Cunha
e Silva Filho
À medida em que vou
envelhecendo, sinto a solidão dos
amigos, e aqui aludo até mesmo aos amigos mais íntimos, não aos colegas fortuitos, aos amigos de conveniências, aos de um dia, de uma
semana, de um mês, de um ano, de
horas, da infância (já quase apagados,
tudo é penumbra, que mais está para o
fog inglês), aos amigos formais. Parece que a tecnologia, o louco mundo contemporâneo, das amizades virtuais, dos facebooks,
do telefone, dos tablets e outros gadgests está substituindo, parcamente, é claro,
as grandes amizades. Considero que o verdadeiro amigo é aquele com
quem se pode desabafar, dizer verdades e até mesmo
soltar uns palavrões. Amigos que se encobrem de formalidades não
são verdadeiros amigos.
Eu sei que
estou sendo duro
com o desenvolvimento do tema desta crônica, mas não me conformo em absoluto com a falta do sentimento mais puro e
incondicional. Na vida social, todos são “amigos,” até os estranhos muitas vezes chamamos de “amigos.” O sentido genuíno, nobre, solidário,
preciso, afetuoso, a amizade
livre que não tem receio de errar diante
de um grande amigo, é esta que me faz
falta no mundo atual. Estou cansado de
expressões meramente corteses: “meu amigo”, querido amigo”, ”um abraço do amigo etc.” Elas só valem pelo significante, é incompleta na inteireza
semântica, na verdade íntima, não vai ao
“eu profundo” dos simbolistas.
Da infância para
adolescência, desta para a vida adulta e da vida adulta para a velhice vamos
acumulando um monte de perdas de
amigos, que se afastam, somem nas multidões. Sei que a vida presente é um
frenesi, um açodamento, uma
correria, um pensar em si mesmo, e, então,
os outros, vão sendo deixados para trás,
até serem definitivamente esquecidos pelo animal social.
A corrida para o sucesso, para a sobrevivência, para o que dá mais lucro e conforto são fatores agravantes da fragmentação
do indivíduo. E é nessa corrida que as promessas se vão
esfacelando. A passagem da
existência terrena é mesmo escassa de grandes amizades. O tempo urge. Os
compromissos inadiáveis na agenda do individualismo estão acima
do sentimento lídimo da
amizade. Para o nosso pequeno mundo, passageiro e curto, temos todo o tempo do mundo. E isso vale para
pai, filhos, netos, parentes em geral. Há quem me diga:
“Mas você não me procura, não me telefona, não me escreve, anda sempre sumido...” Não, não sou eu que não escrevo, não sou eu que estou
sumido, é a amizade que está fenecendo.
E este fenômeno social abarca não só os
que não são parentes, segundo falei atrás, mas todos socialmente considerados
.Há quem fale de uma amizade que me decepciona em
especial: a amizade que chamo de “interessada.” Não é uma
amizade de verdade, ela vive das aparências e da hipocrisia; é plena de carinhos, atenções,
bajulações. Não se sustenta na verdade dos sentimentos, conserva-se sob o escudo das exterioridades, das superfícies, do faz
de conta. O seu motor propulsor, o seu dínamo
se alimenta da fachada, do postiço, do
irreal. Seria como uma amizade “comprada.”
Ela dura enquanto dura o
interesse maior interpessoal mediado pelo fetiche do dinheiro e do
poder econômico-financeiro.Seu
passaporte é o prestígio financeiro de um dos lados, o lado mais forte, que é o
capital, a conta corrente gorda e verdadeira fábrica de amizades
de fancaria.
Talvez, uma
única saída para essa carência é
cultivar a solidão da arte, do artista, do nosso mundo
íntimo e profundo.Que me seja
consolo a seguinte admirável passagem de um texto do crítico Álvaro Lins (1912-1970), autor que tenho ultimamente tanto lido por injunções de pesquisa e pelo prazer de seus textos: “Porque
é um solitário é que o artista constrói
um universo de imagem onde possa introduzir as raízes mesmas do seu ser.Porque é
um artista é que um homem tem que ser
solitário, porque somente na solidão a arte existe.” (LINS, Álvaro. Teoria literária. Rio de Janeiro: Edições
de Ouro, 1970, p. 109).
A pergunta do
título desta crônica não é um mero jogo retórico, mas a constatação da experiência de
quem viveu mais do que tantos que já se foram, alguns ainda tão
cedo. A sociedade, capitalista, ou não capitalista, dos nossos tempos é que nos empurra para a solidão e perda das amizades feitas ao
longo da vida.Todos, ou quase todos, estão
pensando mais no seu próprio umbigo,
na sua aventura pessoal e no
seu hedonismo intransferível. Só as aparências valem, combinadas
harmoniosamente – quão lamentável! - com
o dinheiro e a conquista pessoal, o culto à beleza
da juventude e a obsessão pelo aqui e agora. Amizade, família pais ficam para trás. Que fosso tão
profundo existe entre novos e velhos, entre a alegria do primado do presente eterno e efêmero e a
solidão dolorida da experiência a caminho da eternidade, vista
esta em todas as suas formas de expressão
e busca pelo sentido do tempo e da existência. Volto à pergunta
inicial: Quem são os meus amigos? Quereis, leitor, a minha
resposta? Não vou dizê-la.
Deixo-a em aberto. Muitas
vezes, prefiro a ambiguidade à clareza sob
o manto opaco da hipocrisia: uma realidade digna da ficção machadiana
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AO PÉ DA PÁGINA
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AO PÉ DA PÁGINA
Precisa ler mais
Cunha e Silva
(...)
O povo brasileiro precisa ler mais. Ler, não apenas livros instrutivos e
de deleite intelectual, como romances, contos e poesias, como também jornais e
revistas, aliás, de custo mais barato e ao alcance de gente de todas as camadas
sociais, desde os proletários às mais providas de recurso financeiros. A leitura do jornal e da revista
é de grande utilidade para a educação política e cívica do nosso povo alfabetizado.
Com a leitura do jornal e da
revista o povo brasileiro terá mais capacidade para o exercício do voto e, por
conseguinte, saber melhor escolher bons
candidatos para as funções administrativas e representativas.
Pouco se lê no Brasil em virtude de
não haver estímulo para o hábito da
leitura. O descaso de se ler neste país é tão grande que é irrisório o número
de Bibliotecas Públicas existentes nas capitais e cidades maiores de cada
Estado. . Em Buenos Aires
– a bela, pitoresca e rica capital da Argentina
– existe mais Bibliotecas do que no Brasil.
Ora,
isso nos causa vergonha.Quem não gosta de ler, não gosta, portanto, de
saber e de se instruir. E povo sem
instrução, e educação é povo sem sonhos de grandeza material e espiritual. Como
poderá a democracia brasileira se aperfeiçoar com o povo atrasado e sem entusiasmo para o estudo
e para a leitura? (...)
N.
do Blog: O trecho do recorte do artigo acima, não
vem a data nem o nome do
jornal.Talvez seja o Jornal do Piauí.
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