sábado, 14 de junho de 2014

Na onda da bola

                         


                                            Cunha e Silva Filho


                  Não vá  o leitor pensar  que sou um expert em futebol. Longe disso. Creio que o interesse pelo futebol no Brasil é algo entranhado como  o samba, o carnaval, as mulheres brasileiras.
Quando  adolescente,  lá em Teresina,  na Rua Arlindo Nogueira esquina com a São Pedro, tudo poderia ter sido diferente se, nas peladas, do lado da Arlindo Nogueira,  eu me saísse melhor nos chutes e nos dribles. "Qual nada!” Mamãe era a primeira a lembrar, tempos depois,  quando   já era adulto, que eu,  não aguentando o lado  mais  violento  do futebol, de repente saía  do jogo quase chorando  por ter levado alguma pancada mais forte na canela. Não gostei desse comentário de mamãe,  por que me expunha  aos risos  de colegas, amigos e  parentes. E eu não suportava  tais confidências. Mexia com os meu  brios de adolescente . mas deixemos isso pra lá que,  do contrário,  iria transformar-se em  desabafos  à maneira de Graciliano  Ramos.
Há pouco,  fui chamado pela minha esposa para colocarmos a bandeira brasileira  na grade protetora da varanda do meu apartamento. O meu ato de escrita, pode se chamar com rigor, foi  uma pausa no tempo real  da narrativa, ou seja, o real se intrometeu  na crônica, o que  me faz lembrar daqueles  dois elementos da narrativa  - o interno e o externo -  componentes “dissociados,” expressão do crítico  Antonio Candido, que, segundo  este mesmo critico, se tornavam unificados  já que o externo (a realidade empírica, os fatores sociais, históricos,   biográficos etc) se tornava interno, quer dizer,  passa a fazer parte integral da  compreensão  estrutural  da  ficção, sem  os receios de subordinar-se ao interno ( a linguagem literária, "sistema semiótico  secundário",  a história inventada, as personagens,  o enredo,  o tempo, o espaço, os símbolos,  a imagem,   a metáfora, o ritmo,  os recursos retóricos, tão prezados  pelo pensamento  crítico formalista dos anos  setenta, oitenta do século passado
Depois dessa digressão cansativa ao leitor que espera alguma   fato  surpreendente, leve ou poético no gênero  da crônica,  quero-lhe dizer que há uma hora atrás estive   quase a dar uma volta nas pistas  de ciclistas do belo   Estádio do Maracanã – delícia dos  turistas nacionais e estrangeiros,  principalmente daqueles  tão  aficionados  ao futebol e desejosos de conhecer  o  mundialmente  famoso   estádio. Com um sol  forte pros dias de um mês mais geralmente  frio,  o estádio estava em festa,  com gente circulando por toda a parte externa daquele  “santuário" do futebol brasileiro.
O Maracanã está pronto,  por dentro e por fora, a fim de receber, no domingo duas seleções (deixe-me consultar a tabelinha da Copa do Mundo-20140. Ah, aqui está: no domingo, amanhã: Espanha e Chile. Não irei assistir ao jogo  in loco.  Verei pela TV. O receio é que amanhã possa haver manifestações contra a Copa, digo, contra os gastos  governamentais na construção de estádios ou em  reformas  de estádios. Fora outros  gastos derivados  das exigências da toda poderosa  FIFA. Esperemos que  tudo ocorra  bem dentro do Maracanã e fora dele.
Sou informado  pela TV que o Brasil  está melhor no que tange à vida dos brasileiros. Contudo, essa declaração  da imprensa   internacional  nunca espelha  a verdade mais  funda, i.e., a dos brasileiros  que tanto ainda sofrem  pelas graves  deficiências  já  tão conhecidas dos leitores. Continuam  morrendo pessoas por falta de assistência médica em toda a parte do país. Os transportes de massa  ainda precisam  dar conta da demanda crescente  das megalópoles.
A escola pública (estadual  e municipal –  é bom que lembremos  isso - , está ainda em baixa, tanto na valorização dos professores quanto  na eficácia dos ensino  oferecido. A violência sem freios, a impunidades que lhe é corolário  determinante,   o tráfico,  as drogas, as milícias,  a delinquência de menores e adultos  continuam  livres e fagueiras.
 Essa dimensão do país não pode ser  jogada debaixo do tapete, mas denunciada sempre e sempre aqui e fora de nossas fronteiras. E, last but not least,  a corrupção  da politicagem, que parece  não ter  fim. Esta imagem podre  do Brasil tem que ser levada em conta em  qualquer  análise da sociedade brasileira.
Não queremos um país dividido entre riquíssimos e  miseráveis, que ainda os há pelo Brasil afora.  O que não se pode suportar,  sem protestos   e indignação, é  passivamente ver   jornais ou  pesquisas de estatísticas   no exterior passarem uma imagem edulcorada de meu país. Só quem vive o dia-a-dia do povo brasileiro  pode avaliar  o que aqui se faz, como se faz e por que se faz. É preciso  ter vivência suficiente para   fazer-se uma estimativa  sobre as condições  e os vários aspectos da realidade nacional. O olhar do estrangeiro nem sempre  confirma  a experiência de nosso  quotidiano e de nossas mazelas  em todos os sentidos.
Não podemos   perder a onda da bola. Tentar decifrá-la é matéria  de quem  ama o país de verdade e não na limitada   forma de individualismo burguês refestelado,  bem nutrido, como  já afirmei alhures,  em poltronas macias,    alienante, hipócrita e  mistificador.


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