Cunha e
Silva Filho
Na
distância temporal do presente da narrativa para aquele
passado que, a qualquer momento,
vem à tona, me descubro, num dos cinco quartos da casa
paterno-materno-familiar, um rapazinho
deitado na rede a sonhar acordado. Ninguém sabia que, ali relaxado na
rede, quase imóvel, eu estava fazendo planos
para o futuro.
Eram
muitos planos, amiúde difusos, e superpostos num desenrolar de um novelo
da existência que, muitas
vezes, me via chorando. Agora, não consigo discernir bem por que chorava. Mas chorava ali em silêncio, afastado de todos que havia
na grande casa da Rua São Pedro esquina com a Rua Arlindo Nogueira – rua que
costumo chamar de “rua do amor, às vezes
“rua da adolescência.” Pouco importa a
minha hesitação em preferir uma ou outra. Ambas confluem para um período caro
de minha vida.
Hoje, tão
distante no tempo e no espaço, volto a
refletir sobre a natureza daqueles sonhos
acordados. Medito e alguma réstia de luz
se lança sobre o meu presente de
escrita. Procuro alguma compreensão palpável que possa se transformar em
algum relato. Está difícil. As palavras
me fogem, o entendimento me
escurece a razão agora tão necessária.
Tento mais
uma vez me recordar de alguns instantes, de algumas situações dos sonhos
despertos. Sei que um frincha do tempo
me fala que eu chorava por alguma
coisa desagradável a ocorrer no futuro
de adulto. Poderia ser a solidão, a
dor, a saudade antecipada, os desatinos
da vida, o amor desfeito, a vida profissional
escolhida. As situações eram múltiplas. Vinham, como disse, superpostas
cheias de lances tortuosos. Em nenhuma
delas me parece ter vislumbrado muitas alegrias, mas dificuldades,
lutas, muitas lutas do homem
adulto contra as contradições da existência. Por isso, é que chorava na rede acordado, isolado de todos, ali, escondido na rede.
Será que
alguém do meu tempo de adolescente
partilharia das mesma forma de experiência, não
onírica, não a do sonhos mesmo,
mas a do sonho acordado, do sonho
consciente de que não estava delirando,
do sonho da invenção, do
imaginário possível que poderia ser premonitório, vaticinador, demiúrgico, pois me dava a
sensação de que eram vários os
lugares em que podia me encontrar, bastando para isso que me
deslocasse forçando o meu espírito a
outras paragens terrenas, factíveis, ponderáveis.
Não nego
que, malgrado chorasse em silêncio, as sensações provocadas pela imaginação me eram agradáveis e simultaneamente hostis.
Doíam na alma, mas tinha algum
sentido no plano racional. Ao meu redor,
não havia ninguém falando ou
fazendo algum barulho que me afastasse daquele escapismo do meu
mundo exterior para o mundo da fantasia,
Me recordo
de que esses fatos me aconteceram várias
vezes e nas mesmas condições: deitado na rede, sozinho no quarto meio escuro, não
necessariamente à noite, pois creio que aconteciam mais durante o dia, talvez nas tardes calorentas de Teresina.
Aqueles
períodos de fuga da condição
de adolescente para zonas
indecifráveis de um futuro criado pelos meus pensamentos me martelam
agora que me vêm à mente depois de tanto
tempo corrido.
É
certo que, ao rememorar aqueles
sonhos vividos que se concentravam no futuro
de forma indefinida, difusa, alguma analogia poderia
ter com o meu instante presente.
Não é possível não conseguir estabelecer algumas analogias, alguns
pontos de contato, algumas
coincidências no presente desta escrita.
Sim, existem, no fundo de nosso ser de agora, alguns elos que me poderiam esclarecer
aqueles sonhos acordados, sentidos, vividos na variabilidade e nas súbitas
mudanças de fatos e acontecimentos, de espaços físicos e
temporalidades múltiplas relativos
a experiências e de situações multifacetadas de minha fase existencial de hoje. É impossível não detectar
alguns sinais entre os sonhos acordados
e a realidade da minha travessia ao
futuro.
Tudo me leva a crer que aqueles sonhos, não sonos, anunciavam fases que iriam atravessar com alguns sobressaltos e também com algumas
alegrias. Não escondo que os
sobressaltos são maiores e mais pesados
do que as alegrias de instantes de bem-aventurança.
Porém, aqueles sonhos acordados
não me ocorrem mais, uma vez que o tempo em que me encontro é tempo de regresso não mais
de, sozinho, acordado,
distante de todos, sonhar acordado no aconchego e no prazer de
estar deitado numa rede em Teresina. Esse acontecimento repetido na
puberdade levava nas minhas
lembranças mas sem a decisão voluntária de algum dia
pô-los em forma de crônica.
____x______
Hoje, depois de ler um artigo belíssimo de Márcio Tavares D’Amaral (Segundo Caderno , O Globo, p.2, 12/12/2015), de título “E os que lutam com o Anjo” e de ler uma reportagem sobre os cem anos de nascimento de Frank Sinatra, saí da mesa da cozinha, onde costumo ler jornais ou livros, e fui para o meu computador com a ideia de escrever sobre a minha ida ao Maracanã assistir à apresentação de Frank Sinatra com meus dois filhos, Francisco Neto com nove anos, e Alexandre com sete anos.
Era o
ano de 1980. De ônibus saímos do bairro em que morei por vários anos, a Vila da
Penha. A volta foi terrível. Encontrar ônibus para o nosso bairro, em horas já adiantadas, foi uma aventura. As
ruas do bairro da Tijuca estavam lotadas de carros particulares.O
trânsito estava congestionado. Foi um perrengue conseguir o ônibus para
regressarmos. Me lembro de que pegamos dois ônibus para chegarmos à Vila da Penha.
Valeram as dificuldades de condução. Valeu também ouvir o cantor
dos olhos azuis, admiração de
gente jovem (eu, na época) e madura, como umas senhoras idosas, que estavam
sentadas na arquibancada em que nos encontrávamos. Logo que o artista-ator chegou ao palco, cantado umas das suas conhecidas músicas, em ritmo de fala pausada em alguns passos, aquelas
senhoras lançavam-lhe beijos levando uma das mãos aos lábios e movimentando o braço em direção ao palco em
que se encontrava o grande ídolo ítalo-americano da canção romântica que cativou várias gerações de fãs
em muitas partes do mundo.
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