sábado, 19 de dezembro de 2015

DAS AMIZADES PERDIDAS



            


                                               
                                             [...]   
                                  Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
                                  O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
                                  A mão que afaga é a mesma que apedreja.
                                                         [..]
                                  AUGUSTO DOS ANJOS,  Eu e outros  poemas
                                                
                             

CUNHA E SILVA FILHO



        Poder-se-iam  citar a  mancheias as causas  das perdas das amizades. Não vou esgotar o tema,  principalmente porque este não é objetivo  dos comentários que farei neste artigo (crônica, sei lá, chamemos apenas “texto” para ficar  ao lado do poeta, tradutor,  ensaísta e crítico  José Paulo Paes (1926-1998).
        Menciono algumas is facilmente me   à tona, a que se situa no domínio da política, da literatura e mera convivência social, a que pode  estar no condomínio de um prédio,  no açougue,  na loja, na banca de jornal, no trabalho,  na família, entre familiares, nas instituições  culturais, nos clubes   nas academias  de letras e assim por diante.
       Vejamos a primeira, que é muito comum em nosso pais  e desde tempos bem recuados quando, numa cidade do interior,  dois partidos  dividem  as ambições de assumir a liderança  política local. Inúmeros são os desdobramentos  que de ordinário  surgem em meio às refregas: as famílias da situação e as da oposição  se tornam  inimigas,  por vezes chegam às vias de fato,  por vezes  cometem  desatinos entre si e até ao extremo de  cometer  atos  in desejáveis, como crimes.
     No campo amoroso,  membros das famílias não podem  namorar outros cujos pais lhe são  desafetos políticos. Daí pode  ressurgir, em alguns casos,  tragédia do tipo  Romeu e Julieta,  de William  Shakespeare (1564-1616). Nos anos 1920, 1930, 1940 1950, só para dar  um recorte no tempo,   eram  comuns  familiares  se tornarem  inimigas  quando  seus membros  escolhiam  seguir a  carreira política e se candidatavam a cargos eletivos, prefeitos,  deputados, vereadores. A política no  interior desse mesmo  país, pelo menos  antigamente, assim me contava meu pai,  começava a ser assunto mesmo entre   crianças, de adolescente, os quais  discutiam  suas posições, naturalmente  influenciados pelos adultos.
        Para espíritos muito  inclinados à política  militante,  não necessariamente aquela  voltada para  exercer  mandatos, e meu pai era um exemplo disso,  o fato   era bem  observado  pelos adultos.
    Uma tia-avó materna, a Aurora Cunha e Silva, há muito falecida, a quem chamávamos  carinhosamente de tia Lolosa, professora  primária  muito  respeitada na época em que  lecionou em Amarante, PI, e em Teresina,  certa feita me fez um comentário:  “Não sei, Francisco,   como você  não é chegado à política, seu pai foi, desde bem jovem,  tão interessado por   política, e você não me parece gostar  da discussão política”
      Razão tinha ela,   pois meu pai foi  tão um    jornalista  visceralmente político a vida inteira. Olhei para ela e apenas lhe sorri, sem lhe dar uma resposta   nem lhe apresentar argumento algum.
      Isso ficou  na minha  cabeça por muito tempo.  Só com a maturidade me veio  o interesse  político,  não para  ingressar  na política, mas como  campo de  análise, de discussão,  de reflexões  que me levaram logo a  escrever sobre assuntos,  os quais não eram  estreitamente  de cunho  político, no sentido técnico, de aprofundamento nas questões fundamentais  da vida política nacional, contudo estavam  muito  intimamente   conexionados com ela.Ou seja, os problemas que diziam  respeito  à vida do brasileiro, da nossa sociedade começaram a me  chamar a atenção e se tornar  até   temas  recorrentes  meus, o mesmo se estendendo para a situação  do mundo  político internacional, que passou a ser  objeto de minhas   discussões em jornais do Piauí e, depois,  em  meu blog “As ideias no tempo,”   sempre que  afetavam   as condições  injustas  vividas por países tanto das Américas  quanto do mundo em geral. 
   Em resumo,  a opção minha  de estimar  o debate político visando à defesa de minhas ideias e posições me custou  a perda de amizades que  supostamente  pensava que fossem verdadeiras,  visto que, quando são genuínas,   profundas,  elas não se   acabam   meramente  por  motivos  ideológicos, os quais – com somos tolos! -  não vão beneficiar nem a mim nem as minhas amizades  perdidas.
    O único beneficiário das polêmicas  entre  contendores é o próprio sistema dominante ou a oposição,  ambos, ao contrário dos humildes  discutidores  de política, ao final e ao cabo,   só lucrando com isso, ao receberem seus votos. Os briguentos – cá no espaço anônimo e  terra-a-terra – de lucros  só tiveram  prejuízos e a perda da amizade. Confuso mundo o nosso.
   Na  perda da amizade por motivações  literárias, o país tem uma longa tradição, sobretudo nos anos 1940, período em que  pipocaram  inúmeras combates nos jornais, muito acirrados dividindo escritores a favor ou contra  determinadas práticas  de visões literários. O  mais célebre, a meu ver, foi o travada entre o crítico Álvaro Lins (1912-1970) e o crítico  Afrânio Coutinho (1911-2000),  ambos  com  propostas  de militância  na crítica  inteiramente  diferentes, o que redundou  em  discussões  violentas entre eles, sobretudo  da parte  de Afrânio Coutinho, espírito mais    apaixonado  pelos seus ideário de   abordagem  do fenômeno literário, sobretudo  porque  Coutinho  almejava atingir um  alvo: o de  desalojar  da liderança  da crítica de rodapé o  famoso  autor de Os mortos de sobrecasaca(1963)
       Em várias obras, debatendo os seus pontos de vista no tocante à judicatura crítica,  Coutinho defendia   a crítica universitária,  através da qual  os estudos  literários poderiam  encontrar o seu locus  principal  de desenvolvimento  e de atualização  dos estudos  literários entre nós. Afrânio Coutinho saiu, de certa maneira,  vencedor; Álvaro Lins, desgostoso,  foi aos poucos se afastando  dos meios literários,  inclusive da Academia Brasileira de Letras de que era ilustre membro. Para ainda piorar sua vida de escritor, ainda morreu  antes de completar sessenta anos. A polêmica entre os dois  foi  o núcleo central  de minha pesquisa de pós-doutorado na UFRJ concluída em  2014.
       Mesmo tendo pessoalmente me  envolvido em curta polêmica no Piauí,  deploro certos arroubos das polêmicas sobretudo um lado que reputo deplorávael: os ressentimentos  que deixam marcas e que, a meu ver,  só prejudicam  o conjunto da vida literária entre pessoas que,  de outra forma,  poderiam  até, quem sabe,  terem feito boas amizades a fim de  tocar a marcha dos estudos da literatura  em nosso país. Para a literatura, sobretudo quando entram em jogo a objetividade  e seriedade da vida acadêmica,  o uso das citações  bibliográficas tendem a  subtrair  as obras de nossos   inimigos  no campo  teórico e vice-versa, o que é uma perda e um desserviço à mentalidade imparcial que deve presidir  o  trabalho acadêmico. Essa situação assim criada se me afigura uma violência, espécie de  tácita e desonesta   obnubilação do  espírito científico   na investigação  acadêmica. Espécie, em suma,  de crime capital  que ainda grassa  no meio  intelectual  e universitário brasileiro.  
    Quanto às inimizades convencionais que possamos  ter ao longo da vida,  elas também  não trazem  nenhuma vantagem a nenhuma das partes, malgrado reconheçamos que   algumas delas  devam  se manter no  ponto  em que as deixamos  por  absoluta incompatibilidade entre as partes. Outra podem ser refeitas, dependendo dos condicionamentos   que as geraram, os quais, podem, de repente,  por uma circunstância ou outra, se reabilitarem.      
     Porém, é muito pouco provável que haja reconciliações entre as pessoas, dado que o ser humano  é imprevisível,   rancoroso,   preferindo não abrir a guarda,  a qual   seria  a possibilidade da  volta da amizade.  Repito: é quase impossível  que as amizades  perdidas  refaçam o caminho da volta, tão necessário à vida em sociedade, à vida comunitária. A realidade, todavia,  é outra e nada tem a ver   com as nossas  específicas  subjetividades  tão arraigadas estão  ao  nosso  universo afetivo interior ultrajado.
    
   
    

    

Nenhum comentário:

Postar um comentário