornais ou livros, e  fui para o meu computador  com a ideia de escrever sobre a minha ida ao Maracanã  assistir  à apresentação  de Frank Sinatra com meus dois filhos, Francisco Neto com nove anos, e Alexandre com sete anos.
    Era o ano de 1980. De ônibus saímos do bairro em que morei por vários anos, a Vila da Penha. A volta foi terrível. Encontrar ônibus para  o nosso bairro, em horas já adiantadas, foi uma aventura. As ruas  do bairro da Tijuca  estavam lotadas de carros particulares.O trânsito estava congestionado. Foi um perrengue conseguir o ônibus para regressarmos. Me lembro  de que pegamos dois ônibus para chegarmos  à Vila da Penha.
       Valeram as dificuldades de condução.  Valeu também  ouvir o cantor  dos olhos azuis, admiração  de gente jovem (eu, na época) e madura, como  umas senhoras idosas,  que estavam sentadas na arquibancada em que nos encontrávamos. Logo que  o artista-ator chegou ao palco,   cantado  umas das suas conhecidas músicas, em ritmo  de fala pausada em alguns passos, aquelas senhoras lançavam-lhe beijos levando uma das mãos aos lábios e  movimentando o braço em direção ao palco em que se encontrava o grande ídolo ítalo-americano  da canção romântica  que cativou várias gerações  de  fãs em muitas partes do mundo.


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